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Saíram todos. Bando esquálido e miserável. Mas, vinham altivos, com<br />
honras militares, rufando o seu único tambor, paus tostados aos ombros, os<br />
<strong>de</strong>zessete mosquetes com o morrão aceso! Jacob Rabbi mandou passar os salvocondutos<br />
prometidos. Depois, com um cinismo horrorizante, fê-los partir para<br />
Uruassu, lugarejo próximo à beira-mar, on<strong>de</strong> dizia estarem aprestadas as<br />
embarcações que os transportariam para a Bahia. O bando imenso on<strong>de</strong>ou para<br />
Uruassu. Duas léguas <strong>de</strong> marcha. Ao fim <strong>de</strong>las, diante dos <strong>de</strong>sgraçados, aninhados<br />
ao longo da praia, surgiram as choupanas do lugarejo. O bando estacou. Foi ai,<br />
nesse ermo selvático, longe <strong>de</strong> toda a ajuda, que um soldado da escolta,<br />
inexplicavelmente, disparou brusco tiro <strong>de</strong> mosquete.<br />
Estrugiram berros! Alardio medonho encheu os ares! Sob a algazarra crua,<br />
por entre toques roucos <strong>de</strong> inúbia, precipitaram-se da mata os antropófagos <strong>de</strong><br />
Rabbi. Vinham numa arrancada, aterrorizantes, os tacapes em punho. cantando um<br />
áspero canto selvagem. Os homens, no meio da praia, sentiram o sangue coagularse-Ihes<br />
nas veias. Que era aquilo? Não tardou que os <strong>de</strong>sventurados enten<strong>de</strong>ssem<br />
claro: principiou logo, por entre uivos ferozes, a mais apavorante, a mais incrível, a<br />
mais trágica das matanças! Não houve, ainda, na história do Brasil, <strong>de</strong>sumanida<strong>de</strong><br />
mais sangrenta. Que dia <strong>de</strong> juízo!<br />
Os bugres lançaram-se conto onças assanhadas. Então, naquele ferve-ferve<br />
foi um <strong>de</strong>spedaçar, um estraçalhar, um espostejar! Os bárbaros dilaceravam aquelas<br />
gentes inermes, esmigalhavam-nas. Voavam crânios às tacapadas, espirrava<br />
sangue aos jorros, vísceras vermelhejavam pelo chão... Havia, <strong>de</strong>stacando-se,<br />
barbarida<strong>de</strong>s singulares:<br />
Ataram a Cosme Sepúlveda, abriram-lhe o ventre, <strong>de</strong>spregaram-lhe as<br />
entranhas a pontaços. A Matias Moreira, moço <strong>de</strong> Várzea, furaram-no <strong>de</strong> lado a<br />
lado, quebraram-lhe as costelas, arrancaram-lhe o coração pelas costas. Racharam<br />
uma criança <strong>de</strong> alto a baixo, com um golpe. A mulher <strong>de</strong> Manuel Rodrigues, porque<br />
chorava a morte do marido, cortaram-lhe os dois braços, cortaram-lhe as duas<br />
pernas, e <strong>de</strong>ixaram-na ali, como um toco, a esvair-se junto do cadáver 44 .<br />
No meio da carnagem, por entre o <strong>de</strong>senfreio dos selvagens, naquele ar que<br />
cheirava a carne e sangue, Paraopeba, o gran<strong>de</strong> guerreiro, com o tacape no ar,<br />
atirou-se vitoriosamente sobre uma rapariga. Ia fulminá-la com um golpe. A criatura<br />
chorava, as mãos postas, olhando para o céu. O bruto lançou-lhe um olhar rápido.<br />
Era Carlota.<br />
Nunca, diante dos olhos do bugre, caíra animal tão belo, tão fascinante, tão<br />
perfeito. Que assombro! Paraopeba, chocado, abaixou o tacape. Agarrou-a, ergueua,<br />
mirou-a <strong>de</strong> alto a baixo. Era linda, era tão prodigiosamente linda, que o selvagem<br />
estacou assombrado. Foi a única vez, dizem as crônicas, que, na história dos<br />
indígenas, um bruto se <strong>de</strong>slumbrou diante duma mulher formosa. Foi a única vez,<br />
entre antropófagos, que um índio se <strong>de</strong>ixou vencer pela estranha força da beleza. O<br />
guerreiro, olhos fincados na moça, não teve ânimo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sferir a maça. Conteve-se.<br />
A História registrou o fato extraordinário: 'Mataram todos. Só se fez exceção<br />
a uma rapariga cuja peregrina beleza. no momento mesmo em que via<br />
assassinarem-lhe os pais e parentes, e estavam os selvagens ébrios <strong>de</strong> sangue, <strong>de</strong><br />
44 Vi<strong>de</strong> "Breve, Verda<strong>de</strong>ira, Anthentica Relaçam das ultimas tyrannias que es perfidos Olan<strong>de</strong>zes usaram com os<br />
habitantes do Rio Gran<strong>de</strong>, escripta pelo Capitão Lopo Corado aos dois Mestres <strong>de</strong> Campo, João Fernan<strong>de</strong>s<br />
Vieira e André Vidal <strong>de</strong> Negreiros".<br />
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