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André Vidal, pelo caminho, não pô<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> comentar com Rodrigo<br />
Mendanha:<br />
— Estamos hoje muito bem vingados!<br />
— Sim, senhor! Vingados da traição <strong>de</strong> Calabar...<br />
— Que mulato infame, atalhou Rodrigo vivamente; aquele, sim, aquele é que<br />
foi a causa dos nossos males...<br />
— É verda<strong>de</strong>, concordou Vidal; se não fosse Calabar, hoje, certamente, não<br />
havia flamengos no Brasil. Foi ele quem <strong>de</strong>u ganho <strong>de</strong> causa aos <strong>de</strong> Holanda. Os<br />
belgas não conheciam a terra. Estavam sendo dizimados pelas nossas guerrilhas <strong>de</strong><br />
emboscadas. Ia entre eles gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sânimo. Mas eis que Calabar os conduz pelos<br />
matos, mostra-lhes os atalhos, os escon<strong>de</strong>rijos, a região inteira, palmo a palmo. Só<br />
então, com a ajuda do miserável, é que os invasores conquistaram <strong>de</strong>finitivamente o<br />
Brasil. Mas, Calabar era um mestiço. Um filho <strong>de</strong> negro e índia. Tipo atoa a quem<br />
Matias <strong>de</strong> Albuquerque ameaçou <strong>de</strong> açoitar. Foi diante <strong>de</strong>ssa ameaça, temendo a<br />
surra, que o caco <strong>de</strong>sertou para os invasores. Não podia haver alma tão inferior. Era<br />
uma escória. No entanto — é preciso dizer — Calabar <strong>de</strong>sertou por simples assomo<br />
<strong>de</strong> vingança, sem receber uma só placa, sem se ven<strong>de</strong>r. Mas, Hoogstraten? Um<br />
flamengo! Um branco! É um homem <strong>de</strong>sses, veja lã, um oficial graduado, que hoje<br />
se ven<strong>de</strong> por <strong>de</strong>zoito mil cruzados! Francamente, meu caro, é uma traição mais vil<br />
que a traição <strong>de</strong> Calabar...<br />
Era já noitinha quando o exército entrou no Arraial do Bom Jesus. Fervia<br />
pelo acampamento esquisito tumulto. Alvoroço, vai-e-vém <strong>de</strong> soldados, gran<strong>de</strong><br />
fremência. André Vidal, sentindo aquela estranhesa, embarafustou-se pela barraca<br />
<strong>de</strong> João Fernan<strong>de</strong>s. Aí, em torno do Chefe, ansiados apinhavam-se vários cabos <strong>de</strong><br />
guerra. Domingos Fagun<strong>de</strong>s dizia alto:<br />
— Perdoe, General! É um caso único...<br />
— Perdoe, exclamava também o Rabelinho; perdoe, João Fernan<strong>de</strong>s! O<br />
negro merece...<br />
Nos lábios <strong>de</strong> todos, como por encanto, bailava a mesma palavra:<br />
— Perdão! Perdão!<br />
Havia sucedido um acontecimento extraordinário. É que o Bastião, numa das<br />
suas escapadas para a Cida<strong>de</strong> Maurícia, fora apanhado em pleno flagrante:<br />
toparam-no saltando a paliçada dos inimigos. Os soldados pren<strong>de</strong>ram-no. Levaramno<br />
à presença do Governador. João Fernan<strong>de</strong>s ouviu a torpeza do negro. Nunca, na<br />
sua vida, o ma<strong>de</strong>irense sentiu tão radioso a sua boa estrela como naquele instante.<br />
É que as coisas, com suave docilida<strong>de</strong>, ofereciam-lhe sereno ensejo para <strong>de</strong>scartarse<br />
do escravo perigoso. Para acabar <strong>de</strong> vez com aquele mesmo que acompanhara a<br />
expedição <strong>de</strong> Cavalcanti, a única pessoa do exército que sabia o segredo<br />
formidável. João Fernan<strong>de</strong>s sorriu o seu sorriso venenoso. Não hesitou. Decidiu, ali<br />
mesmo, da sorte do espião: con<strong>de</strong>nou-o à forca!<br />
Os soldados agarraram o negro, arrastaram-no para fora, armaram a forca.<br />
Mas <strong>de</strong> repente, na barraca <strong>de</strong> João Fernan<strong>de</strong>s, surge um oficial espavorido:<br />
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