O Príncipe de Nassau - Unama

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www.nead.unama.br — Mas há de se arrepender tarde, atalhou Bernardino; muito tarde! Saíram. André Vidal olhou-os compungido. Pensou consigo: — Oh, a inveja! A inveja! Sorriu doridamente. Nisso pela barraca adentro, rompeu de súbito um soldado. Chegou esbaforido: — O Governador da Liberdade manda buscar a Vosmecê, André Vidal. Pede para que Vosmecê vá já. E avisa que há noticias graves. André Vidal partiu imediatamente. No aquartelamento de João Fernandes, com espanto deparou o paraibano com dois jesuítas. Eram desconhecidos. Ambos circundavam o madeirense. João Fernandes, trêmulo, um vinco borrascoso na testa, lia estranho pergaminho. O papel vinha selado vistosamente com as armas de Portugal. O Governador de Liberdade recebeu o amigo com ânsia. E logo, sem rodeios, lançou a matéria: — Saiba Vosmecê, André Vidal, que acabo de receber ordens de el-Rei. — Muito bem. E então? — Sim, ordens secretas de D. João IV. Trouxeram-mas os dois reverendos que Vosmecê aí vê. E sabe Vosmecê o que diz el-Rei? Aproximou-te bem rente do amigo, fixou-o nos olhos, e desfechou-lhe esta notícia enorme: — El-Rei ordena, por este pergaminho, que eu deponha imediatamente as armas... — Que deponha as armas? — É o que digo! El-Rei determina que cesse a guerra. Portugal e Holanda assinaram tréguas. El-Rei, diante disso, manda energicamente que acabemos com a campanha. Leia os despachos! leu. Passou as mãos de André o pergaminho selado. Caiu fundo silêncio. André Depois, com pasmo, tornou para João Fernandes: — É fabuloso! É duma pessoa enlouquecer! Os dois, o madeirense e o paraibano, trocaram um olhar febrento. Incendiava-os a mesma revolta. Aquela ordem era uma traição. Os holandeses, depostas as armas, saberiam tirar vinganças arrepiadoras. Que fazer? André Vidal apenas perguntou: — E agora, João Fernandes? Que vai Vosmecê responder a el-Rei. João Fernandes tomou o aspecto sombrio. Franziu o cenho. Referveu-lhe na alma belo ímpeto de desassombro. Virou-se para os dois padres: e, fremindo, a voz rascante, exclamou asperamente estes atrevimentos espantosos: 108

www.nead.unama.br — Reverendos, tornem Vosmecês a el-Rei; digam a D. João IV, nosso Amo e Senhor, que João Fernandes Vieira desrespeita a ordem que recebeu! Os dois padres escancararam os olhos. Aquilo que ouviam era um sonho; era lima alucinação! Não queriam acreditar: — Vosmecê desrespeita a ordem de el-Rei? Vosmecê, João Fernandes? — Eu mesmo! Desobedeço a el-Rei! Digam a D. João IV que eu não cumpro a ordem de Sua Majestade; que continuarei combatendo os belgas até a última gota de sangue; que eu hei de expulsar os hereges da Capitania! Quando não houver mais um só holandês em Pernambuco, então, meus padres, irei oferecer a cabeça a el-Rei para que sua Majestade mande cortá-la. É o que tenho a dizer a Vosmecês. Mais nada. Levem, portanto, a Portugal a palavra que ouviram... 38 . Despediu com um gesto os dois emissários. André Vidal precipitou-se para Vieira, agarrou-lhe as mãos, apertou-as emocionadíssimo: — Bravos! Vosmecê é um homem! O único homem, no Brasil, capaz de enfrentar o belga! Conte comigo para tudo, João Fernandes. Serei com Vosmecê em todo o transe... O filho da Benfeitinha era realmente um homem. Aquela deliberação tremenda, no momento mais perigoso da guerra, desenhava nítido a masculinidade da sua têmpera. João Fernandes apertou a mão do amigo. E com uma singeleza forte: — O que está decidido, está decidido! Não pensemos mais no que ficou atrás. Agora, meu amigo, é preciso incendiar a guerra. Vamos assaltar a fortaleza de Nazaré. O reduto é poderosíssimo. Temos premente necessidade dele. Vou mandar para lá metade do exercito... — Incendeie Vosmecê a guerra, tornou Vidal com certo mistério; assalte Nazaré, mande para lá os homens que Vosmecê entender; mas antes de tudo — escute-o bem! — é necessário que Vosmecê se precavenha. O maior inimigo de Vosmecê não está entre o belga. Está aqui, nas nossas filas, rente de nós... — Já sei, atalhou João Fernandes. Já sei muito bem o que Vosmecê quer dizer. O Bastião contou-me tudo. Ah, meu amigo, ódio velho não cansa. É por isso que Antônio Cavalcanti não me perdoa. Mas fique sossegado, André Vidal; tudo se há de arrumar pelo melhor. Vosmecê verá... Apartaram-se. Fernandes Vieira, depois das emoções do dia, sentia necessidade de ar, de respirar largo, de caminhar a esmo pela estrada. Saiu. A tarde caíra. Lusco-fusco. Serenidade empolgante amortecia as coisas. O Governador da Liberdade montou a cavalo, rumou pelo caminho, meteu-se no mato. Ia só, a cabeça ao vento, ruminando os seus pensares... De súbito, numa volta da estrada, ribombou bruscamente o estrépito dum tiro... Com o tiro João Fernandes soltou um grito: a baia cravara-se-lhe no braço! 38 Frei Rafael de Jesus conta minuciosamente a ordem do Rei e a desobediência de João Fernandes. 109

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— Reverendos, tornem Vosmecês a el-Rei; digam a D. João IV, nosso Amo<br />

e Senhor, que João Fernan<strong>de</strong>s Vieira <strong>de</strong>srespeita a or<strong>de</strong>m que recebeu!<br />

Os dois padres escancararam os olhos. Aquilo que ouviam era um sonho;<br />

era lima alucinação! Não queriam acreditar:<br />

— Vosmecê <strong>de</strong>srespeita a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> el-Rei? Vosmecê, João Fernan<strong>de</strong>s?<br />

— Eu mesmo! Desobe<strong>de</strong>ço a el-Rei! Digam a D. João IV que eu não cumpro<br />

a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Sua Majesta<strong>de</strong>; que continuarei combatendo os belgas até a última gota<br />

<strong>de</strong> sangue; que eu hei <strong>de</strong> expulsar os hereges da Capitania! Quando não houver<br />

mais um só holandês em Pernambuco, então, meus padres, irei oferecer a cabeça a<br />

el-Rei para que sua Majesta<strong>de</strong> man<strong>de</strong> cortá-la. É o que tenho a dizer a Vosmecês.<br />

Mais nada. Levem, portanto, a Portugal a palavra que ouviram... 38 .<br />

Despediu com um gesto os dois emissários.<br />

André Vidal precipitou-se para Vieira, agarrou-lhe as mãos, apertou-as<br />

emocionadíssimo:<br />

— Bravos! Vosmecê é um homem! O único homem, no Brasil, capaz <strong>de</strong><br />

enfrentar o belga! Conte comigo para tudo, João Fernan<strong>de</strong>s. Serei com Vosmecê em<br />

todo o transe...<br />

O filho da Benfeitinha era realmente um homem. Aquela <strong>de</strong>liberação<br />

tremenda, no momento mais perigoso da guerra, <strong>de</strong>senhava nítido a masculinida<strong>de</strong><br />

da sua têmpera. João Fernan<strong>de</strong>s apertou a mão do amigo. E com uma singeleza<br />

forte:<br />

— O que está <strong>de</strong>cidido, está <strong>de</strong>cidido! Não pensemos mais no que ficou<br />

atrás. Agora, meu amigo, é preciso incendiar a guerra. Vamos assaltar a fortaleza <strong>de</strong><br />

Nazaré. O reduto é po<strong>de</strong>rosíssimo. Temos premente necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>le. Vou mandar<br />

para lá meta<strong>de</strong> do exercito...<br />

— Incen<strong>de</strong>ie Vosmecê a guerra, tornou Vidal com certo mistério; assalte<br />

Nazaré, man<strong>de</strong> para lá os homens que Vosmecê enten<strong>de</strong>r; mas antes <strong>de</strong> tudo —<br />

escute-o bem! — é necessário que Vosmecê se precavenha. O maior inimigo <strong>de</strong><br />

Vosmecê não está entre o belga. Está aqui, nas nossas filas, rente <strong>de</strong> nós...<br />

— Já sei, atalhou João Fernan<strong>de</strong>s. Já sei muito bem o que Vosmecê quer<br />

dizer. O Bastião contou-me tudo. Ah, meu amigo, ódio velho não cansa. É por isso<br />

que Antônio Cavalcanti não me perdoa. Mas fique sossegado, André Vidal; tudo se<br />

há <strong>de</strong> arrumar pelo melhor. Vosmecê verá...<br />

Apartaram-se.<br />

Fernan<strong>de</strong>s Vieira, <strong>de</strong>pois das emoções do dia, sentia necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ar, <strong>de</strong><br />

respirar largo, <strong>de</strong> caminhar a esmo pela estrada.<br />

Saiu.<br />

A tar<strong>de</strong> caíra. Lusco-fusco. Serenida<strong>de</strong> empolgante amortecia as coisas. O<br />

Governador da Liberda<strong>de</strong> montou a cavalo, rumou pelo caminho, meteu-se no mato.<br />

Ia só, a cabeça ao vento, ruminando os seus pensares...<br />

De súbito, numa volta da estrada, ribombou bruscamente o estrépito dum<br />

tiro... Com o tiro João Fernan<strong>de</strong>s soltou um grito: a baia cravara-se-lhe no braço!<br />

38 Frei Rafael <strong>de</strong> Jesus conta minuciosamente a or<strong>de</strong>m do Rei e a <strong>de</strong>sobediência <strong>de</strong> João Fernan<strong>de</strong>s.<br />

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