O Príncipe de Nassau - Unama

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www.nead.unama.br que aí está, já não é suspeito em Maurícia?Os seus inimigos à não andaram charamelando, abertamente, que Vosmecê conspirador? Vosmecê não anda já, para evitar ciladas, enfiado pelos matos, a dormir mim rancho destes, como bicho? Que é que Vosmecê espera em suma, João Fernandes, para atear fogo ao estupim? João Fernandes ergueu-se. O seu olhar esbraseava. Na testa um vinco fundo, no lábio aquele mesmo sorriso mofador: — Frade! Hoje é dia grande para nós. Concordo. Mas hoje, também, para nós é dia de muita lágrima! — Que diz, João Fernandes? Interrompeu o padre fremindo; que diz Vosmecê aí tão despropositado? — Não se espante, Frei Manuel, retorquiu João Fernandes acerbamente. Repito a Vosmecê com segurança: hoje, para nós, é dia de muita lágrima! Hoje é dia em que morreu, para sempre, a esperança de salvar Pernambuco das unhas dos hereges! — Morreu a esperança de salvar Pernambuco? Vosmecê disse isso, João Fernandes? O frade não podia crer no que ouvira. Olhava para o amigo, atoleimado. Mas João Fernandes retorquiu, impassível: — Eu compreendo, Frei Manuel, compreendo muito bem o espanto de Vosmecê. Mas sossegue. Vou explicar tudo. Chegou-se rente do religioso, botou-lhe a mão sobre os ombros, baixou ainda mais a voz: — Lembra-se Frei Manuel da embaixada de Martim Ferreira e de Pedro Arenas? Por certo que sim. Lembra-se também daquele bastão de ouro, cravejado de pedras, que veio de presente ao Príncipe de Nassau, não é verdade? E ainda Vosmecê se lembra, por certo, daquela audiência secreta que houve entre o Príncipe e os embaixadores... Não se lembra? — Lembro-me de tudo. E então? — Hoje, continuou João Fernandes com uma voz onde vibrava rude sarcasmo, hoje, como é notório, veio de novo à Maurícia essa vistosa embaixada. E sabe o Frei Manuel, que hoje, no Palácio de Friburgo, o Príncipe de Nassau e João Lopes tiveram outra vez nova conferência política? Ora, meu frade, eu agora pergunto a Vosmecê: que é que significam tantos mimos e segredos entre Nassau e Montalvão? Vosmecê não desconfia de coisa alguma? Frei Manuel não respondeu. Ouvia, olhava, abria a boca. — Pois eu esclareço a Vosmecê. Escute, frade, escute e pasme. Sacudindo forte os ombros do amigo, o olhar fuzilante, João Fernandes revelou esta coisa enorme: — D. João IV acaba de oferecer ao Príncipe de Nassau, por meio dos seus embaixadores, que seja o Imperador destas províncias! 22

www.nead.unama.br — Como? — D. João IV acaba de oferecer a Maurício apenas isto: a coroa do Brasil holandês! O pobre frade entonteceu. A alma desabou-lhe no chão. Era de assombrar! Mas João Fernandes bradou, bradou, vibrando, a voz áspera: — Eis aí meu amigo, eis ai a razão única por que andam tantos primores e embaixadas entro o Príncipe e Montalvão. Essas idas e vindas têm um significado imenso! E é por isso, diante do que eu vi e sei, que digo agora a Vosmecê, sem temor de errar: o Príncipe de Nassau vai ser, dentro em breve, o Primeiro Imperador de Pernambuco! 13 . Caiu pesado silêncio. As revelações de João Fernandes fulminaram. Aquilo, dito assim entre as paredes dum rancho, à luz fúnebre do candeeiro apavorava. Frei Manuel arregalava os olhos. Não sabia o que dizer. Afinal, depois de meditar, balbuciou: — Vosmecê diz coisas espantosas, João Fernandes. Coisas de aterrorizar um homem! E como é que Vosmecê pode saber de novidades tão brutais? João Fernandes encarou fito o religioso: — Quanta vez já não confessei eu que me carteio em segredo com a Bahia? Demais — Vosmecê bem o sabe! — nos temos um grande amigo dentro da Cidade Maurícia. É um que vive no Palácio de Friburgo. É um que está na maior intimidade do Príncipe. — Tourlon... — Tourlon confirmou João Fernandes. Calaram-se ambos. Entreolharam-se. João Fernandes enfim, com grande sarcasmo, sorrindo um sorriso astuto: — Como, então, depois de tudo isso, depois destas tremendas coisas que acabo de revelar, havemos ainda de nos bater pelo Rei de Portugal? Como havemos de pegar em armas a favor de D. João IV? Não é o próprio D. João IV, em pessoa, quem atraiçoa a sua causa? Frei Manuel não respondeu. Fitava estupefato o madeirense. E João Fernandes, a voz áspero, bradou firme, absolutamente resolvido: 13 Calado fls. 75: "Mandou Visorrey tratar com o códe de Nassao CERTO NEGOCIO DE GRANDE IMPORTÂNCIA DE MUITO PROVEITO E HONRA PARA O PRÍNCIPE E NÂO DE PEQUENO INTERESSE PARA O BRASIL E A COROA DE PORTUGAL; E COM UM LARGO OFFERECIMENTO (CUJO COMPRIMENTO LHE CERTIFICAVA SER INFALLIVEL) lhe mandou um bastão com uns remates de ouro. entresachados com pedras preciosas, peça de grande valor". Essa idéia de ser Maurício a dia o monarca do Brasil holandês, tomou vulto; pois os escabinos de Olinda, numa representação, diziam: "damos o parabem da pacificação do Estado, e esperamos que seja tão rendoso que nelle V. A. constitua UMA MONARCHIA PARTICULAR". Tomaz Alves Nogueira, no seu estudo sobre a vida do Príncipe, conclui assim: "por lealdade à Companhia das índias Occidentaes e governo das Províncias Unidas, o príncipe de Nassau rejeitou o diadema que na Cidade Maurícia lhe destinavam os Portugueses e os Flamengos, diadema esse que o próprio D. João IV tinha em mente offerecer-lhe...". 23

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— Como?<br />

— D. João IV acaba <strong>de</strong> oferecer a Maurício apenas isto: a coroa do Brasil<br />

holandês!<br />

O pobre fra<strong>de</strong> entonteceu. A alma <strong>de</strong>sabou-lhe no chão. Era <strong>de</strong> assombrar!<br />

Mas João Fernan<strong>de</strong>s bradou, bradou, vibrando, a voz áspera:<br />

— Eis aí meu amigo, eis ai a razão única por que andam tantos primores e<br />

embaixadas entro o <strong>Príncipe</strong> e Montalvão. Essas idas e vindas têm um significado<br />

imenso! E é por isso, diante do que eu vi e sei, que digo agora a Vosmecê, sem<br />

temor <strong>de</strong> errar: o <strong>Príncipe</strong> <strong>de</strong> <strong>Nassau</strong> vai ser, <strong>de</strong>ntro em breve, o Primeiro Imperador<br />

<strong>de</strong> Pernambuco! 13 .<br />

Caiu pesado silêncio. As revelações <strong>de</strong> João Fernan<strong>de</strong>s fulminaram. Aquilo,<br />

dito assim entre as pare<strong>de</strong>s dum rancho, à luz fúnebre do can<strong>de</strong>eiro apavorava. Frei<br />

Manuel arregalava os olhos. Não sabia o que dizer. Afinal, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> meditar,<br />

balbuciou:<br />

— Vosmecê diz coisas espantosas, João Fernan<strong>de</strong>s. Coisas <strong>de</strong> aterrorizar<br />

um homem! E como é que Vosmecê po<strong>de</strong> saber <strong>de</strong> novida<strong>de</strong>s tão brutais?<br />

João Fernan<strong>de</strong>s encarou fito o religioso:<br />

— Quanta vez já não confessei eu que me carteio em segredo com a Bahia?<br />

Demais — Vosmecê bem o sabe! — nos temos um gran<strong>de</strong> amigo <strong>de</strong>ntro da Cida<strong>de</strong><br />

Maurícia. É um que vive no Palácio <strong>de</strong> Friburgo. É um que está na maior intimida<strong>de</strong><br />

do <strong>Príncipe</strong>.<br />

— Tourlon...<br />

— Tourlon confirmou João Fernan<strong>de</strong>s.<br />

Calaram-se ambos. Entreolharam-se. João Fernan<strong>de</strong>s enfim, com gran<strong>de</strong><br />

sarcasmo, sorrindo um sorriso astuto:<br />

— Como, então, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tudo isso, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>stas tremendas coisas que<br />

acabo <strong>de</strong> revelar, havemos ainda <strong>de</strong> nos bater pelo Rei <strong>de</strong> Portugal? Como<br />

havemos <strong>de</strong> pegar em armas a favor <strong>de</strong> D. João IV? Não é o próprio D. João IV, em<br />

pessoa, quem atraiçoa a sua causa?<br />

Frei Manuel não respon<strong>de</strong>u. Fitava estupefato o ma<strong>de</strong>irense. E João<br />

Fernan<strong>de</strong>s, a voz áspero, bradou firme, absolutamente resolvido:<br />

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Calado fls. 75: "Mandou Visorrey tratar com o có<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nassao CERTO NEGOCIO DE GRANDE<br />

IMPORTÂNCIA DE MUITO PROVEITO E HONRA PARA O PRÍNCIPE E NÂO DE PEQUENO<br />

INTERESSE PARA O BRASIL E A COROA DE PORTUGAL; E COM UM LARGO OFFERECIMENTO<br />

(CUJO COMPRIMENTO LHE CERTIFICAVA SER INFALLIVEL) lhe mandou um bastão com uns remates<br />

<strong>de</strong> ouro. entresachados com pedras preciosas, peça <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> valor". Essa idéia <strong>de</strong> ser Maurício a dia o monarca<br />

do Brasil holandês, tomou vulto; pois os escabinos <strong>de</strong> Olinda, numa representação, diziam: "damos o parabem da<br />

pacificação do Estado, e esperamos que seja tão rendoso que nelle V. A. constitua UMA MONARCHIA<br />

PARTICULAR".<br />

Tomaz Alves Nogueira, no seu estudo sobre a vida do <strong>Príncipe</strong>, conclui assim: "por lealda<strong>de</strong> à<br />

Companhia das índias Occi<strong>de</strong>ntaes e governo das Províncias Unidas, o príncipe <strong>de</strong> <strong>Nassau</strong> rejeitou o dia<strong>de</strong>ma<br />

que na Cida<strong>de</strong> Maurícia lhe <strong>de</strong>stinavam os Portugueses e os Flamengos, dia<strong>de</strong>ma esse que o próprio D. João IV<br />

tinha em mente offerecer-lhe...".<br />

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