19.04.2013 Views

O Príncipe de Nassau - Unama

O Príncipe de Nassau - Unama

O Príncipe de Nassau - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

www.nead.unama.br<br />

Quem é João Fernan<strong>de</strong>s Vieira?<br />

Quem é esse personagem tão alto, tão em <strong>de</strong>staque, tão fragorosamente<br />

comentado no Recife? Ninguém sabia ao certo. Um mistério. Diziam os íntimos,<br />

gente da casa, que João Fernan<strong>de</strong>s era <strong>de</strong> linhagem clara, sangue muitíssimo limpo,<br />

<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte dos Ornelas e dos Monizes, fidalgos que entroncavam em linha reta no<br />

ilustre Tristão do Vaz, aquele mareante famoso, da casa do Infante D. Henrique, que<br />

tão gloriosamente <strong>de</strong>scobrira a Ilha da Ma<strong>de</strong>ira 8 .<br />

Murmuravam outros, os que bisbilhotavam coisas secretas, que aquele<br />

po<strong>de</strong>roso senhor <strong>de</strong> engenho não passava dum mulato forro, relíssima gentalha,<br />

filho bastardo <strong>de</strong> uma negra aventura da Benfeitinha, tipa <strong>de</strong>lambida da Ma<strong>de</strong>ira,<br />

com um ladrão <strong>de</strong>portado <strong>de</strong> Lisboa 9 .<br />

Tudo, porém, eram boatos. O certo, o incontestável, é que aquele senhor<br />

trigueiro, o empavonado favorito dos flamengos, <strong>de</strong>sembarcara no Recife ainda<br />

menino, rapazinho <strong>de</strong> apenas onze anos, sem vintém, roto e miserável como um<br />

mendigo. Aqui, mal aportou, empregara-se o fe<strong>de</strong>lho num açougue. Começou ai.<br />

Não podia, portanto, começar mais mo<strong>de</strong>stamente 10 .<br />

Mas naquele pedaço <strong>de</strong> homem ardia um coração interesseiro,<br />

perdidamente ambicioso. Botou-se a trabalhar com <strong>de</strong>sespero. Anos a fio correu-lhe<br />

a vida áspera, rochosa. Foi um lutar suadamente obscuro. E quanto mais passavam<br />

os anos, quanto mais homem ia se tornando, mais picavam a alma do chegadiço<br />

<strong>de</strong>sejos aguilhoantes <strong>de</strong> subir. E era hábil, era sutil, era jeitoso o aventureirozinho.<br />

No dia em que os holan<strong>de</strong>ses caíram inopinadamente sobre Pernambuco, o<br />

rapaz enfiou-se pelos matos, aturdido, à espera <strong>de</strong> ver no que parava aquilo.<br />

Compreen<strong>de</strong>u, num relance, que os intrusos haviam ganho a cartada. Compreen<strong>de</strong>u<br />

também (nada mais lógico!) que o melhor partido era o partido dos flamengos. Não<br />

vacilou. Correu ao Recife, procurou os triunfadores, alistou-se logo entre os mais<br />

<strong>de</strong>dicados aos novos donos. Gran<strong>de</strong> conhecedor da terra, muito astuto, energia <strong>de</strong><br />

ferro, João Fernan<strong>de</strong>s tornou-se em breve o homem necessário, o imprescindível, a<br />

mão direita dos invasores. Foi então, nessa hora, que a sua estrela cintilou claro.<br />

Jacob Stachouver, mercante em grosso, membro do Conselho Político, fez <strong>de</strong>le a<br />

pessoa <strong>de</strong> sua maior confiança. Entregou-lhe, com po<strong>de</strong>res absolutos, a<br />

administração <strong>de</strong> todos os seus teres. Des<strong>de</strong> aí, como por milagre, a fortuna sorriulhe<br />

com carinho. Foi escolhido para escabino. Tornou-se amigo <strong>de</strong> <strong>Nassau</strong>. Ficou<br />

íntimo no Palácio <strong>de</strong> Friburgo. Conseguia tudo o que queria. Enriqueceu<br />

singularmente.<br />

Os da terra, os que o viram chegar humil<strong>de</strong>zinho, roto, menino <strong>de</strong> açougue,<br />

ralavam-se <strong>de</strong> <strong>de</strong>speito. Formou-se contra ele uma atmosfera pejada <strong>de</strong> rancor.<br />

Antônio Cavalcanti, homem pobre, mas que blasonava <strong>de</strong> fidalgo, nunca se dignara<br />

apertar-lhe as mãos. Tratava-o com superiorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> moer. Dizia sempre, com<br />

esmagante <strong>de</strong>sdém, ao ver os sucessos do ma<strong>de</strong>irense:<br />

8 Lima Feiner, "O verda<strong>de</strong>iro nome <strong>de</strong> João Fernan<strong>de</strong>s Vieira".<br />

9 Alberto Lamego: "Papéis inéditos sobre Vieira", Rev. do Inst. Hist. Vol. 75. Moreau, Histoire <strong>de</strong>s <strong>de</strong>rnières<br />

troubles; "entr'outres estoit venu Johan Fernan<strong>de</strong>s Vieira, MOLATE DE NAIS-SANCE, esclave affranchy,<br />

pourtant intelligent et subtil..." No Diário dum Holandês vem textualmente: die een hawe moor end bastard is...<br />

10 Racine, o gran<strong>de</strong> trágico francês, diz ter sido apresentada a Luís XIV em nome <strong>de</strong> D. João IV uma memória<br />

on<strong>de</strong> há isto: "Le vice-roi <strong>de</strong> la baie <strong>de</strong> Tous-les-Saints gagua surtout à Pernambouc Jean-Fernan<strong>de</strong>s Vieira,<br />

portugais, qui <strong>de</strong> simple GARÇON BOUCHER, s'étant mis a service <strong>de</strong>s hollandois, s'étoit extrémement enrichi,<br />

et qui avoit grand nombre d'esclaves sous lui, qu'il foisat travailler au sucre, etc." Oeuvres <strong>de</strong> Jean Recine, Edit.<br />

Lefévre, 1835, pág. 388.<br />

17

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!