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Conselho Político. E Vosmecês bem sabem quem foi Jacob Stachouver! Um bugre.<br />
Homem fechado e duro. Pois bem, ao partir para os Estados <strong>de</strong>ixou Jacob todos os<br />
seus bens nas mãos duma única pessoa: João Fernan<strong>de</strong>s. Haverá maior confiança?<br />
Haverá para mostrar a honra<strong>de</strong>z <strong>de</strong> tal homem prova mais provada? E ainda estão<br />
Vosmecês aí a enxovalhá-lo? É coragem!<br />
Gaspar Dias coçou a barbicha. Pigarreou seco. Olhou com um olhar <strong>de</strong><br />
sarcasmo para Tourlon. Depois, esboçando o seu risinho chocarreiro:<br />
— Vosmecê é homem <strong>de</strong> boa-fé, Carlos Tourlon. De mui boa-fé! Mas há <strong>de</strong><br />
ver ainda — eu juro! — quem é essa bisca <strong>de</strong> João Fernan<strong>de</strong>s Há <strong>de</strong> ver ainda, com<br />
os próprios olhos, as trapaças do homenzinho. Mesmo agora, se Vosmecê refletir,<br />
bote tento em algumas coisas. Olhe... Vosmecê soube, <strong>de</strong>certo, que João<br />
Fernan<strong>de</strong>s já se ficou com os engenhos <strong>de</strong> Stachouver, não é verda<strong>de</strong>? Agora<br />
pergunto eu: por que artimanhas se ficou João Fernan<strong>de</strong>s com tantos bens? Como<br />
os pagou? On<strong>de</strong> arranjou dinheiro? Só Deus o sabe, Carlos Tourlon, só Deus o<br />
sabe! Mas uma coisa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, cá afianço: é que João Fernan<strong>de</strong>s, o filho <strong>de</strong> um<br />
ladrão com uma suja lambisgóia...<br />
— Que diz Vosmecê aí, Gaspar Dias?<br />
— Que João Fernan<strong>de</strong>s, o filho da Benfeitinha, a marafona, com um ladrão<br />
<strong>de</strong>portado <strong>de</strong> Lisboa, não po<strong>de</strong> ser senão um grandíssimo safardana.<br />
Carlos Tourlon tentou respon<strong>de</strong>r. Mas em vão. Choveram aplausos.<br />
Esfuziaram apóstrofes. Foi todo um berreiro atroante.<br />
— Vosmecê falou com boca <strong>de</strong> ouro, Gaspar Dias, gritava João Blaar; João<br />
Fernan<strong>de</strong>s é canalha! Raça imunda! Um João-Toucinho! 4 .<br />
— Aquilo é caco, rosnou do seu canto, surdamente, Sebastião <strong>de</strong> Carvalho;<br />
aquilo é víbora! Ainda agora — não viram? — o <strong>de</strong>sbriado negociou o casamento<br />
das cunhadas com os filhos <strong>de</strong> Antônio Cavalcanti. Com os filhos do seu maior<br />
inimigo! Que abandalhado...<br />
D. Ana Pais, essa então chamejava. Queria saltar sobre o marido,<br />
espedaçá-lo. E bradava numa fúria:<br />
— Quanta asneira Vosmecê vomitou, Carlos Tourlon! Não tem vergonha,<br />
homem, <strong>de</strong> tanto <strong>de</strong>spropósito? Que idiota é Vosmecê! Sabe? Que bronco!<br />
— Bronco? Eu? Vosmecê, D. Ana, bradava Tourlon apoplético é que é uma<br />
língua <strong>de</strong> cobra! Vosmecê tem mais veneno nela do que cascavel no <strong>de</strong>nte.<br />
Vosmecê é que é uma estúpida! Ouviu? Uma <strong>de</strong>smiolada!<br />
— E Vosmecê um asno! Enten<strong>de</strong>u? Um coisa! Um...<br />
Teve que arrefecer no <strong>de</strong>spejo da bílis. Gilberto Van Dirth, sempre casquilho<br />
e adamado, interveio na contenda, muito maneiroso, a olhar para D. Ana com o seu<br />
olhar meloso e súplice:<br />
4 Os holan<strong>de</strong>ses, para zombarem do português, chamavam-no <strong>de</strong>preciativamente Speck-Jean, João Toucinho. É<br />
termo corrente nas memórias da época. Vi<strong>de</strong> o 'Diário" do Holandês curioso que residia no Brasil ao tempo da<br />
guerra. Rev. do Inst. Arq. Peru, vol. 32,. pág. 121.<br />
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