O Príncipe de Nassau - Unama

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19.04.2013 Views

www.nead.unama.br homem rompe aí. Vem de Holanda à frente de tropas frescas. Traz munição e viveres. Veremos, então, com esse reforço, onde vão acabar as valentias da canalha... Van Dirth ouvia, passeava, abria os braços num desconsolo: — É a única esperança! A única! Mas quando virá essa ajuda? Quando? — Nada de desânimo, homem! Coragem! Dentro de poucos dias as naus surgem aí. Vosmecê verá! Puseram-se a esperar. As coisas andavam tenebrosas. Tudo fúnebre. Van Schkoppe já não torcia mais o seu bigodão ruivo. Já não bravateava mais as suas grossas fanfarronices. O antigo conquistador pode verificar, naquela tarde sangrenta, que os brasileiros não eram os mesmos pacóvios da época da invasão. Outros tempos, outros homens! Os soldados agora tinham grandes brios. Tinham coragens loucas. Tinham tática. Endureceram-se nas brutezas da guerra. Tornaramse dum encarniçamento feroz. Eram inultrapassáveis nas guerrilhas de emboscadas. Recompondo a tropa, embora com a vaidade esmagada, Van Schkoppe aprestou os seus homens para novo ataque. Mordia-lhe aguilhoante desejo de desforra. Não descansou um dia. Agitava-o grande ânsia. Na Cidade Maurícia atropelaram-se os preparativos vertiginosamente. Van Schkoppe, varado pela bala, estendido no catre, não podia comandar a batalha. Ficou assentado que iria Brinck substituí-lo. Mandou arregimentar os homens. Distribuiu-lhes munição à farta. Dispôs a marcha para o romper do dia. Nessa noite, providencialmente, aportou à Cidade Maurícia um caravelão de Holanda. Vinha nele grande cópia de soldados. O Coronel Hous, aquele mesmo que fora preso no combate da Casa-Forte, remetido para a Bahia e dedespachado pura a Holanda, tornava agora dos Estados. Com ele, aventurando-se, voltavam quase todos os prisioneiros do célebre combate. Na casa de D. Ana, ante a chegada do holandês, houve larga alegria. Que alarido! Carlota, trancada no quarto, ouviu com espanto a estranha ruidosidade. De súbito, escancarando a porta, D. Ana surgiu inesperada diante da moça. E gritou-lhe com alvoroço: — Venha cá! Venha cá! A moça obedeceu. Ao entrar na sala, porém, Carlota recuou, gelada. Um suor de morte brotou-lhe no rosto. Rompeu-lhe da alma um grito surdo: — Segismundo. Era Segismundo Starke. A rapariga sentiu uma punhalada no coração. As lágrimas saltaram-lhe dos olhos. Pôs-se a soluçar com desespero. Mas Segismundo foi humano. Sossegou-a logo: — Não chore, Carlota. Eu venho para uma desferra. O ultraje da Casa-Forte abriu feridas aqui dentro. É preciso que eu me vingue. Hei de varar de lado a lado, com esta espada, esse miserável de Rodrigo Mendanha. Só então, só depois que o vir a meus pés, traspassado, é que tornarei a falar com você. Fique por ora sossegada. 126

www.nead.unama.br Carlota ouviu. As lágrimas despencavam-lhe aos borbotões. Não pronunciou palavra: precipitou-se espavoridamente para o quarto. No dia seguinte pela Cidade Maurícia, foi um amanhecer frenético. Toque de clarim. rufos. ordens de comando, fervilhante lufa-lufa bélica, Os batavos arregimentaram-se, socaram pólvora nos mosquetes, desfraldaram ao vento o pendão da Holanda. A um gesto de Van Brinck, sob um troar de caixas, marcharam com estrépito para os Guararapes. Pela segunda vez, no monte histórico, ia se travar uma luta de morte. Segismundo Van Schkoppe arde em ânsias. No catre, enrolado em faixas, o general espera emocionado o desfecho da batalha. Naquele instante, dentro dos brejos dos Guararapes, decide-se a sorte do domínio holandês. É o último arranco! Van Schkoppe compreende nitidamente a gravidade da hora. Os seus nervos tinem. Grande angústia anuvia-lhe o rosto. Que estará fazendo Van Brinck? E numa agitação, estendido no catre, espera... As horas passam. A ânsia esbraseia-o. Latejam-lhe as têmporas. Que estará fazendo Van Brinck? De súbito, pela Cidade Maurícia estrondejam gritos brutos. Corre-corre, vozerio de gente. precipitar de passos, tumulto febrento. O general. com supremo esforço, senta-se. O coração bate-lhe descompassadamente. A alma fuzila-lhe nos olhos. Gilberto Van Dirth embarafusta-se pela câmara. Vem anelante, num desnorteio, negro de pólvora. — Derrotados! — Derrotados? — Derrotados, esmagados Veja... Aponta, pelo vão da janela, a cena que vai lá fora. A correria é desabalada. Os fugitivos chegam num atropelo. Vêm como loucos, os cabelos ao vento, sem armas, enlameados, acuados, derrotados! Van Schkoppe contempla aquilo. O coração pulsa-lhe desenfreado. Não pode resistir: segura a cabeça entre as mãos, aperta-a com desespero, desanda a chorar convulsamente. Tinha razão Schkoppe para aquele desabafar! A derrota havia sido formidável. Maior do que a antecedente. Perecia nela a flor do exército batavo. Ficaram todas as armas. Ficaram todas as munições. O monte dos Guararapes cobriu-se de cadáveres. Van Schkoppe ouve a catástrofe monstruosa. Sente como uma pua cravada na alma, que era chegado o fim. Impossível resistir mais um dia. O general, com um soluço, toma a resolução suprema: — Estamos perdidos, Van Dirth! Perdidos para sempre! Não temos nada mais que lazer. Agora, nesta desgraça, só há um caminho. Um caminho doloroso, é verdade, mas o único: é capitular... Gilberto Van Dirth sacudiu a cabeça, assentindo: — Não há outro... É capitular! — Nesse caso, meu amigo, torne duma bandeira branca e vá à cata do inimigo. Negocie a capitulação... Van Dirth não disse palavra. Saiu, chamou um clarim, ergueu na mão a bandeira branca. 127

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homem rompe aí. Vem <strong>de</strong> Holanda à frente <strong>de</strong> tropas frescas. Traz munição e<br />

viveres. Veremos, então, com esse reforço, on<strong>de</strong> vão acabar as valentias da<br />

canalha...<br />

Van Dirth ouvia, passeava, abria os braços num <strong>de</strong>sconsolo:<br />

— É a única esperança! A única! Mas quando virá essa ajuda? Quando?<br />

— Nada <strong>de</strong> <strong>de</strong>sânimo, homem! Coragem! Dentro <strong>de</strong> poucos dias as naus<br />

surgem aí. Vosmecê verá!<br />

Puseram-se a esperar. As coisas andavam tenebrosas. Tudo fúnebre. Van<br />

Schkoppe já não torcia mais o seu bigodão ruivo. Já não bravateava mais as suas<br />

grossas fanfarronices. O antigo conquistador po<strong>de</strong> verificar, naquela tar<strong>de</strong><br />

sangrenta, que os brasileiros não eram os mesmos pacóvios da época da invasão.<br />

Outros tempos, outros homens! Os soldados agora tinham gran<strong>de</strong>s brios. Tinham<br />

coragens loucas. Tinham tática. Endureceram-se nas brutezas da guerra. Tornaramse<br />

dum encarniçamento feroz. Eram inultrapassáveis nas guerrilhas <strong>de</strong> emboscadas.<br />

Recompondo a tropa, embora com a vaida<strong>de</strong> esmagada, Van Schkoppe<br />

aprestou os seus homens para novo ataque. Mordia-lhe aguilhoante <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sforra. Não <strong>de</strong>scansou um dia. Agitava-o gran<strong>de</strong> ânsia. Na Cida<strong>de</strong> Maurícia<br />

atropelaram-se os preparativos vertiginosamente.<br />

Van Schkoppe, varado pela bala, estendido no catre, não podia comandar a<br />

batalha. Ficou assentado que iria Brinck substituí-lo. Mandou arregimentar os<br />

homens. Distribuiu-lhes munição à farta. Dispôs a marcha para o romper do dia.<br />

Nessa noite, provi<strong>de</strong>ncialmente, aportou à Cida<strong>de</strong> Maurícia um caravelão <strong>de</strong><br />

Holanda. Vinha nele gran<strong>de</strong> cópia <strong>de</strong> soldados. O Coronel Hous, aquele mesmo que<br />

fora preso no combate da Casa-Forte, remetido para a Bahia e <strong>de</strong> lá <strong>de</strong>spachado<br />

pura a Holanda, tornava agora dos Estados. Com ele, aventurando-se, voltavam<br />

quase todos os prisioneiros do célebre combate.<br />

Na casa <strong>de</strong> D. Ana, ante a chegada do holandês, houve larga alegria. Que<br />

alarido! Carlota, trancada no quarto, ouviu com espanto a estranha ruidosida<strong>de</strong>. De<br />

súbito, escancarando a porta, D. Ana surgiu inesperada diante da moça. E gritou-lhe<br />

com alvoroço:<br />

— Venha cá! Venha cá!<br />

A moça obe<strong>de</strong>ceu. Ao entrar na sala, porém, Carlota recuou, gelada. Um<br />

suor <strong>de</strong> morte brotou-lhe no rosto. Rompeu-lhe da alma um grito surdo:<br />

— Segismundo.<br />

Era Segismundo Starke. A rapariga sentiu uma punhalada no coração. As<br />

lágrimas saltaram-lhe dos olhos. Pôs-se a soluçar com <strong>de</strong>sespero. Mas Segismundo<br />

foi humano. Sossegou-a logo:<br />

— Não chore, Carlota. Eu venho para uma <strong>de</strong>sferra. O ultraje da Casa-Forte<br />

abriu feridas aqui <strong>de</strong>ntro. É preciso que eu me vingue. Hei <strong>de</strong> varar <strong>de</strong> lado a lado,<br />

com esta espada, esse miserável <strong>de</strong> Rodrigo Mendanha. Só então, só <strong>de</strong>pois que o<br />

vir a meus pés, traspassado, é que tornarei a falar com você. Fique por ora<br />

sossegada.<br />

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