Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
— Fique sussegado, sinhô! Deixe o negócio cumigo...<br />
www.nead.unama.br<br />
A tropa abalou. Dias <strong>de</strong>pois, no acampamento <strong>de</strong> João Fernan<strong>de</strong>s, o negro<br />
surgiu <strong>de</strong> novo. Espanto <strong>de</strong> toda gente! Que é que aconteceu? O escravo trazia esta<br />
notícia <strong>de</strong> embasbacar:<br />
— Antônio Cavalcanti morreu!<br />
Foi um choque. O exército inteiro boquiaberto, assombrado. E toda a gente<br />
crivou o Bastião <strong>de</strong> perguntas:<br />
— Morreu <strong>de</strong> quê?<br />
— Foi nó na tripa, esclarecia o negro ingenuamente; a dor, o homem garrô a<br />
treme, espichô em duas horas...<br />
A tropa convenceu-se logo. Quem estava livre <strong>de</strong> um nó na tripa? Mas<br />
Bernardino <strong>de</strong> Carvalho, ao saber da morte súbita, foi o único que não acreditou na<br />
história do nó na tripa. Esboçou um leve sorriso. No fundo do peito, lã bem consigo,<br />
pensou com rancor:<br />
— Foi veneno... E isto é obra <strong>de</strong> Fernan<strong>de</strong>s Vieira! 40 .<br />
A matança <strong>de</strong> Uruassu<br />
João Fernan<strong>de</strong>s Vieira acampara-se na Várzea do Capiberibe. Construíra<br />
paliçadas improvisadas, abrira fossos, erguera as pressas muralhas <strong>de</strong> pedra,<br />
entrincheirara-se. Foi aí, como apelidaram os soldados, o Arraial Novo do Bom<br />
Jesus.<br />
Principiou o cerco do Recife. O Governador da Liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>senrolou um<br />
círculo <strong>de</strong> ferro em torno da cida<strong>de</strong>. Nunca se viu assédio mais cerrado. Henrique<br />
Dias e Camarão, com os bugres e os negros, rondavam-na dia e noite. O Rabelinho<br />
armava emboscadas <strong>de</strong>sesperadoras. Domingos Fagun<strong>de</strong>s, com audácias <strong>de</strong><br />
espantar, esgueirava-se até os muros, trepava acintosamente por eles, estrondava o<br />
mosquete, voltava ileso para o Arraial.<br />
Que aperto tremendo! Todas as noites, incessantemente, eram escaladas,<br />
sortidas, zargunchar <strong>de</strong> flechas, bombas <strong>de</strong> fogo, grossas surriadas <strong>de</strong> pelouro. O<br />
flamengo não arriscava passo fora das trincheiras. Iam lá <strong>de</strong>ntro angústias<br />
medonhas. Não entrava uma libra <strong>de</strong> farinha, nem um stuiver <strong>de</strong> carne, nem um pau<br />
<strong>de</strong> lenha. Acabou-se o pão. Água doce era o problema. A pouca que havia, bebiamna<br />
salobra, esverdinhada, pestífera. Um inferno!<br />
Pelas capitanias, no entanto, a boa fortuna sorria às armas revoltosas. Não<br />
havia um só dia, no Arraial, que não aparecessem notícias estrepitosas. Era sempre<br />
um mensageiro que chegava <strong>de</strong>sabalado:<br />
— A Paraíba ren<strong>de</strong>u-se!<br />
Era outro:<br />
40 Varnhagem, op. cit. "Os amigos <strong>de</strong> João Fernan<strong>de</strong>s acusaram a Cavalcanti <strong>de</strong> intenções pérfidas, como a <strong>de</strong><br />
haver pretendido <strong>de</strong>scartar-se do mesmo Vieira por qualquer meio, mesmo propinando-lhe veneno; mas o que é<br />
sem dúvida é que foi o próprio Cavalcanti, logo <strong>de</strong>pois, ao separar-se, quem per<strong>de</strong>u subitamente a vida"...<br />
111