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11 de janeiro de 2011 - AMARN

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REVISTA DA <strong>AMARN</strong> * ANO VI * Nº 6 * DEZEMBRO 2010<br />

RITOS<br />

SEDE DA <strong>AMARN</strong><br />

Conquista <strong>de</strong> 2010<br />

ARTIGO Juiz Cícero Macedo escreve sobre um gênio da raça PROJETOS ESPECIAIS O lado social da justiça


CONSELHO EXECUTIVO<br />

Presi<strong>de</strong>nte<br />

Juiz Azevêdo Hamilton Cartaxo<br />

Vice-Presi<strong>de</strong>nte Institucional<br />

Juiz Mádson Ottoni <strong>de</strong> A. Rodrigues<br />

Vice-Presi<strong>de</strong>nte Administrativo<br />

Juiz Luciano dos Santos Men<strong>de</strong>s<br />

Vice-Presi<strong>de</strong>nte Financeiro<br />

Juiz Marcelo Pinto Varella<br />

Vice-Presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Comunicação<br />

Juiz Cleofas Coelho <strong>de</strong> A. Júnior<br />

Vice-Presi<strong>de</strong>nte Cultural<br />

Juiz Odinei Wilson Draeger<br />

Vice-Presi<strong>de</strong>nte Social<br />

Juiz Jorge Carlos Meira Silva<br />

Vice-Presi<strong>de</strong>nte dos Esportes<br />

Juiz Cleanto Fortunato da Silva<br />

Vice-Presi<strong>de</strong>nte dos Aposentados<br />

Juiz Francisco Dantas Pinto<br />

Coor<strong>de</strong>nador da Região Oeste<br />

Juiz Breno Valério F. <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros<br />

Coor<strong>de</strong>nadoria da Região Seridó<br />

Juiz André Melo Gomes Pereira<br />

CONSELHO FISCAL<br />

Juíza Denise Léa Sacramento<br />

Juiz Fábio Antônio C. Filfueira<br />

Juiz Fábio Wellington Ataí<strong>de</strong> Alves<br />

Juiz João Eduardo R. <strong>de</strong> Oliveira<br />

Juíza Leila N. <strong>de</strong> Sá Pereira Nacre<br />

Juiz Luiz Alberto Dantas Filho<br />

Juiz Marcus Vinicius P. Júnior<br />

Juíza Rossana Alzir D. Macêdo<br />

Juíza Sulamita Bezerra Pacheco<br />

<strong>de</strong> Carvalho<br />

EDITORA EXECUTIVA<br />

Adalgisa Emídia DRT/RN 784<br />

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO<br />

Firenzze Comunicação Estratégica<br />

(84) 3344-5240<br />

FOTOS<br />

Elpidio Júnior<br />

FOTO CAPA<br />

Ricardo Junqueira<br />

Associação dos Magistrados<br />

do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte<br />

Condomínio Empresarial Torre<br />

Miguel Seabra Fagun<strong>de</strong>s<br />

R. Paulo B. <strong>de</strong> Góes, 1840<br />

Salas 1002, 1003 e 1004.<br />

Can<strong>de</strong>lária - Natal-RN.<br />

CEP: 59064.460<br />

Telefones: (84) 3206.0942<br />

3206.9132 | 3234.7770<br />

CNPJ: 08.533.481/0001-02<br />

// EDITORIAL<br />

Caros Colegas,<br />

Como fruto dos excelentes trabalhos <strong>de</strong> nossa nova assessora <strong>de</strong> imprensa,<br />

Adalgisa Emídia e do Vice-Presi<strong>de</strong>nte Cultural Odinei Draeger,<br />

apresentamos a vocês uma RITOS com nova cara. A revista, neste ano, veio<br />

mais jovial, informativa e também mais “relax”.<br />

Neste número, temos artigos jurídicos <strong>de</strong> Flávio Amorim e <strong>de</strong> Peterson<br />

Fernan<strong>de</strong>s. São dois trabalhos <strong>de</strong> excelente nível, que são uma amostra da<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossos magistrados.<br />

Depois disso, trazemos a vocês um pouco mais <strong>de</strong> informações sobre<br />

nossa próxima Presi<strong>de</strong>nte do Tribunal <strong>de</strong> Justiça, Desa. Judite Nunes, que<br />

nos falou um pouco <strong>de</strong> si e <strong>de</strong> seus projetos para a gestão do Tribunal.<br />

Nas artes, temos o nosso fi el contista Assis Brasil. Paulo Maia nos brinda<br />

com a sensibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus poemas e Rosivaldo, sempre ele, nos fala da<br />

trajetória <strong>de</strong> Davi Lorso. Fora disso, conheça nosso músico e especialista em<br />

Noel Rosa, Cícero Macedo.<br />

Odinei Draeger, ou melhor, o incansável Odinei Draeger, reinci<strong>de</strong> na<br />

prática <strong>de</strong> nos trazer temas interessantes e faz brilhante ensaio sobre Sir<br />

Thomas More, estadista, advogado, escritor e fi lósofo inglês. Guilherme<br />

Pinto, em trabalho do mesmo naipe, nos fala da jurisdição na Grécia <strong>de</strong><br />

Homero.<br />

E mais, celebramos nesta RITOS a realização do “sonho da casa própria”<br />

com a aquisição <strong>de</strong> nossa Se<strong>de</strong> Administrativa, confortável, funcional,<br />

digna, que representou a coroação da ótima gestão <strong>de</strong> Mádson Ottoni<br />

como Presi<strong>de</strong>nte da <strong>AMARN</strong>.<br />

Por fi m, a RITOS traz colunas sobre prazeres, do intelecto e da boa<br />

mesa. Não <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> ler nossa dica <strong>de</strong> fi lme para ver no recesso. Dividi com<br />

vocês, também nesta edição, dicas gastronômicas sobre dois excelentes restaurantes,<br />

o Cruzeiro do Pescador na Praia da Pipa e o Rock Dog Café, em<br />

Natal. Não sou bom jornalista, mas afi anço os restaurantes.<br />

Assim amigos, entregamos esta nova RITOS, uma revista mais “light” e<br />

dinâmica, que ambiciona ser lida por você nos seus momentos <strong>de</strong> merecido<br />

<strong>de</strong>scanso. Deguste-a.<br />

Em 20<strong>11</strong> saiba que nós da <strong>AMARN</strong> estaremos ao seu lado, para tudo<br />

que precisar.<br />

Juiz Azevêdo Hamilton<br />

Presi<strong>de</strong>nte da <strong>AMARN</strong>


16<br />

HISTÓRIA<br />

Desembargadora é<br />

a primeira mulher a<br />

assumir a presidência<br />

do TJRN<br />

42<br />

37<br />

CONTOS<br />

CAPA<br />

Nova se<strong>de</strong> da <strong>AMARN</strong><br />

Mo<strong>de</strong>rna e funcional<br />

As histórias da Rua Américo<br />

Barbalho, no Alecrim, por<br />

Assis Brasil<br />

// SUMÁRIO<br />

52<br />

48<br />

GASTRONOMIA<br />

Recantos <strong>de</strong> charme<br />

e boa comida<br />

HOMENAGEM<br />

Odinei Draeger faz um relato<br />

do juiz e humanista Thomas<br />

More


ARTIGO<br />

Flávio Ricardo Pires <strong>de</strong> Amorim<br />

Juiz <strong>de</strong> Direito da comarca <strong>de</strong> Tangará/<br />

RN (2ª Entrância)<br />

A tutela <strong>de</strong> urgência na<br />

nova lei <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong><br />

segurança<br />

SUMÁRIO. 1. Introdução. 2. Discricionarieda<strong>de</strong> da <strong>de</strong>cisão judicial. 3. A<br />

natureza da Liminar em mandado <strong>de</strong> segurança. 4. Pressupostos para o <strong>de</strong>ferimento<br />

da medida liminar. 5. A contracautela. 6. A concessão <strong>de</strong> ofício pelo<br />

juiz. 7. As restrições legais à concessão da liminar e sua constitucionalida<strong>de</strong>. 8.<br />

Natureza jurídica da <strong>de</strong>cisão liminar e o recurso cabível. 9. A perda da efi cácia<br />

da medida pela <strong>de</strong>negação do mandamus e a caducida<strong>de</strong> da liminar.<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

O mandado <strong>de</strong> segurança é ação constitucional com previsão nos incisos<br />

LXIX (individual) e LXX (coletivo) do artigo 5º. É instrumento que visa proteger<br />

direito líquido e certo do impetrante contra violação ou ameaça <strong>de</strong> lesão 1<br />

praticada por ato comissivo ou omissivo <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> pública ou agente <strong>de</strong><br />

pessoa jurídica no exercício <strong>de</strong> atribuições do Po<strong>de</strong>r Público.<br />

O direito líquido e certo é aquele comprovado <strong>de</strong> plano, através <strong>de</strong> prova<br />

documental <strong>de</strong>nominada prova pré-constituída, não autorizando qualquer<br />

dilação probatória na comprovação da violação ou ameaça ao direito do<br />

impetrante 2 .<br />

1 Art. 5º, XXXV, CF/88: “A lei não excluirá da apreciação do Po<strong>de</strong>r Judiciário lesão<br />

ou ameaça a direito”.<br />

2 Sobre o conceito <strong>de</strong> “direito líquido e certo”, o Ministro Costa Manso, citado<br />

por Celso Agrícola Barbi, prelecionou: “Entendo que o art. <strong>11</strong>3, nº 33, da Constituição<br />

empregou o vocábulo ‘direito’ como sinônimo <strong>de</strong> ‘po<strong>de</strong>r ou faculda<strong>de</strong>’, <strong>de</strong>corrente da<br />

‘lei’ ou ‘norma jurídica’(direito subjetivo). Não aludiu à própria ‘lei ou norma’ (direito<br />

6 R I T O S www.amarn.com.br


A Lei nº 12.016 <strong>de</strong> 07 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2009, apesar <strong>de</strong> anunciada<br />

como a nova lei <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança, ainda que tenha<br />

trazido inovações ao tema mandado <strong>de</strong> segurança coletivo,<br />

reuniu num único texto diversas leis que tratavam do assunto<br />

(Lei nº 1.533/51, 4.348/64, 5.021/66 e 8.437/92), aglutinando,<br />

ainda, os vários posicionamentos já sumulados do STF e STJ.<br />

O texto legal unifi cado prevê a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contracautela,<br />

facultando ao julgador exigi-la no momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>ferir a<br />

medida, além <strong>de</strong> trazer expressamente as restrições à concessão<br />

da tutela <strong>de</strong> urgência já enunciadas por outras leis, cuja constitucionalida<strong>de</strong><br />

tem-se <strong>de</strong>batido.<br />

2. DISCRICIONARIEDADE DA DECISÃO JUDICIAL<br />

O artigo 7º, III, da Lei n° 12.016/09, estabelece que “ao<br />

<strong>de</strong>spachar a inicial o juiz or<strong>de</strong>nará que se suspenda o ato que<br />

<strong>de</strong>u motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e<br />

do ato impugnado pu<strong>de</strong>r resultar a inefi cácia da medida, caso<br />

seja fi nalmente <strong>de</strong>ferida, sendo facultado exigir do impetrante<br />

caução, fi ança ou <strong>de</strong>pósito, com o objetivo <strong>de</strong> assegurar o ressarcimento<br />

à pessoa jurídica”.<br />

Surge num primeiro momento, ao analisar o pedido liminar,<br />

se o ato do Juiz é discricionário ou não. Para alguns 3 , ine-<br />

objetivo). O remédio judiciário não foi criado para a <strong>de</strong>fesa da lei em<br />

tese. Quem requer o mandado <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o ‘seu direito’, isto é, o direito<br />

subjetivo reconhecido ou protegido pela lei. O direito subjetivo, o<br />

direito da parte, é constituído por uma relação entre a lei e o fato. A<br />

lei, porém, é sempre certa e incontestável. A ninguém é lícito ignorála,<br />

e com o silêncio, a obscurida<strong>de</strong>, a in<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>la não se exime o<br />

juiz <strong>de</strong> sentenciar ou <strong>de</strong>spachar (Código Civil, art. 5o, da Introdução).<br />

Só se exige prova do direito estrangeiro ou <strong>de</strong> outra localida<strong>de</strong>, e isso<br />

mesmo se não for notoriamente conhecido. O fato é que o peticionário<br />

<strong>de</strong>ve tornar certo e incontestável, para obter mandado <strong>de</strong> segurança.<br />

O direito será <strong>de</strong>clarado e aplicado pelo juiz, que lançará mão dos processos<br />

<strong>de</strong> interpretação estabelecidos pela ciência para esclarecer os<br />

textos obscuros ou harmonizar os contraditórios. Seria absurdo admitir<br />

se <strong>de</strong>clare o juiz incapaz <strong>de</strong> resolver ‘<strong>de</strong> plano’ um litígio, sob o pretexto<br />

<strong>de</strong> haver preceitos legais esparsos, complexos ou <strong>de</strong> inteligência<br />

difícil ou duvidosa. Des<strong>de</strong>, pois, que o fato seja certo e incontestável,<br />

resolverá o juiz a questão <strong>de</strong> direito, por mais intrincada e difícil que<br />

se apresente, para conce<strong>de</strong>r ou <strong>de</strong>negar o mandado <strong>de</strong> segurança”.<br />

(Barbi, Celso Agrícola. Do Mandado <strong>de</strong> Segurança. Página 50. Forense.<br />

2000. Rio <strong>de</strong> Janeiro)<br />

3 “Nas palavras <strong>de</strong> Eros Grau: ‘O que se tem erroneamente<br />

<strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong> judicial é po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> norma<br />

jurídica que o intérprete autêntico exercita formulando juízos <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong><br />

(não <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>)’. Celso Antônio Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Mello sintetiza:<br />

“Quando avalia o pedido para outorgar ou <strong>de</strong>negar uma liminar,<br />

o órgão jurisdicional não se pergunta se convém ou não outorgá-la,<br />

mas se, <strong>de</strong> direito, o requerente faz a ela jus, isto é, se estão ou não<br />

preenchidos os pressupostos <strong>de</strong> <strong>de</strong>ferimento. Se estiverem, não há<br />

senão concedê-la. Se não estiverem, não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>feri-la”. José Roberto<br />

Santos Bedaque afi rma: “Se não é pacífi ca a análise da questão em<br />

matéria probatória, é absolutamente certo que quanto às liminares<br />

(mandados <strong>de</strong> segurança, cautelares, antecipatórias <strong>de</strong> tutela) não há<br />

discricionarieda<strong>de</strong> alguma. A difi culda<strong>de</strong> do juiz, por certo, é fática,<br />

ou seja, restringe-se a averiguar se existe ou não o fumus boni iuris e<br />

www.amarn.com.br<br />

xiste discricionarieda<strong>de</strong> na ativida<strong>de</strong> jurisdicional, já que falece<br />

ao juiz capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha 4 . Assim, a liminar não é uma<br />

liberalida<strong>de</strong> da Justiça; é medida acauteladora do direito do impetrante,<br />

que não po<strong>de</strong> ser negada quando ocorrem pressupostos<br />

como, também, não <strong>de</strong>ve ser concedida quando ausentes os<br />

requisitos <strong>de</strong> sua admissibilida<strong>de</strong> 5 .<br />

Enfi m, nada há <strong>de</strong> discricionário na ativida<strong>de</strong> que o juiz<br />

exerce quando <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> acerca da concessão ou não <strong>de</strong> uma<br />

liminar 6 .<br />

Sérgio Nojiri, a contrario sensu, ensina que os pedidos <strong>de</strong><br />

medida liminar, nos casos <strong>de</strong> difícil solução (além <strong>de</strong> complexos,<br />

sem orientação jurispru<strong>de</strong>ncial), comportam mais <strong>de</strong> uma<br />

solução. Somente em casos <strong>de</strong> fácil resposta (evi<strong>de</strong>ntes ou com<br />

fortes prece<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> Cortes Superiores) restringem a margem<br />

<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> do juiz 7 .<br />

E prosseguindo diz que ao apreciar o pedido liminar o juiz<br />

terá opções <strong>de</strong> escolha, mormente nos casos difíceis, para aferir<br />

se relevante o fundamento e se o ato impugnado po<strong>de</strong> resultar<br />

a inefi cácia da medida. E essa aferição comporta um juízo<br />

discricionário na avaliação dos pressupostos necessários para a<br />

concessão da medida 8 .<br />

O Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, citando o voto<br />

do Ministro Marco Aurélio, aponta para discricionarieda<strong>de</strong> judicial<br />

quando ressalta que “a atuação do magistrado ocorre no<br />

campo da livre discrição e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do pedido. Aprecia<br />

as circunstâncias reveladas pela inicial e, verifi cando o con-<br />

o periculum in mora. Mas <strong>de</strong>fi nido o fato (e a tarefa é interpretativa),<br />

estará o juiz obrigado a conce<strong>de</strong>r a liminar (em caso positivo) ou a<br />

negá-la (caso não estejam presentes os requisitos para sua concessão).<br />

Cognição sumária, portanto, não leva à discricionarieda<strong>de</strong>, não<br />

sendo viável imaginar que o juiz possa escolher, a seu critério, quando<br />

convém <strong>de</strong>ferir liminarmente alguma tutela (cautelar ou antecipatória).<br />

Os critérios, portanto, são legais e po<strong>de</strong>m ser aferidos em instância<br />

superior.” (Nojiri, Sérgio. Aspectos Polêmicos e Atuais do Mandado <strong>de</strong><br />

Segurança. XXXI – Discricionarieda<strong>de</strong> Judicial na Apreciação <strong>de</strong> Pedido<br />

<strong>de</strong> Medida Liminar em Mandado <strong>de</strong> Segurança. Página 776/779. RT.<br />

2002. São Paulo)<br />

4 Figueiredo, Lúcia Valle. Mandado <strong>de</strong> Segurança. Página 130.<br />

Malheiros Editores. 2002. São Paulo.<br />

5 Meirelles, Hely Lopes. Mandado <strong>de</strong> Segurança. Página 78.<br />

Malheiros Editores. 2004. São Paulo.<br />

6 Wambier, Tereza Arruda Alvim. Aspectos Polêmicos e Atuais<br />

do Mandado <strong>de</strong> Segurança. XXXII – Ainda Sobre a Recorribilida<strong>de</strong> da<br />

Liminar em Mandado <strong>de</strong> Segurança. Página 799. RT. 2002. São Paulo.<br />

7 Aspectos Polêmicos e Atuais do Mandado <strong>de</strong> Segurança. XXI –<br />

Discricionarieda<strong>de</strong> Judicial na Apreciação <strong>de</strong> Pedido <strong>de</strong> Medida Liminar<br />

em Mandado <strong>de</strong> Segurança. Página 785. RT. 2002. São Paulo.<br />

8 Nojiri, Sérgio. Op. cit., p. 786.<br />

R I T O S 7


curso das condições legais – relevância do pedido e possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> a concessão da segurança vir a cair no vazio -, <strong>de</strong>termina a<br />

suspensão do ato. A doutrina é uníssona no sentido <strong>de</strong> a concessão,<br />

ou não, da liminar ser faculda<strong>de</strong> do juiz. Examinando a<br />

peça apresentada pelo impetrante, atua em campo on<strong>de</strong> domina<br />

o subjetivismo, sobressaindo a formação humanística e profi ssional<br />

que possua.” 9<br />

3. A NATUREZA DA LIMINAR EM MANDADO DE<br />

SEGURANÇA.<br />

Abordando o tema sobre a natureza do provimento liminar<br />

em mandado <strong>de</strong> segurança, percebe-se a divergência formada<br />

entre os autores, quanto ao aspecto cautelar, provisório, preventivo<br />

ou <strong>de</strong> antecipação dos efeitos da tutela.<br />

Adhemar Ferreira Maciel, citado por Francisco Antonio<br />

<strong>de</strong> Oliveira, ressalta que para maioria a medida teria natureza<br />

cautelar 10 e adverte que o juiz conce<strong>de</strong> a liminar tão-só para<br />

garantir o possível (não provável) direito <strong>11</strong> .<br />

Realça, ainda, que Celso Agrícola Barbi, fi el a seu ponto <strong>de</strong><br />

vista, ou seja, <strong>de</strong> que a liminar no mandado <strong>de</strong> segurança tem<br />

natureza cautelar, advoga a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o juiz aplicar os<br />

arts. 804 e 8<strong>11</strong> do Código <strong>de</strong> Processo Civil, exigindo do impetrante<br />

uma contracautela 12 .<br />

Sobre o assunto, Carmem Lúcia Antunes Rocha ensina que<br />

a natureza da medida liminar é acautelatória da efi cácia plena<br />

da <strong>de</strong>cisão proferida no mandado <strong>de</strong> segurança e não a antecipação<br />

precária do pedido formulado na ação 13 .<br />

Galeno Lacerda, citado por Lúcia Valle <strong>de</strong> Figueiredo, diz<br />

que a liminar em mandado <strong>de</strong> segurança assume nítida feição<br />

<strong>de</strong> cautela, ou seja, <strong>de</strong> resguardo do imediato e provisório mediante<br />

suspensão do ato, porém, mesmo entre a cautelar e a liminar<br />

em mandado <strong>de</strong> segurança ocorrem diferenças, já que<br />

nesse o provimento se reveste <strong>de</strong> caráter imperativo. Por outro<br />

lado, na cautelar não se exige a liqui<strong>de</strong>z e certeza, bastando a<br />

9 Direito, Carlos Alberto Menezes. Manual do Mandado <strong>de</strong> Segurança.<br />

Renovar. 2003. Rio <strong>de</strong> Janeiro/São Paulo.<br />

10 Oliveira, Francisco Antônio. Mandado <strong>de</strong> Segurança e Controle<br />

Jurisdicional. Página 290. RT. 2001. São Paulo.<br />

<strong>11</strong> Op. cit., p. 291.<br />

12 Op. cit., p. 291.<br />

13 Oliveira, Francisco Antônio. Op. cit., p. 292.<br />

mera aparência do direito, não se vinculando o juiz a concessão<br />

obrigatória 14 .<br />

Em contrapartida, Helly Lopes Meirelles, examinando a<br />

natureza da liminar face a reforma do Código <strong>de</strong> Processo Civil<br />

que passou a admitir a tutela antecipada no procedimento ordinário,<br />

recomendava a atualização da legislação do mandamus<br />

para que passasse a contemplar expressamente uma medida<br />

liminar não apenas cautelar, mas em <strong>de</strong>terminadas situações<br />

também antecipatória do provimento fi nal 15 .<br />

O Ministro Carlos Alberto Menezes Direito pon<strong>de</strong>ra que<br />

a liminar em mandado <strong>de</strong> segurança, na prática, tem a mesma<br />

consequência da tutela antecipada <strong>de</strong>ferida liminarmente, sem<br />

a audiência da parte contrária 16<br />

Penso que a melhor orientação adotada é que estabelece<br />

no provimento <strong>de</strong> urgência do mandado <strong>de</strong> segurança a tripla<br />

confi guração: 1) liminar cautelar; 2) liminar antecipatória; ou 3)<br />

liminar satisfativa. Tudo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá, como advertem José Miguel<br />

Garcia Medina e Fábio Caldas <strong>de</strong> Araújo, das efi cácias que<br />

forem agregadas ao comando mandamental (<strong>de</strong>claratória, constitutiva,<br />

con<strong>de</strong>natória) 17 .<br />

4. PRESSUPOSTOS PARA O DEFERIMENTO DA<br />

MEDIDA LIMINAR.<br />

Antes da análise dos pressupostos para concessão da liminar<br />

insertos no art. 7º, III, da Lei nº 12.016/09, <strong>de</strong>verá o juiz verifi<br />

car a existência dos pressupostos normais <strong>de</strong> toda e qualquer<br />

ação, analisando ainda os pressupostos específi cos <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong><br />

do writ: a) não ocorrência do prazo <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> 120<br />

dias da edição do ato que preten<strong>de</strong> neutralizar; b) a existência<br />

<strong>de</strong> ato (omissivo ou comissivo) <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>; c) inexistência <strong>de</strong><br />

restrições (art. 7º, 2º, da Lei nº 12.016/09). 18<br />

Em mandado <strong>de</strong> segurança coletivo <strong>de</strong>verá ser observada<br />

a qualida<strong>de</strong> do impetrante como pressuposto processual para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento válido da ação constitucional (art. 21, caput,<br />

14 Figueiredo, Lúcia Valle. Op. cit., p. 141.<br />

15 Op. cit., p. 77.<br />

16 Op. cit., p. 125.<br />

17 Medina, José Miguel Garcia e Araújo, Fábio Caldas. Mandado<br />

<strong>de</strong> Segurança Individual e Coletivo. Página <strong>11</strong>9. RT. 2009. São Paulo.<br />

18 Oliveira, Francisco Antônio. Op. cit., p. 301.<br />

8 R I T O S www.amarn.com.br


da Lei nº 12.016/09).<br />

Realizada esta análise preliminar, para concessão da medida<br />

<strong>de</strong> urgência, <strong>de</strong>vem estar presentes os seguintes pressupostos:<br />

a) fundamento relevante do pedido; b) possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inefi cácia<br />

(lesão irreparável a direito) da medida <strong>de</strong>ferida ao fi nal do<br />

julgamento do mandado <strong>de</strong> segurança.<br />

Relevante, singelamente, na acepção três encontrada no<br />

Novo Dicionário Aurélio, é o que é importante, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> valor,<br />

gran<strong>de</strong> conveniência ou interessante. No Dicionário <strong>de</strong> Língua<br />

Portuguesa <strong>de</strong> Antonio Moraes, relevante é importante 19 .<br />

A relevância, como ensina José da Silva Pacheco, há <strong>de</strong> resultar<br />

da perfeita a<strong>de</strong>quação do fato e do direito, da clareza e<br />

precisão das razões e argumentos, expostos na inicial, <strong>de</strong> modo<br />

a sobressair, ressaltar, saliente, proeminente, protuberante, como<br />

importante e valioso, o fundamento, a base, o alicerce do pedido<br />

do impetrante 20 .<br />

Avaliando, por outro lado, o outro pressuposto o Autor diz<br />

que se trata da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inefi cácia do mandado <strong>de</strong> segurança,<br />

se vier ele a ser <strong>de</strong>ferido, isto é, em caso <strong>de</strong> periculum<br />

in mora 21 . Inefi cácia da medida, como lembra Lúcia Valle <strong>de</strong><br />

Figueiredo, singelamente só po<strong>de</strong> signifi car a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a<br />

<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> mérito do mandado <strong>de</strong> segurança quedar-se inócua 22 .<br />

E continua dizendo que o fi m do mandado <strong>de</strong> segurança<br />

não é a reparabilida<strong>de</strong> da lesão; sua fi nalida<strong>de</strong> é a <strong>de</strong> obstaculização<br />

que a lesão persista ou se verifi que 23 . A inefi cácia, consiste,<br />

então em não mais ser possível afastar a lesão que se pretendia<br />

ver afastada, a não ser pela repetição. 24<br />

Em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança coletivo, a Lei nº<br />

12.016/09 estabelece, em seu art. 22, §2º, como requisito para<br />

concessão da liminar, a audiência prévia da pessoa jurídica, que<br />

<strong>de</strong>verá ser intimada para se pronunciar no prazo <strong>de</strong> 72 (setenta<br />

e duas horas) sobre a medida <strong>de</strong> urgência.<br />

Tal previsão, como lembra José Miguel Garcia Medina e<br />

19 Figueiredo, Lúcia Valle. Op. cit., p. 135.<br />

20 Pacheco, José da Silva. O Mandado <strong>de</strong> Segurança e Outras<br />

Ações Constitucionais Típicas. Página 257. RT. 2002. São Paulo.<br />

21 Pacheco, José da Silva. Op. cit., p. 258.<br />

22 Figueiredo, Lúcia Valle. Op. cit., p. 136.<br />

23 Figueiredo, Lúcia Valle. Op. cit., p. 136.<br />

24 Figueiredo, Lúcia Valle. Op. cit., p. 137.<br />

www.amarn.com.br<br />

Fábio Caldas <strong>de</strong> Araújo, é oriunda da Lei nº 8.437/1992. Para<br />

os Autores, todavia, a presunção periculum in mora in verso<br />

po<strong>de</strong> ser afastada se o órgão jurisdicional perceber que a não<br />

concessão da liminar po<strong>de</strong> acarretar, <strong>de</strong> modo irreversível, o perecimento<br />

do direito <strong>de</strong>monstrado pelo autor da ação 25 .<br />

5. A CONTRA-CAUTELA.<br />

Aliado aos pressupostos para suspensão do ato impugnado<br />

através do <strong>de</strong>ferimento da medida, o legislador estabeleceu no<br />

inciso III a faculda<strong>de</strong> do juiz exigir do impetrante caução, fi ança<br />

ou <strong>de</strong>pósito, com o objetivo <strong>de</strong> assegurar o ressarcimento à<br />

pessoa jurídica.<br />

Trata-se, portanto, <strong>de</strong> uma faculda<strong>de</strong>, mera liberalida<strong>de</strong> do<br />

julgador que a <strong>de</strong>spachar a inicial po<strong>de</strong>rá fazer tal exigência.<br />

Na verda<strong>de</strong>, a Lei nº 12.016/09 somente estabeleceu uma<br />

praxe 26 judicial que existia ante a omissão do antigo texto legal,<br />

porém alvo <strong>de</strong> profundos <strong>de</strong>bates na doutrina e jurisprudência 27 .<br />

Para o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito não há nenhuma<br />

circunstância que possa justifi car a imposição <strong>de</strong> caução,<br />

até porque tal exigência signifi ca retirar do impetrante o direito<br />

reconhecido pelo magistrado 28 .<br />

A exigência da caução seria, no enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Francisco Antônio<br />

<strong>de</strong> Oliveira, contrária a princípio constitucional da igualda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> tratamento das partes (art. 5º, CF/88), uma vez que o<br />

mandamus passaria a ser um remédio elitista 29 , já que somente<br />

25 Medina, José Miguel Garcia e Araújo, Fábio Caldas. Op. cit., p.<br />

224.<br />

26 José da Silva Pacheco diz: “tem inteira razão o ministro Carlos<br />

Velloso quando não concorda com a praxe, que vem sendo instaurada,<br />

<strong>de</strong> se exigir <strong>de</strong>pósito ou caução para conce<strong>de</strong>r-se medida liminar<br />

em mandado <strong>de</strong> segurança, uma vez que, ocorrendo os pressupostos<br />

objetivos da medida liminar, <strong>de</strong>ve o juiz concedê-la, não po<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>sfi<br />

gurar ou <strong>de</strong>svirtuar a ação constitucional <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança,<br />

com exigência <strong>de</strong>scabida <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósito, não previsto em lei”. (Op. cit., p.<br />

273).<br />

27 Abordando o assunto o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito<br />

relata: “A segunda Turma do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, relator o<br />

Ministro Peçanha Martins, <strong>de</strong>cidiu que, ‘ satisfeitos os pressupostos<br />

essenciais, a parte tem direito subjetivo à concessão da liminar<br />

pleiteada. Revestida <strong>de</strong> caráter imperativo, o juiz <strong>de</strong>ve conce<strong>de</strong>r a<br />

medida sem sujeitá-la a qualquer exigência, sob pena <strong>de</strong> torná-la<br />

inefi caz’”. Adiante em seu texto reproduz outro acórdão, em sentido<br />

contrário, admitindo a possibilida<strong>de</strong> da contracautela, cujo relator,<br />

Ministro Pádua Ribeiro, pon<strong>de</strong>ra ser “lícito ao Juiz condicionar a efi cácia<br />

da medida liminar à prestação <strong>de</strong> garantia por parte do impetrante, a<br />

título <strong>de</strong> contracautela.” (Op. cit., p. 128/129)<br />

28 Op. cit., p. 130/131.<br />

29 José Miguel Garcia Medina e Fábio Caldas Araújo lembram:<br />

“na jurisprudência já se admitiu a dispensa da caução, em razão da<br />

natureza da prestação e da insufi ciência fi nanceira do autor da ação”.<br />

R I T O S 9


aqueles com possibilida<strong>de</strong>s fi nanceiras e econômicas po<strong>de</strong>riam<br />

obstar ato <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> ilegal ou abusivo 30 .<br />

Lúcia Valle <strong>de</strong> Figueiredo, embora entenda ser um <strong>de</strong>spautério<br />

obrigar o impetrante a caucionar para obtenção<br />

da medida liminar, admite tal providência em “condições<br />

excepcionalíssimas”. 31<br />

O condicionamento da concessão da liminar à prestação <strong>de</strong><br />

garantia, em abordagem feita por Hely Lopes Meirelles em sua<br />

obra clássica, não parece inconstitucional, sendo preciso apenas<br />

que o magistrado em seu po<strong>de</strong>r discricionário fi xe o montante a<br />

forma da garantia, a fi m <strong>de</strong> inviabilizar a ação constitucional 32 .<br />

Tereza Arruda Alvim Wambier, aliás, reconhece que é melhor a<br />

exigência do que se <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r a medida 33 .<br />

Assim, é bom ressaltar que a <strong>de</strong>speito da necessida<strong>de</strong> ou<br />

não da contracautela, o texto legal somente reservou ao julgador<br />

uma faculda<strong>de</strong> que teve origem na praxe judicial, estabelecendo<br />

apenas como medida a ser avaliada <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um juízo<br />

discricionário.<br />

6. A CONCESSÃO DE OFÍCIO PELO JUIZ.<br />

Muito tem se <strong>de</strong>batido se a liminar, pela redação dada pelo<br />

artigo 7º, III, da Lei nº 12.016/09 é medida que <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>terminada<br />

<strong>de</strong> ofício pelo magistrado, uma vez que enuncia que o<br />

juiz ao <strong>de</strong>spachar a inicial or<strong>de</strong>nará a suspensão do ato que <strong>de</strong>u<br />

motivo ao pedido do impetrante.<br />

A resposta, como adverte José da Silva Pacheco, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />

da concepção que se tenha não só da própria liminar, com do<br />

po<strong>de</strong>r jurisdicional, que ínsito tem, também, o po<strong>de</strong>r geral <strong>de</strong><br />

cautela 34 .<br />

Para Othon Sidou a medida liminar não se condiciona a requerimento<br />

da parte, motivo por que, inclua ou não o queixoso,<br />

na inicial, o pedido <strong>de</strong> suspensão do ato lesivo, o juiz proverá<br />

nesse sentido, sob pena <strong>de</strong>, em não o fazendo, <strong>de</strong>parar situações<br />

em face das quais sua sentença seria um julgar vazio 35 .<br />

30 Op. cit., p. 317.<br />

31 Op. cit., p. 139.<br />

32 Op. cit., p. 79.<br />

33 Op. cit., p. 805.<br />

34 Pacheco, José da Silva. Op. cit., p. 259.<br />

35 Pacheco, José da Silva. Op. cit., p. 260.<br />

Nessa esteira <strong>de</strong> raciocínio, Carmem Lúcia Antunes Rocha<br />

alerta para a <strong>de</strong>snecessida<strong>de</strong> do pedido liminar pelo impetrante<br />

para a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>terminada pelo julgador, cabendo-lhe a prestação<br />

efi ciente da garantia constitucional do mandado <strong>de</strong> segurança,<br />

compete-lhe tomar todas as providências cabíveis para a<br />

realização da fi nalida<strong>de</strong> posta a norma fundamental e que é <strong>de</strong><br />

estrita função ver aperfeiçoada, o que inclui, evi<strong>de</strong>ntemente, a<br />

medida acautelatória liminar asseguradora da plena efi cácia do<br />

mandado que po<strong>de</strong>rá vir, ao fi nal, a ser concedido 36 .<br />

Para Adhemar Ferreira Maciel o juiz <strong>de</strong>ve ter em mente<br />

o resultado sempre útil do processo. Assim, caso perceba que<br />

da não concessão liminar, a qual não foi pedida expressamente,<br />

pelo impetrante, possa redundar inefi cácia do writ, <strong>de</strong>verá<br />

concedê-la assim mesmo 37 .<br />

Em sentido oposto, Celso Agrícola Barbi pon<strong>de</strong>ra que,<br />

embora concebendo a liminar como <strong>de</strong> natureza cautelar, conecta-a<br />

com o disposto no art. 8<strong>11</strong>, do CPC, que prevê a responsabilida<strong>de</strong><br />

do requerente pelos danos <strong>de</strong>correntes e sustenta<br />

que conseqüência da afi rmação da responsabilida<strong>de</strong> do autor é<br />

também negativa <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r o juiz conce<strong>de</strong>r ex offi cio a medida<br />

cautelar, motivo pelo qual conclui que, apesar do silencia da lei<br />

atual, <strong>de</strong>ve-se enten<strong>de</strong>r que o juiz po<strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r a suspensão<br />

liminar se houver requerimento do impetrante 38 .<br />

7. AS RESTRIÇÕES LEGAIS À CONCESSÃO DA<br />

LIMINAR E SUA CONSTITUCIONALIDADE.<br />

O § 2º do artigo 7º, da Lei nº 12.016/09, expressa que não<br />

será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação<br />

<strong>de</strong> créditos tributários, a entrega <strong>de</strong> mercadorias e bens<br />

provenientes do exterior, a reclassifi cação ou equiparação <strong>de</strong><br />

servidores públicos e a concessão <strong>de</strong> aumento ou a extensão <strong>de</strong><br />

vantagens ou pagamento <strong>de</strong> qualquer natureza.<br />

Já o § 5º estabelece que as vedações relacionadas com a concessão<br />

<strong>de</strong> liminares previstas neste artigo se esten<strong>de</strong>m à tutela<br />

antecipada a que se referem os arts. 273 e 461 do Código <strong>de</strong><br />

Processo Civil.<br />

36 Oliveira, Francisco Antônio. Op. cit., p. 309.<br />

37 Pacheco, José da Silva. Op. cit., p. 260.<br />

38 Pacheco, José da Silva. Op. cit., p. 259/260.<br />

10 R I T O S www.amarn.com.br


Ora, o novel texto legal nada mais é que a reprodução <strong>de</strong><br />

diversas leis restritivas da concessão <strong>de</strong> liminares contra o Po<strong>de</strong>r<br />

Público (Leis n°s 2.770, 4.348/164 39 , 5021/66 40 , 8.437/92<br />

e 9.494/97 41 ), além <strong>de</strong> matérias já <strong>de</strong>cididas e sumuladas pelo<br />

STF 42 e STJ (212 e 213).<br />

Sobre a constitucionalida<strong>de</strong> das restrições legais, José da<br />

Silva Pacheco, citando Galeno Lacerda, salienta que a lei ordinária<br />

po<strong>de</strong>, perfeitamente, proibir ou restringir a liminar no<br />

mandado <strong>de</strong> segurança porque a Constituição não se refere à<br />

medida prévia 43 .<br />

O Ministro Carlos Alberto Menezes Direito ensina que o<br />

Po<strong>de</strong>r Executivo tem tentado reprimir a indiscriminada concessão<br />

<strong>de</strong> medidas liminares, sendo compreensível para o Autor<br />

tal atitu<strong>de</strong> como reação diante do gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> medidas<br />

liminares <strong>de</strong>feridas sem o menor critério técnico, com caráter<br />

satisfativo, gerando, com frequência, confl itos entre os Po<strong>de</strong>res.<br />

E conclui, <strong>de</strong> todos os modos, impõe-se estabelecer uma disciplina<br />

legal que, por seu turno, não prejudique o direito da parte,<br />

39 EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM SUSPENSÃO DE SEGURAN-<br />

ÇA. LEI ESTADUAL 10640. SERVIDOR INATIVO. ISONOMIA REMUNE-<br />

RATÓRIA. Lei 4348/1964. CONCESSÃO DE LIMINAR. IMPOSSIBILIDA-<br />

DE. Tesoureiros aposentados do DER/PE. Equiparação. Impossibilida<strong>de</strong>.<br />

Extensão <strong>de</strong> parcela isonômica remuneratória a servidores inativos por<br />

medida liminar em mandado <strong>de</strong> segurança. Inobservância ao disposto<br />

no artigo 5º da Lei 4348/64, que impe<strong>de</strong> a concessão <strong>de</strong> cautelar que<br />

<strong>de</strong>termine a reclassifi cação ou equiparação <strong>de</strong> servidores públicos, a<br />

concessão <strong>de</strong> aumento ou extensão <strong>de</strong> vantagens. Agravo regimental<br />

<strong>de</strong>sprovido. (STF. SS 2280 AgR/PE. Rel. Min. Maurício Corrêa. J.<br />

22/04/2004).<br />

40 Ementa. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL.<br />

DIREITO ADMINISTRATIVO. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. SUPRESSÃO DE<br />

PARCELA REMUNERATÓRIA. RESTABELECIMENTO. LIMINAR EM MAN-<br />

DADO DE SEGURANÇA. POSSIBILIDADE. 1. A vedação à concessão<br />

<strong>de</strong> medida liminar em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança, nos mol<strong>de</strong>s do<br />

disposto no artigo 1º, parágrafo 4º, da Lei nº 5.021/66, não se aplica<br />

à hipótese <strong>de</strong> restabelecimento <strong>de</strong> parcela remuneratória ilegalmente<br />

suprimida. Prece<strong>de</strong>ntes. 2. Agravo regimental improvido. (STJ. AgRg<br />

no REsp. 808008/ES. Rel. Min. Hamilton Carvalhido. J. 22/08/2006)<br />

41 EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE SEGU-<br />

RANÇA. GRATIFICAÇÃO DE INCENTIVO. LEI COMPLEMENTAR 27/99.<br />

EXTENSÃO ÀS PENSIONISTAS VIÚVAS DOS SERVIDORES. CONCES-<br />

SÃO DE TUTELA ANTECIPADA. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 1º DA<br />

LEI 9494/97. ADC-4/DF. PRECEDENTES. Gratifi cação <strong>de</strong> Incentivo<br />

ao Policial Militar, instituída pela LC 27/99. Extensão às pensionistas<br />

viúvas dos servidores por medida liminar em mandado <strong>de</strong> segurança.<br />

Inobservância ao disposto no artigo 1º da Lei 9494/97, que impe<strong>de</strong><br />

a concessão <strong>de</strong> cautelar que <strong>de</strong>termine a incorporação e o imediato<br />

pagamento <strong>de</strong> vantagem a servidor público. Descumprimento à <strong>de</strong>cisão<br />

<strong>de</strong>sta Corte proferida na ADC-4. Prece<strong>de</strong>ntes. Agravo regimental<br />

<strong>de</strong>sprovido. (STF. SS 2321 AgR/PE. Rel. Min. Maurício Corrêa. J.<br />

28/04/2004).<br />

42 EMENTA: Agravo Regimental em Suspensão <strong>de</strong> Segurança. 2.<br />

Equiparação salarial. 3. Aumento <strong>de</strong> vencimentos, mediante concessão<br />

<strong>de</strong> medida liminar, <strong>de</strong> <strong>de</strong>legados <strong>de</strong> polícia. Afronta ao art. 7º, § 2º, da<br />

Lei n.º 12.016/2009. 4. Agravo regimental <strong>de</strong>sprovido. (STF. SS 3330<br />

AgR/AM. Rel. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s. J. 17/02/2010).<br />

43 Pacheco, José da Silva. Op. cit., p. 267.<br />

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atingindo por ato <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> praticado com ilegalida<strong>de</strong> ou<br />

abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r 44 .<br />

Em contrapartida, Tereza Arruda Alvim Wambier não<br />

aceita as vedações impostas pelas leis e medidas provisórias a<br />

concessão <strong>de</strong> liminares que para ela são inconstitucionais 45 .<br />

Para Hely Lopes Meirelles a proibição <strong>de</strong> entrega <strong>de</strong> mercadorias<br />

e bens provenientes do exterior, em análise a Lei nº<br />

2.270/56, reproduzido também na nova lei do mandado <strong>de</strong><br />

segurança, enten<strong>de</strong> que vedação só se refere a produtos contraban<strong>de</strong>ados.<br />

O autor ressalta ainda que a proibição <strong>de</strong> liminares<br />

nos casos <strong>de</strong> reclassifi cação ou equiparação <strong>de</strong> servidores<br />

públicos, ou à concessão <strong>de</strong> aumento ou extensão <strong>de</strong> vantagens<br />

afi guram-se inconstitucionais, por <strong>de</strong>sigualarem os impetrantes<br />

em <strong>de</strong>trimento do servidor público, já que a constituição não faz<br />

nenhuma distinção ao instituir o mandamus 46 .<br />

José Miguel Garcia Medina e Fábio Caldas <strong>de</strong> Araújo informam<br />

que a jurisprudência tem concedido liminares contra<br />

o Po<strong>de</strong>r Público, sempre que não se tratar <strong>de</strong> um das exceções<br />

previstas na Lei. Decidiu-se, continuam os Autores, citando<br />

acórdão do STJ da relatoria do Ministro Luiz Fux, com absoluto<br />

acerto, que “as exceções à concessão <strong>de</strong> antecipação <strong>de</strong> tutela<br />

contra a Fazenda Pública reclamam exegese estrita, por isso que<br />

on<strong>de</strong> não há limitação não é lícito ao magistrado entrevê-la”. 47<br />

8. NATUREZA JURÍDICA DA DECISÃO LIMINAR E<br />

O RECURSO CABÍVEL.<br />

As discussões acerca da natureza da <strong>de</strong>cisão que conceda<br />

ou nega o pedido liminar no mandado <strong>de</strong> segurança restaramse<br />

superadas com a previsão expressa do cabimento do agravo<br />

<strong>de</strong> instrumento 48 (§ 1º, art. 7º), não po<strong>de</strong>ndo ser entendido<br />

44 Direito, Carlos Alberto Menezes. Op. cit., p. 127/128.<br />

45 Wambier, Tereza Arruda Alvim. Op. cit., p. 805.<br />

46 Meirelles, Hely Lopes. Op. cit., p. 81.<br />

47 Medina, José Miguel Garcia e Araújo, Fábio Caldas. Op. cit., p.<br />

124.<br />

48 Ementa: PROCESSUAL CIVIL – LIMINAR EM MANDADO DE<br />

SEGURANÇA – NATUREZA INTERLOCUTÓRIA – AGRAVO DE INSTRU-<br />

MENTO – CABIMENTO – APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA SISTEMÁTICA<br />

RECURSAL PREVISTA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 1. A sistemática<br />

recursal prevista no Código <strong>de</strong> Processo Civil é aplicável subsidiariamente<br />

a todo o or<strong>de</strong>namento jurídico, inclusive aos processos<br />

regidos por leis especiais, sempre que não houver disposição especial<br />

em contrário. 2. A liminar, negando ou conce<strong>de</strong>ndo a antecipação, é<br />

<strong>de</strong>cisão interlocutória que <strong>de</strong>safi a agravo <strong>de</strong> instrumento. 3. Em linha<br />

com a já placitada jurisprudência <strong>de</strong>sta Corte, a Nova Lei do Mandado<br />

R I T O S <strong>11</strong>


com era para alguns doutrinadores como <strong>de</strong>spacho e portanto<br />

irrecorrível 49 .<br />

Aliás, a jurisprudência 50 e autores <strong>de</strong> escol, antes do advento<br />

da Lei nº 12.016/09, entendiam que a liminar no writ tinha<br />

natureza <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão interlocutória, pois consiste num pronunciamento<br />

judicial marcadamente <strong>de</strong>cisório, que não tem como<br />

efeito o <strong>de</strong> pôr fi m ao processo ou a procedimento, em primeiro<br />

grau <strong>de</strong> jurisdição 51 , por isso agravável 52 .<br />

Também, não <strong>de</strong>ve ser mais aplicada a Súmula 622 do Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que vedada a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso<br />

regimental da <strong>de</strong>cisão do relator que conce<strong>de</strong> ou in<strong>de</strong>fere liminar<br />

em mandado <strong>de</strong> segurança, em face da redação do art. 16,<br />

§ único, da Lei nº 12.016/09, que prevê expressamente o cabimento<br />

<strong>de</strong> recurso <strong>de</strong> agravo ao órgão competente do tribunal<br />

que integre 53 .<br />

9. A PERDA DA EFICÁCIA DA MEDIDA PELA<br />

DENEGAÇÃO DO MANDAMUS E A CADUCIDADE DA<br />

LIMINAR.<br />

Uma questão bastante controvertida na jurisprudência 54 e<br />

doutrina era o <strong>de</strong>saparecimento automático dos efeitos da me-<br />

<strong>de</strong> Segurança, em interpretação autêntica, meramente elucidativa,<br />

prevê explicitamente o agravo <strong>de</strong> instrumento contra <strong>de</strong>cisão liminar<br />

no mandamus (art. 7º, § 1º, da Lei n. 12.016, <strong>de</strong> 07/08/2009). 4.<br />

Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (STJ.<br />

REsp <strong>11</strong>24918/SP. Rel. Min. Eliana Calmon. J. em 17/<strong>11</strong>/2009)<br />

49 Meirelles, Hely Lopes. Op. cit., p. 83.<br />

50 Ementa. MANDADO DE SEGURANÇA - LIMINAR - NATUREZA -<br />

RECURSO - ADEQUAÇÃO. O ato mediante o qual é <strong>de</strong>ferida, ou não,<br />

liminar em mandado <strong>de</strong> segurança enquadra-se na espécie “<strong>de</strong>cisão<br />

interlocutória”, sendo atacável no campo recursal. O conhecimento e<br />

provimento <strong>de</strong> agravo longe fi ca <strong>de</strong> usurpar a competência do Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, consi<strong>de</strong>rada a suspensão <strong>de</strong> segurança. (STF. Rcl<br />

1616/PE. Rel. Min. Marco Aurélio. J. em 28/04/2003)<br />

51 Wambier, Tereza Arruda Alvim. Op. cit., p. 794.<br />

52 Figueiredo, Lúcia Valle. Op. cit., p. 150.<br />

53 EMENTA: RECURSO. Agravo regimental. Concessão <strong>de</strong> liminar<br />

em processo <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança. Inadmissibilida<strong>de</strong>. Aplicação<br />

da súmula n° 622. Superveniência do art. 10, § 1°, da Lei n°<br />

12.016./2009. Inaplicabilida<strong>de</strong> a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> data anterior ao início <strong>de</strong><br />

sua vigência. Recurso não conhecido. Embora a lei processual incida<br />

<strong>de</strong> imediato, o regime <strong>de</strong> recorribilida<strong>de</strong> é o da lei vigente à data da<br />

prolação do ato <strong>de</strong>cisório. (STF. MS 27656 MC-AgR/DF. Rel. Min. Cezar<br />

Peluso. J. em 09/12/2009)<br />

54 EMENTA: CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. RE-<br />

CURSO EXTRAORDINÁRIO. EFEITO SUSPENSIVO. I. - Inocorrência <strong>de</strong><br />

fumus boni juris: a segurança foi impetrada contra ato do Ministro <strong>de</strong><br />

Estado consubstanciado na Portaria 789, <strong>de</strong> 24.08.2001, apresentado<br />

o pedido em <strong>janeiro</strong> <strong>de</strong> 2003, julgado extinto o processo pela ocorrência<br />

da <strong>de</strong>cadência. II. - Denegado o mandado <strong>de</strong> segurança, fi ca sem<br />

efeito a liminar concedida: Súmula 405-STF. III. - Agravo não provido.<br />

(STF. AC 280 AgR/DF. Rel. Min. Carlos Velloso. J. em 03/08/2004)<br />

dida liminar com a <strong>de</strong>negação do mandado <strong>de</strong> segurança, tanto<br />

que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral editou a Súmula 405 55 .<br />

Hely Lopes Meirelles admite a persistência da liminar se o<br />

juiz expressamente ressalva a sua subsistência até o trânsito em<br />

julgado e, embora o mesmo silencie a respeito da revogação,<br />

enten<strong>de</strong> que a sua efi cácia permanece até o julgamento da instância<br />

superior.<br />

Assim, prossegue o Autor, é preciso que o julgador a revogue<br />

explicitamente para que cessem seus efeitos, não sendo sufi<br />

ciente apenas que se manifeste sobre o mérito, <strong>de</strong>negando ou<br />

não a segurança, para que fi que automaticamente invalidada a<br />

medida 56 .<br />

Porém, a doutrina majoritária, seguindo a tendência jurispru<strong>de</strong>ncial<br />

sumulada pelo Pretório Excelso, reconhece que a<br />

existência <strong>de</strong> sentença <strong>de</strong>negatória <strong>de</strong>termina a volta ao status<br />

quo ante 57 , reputando-se, nas palavras <strong>de</strong> Alfredo Buzaid, citado<br />

pelo Ministro Menezes Direito, automaticamente revogada pela<br />

sentença que, no mérito, negou a existência <strong>de</strong> direito líquido e<br />

certo do impetrante 58 .<br />

O juiz, ao prolatar a sentença <strong>de</strong>negando a or<strong>de</strong>m, não<br />

po<strong>de</strong> manter a suspensão liminar do ato sob pena <strong>de</strong> contrariar<br />

a própria sentença <strong>de</strong> mérito 59 , passando a liminar ter maior<br />

força que a <strong>de</strong>cisão fi nal 60 .<br />

Adotando esta orientação, a Lei nº 12.016/09, em seu o<br />

art. 7º, § 3º, estabelece que “os efeitos <strong>de</strong> medida liminar, salvo<br />

se revogada ou cassada, persistirão até a prolação da sentença”,<br />

sendo automaticamente revogada com a <strong>de</strong>negação, portanto,<br />

do writ 61 .<br />

55 Súmula nº 405: “Denegado o mandado <strong>de</strong> segurança pela<br />

sentença, ou no julgamento do agravo, <strong>de</strong>la interposto, fi ca sem efeito<br />

a liminar concedida, retroagindo os efeitos da <strong>de</strong>cisão”.<br />

56 Op. cit., p. 85.<br />

57 Figueiredo, Lúcia Valle. Op. cit., p. 159.<br />

58 Direito, Carlos Alberto Menezes. Op. cit., p. 135.<br />

59 Direito, Carlos Alberto Menezes. Op. cit., p. 135.<br />

60 Medina, José Miguel Garcia e Araújo, Fábio Caldas. Op. cit., p.<br />

129.<br />

61 Ementa. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM<br />

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR.<br />

SENTENÇA QUE EXTINGUE O MANDAMUS SEM RESOLUÇÃO DO<br />

MÉRITO (ILEGITIMIDADE PASSIVA). RECEBIMENTO DO RECURSO DE<br />

APELAÇÃO NO DUPLO EFEITO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 405 DO<br />

STF. ART. 7º, § 3º, DA LEI N. 12.016/2009 – NOVA LEI DO MANDA-<br />

DO DE SEGURANÇA. CONSTATAÇÃO DOS REQUISITOS CAUTELARES<br />

NECESSÁRIOS À ATRIBUIÇÃO DO EFEITO SUSPENSIVO. SÚMULA N. 7<br />

12 R I T O S www.amarn.com.br


Noutro aspecto da nova lei do Mandado <strong>de</strong> Segurança, o<br />

artigo 8º, reproduzindo a redação prevista no artigo 2º, da Lei<br />

nº 4.348/64, e minimamente alterada, enuncia que “será <strong>de</strong>cretada<br />

a perempção ou caducida<strong>de</strong> da medida liminar ex offi cio<br />

ou a requerimento do Ministério Público quando, concedida a<br />

medida, o impetrante criar obstáculo ao normal andamento do<br />

processo ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> promover, por mais <strong>de</strong> 3 (três) dias úteis,<br />

os atos e as diligências que lhe cumprirem”.<br />

A redação dada pela Lei nº 12.016/09 retira do artigo 2º,<br />

da Lei nº 4.348/64 apenas a parte fi nal quanto ao abandono da<br />

causa pelo impetrante por mais <strong>de</strong> 20 (vinte) dias.<br />

Para José Miguel Garcia Medina e Fábio Caldas <strong>de</strong> Araújo<br />

o legislador <strong>de</strong>veria ter corrigido essa anomalia e extirpado do<br />

sistema a possibilida<strong>de</strong> uma vez que a sanção imposta afi gura-se<br />

<strong>de</strong>sproporcional ao fi m visado, ainda mais com a previsão da<br />

hipótese litigância <strong>de</strong> má-fé inserta no art. 17, IV, CPC 62 .<br />

Alertam os Autores ainda que a sanção pelo abandono da<br />

causa é <strong>de</strong>snecessária na medida em que a contumácia do impetrante<br />

não é causa <strong>de</strong> extinção do processo, mas <strong>de</strong> resolução do<br />

processo, sem análise do mérito, na forma do artigo 267, III, do<br />

CPC. Todavia, não obstante ser necessária a aplicação <strong>de</strong> sanção<br />

pelo abandono, imprescindível a intimação prévia e pessoal<br />

do impetrante para promover as diligências <strong>de</strong>terminadas para<br />

o prosseguimento da ação no prazo <strong>de</strong> 48h 63 .<br />

BIBLIOGRAFIA<br />

BARBI, Celso Agrícola. Do Mandado <strong>de</strong> Segurança. Rio <strong>de</strong><br />

DO STJ. 1. Caso em que se discute a atribuição <strong>de</strong> efeito suspensivo<br />

a recurso <strong>de</strong> apelação interposto contra sentença que extinguiu, sem<br />

análise do mérito, o mandado <strong>de</strong> segurança. Pretensão <strong>de</strong> revigorar a<br />

liminar outrora concedida. 2. Agravo regimental em que se sustenta:<br />

(i) a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atribuição <strong>de</strong> efeito suspensivo ao recurso <strong>de</strong><br />

apelação, caso constatados o fumus boni iuris e o periculum in mora;<br />

e (ii) a não aplicação, ao caso, do entendimento da Súmula n. 405<br />

do STF. 3. A superveniência da sentença que extingue o mandado <strong>de</strong><br />

segurança, sem resolução do mérito, torna sem efeito a liminar a concedida.<br />

Inteligência da Súmula n. 405 do STF. 4. Entendimento que é<br />

reforçado pelo art. 7º, § 3º, da Lei n. 12.016/2009 – nova lei do mandado<br />

<strong>de</strong> segurança, que dispõe: “os efeitos da medida liminar, salvo<br />

se revogada ou cassada, persistirão até a prolação da sentença”. 5. No<br />

caso específi co, o acórdão recorrido não se manifestou expressamente<br />

a respeito dos requisitos cautelares. Nesse contexto, o recurso especial<br />

não é o meio a<strong>de</strong>quado à discussão sobre a presença dos referidos requisitos,<br />

ante o óbice da Súmula n. 7 do STJ. 6. Agravo regimental não<br />

provido. (STJ. AgRg no Ag <strong>11</strong>84864/MG. Rel. Min. Benedito Gonçalves.<br />

J. em 01/12/2009)<br />

62 Op. cit., p. 131/132.<br />

63 Op. cit., p. 134.<br />

www.amarn.com.br<br />

Janeiro. Forense. 2000.<br />

DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Manual do Mandado <strong>de</strong><br />

Segurança. Rio <strong>de</strong> Janeiro/São Paulo. Renovar. 2003.<br />

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Mandado <strong>de</strong> Segurança. São Paulo.<br />

Malheiros. 2002.<br />

MEDINA, José Miguel Garcia e ARAÚJO, Fábio Caldas. Mandado<br />

<strong>de</strong> Segurança Individual e Coletivo. São Paulo. RT. 2009.<br />

MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado <strong>de</strong> Segurança. São Paulo.<br />

Malheiros. 2004.<br />

NOJIRI, Sérgio. Discricionarieda<strong>de</strong> Judicial na Apreciação <strong>de</strong><br />

Pedido <strong>de</strong> Medida Liminar em Mandado <strong>de</strong> Segurança – Aspectos<br />

Polêmicos e Atuais do Mandado <strong>de</strong> Segurança. São Paulo.<br />

RT. 2002.<br />

OLIVEIRA, Francisco Antônio. Mandado <strong>de</strong> Segurança e<br />

Controle Jurisdicional. São Paulo. RT. 2001.<br />

PACHECO, José da Silva. O Mandado <strong>de</strong> Segurança e Outras<br />

Ações Constitucionais. São Paulo. RT. 2002.<br />

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Ainda Sobre a Recorribilida<strong>de</strong><br />

da Liminar em Mandado <strong>de</strong> Segurança – Aspectos Polêmicos<br />

e Atuais do Mandado <strong>de</strong> Segurança. São Paulo. RT. 2002.<br />

Sites consultados na internet:<br />

BRASIL. Presidência da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil. Disponível<br />

em: www.presi<strong>de</strong>ncia.gov.br.<br />

BRASIL. Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Disponível em: www.stf.<br />

jus.br.<br />

BRASIL. Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça. Disponível em: www.stj.<br />

jus.br.<br />

R I T O S 13


Poema<br />

Tempo, quanto<br />

tempo<br />

Há pouco tempo,<br />

Éramos nós correndo ao redor da mesa;<br />

Há pouco tempo,<br />

Só nós sentávamos à mesa.<br />

Hoje,<br />

Correm nossos fi lhos<br />

Ao lado da mesa.<br />

Em pouco tempo,<br />

Os fi lhos dos nossos fi lhos estarão<br />

Junto à mesa.<br />

E <strong>de</strong>pois,<br />

Será nova a mesa<br />

E nós,<br />

Apenas um retrato na estante<br />

Ou um nome na memória,<br />

E a lembrança<br />

De quão felizes fomos.<br />

A liberda<strong>de</strong><br />

Hoje eu vi a liberda<strong>de</strong><br />

Nos olhos <strong>de</strong> um homem.<br />

Hoje eu vi a liberda<strong>de</strong>,<br />

Escorrendo, <strong>de</strong>slizando<br />

Pela face <strong>de</strong> um homem<br />

[chorava.<br />

Não sei se aquelas lágrimas<br />

Eram doídas lembranças do cárcere<br />

Ou se eram a alegria extravasada<br />

Tal qual a do pássaro que <strong>de</strong>ixa livre a gaiola.<br />

Hoje eu vi o homem (ser humano)<br />

Que nem era criminoso, nem inocente,<br />

Era gente.<br />

E gente sofre, chora e erra,<br />

Ah, como erra!<br />

E assim, entre erros e acertos,<br />

Sofrimento e alegria,<br />

Per<strong>de</strong> e reconquista<br />

A liberda<strong>de</strong>. 1<br />

1 Escrito após a concessão <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> provisória a<br />

um réu na Vara Criminal da Comarca <strong>de</strong> São Gonçalo do<br />

Amarante/RN, na audiência do seu interrogatório. O réu<br />

era acusado <strong>de</strong> ter acendido o fogo para o <strong>de</strong>rretimento <strong>de</strong><br />

fi os <strong>de</strong> cobre (<strong>de</strong> telefone) furtados. Estava preso há cerca<br />

<strong>de</strong> trinta dias.<br />

14 R I T O S www.amarn.com.br


A noiva do sol<br />

<strong>de</strong>sfeita em chuva<br />

E Natal, a noiva do Sol,<br />

Vestiu-se <strong>de</strong> cinza<br />

E em chuva <strong>de</strong> lágrimas se <strong>de</strong>sfez,<br />

Deixada no altar à espera do Sol.<br />

Era inverno outra vez,<br />

Chove e nubla como nunca<br />

O sol se escon<strong>de</strong>,<br />

A vida fi ca turva.<br />

Em Natal,<br />

Tempo <strong>de</strong> chuva é tempo <strong>de</strong> tristeza,<br />

Pois o que é da Cida<strong>de</strong> do Sol, sem Sol?<br />

Navegamos no rio <strong>de</strong> águas empoçadas<br />

[empoçadas <strong>de</strong> céu liquefeito<br />

No Potengi, à espera, do espelho <strong>de</strong> azul que se abra no espaço.<br />

www.amarn.com.br<br />

Lápi<strong>de</strong><br />

Descanse em paz.<br />

Na morte, talvez.<br />

Em vida,<br />

Jamais!<br />

Paulo Luciano Maia Marques<br />

Juiz do Juizado Especial Criminal<br />

da Comarca <strong>de</strong> Mossoró e<br />

Coor<strong>de</strong>nador Administrativo da<br />

Escola da Magistratura do Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Norte (ESMARN).<br />

R I T O S 15


História<br />

Judite Nunes<br />

Primeira mulher na<br />

presidência do TJRN


Creio que não<br />

<strong>de</strong>va existir<br />

distanciamento<br />

entre juízes<br />

<strong>de</strong> Direito e os<br />

<strong>de</strong>sembargadores.<br />

Todos somos,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da<br />

instância à qual<br />

pertencemos,<br />

magistrados”.<br />

www.amarn.com.br<br />

20<strong>11</strong> fi cará marcado na história<br />

como o ano da mulher em postos <strong>de</strong><br />

comando no Brasil e principalmente no<br />

Rio Gran<strong>de</strong> do Norte. A primeira mulher<br />

presi<strong>de</strong>nte do Brasil – Dilma Roussef;<br />

a primeira mulher reitora da UFRN<br />

– professora Ângela Paiva; a segunda<br />

mulher governadora do Estado – Rosalba<br />

Ciarlini e a primeira mulher a assumir<br />

a presidência do Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />

do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte – Desembargadora<br />

Judite Nunes. São noticias animadoras<br />

que provam à consolidação da<br />

<strong>de</strong>mocracia. Cada uma <strong>de</strong>ssas mulheres<br />

tem a sua própria história e trajetória <strong>de</strong><br />

vida e na carreira que escolheram.<br />

No caso da <strong>de</strong>sembargadora Judite<br />

<strong>de</strong> Miranda Monte Nunes, nascida<br />

em Natal no 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1946,<br />

a nomeação para o Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />

foi em 1997 pelo dispositivo do quinto<br />

constitucional. Como <strong>de</strong>sembargadora,<br />

ela presidiu o Tribunal Regional Eleitoral,<br />

foi vice-presi<strong>de</strong>nte do TJ, presidiu<br />

a segunda câmara criminal e exerceu o<br />

cargo <strong>de</strong> ouvidora.<br />

Mulher – “Quando cheguei ao Tribunal<br />

<strong>de</strong> Justiça do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte,<br />

já havia a <strong>de</strong>sembargadora Eliane<br />

Oliveira, primeira mulher a integrá-lo,<br />

e posso dizer, com convicção, que sempre<br />

tive a aceitação dos pares, mantendo<br />

um trato cordial <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> com todos<br />

os colegas. Na socieda<strong>de</strong> atual, a mulher<br />

ocupa cada vez mais espaço, mas, no entanto,<br />

muito ainda po<strong>de</strong> ser melhorado<br />

a fi m <strong>de</strong> se evitar o preconceito. Apesar<br />

<strong>de</strong> nunca tê-lo sentido, isso não signifi ca<br />

que ele não existe. Mas já temos muito a<br />

comemorar”, afi rmou a futura presi<strong>de</strong>nte<br />

do TJRN.<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça – a nova administração<br />

do judiciário potiguar foi<br />

eleita para o biênio 20<strong>11</strong>/2012, por<br />

unanimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votos, com a seguinte<br />

composição:<br />

Presi<strong>de</strong>nte – Judite Nunes; Vice-presi<strong>de</strong>nte<br />

– Expedito Ferreira; Corregedorgeral<br />

– Cláudio Santos; Ouvidor-geral<br />

– A<strong>de</strong>rson Silvino; Diretor da Revista <strong>de</strong><br />

Jurisprudência – Amílcar Maia; Diretor<br />

da Esmarn – Rafael Go<strong>de</strong>iro; Membros<br />

do Conselho da Magistratura – Virgílio<br />

Fernan<strong>de</strong>s e Maria Zenei<strong>de</strong> Bezerra; Suplentes<br />

do Conselho da Magistratura –<br />

Dilermando Mota e Osvaldo Cruz.<br />

A nova presi<strong>de</strong>nte do TJ, após a<br />

eleição ocorrida em outubro passado,<br />

<strong>de</strong>clarou total empenho para fazer do<br />

judiciário potiguar um po<strong>de</strong>r cada vez<br />

mais forte e se disse realizada no trabalho.<br />

“Acho que o ser humano sempre<br />

está em busca <strong>de</strong> algo mais, seja diante<br />

<strong>de</strong> prévio planejamento, seja diante das<br />

oportunida<strong>de</strong>s que surgem ao longo da<br />

vida. Posso dizer que sou muito realizada<br />

no que faço. E a realização profi ssional<br />

é muito gratifi cante. Porém, tenho como<br />

certo que sempre se po<strong>de</strong> fazer mais.<br />

Esforçando-se, ousando e tendo coragem,<br />

com responsabilida<strong>de</strong> e equilíbrio,<br />

procurando sempre acertar, ainda que<br />

precise apren<strong>de</strong>r com os erros e, com<br />

humilda<strong>de</strong>, corrigir as falhas <strong>de</strong>tectadas”,<br />

fi nalizou a <strong>de</strong>sembargadora Judite<br />

Nunes.<br />

R I T O S 17


ARTIGO<br />

Cícero M. <strong>de</strong> Macedo Filho<br />

Juiz <strong>de</strong> Direito. Mestre em Direito<br />

Constitucional/UFRN. Doutorando<br />

em Socieda<strong>de</strong> Democrática, Estado e<br />

Direito/Universida<strong>de</strong> do País Basco/<br />

Espanha. Estudante <strong>de</strong> História/UFRN.<br />

Músico amador.<br />

100<br />

ANOS DE UM GÊNIO DA RAÇA<br />

Noel Rosa<br />

18 R I T O S www.amarn.com.br


www.amarn.com.br<br />

No dia <strong>11</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1910, passados,<br />

portanto, 100 anos, nascia Noel <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros<br />

Rosa, um genial brasileiro que passou<br />

para a história da nossa música popular<br />

como Noel Rosa, o “Poeta da Vila”, numa<br />

referência ao bairro on<strong>de</strong> nasceu, viveu e<br />

morreu, a Vila Isabel, no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Viveu somente vinte e seis anos e meio, porém<br />

<strong>de</strong>ixou mais <strong>de</strong> duzentas músicas feitas<br />

só ou em parcerias, verda<strong>de</strong>iras obras primas<br />

que se tornaram clássicos da música popular<br />

brasileira. Morreu como nasceu e como<br />

viveu: pobre e doente. Já ao nascer, teve que<br />

enfrentar os problemas <strong>de</strong>correntes do parto<br />

fórceps que lhe afundou o maxilar, levandoo,<br />

para o resto da vida, a conviver com a difi<br />

culda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se alimentar, o que lhe <strong>de</strong>u uma<br />

magreza que chamava a atenção, e contribuiu<br />

para que se acelerasse a doença que viria<br />

a adquirir <strong>de</strong>pois, a tuberculose, que não<br />

conseguiu curar em razão da boemia, e que<br />

acabaria tirando-lhe a vida. Alimentava-se<br />

basicamente <strong>de</strong> líquidos, e quando começou<br />

a compor e conviver com os compositores e<br />

artistas da época, entregou-se <strong>de</strong>fi nitivamente<br />

a boemia, preferindo a cerveja ao leite.<br />

Trocava o dia pela noite, para <strong>de</strong>sespero da<br />

mãe, com quem apren<strong>de</strong>ra a tocar bando-<br />

lim. Só <strong>de</strong>pois, por infl uência do pai, é que<br />

adotou o violão, do qual tornou-se exímio<br />

executor.<br />

Em razão da infl uência familiar – avós e<br />

tios médicos – foi estudar Medicina, chegando<br />

a cursar até o segundo ano. Nessa época,<br />

já compondo e tocando, teve que escolher<br />

entre o samba e a medicina, e escolheu o<br />

primeiro. O país per<strong>de</strong>u um médico, mas<br />

ganhou o mais genial compositor <strong>de</strong> todos os<br />

tempos. Data <strong>de</strong>ssa época o samba “Coração”,<br />

que fi cou famoso não só pela sua beleza<br />

harmônica, mas pelos erros anatômicos,<br />

que alguns afi rmam terem sido propositais,<br />

uma vez que Noel <strong>de</strong>fi nitivamente não queria<br />

ser médico. A partir <strong>de</strong> 1930, quando obteve<br />

o seu primeiro gran<strong>de</strong> sucesso – o samba<br />

“Com que roupa?” - passou a viver exclusivamente<br />

com o pouco que recebia <strong>de</strong> suas<br />

composições e apresentações e o auxílio da<br />

mãe, professora. Gastava tudo o que ganhava<br />

com a boemia, com mulheres e bebidas.<br />

São famosas suas paixões por mulheres que<br />

foram musas <strong>de</strong> sambas antológicos, como<br />

“Último Desejo” e “Dama do Cabaré”, feitos<br />

para Ceci, um dos seus gran<strong>de</strong>s amores e<br />

que era dançarina em um cabaré da Lapa.<br />

Aos vinte e três anos, foi obrigado a casar-se<br />

R I T O S 19


com Lindaura, que tinha apenas treze anos, e fi cara<br />

grávida. Para os padrões morais da época, tal fato<br />

era motivo <strong>de</strong> um casamento “obrigado”. Chegou a<br />

fazer samba falando da vida íntima do casal. Mesmo<br />

casado e já doente, Noel não <strong>de</strong>sistiu da boemia, das<br />

mulheres e da bebida, comprometendo <strong>de</strong> forma<br />

irremediável a saú<strong>de</strong> com o agravamento da tuberculose<br />

que causaria a sua morte. Deixou uma obra<br />

magnífi ca, feita em apenas sete anos <strong>de</strong> carreira.<br />

Uma obra <strong>de</strong> gênio, incomparável no cancioneiro<br />

nacional. Sua obra tinha brilho autônomo, tanto na<br />

música como na letra, e ele aceitava e dava parcerias.<br />

Muitos afi rmam que sambas famosos <strong>de</strong> outros<br />

autores são, na verda<strong>de</strong>, letras <strong>de</strong> Noel, que graciosamente<br />

fazia as letras e dava a outros compositores,<br />

que divulgavam como se fosse suas as composições.<br />

A obra <strong>de</strong> Noel Rosa é marcada pela vivência<br />

no seu bairro, Vila Isabel, pelos seus amores, pelas<br />

suas piadas, e até mesmo pelas rivalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> outros<br />

compositores, comuns na época. Era um cronista do<br />

seu tempo, da sua cida<strong>de</strong>, o Rio <strong>de</strong> Janeiro, e do<br />

país. Fez sambas com temas como fi losofi a, política,<br />

moral, carnaval, cinema, mulheres, vadios, honestida<strong>de</strong>,<br />

pobreza, progresso, amores, dores e tristezas.<br />

Letras <strong>de</strong> rico vocabulário, <strong>de</strong> rimas preciosas, que<br />

se harmonizavam com perfeição às melodias Isso<br />

garantiu à música popular brasileira obras primorosas<br />

como Pierrô Apaixonado, Filosofi a, Pastorinhas,<br />

O orvalho vem caindo, Feitio <strong>de</strong> Oração, Não tem<br />

tradução, Prá que mentir, Conversa <strong>de</strong> botequim,<br />

Gago Apaixonado, Você vai se quiser, Coisas nossas,<br />

Mentiras <strong>de</strong> mulher, Feitiço da Vila, Palpite infeliz,<br />

Fita amarela, Dama <strong>de</strong> Cabaré, Mulher indigesta,<br />

A<strong>de</strong>us, Cansei <strong>de</strong> pedir, Capricho <strong>de</strong> rapaz solteiro,<br />

Cor <strong>de</strong> cinza, Cordiais saudações, Falam <strong>de</strong> mim,<br />

Positivismo, Por causa da hora, Rapaz folgado, Silêncio<br />

<strong>de</strong> um minuto, Três apitos, Triste cuíca, Tipo<br />

zero, Quando o samba acabou, On<strong>de</strong> está a honestida<strong>de</strong>,<br />

Cansei <strong>de</strong> pedir, Meu barracão, Último<br />

<strong>de</strong>sejo, Com que roupa e tantas outras obras que<br />

marcaram <strong>de</strong>fi nitivamente a música popular brasileira.<br />

Quando morreu, em um quarto <strong>de</strong> sua casa,<br />

sua música estava sendo tocada em uma festa na<br />

casa em frente.<br />

A obra <strong>de</strong> Noel não tem tempo nem dimensão.<br />

É eterna e atual. Passados mais <strong>de</strong> setenta anos <strong>de</strong><br />

sua morte (04 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1937), sua música e poesia<br />

continuam mo<strong>de</strong>rnas, mais vivas do que nunca. Sua<br />

obra não precisa ser revisitada, revista, atualizada.<br />

Ela é atual por si mesma, é mo<strong>de</strong>rna pelo que ela<br />

foi, pelo que é e representa no cotidiano da vida do<br />

país. Foi gravada por praticamente todos os gran<strong>de</strong>s<br />

artistas dos país, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aqueles que com ele conviveram,<br />

passando pelos gran<strong>de</strong>s dos anos seguintes<br />

até alcançar os gran<strong>de</strong>s dos dias atuais. Não é a toa<br />

que gente como Chico Buarque, Ivan Lins, Caetano<br />

Veloso, Gilberto Gil, Tom Jobim, Gal Costa, Maria<br />

Bethânia, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, estão<br />

sempre regravando Noel, assim como inúmeros<br />

outros artistas e grupos, já que não se po<strong>de</strong> aqui citar<br />

20 R I T O S www.amarn.com.br


Juiz Cícero Macedo em momento musical.<br />

todos. Dizem ainda alguns autores ter sido Noel o<br />

precursor da bossa nova, o que parece ser mesmo<br />

verda<strong>de</strong>, bastando ver as construções harmônicas<br />

<strong>de</strong> suas músicas. E também da música <strong>de</strong> protesto,<br />

<strong>de</strong> motivos políticos, em razão das suas letras marcadamente<br />

críticas. Não há dúvida <strong>de</strong> que ele foi<br />

um dos maiores compositores <strong>de</strong> todos os tempos.<br />

Encantou o povão nos anos 30 do século passado,<br />

e as gentes cultas dos anos seguintes, até os dias<br />

atuais. Disse recentemente o gran<strong>de</strong> poeta e compositor<br />

Aldir Blanc que “Noel é o mais mo<strong>de</strong>rno<br />

dos compositores brasileiros”. Não há dúvida que<br />

www.amarn.com.br<br />

Noel tornou-se um clássico, e hoje faz parte do<br />

nosso patrimônio cultural, e certamente é o marco<br />

fundamental da música popular brasileira.<br />

Disse certa vez um fi lósofo ateu que se Deus<br />

não existisse seria necessário inventá-lo. Se Noel<br />

não tivesse existido na história da música popular<br />

brasileira, seria necessário inventá-lo, pois só<br />

a sua genialida<strong>de</strong> seria capaz <strong>de</strong> nos legar obras<br />

primas como as que ele nos <strong>de</strong>ixou, insuperáveis<br />

até hoje. E por isso Noel jamais será esquecido,<br />

pois os gênios não morrem. E ele foi um <strong>de</strong>les:<br />

um gênio da raça.<br />

R I T O S 21


Projetos Especiais<br />

Estudantes em Nísia<br />

Floresta formando a<br />

Ban<strong>de</strong>ira do Brasil<br />

O lado social da justiça<br />

Juiz Marcus Vinícius e a experiência<br />

com projetos sociais<br />

Nísia Floresta, cida<strong>de</strong> localizada a 42 quilômetros <strong>de</strong> Natal, é cercada por lagoas<br />

e um belo litoral. Com um cenário <strong>de</strong>sses, é natural que haja especulação imobiliária<br />

acarretando o problema da <strong>de</strong>vastação ambiental no município e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />

intervenção maior do Po<strong>de</strong>r Judiciário. Assim, com o projeto “Plantar uma Floresta em<br />

Nísia Floresta” o município foi contemplado com a plantação <strong>de</strong> 8 mil mudas <strong>de</strong> árvores<br />

nativas, várias palestras e eventos <strong>de</strong> conscientização ambiental em um período <strong>de</strong> 4 anos.<br />

A iniciativa foi do juiz Marcus Vinícius Pereira Júnior, através do programa do Tribunal<br />

<strong>de</strong> Justiça do RN “Novos Rumos na Execução Penal”, presidido pelo Desembargador<br />

Saraiva Sobrinho, que tem como objetivo transformar as ilegalida<strong>de</strong>s cometidas pelos<br />

22 R I T O S www.amarn.com.br<br />

Fotos: arquivo pessoal


Juiz Marcus Vinícius Pereira Júnior<br />

www.amarn.com.br<br />

cidadãos em benefícios para toda a socieda<strong>de</strong>.<br />

Dentro do programa, a população do município<br />

ganhou ainda um terreno doado pela iniciativa<br />

privada, on<strong>de</strong> está sendo construído Eco Posto Nísia<br />

Floresta, local para o <strong>de</strong>senvolvimento da educação<br />

ambiental e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um viveiro <strong>de</strong> mudas,<br />

com a participação <strong>de</strong> estudantes e da comunida<strong>de</strong><br />

em geral.<br />

As mudas são produzidas, plantadas e cuidadas<br />

por pessoas acusadas <strong>de</strong> terem praticado algum<br />

crime ambiental, sendo o objetivo maior atrair as<br />

pessoas que um dia cometeram um ilícito ambiental<br />

para a luta em favor <strong>de</strong> um meio ambiente ecologicamente<br />

equilibrado. O projeto <strong>de</strong>u tão certo que<br />

acabou envolvendo pessoas da comunida<strong>de</strong> e em<br />

vários eventos foram mobilizadas milhares <strong>de</strong> pessoas,<br />

principalmente estudantes do município <strong>de</strong> Nísia<br />

Floresta que formaram a ban<strong>de</strong>ira Nacional e um<br />

coração, numa homenagem à natureza.<br />

Nos crimes cuja pena não ultrapassa dois anos,<br />

é possível, ao invés <strong>de</strong> ser processada, a pessoa fazer<br />

um acordo com o Ministério Público para contribuir<br />

para a preservação ambiental, ou seja, cumpre<br />

a pena plantando, cuidando e preservando as<br />

plantas do seu bairro, escola ou terreno. “O custo<br />

<strong>de</strong> uma pessoa presa hoje para o Estado é <strong>de</strong> aproximadamente<br />

dois mil reais por mês. Com o cumprimento<br />

<strong>de</strong> pena restritiva <strong>de</strong> direito, como a prestação<br />

<strong>de</strong> serviços à comunida<strong>de</strong> (plantio <strong>de</strong> mudas),<br />

o Estado não gasta nada e a pessoa anda tem uma<br />

maior conscientização ambiental, ao <strong>de</strong>volver para<br />

a socieda<strong>de</strong> com serviços o ilícito cometido” afi rma<br />

o juiz Marcus Vinícius Pereira Júnior.<br />

Essa experiência em Nísia Floresta foi <strong>de</strong>staque<br />

nacional por diversas vezes, com reportagens especiais<br />

da TV Senado, TV Justiça, Rádio do STF,<br />

<strong>de</strong>ntre várias outras, ressaltando, inclusive, que em<br />

uma seleção promovida pelo Ministério da Justiça,<br />

em 2010, o projeto “Plantar uma Floresta em Nísia<br />

Floresta” foi consi<strong>de</strong>rado um dos 15 melhores<br />

<strong>de</strong>senvolvidos em execução penal em todo o Brasil.<br />

Trânsito – Antes <strong>de</strong>ssa experiência em Nísia<br />

Floresta, o juiz Marcus Vinícius passou pela comarca<br />

<strong>de</strong> Macau, on<strong>de</strong> realizou um projeto diferente.<br />

Segundo o Magistrado, não existem projetos padrões<br />

para o <strong>de</strong>senvolvimento em todas as comunida<strong>de</strong>s,<br />

pois a ação do Judiciário <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> das condições<br />

vividas em cada município. No caso <strong>de</strong> Macau,<br />

na época, era muito comum pessoas pilotarem motocicletas<br />

e veículos sem carteira <strong>de</strong> habilitação, gerando<br />

para a população diversos prejuízos, como o<br />

elevado número <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trânsito. Um outro<br />

exemplo foi a Comarca <strong>de</strong> Caicó, on<strong>de</strong> vários motoristas<br />

são constantemente fl agrados conduzindo<br />

veículos automotores sob o efeito <strong>de</strong> álcool.<br />

Em pouco tempo, 40 pessoas foram fl agradas dirigindo<br />

embriagadas, tendo sido realizada uma audiência<br />

coletiva e, através do projeto “Sinal Ver<strong>de</strong>”,<br />

foi aplicada a pena alternativa em todos os casos,<br />

R I T O S 23


que consiste na prestação <strong>de</strong> serviços à comunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Caicó, ressaltando que em vários casos além da<br />

prestação <strong>de</strong> serviços as pessoas também contribuem<br />

fi nanceiramente, <strong>de</strong> acordo com suas necessida<strong>de</strong>s.<br />

No caso, foi feito um acordo para que as pessoas encontradas<br />

dirigindo embriagadas fi cassem 02 (dois)<br />

anos levando os idosos para o médico, para passear,<br />

visitar familiares, isso usando os mesmos veículos do<br />

cometimento do crime <strong>de</strong> embriaguez ao volante. No<br />

fi nal, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> cumprirem o acordo judicial, essas<br />

mesmas pessoas saem do processo com a fi cha limpa<br />

e os idosos, tão carentes <strong>de</strong> atenção e recursos, passaram<br />

a não mais ter problemas <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento em<br />

razão da gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> veículos disponíveis<br />

para levarem os mesmos para qualquer lugar.<br />

Parelhas - No município <strong>de</strong> Parelhas, na região<br />

do Seridó, somente em 2009 foram registrados 385<br />

aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trânsito, a maioria envolvendo motocicletas.<br />

Com o início da fi scalização, em junho <strong>de</strong><br />

2010 e até novembro do mesmo ano, foram apreendidas<br />

mais <strong>de</strong> 500 motos no município e a quantida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes registrada foi <strong>de</strong> aproximadamente 10.<br />

Um outro problema resolvido com a ação foi o tráfi co<br />

<strong>de</strong> drogas, segundo o juiz, pois muitas motos eram<br />

Projeto “Plantar<br />

uma fl oresta em<br />

Nísia Floresta”<br />

usadas para o transporte <strong>de</strong> drogas entre os jovens,<br />

pois com a presença da polícia fi scalizado nas ruas,<br />

apoiada pelo Judiciário, foi inibida a ação criminosa,<br />

contribuindo para que Parelhas notasse sensivelmente<br />

a diminuição da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas ven<strong>de</strong>ndo<br />

e consumindo drogas.<br />

Com recursos do projeto “Sinal Ver<strong>de</strong>”, focado<br />

no combate às ilegalida<strong>de</strong>s cometidas no trânsito,<br />

foram adquiridos equipamentos <strong>de</strong> informática para<br />

o Conselho Tutelar, que conveniado com o projeto<br />

“Sinal Ver<strong>de</strong>” executa mais uma ação do projeto,<br />

proporcionando que crianças da cida<strong>de</strong> tenham<br />

acesso ao cinema. Uma vez por semana elas vão até<br />

o Conselho e assistem a fi lmes com direito a pipoca<br />

e refrigerante, tudo com recursos arrecadados pelo<br />

projeto que busca a melhoria no trânsito das cida<strong>de</strong>s.<br />

Como as ações sociais são direcionadas <strong>de</strong> acordo<br />

com as necessida<strong>de</strong>s do município, em Parelhas um<br />

dos <strong>de</strong>stinos dos recursos arrecadados foi o Hospital<br />

Estadual Doutor José Augusto Dantas, on<strong>de</strong> faltavam<br />

ca<strong>de</strong>iras para os acompanhantes, ar-condicionado e<br />

medicamentos. Com o dinheiro do projeto os problemas<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sabastecimento foram amenizados e houve<br />

ainda uma economia para o Po<strong>de</strong>r Público. Antes do<br />

24 R I T O S www.amarn.com.br


projeto as <strong>de</strong>spesas médicas com as vítimas <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes<br />

<strong>de</strong> motos caíram <strong>de</strong> R$ 5.000,00 (cinco mil<br />

reais) por mês para aproximadamente R$ 200,00<br />

(duzentos reais).<br />

Centro <strong>de</strong> Detenção – Um dos piores dramas<br />

do sistema prisional é a falta <strong>de</strong> ocupação <strong>de</strong> presos.<br />

Em Parelhas, no Centro <strong>de</strong> Detenção Provisória, a<br />

situação dos apenados era à da maioria do Brasil, ou<br />

seja, plena ociosida<strong>de</strong>. Hoje, graças a iniciativa do<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário, alguns presos fazem parte do projeto<br />

<strong>de</strong> fabricação <strong>de</strong> vassouras com garrafas peti. Os<br />

apenados produzem o material, através da arrecadação<br />

<strong>de</strong> garrafas pela comunida<strong>de</strong> e ainda conseguem<br />

benefícios na redução da pena, com a redução <strong>de</strong> um<br />

dia <strong>de</strong> pena para cada três dias trabalhados. São produzidas<br />

em média <strong>de</strong> 35 vassouras pequenas por dia<br />

e cada uma é vendida ao preço <strong>de</strong> R$ 3,50 (três reais<br />

e cinqüenta centavos) no comércio local. O rateio é<br />

Ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> preservação ambiental nas dunas<br />

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feito da seguinte forma: R$ 1,00 (um real) <strong>de</strong> acessórios,<br />

R$ 1,00 (um real) R$ 0,50 (cinqüenta centavos)<br />

para manutenção do projeto e R$ 1,00 (um real) para<br />

os <strong>de</strong>tentos.<br />

O trabalho da justiça funciona, muitas vezes,<br />

a partir da integração entre todos os atores sociais.<br />

Histórias como essas são exemplos <strong>de</strong> que projetos<br />

sociais são importantes para a <strong>de</strong>mocratização da<br />

justiça e o juiz Marcus Vinícius Pereira Júnior vem<br />

provando que o resultado po<strong>de</strong> ser positivo. “É importante<br />

a realização <strong>de</strong> palestras nas escolas, visitas<br />

às comunida<strong>de</strong>s e conversas informais como na feira<br />

livre para aproximar o Judiciário da comunida<strong>de</strong> e<br />

assim po<strong>de</strong>r sentir suas reais necessida<strong>de</strong>s. Com essa<br />

presença o povo passa participar ativamente do cotidiano<br />

do Judiciário, po<strong>de</strong>ndo assim ser cada dia mais<br />

consciente dos problemas e comprometido com a<br />

busca <strong>de</strong> soluções”, fi nalizou o magistrado.<br />

R I T O S 25


ARTIGO<br />

Peterson Fernan<strong>de</strong>s Braga<br />

Juiz <strong>de</strong> Direito da Comarca <strong>de</strong> São<br />

Paulo do Potengi-RN<br />

Direitos fundamentais e<br />

políticas públicas: ativismo<br />

judicial nas ações afi rmativas<br />

1. INTRODUÇÃO:<br />

O Direito, enquanto fenômeno social, encontra-se sujeito a um conjunto<br />

<strong>de</strong> transformações que, rotineiramente, ocorrem no seio da socieda<strong>de</strong> que<br />

visa regular. A respeito, o Desembargador do Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo,<br />

Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues, assinalou, em trecho digno <strong>de</strong> transcrição,<br />

que “De tempos em tempos, os ‘organismos’ – tanto os biológicos<br />

quanto os jurídicos e sociais –, dão uma espécie <strong>de</strong> ‘salto’ para um patamar,<br />

geralmente superior. Reagem, em suma, às difi culda<strong>de</strong>s do meio ambiente.<br />

Assumem novas formas. Do contrário, sucumbiriam” 1 . É o que vem ocorrendo<br />

com o sistema capitalista, que busca reinventar-se após a recente crise<br />

mundial 2 .<br />

Nessa esteira, percebe-se a constante mudança <strong>de</strong> paradigmas em todos<br />

os aspectos da ciência jurídica, incluindo a forma <strong>de</strong> atuação <strong>de</strong> cada um<br />

dos seus operadores, sejam magistrados, membros do Ministério Público,<br />

advogados ou ocupantes <strong>de</strong> outras carreiras jurídicas. Apenas a título exemplifi<br />

cativo, po<strong>de</strong> ser citada a reformulação da noção dos efeitos da revelia,<br />

antes tida como regra absoluta quanto à aplicação nos confl itos <strong>de</strong> interesses<br />

meramente privados. Atualmente, em sentido diametralmente oposto, tem a<br />

doutrina consi<strong>de</strong>rado que “a presunção fi xada pelo art. 319 somente po<strong>de</strong><br />

constituir presunção iuris tantum (relativa) e, por isso, po<strong>de</strong> ser afastada pelo<br />

magistrado, à vista <strong>de</strong> outras circunstâncias que lhe impulsionem o convencimento<br />

em sentido contrário. Assim, a presença no processo <strong>de</strong> qualquer<br />

elemento que confl ite com a aplicação tout court da presunção material da<br />

1 in Ativismo Judicial. O Jornal da Anamages, n. 02, outubro <strong>de</strong> 2008, pp.<br />

<strong>11</strong>/12.<br />

2 vi<strong>de</strong>, a respeito, artigo do ex-ministro Maílson da Nóbrega, escrito na Revista<br />

Veja, edição <strong>de</strong> 25.03.2009, p. 101, intitulado “Um novo capitalismo (ou mais do<br />

mesmo)”.<br />

26 R I T O S www.amarn.com.br


evelia po<strong>de</strong>, a critério do magistrado, afastar sua incidência,<br />

fazendo prepon<strong>de</strong>rar a realida<strong>de</strong> sobre a fi cção” 3 .<br />

Contudo, no rol <strong>de</strong>ssas mudanças verifi cadas no direito,<br />

<strong>de</strong>staca-se o chamado “ativismo judicial”, fenômeno não muito<br />

recente entre nós, mas que, atualmente, vem ganhando cada vez<br />

mais <strong>de</strong>staque em todos os fóruns <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates jurídicos.<br />

É justamente sobre este tema e suas repercussões nas políticas<br />

públicas que o presente trabalho busca discorrer, com enfoque<br />

nas chamadas “ações afi rmativas” que, <strong>de</strong> igual forma,<br />

vêm ganhando a cada dia mais <strong>de</strong>staque no cenário jurídico<br />

nacional.<br />

2. ASPECTOS PONTUAIS DOS DIREITOS<br />

FUNDAMENTAIS:<br />

Questão que ainda hoje gera <strong>de</strong>bates na comunida<strong>de</strong> jurídica<br />

é a referente aos limites do conceito <strong>de</strong> “direitos fundamentais”.<br />

Nesse ponto, a maioria das Constituições, com algumas<br />

adaptações, tem utilizado a conceituação <strong>de</strong> Robert Alexy, que<br />

parte, basicamente, <strong>de</strong> dois requisitos principais para fi rmar<br />

a sua teoria: fundamentalida<strong>de</strong> formal e fundamentalida<strong>de</strong><br />

material 4 .<br />

Pela fundamentalida<strong>de</strong> formal, para que <strong>de</strong>terminado direito<br />

seja consi<strong>de</strong>rado fundamental, <strong>de</strong>ve estar previsto no texto da<br />

Constituição, ou seja, <strong>de</strong>ve ser objeto <strong>de</strong> previsão constitucional.<br />

De outra parte, pela fundamentalida<strong>de</strong> material, a norma <strong>de</strong>fi -<br />

nidora do direito <strong>de</strong>veria vir inserida como “cláusula pétrea”,<br />

possuir aplicabilida<strong>de</strong> imediata e <strong>de</strong>fi nir um conjunto <strong>de</strong> posições<br />

jurídicas que o constituinte originário optou por consi<strong>de</strong>rar<br />

como fundamentais.<br />

Em termos mais simples, na visão <strong>de</strong> Alexy, <strong>de</strong>terminado<br />

direito, para ser consi<strong>de</strong>rado fundamental, <strong>de</strong>ve possuir fundamentalida<strong>de</strong><br />

na forma e no conteúdo.<br />

Porém, tal conceito sofre oposições.<br />

Dentre elas, po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>stacada a <strong>de</strong> Ricardo Lobo Torres,<br />

para quem fundamentais são apenas os direitos relacionados às<br />

liberda<strong>de</strong>s individuais e os direitos subjetivos referentes à possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> exigir o respeito a essas mesmas liberda<strong>de</strong>s. Assim,<br />

3 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual<br />

do Processo <strong>de</strong> Conhecimento. 3 ed., RT, 2004, p. 148.<br />

4 in Teoria dos Direitos Fundamentais, São Paulo: Malheiros,<br />

2008.<br />

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<strong>de</strong> acordo com o citado autor, mesmo que previstos pela Constituição,<br />

alguns direitos não seriam fundamentais, como é o caso<br />

dos direitos sociais 5 .<br />

Por sua vez, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em conceituação<br />

ainda mais restrita, consi<strong>de</strong>ra fundamentais apenas os<br />

direitos relacionados à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana 6 .<br />

Contudo, malgrado as controvérsias que pairam sobre o<br />

tema, com os diversos entendimentos a respeito, o que realmente<br />

parece ser relevante, sobretudo para evitar a insegurança<br />

<strong>de</strong>corrente das infi ndáveis possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conceituação<br />

dos direitos fundamentais, é a opção do legislador constituinte<br />

originário em <strong>de</strong>fi nir ou não <strong>de</strong>terminado direito como fundamental.<br />

Com isso, tem-se um norte mais seguro na solução da<br />

problemática em tela.<br />

Por essa razão, o Professor Ingo Sarlet, na obra “A Efi cácia<br />

dos Direitos Fundamentais” (8ª edição, Livraria do Advogado,<br />

pág. 42), chegou a assinalar que “Os direitos fundamentais, convém<br />

repetir, nascem e se <strong>de</strong>senvolvem com as Constituições nas<br />

quais foram reconhecidos e assegurados, e é sobre este ângulo<br />

(não exclu<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> outras dimensões) que <strong>de</strong>verão ser prioritariamente<br />

analisados ao longo <strong>de</strong>ste estudo”.<br />

Além disso, importa assinalar que os direitos fundamentais<br />

trazem consigo uma série <strong>de</strong> outros direitos e <strong>de</strong>veres correlatos.<br />

Por isso, quase sempre envolvem prestações ou posições positivas<br />

e negativas, sendo que, estas últimas, não se resumem apenas<br />

aos chamados “direitos <strong>de</strong> 1ª geração” ou <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, criados<br />

para impedir a ingerência do Estado nas liberda<strong>de</strong>s individuais.<br />

Já a dimensão positiva dos direitos fundamentais engloba<br />

as prestações em sentido amplo, contemplando outros direitos<br />

além dos sociais, como o direito à jurisdição; as prestações<br />

em sentido estrito, que se referem apenas aos direitos sociais,<br />

ligando-se à noção <strong>de</strong> Estado Social; as prestações fáticas, relacionadas<br />

à alocação <strong>de</strong> bens ou serviços; e, por último, as prestações<br />

jurídicas, que exigem do Estado uma autuação normativa,<br />

como ocorre na ADin por omissão.<br />

Outrossim, é justamente o direito originário à prestação que<br />

assegura a aplicabilida<strong>de</strong> imediata aos direitos fundamentais.<br />

5 in O Direito ao Mínimo Existencial, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Renovar,<br />

2008.<br />

6 in Estado <strong>de</strong> Direito e Constituição, São Paulo: Saraiva, 1988.<br />

R I T O S 27


Porém, aplicabilida<strong>de</strong> imediata não signifi ca dizer que a norma<br />

<strong>de</strong>fi nidora <strong>de</strong> direitos fundamentais não necessita <strong>de</strong> regulamentação<br />

prévia. Nesse particular, o que não se admite é a exigência<br />

<strong>de</strong> regulação prévia para a efi cácia <strong>de</strong>ssa mesma norma. É<br />

o caso, por exemplo, da regra prevista no art. 121 do Código<br />

Penal que, no escopo <strong>de</strong> proteger o direito fundamental à vida,<br />

criminaliza a prática do homicídio.<br />

Feitas estas breves consi<strong>de</strong>rações sobre direitos fundamentais,<br />

passa-se ao exame do “ativismo judicial”.<br />

3. O “ATIVISMO JUDICIAL”:<br />

O “ativismo judicial”, <strong>de</strong> acordo com o entendimento corrente,<br />

é <strong>de</strong>corrência do surgimento e fortalecimento <strong>de</strong> um outro<br />

fenômeno: o controle <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>. Diz-se, a respeito,<br />

que a partir do famoso caso “Madison versus Marbury”, analisado<br />

pela Suprema Corte Americana em 1803, é que o ativismo<br />

passou a <strong>de</strong>spertar a atenção dos estudiosos, enquanto forma <strong>de</strong><br />

atuação proativa do Po<strong>de</strong>r Judiciário em relação ao controle dos<br />

<strong>de</strong>mais Po<strong>de</strong>res, rompendo com a tripartição clássica e estanque<br />

proposta por Montesquieu no clássico “O espírito das leis”.<br />

Desse modo, o ativismo judicial po<strong>de</strong> ser compreendido<br />

como o fenômeno caracterizado pela crescente interferência<br />

do Judiciário na esfera <strong>de</strong> atuação dos <strong>de</strong>mais Po<strong>de</strong>res, notadamente<br />

o Executivo, seja suprindo omissões do administrador<br />

ou do legislador, seja <strong>de</strong>clarando a invalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atos por estes<br />

emanados. Trata-se <strong>de</strong> caso típico <strong>de</strong> ampliação dos próprios<br />

po<strong>de</strong>res, sendo o controle <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong> seu exemplo<br />

emblemático, eis que o Judiciário, em certa medida, assume o<br />

papel <strong>de</strong> ator político e intérprete moral da socieda<strong>de</strong>.<br />

Embora o ativismo esteja associado, na maioria dos casos,<br />

a movimentos progressistas, como no combate à corrupção promovido<br />

pela famosa “Operação Mãos Limpas”, na Itália, existe<br />

também exemplos <strong>de</strong> sua vertente conservadora, em especial a<br />

série <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões proferidas pela Suprema Corte Americana, entre<br />

1935 e 1937, que invalidaram diversas normas que compunham<br />

o chamado “Neal Deal”, política <strong>de</strong> recuperação econômica<br />

dos Estados Unidos da América, proposta pelo Presi<strong>de</strong>nte<br />

Flanklin Delano Roosevelt.<br />

Entre nós, o ativismo judicial passou a existir, <strong>de</strong> forma mais<br />

efetiva, com a promulgação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral em 1988,<br />

que marcou o fi m da ditadura militar, presente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1964. Na<br />

atual Lei Maior, tem-se a notável ampliação das funções atribuídas<br />

ao Ministério Público, passando este órgão a ser o gran<strong>de</strong><br />

provocador <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões judiciais com características “ativistas”,<br />

além da consagração do pluripartidarismo e valorização dos<br />

movimentos sociais, que, <strong>de</strong> igual forma, aumentaram o número<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas nas quais se exige uma postura mais intervencionista<br />

do Judiciário.<br />

Com isso, houve clara modifi cação no perfi l dos integrantes<br />

do Po<strong>de</strong>r Judiciário, criando-se uma magistratura mais progressista,<br />

preocupada em distribuir direitos enquanto participante<br />

da “engrenagem” republicana e não como mero “guardião<br />

das promessas” insertas na Constituição, na lição <strong>de</strong> Antoine<br />

Garapon 7 .<br />

Prova disso foi a <strong>de</strong>cisão proferida pelo Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral no caso em que se discutia a questão da fi <strong>de</strong>lida<strong>de</strong> partidária,<br />

on<strong>de</strong> o Pretório Excelso, à falta <strong>de</strong> previsão legal, prolatou<br />

<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> índole normativa, disciplinando a questão. Em<br />

outros termos, <strong>de</strong>fi niu a Corte Suprema quais as hipóteses <strong>de</strong><br />

infi <strong>de</strong>lida<strong>de</strong> partidária, bem como os casos que excluem a sanção<br />

<strong>de</strong> perda do mandato para o parlamentar infi el.<br />

Um outro exemplo, <strong>de</strong> acordo com o Desembargador Francisco<br />

Cesar Pinheiro Rodrigues, seriam as súmulas vinculantes,<br />

por meio das quais o STF “<strong>de</strong>fi ne prontamente o que consi<strong>de</strong>ra<br />

certo ou errado”, esclarecendo princípios e suprindo omissões<br />

legislativas, posto que “as leis <strong>de</strong>moram imensamente na<br />

sua elaboração e, por vezes, já nascem sutilmente <strong>de</strong>feituosas,<br />

escon<strong>de</strong>ndo as famosas ‘brechas’ legislativas, fruto <strong>de</strong> lobbies<br />

po<strong>de</strong>rosos” 8 .<br />

Com base em tais situações, os <strong>de</strong>fensores do ativismo argumentam<br />

ser o mesmo relevante, em face da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

preenchimento das lacunas existentes no or<strong>de</strong>namento jurídico,<br />

o que resulta na maximização dos direitos, com uma leitura<br />

perfeita da Constituição, no dizer dos “perfeccionistas”, que<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a postura ativista. Argumenta-se, também, segundo<br />

os “particularistas”, integrantes <strong>de</strong> outra corrente favorável, que<br />

o ativismo judicial implica na compreensão do caso concreto,<br />

7 O Juiz e a Democracia: o guardião das promessas, Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Revan, 2001.<br />

8 in ob. cit., p. 12.<br />

28 R I T O S www.amarn.com.br


consi<strong>de</strong>rando-se as exigências do contexto e analisando-se as<br />

consequências da <strong>de</strong>cisão proferida, em vista <strong>de</strong> sua projeção<br />

para o futuro.<br />

No rol dos maiores <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong>sse movimento se acha<br />

Richard Posner, autor da obra “Overcoming Law”, <strong>de</strong> 1995,<br />

na qual se consagra a corrente <strong>de</strong> pensamento conhecida por<br />

“pragmatismo jurídico”.<br />

De outra parte, os seus críticos assinalam que a aceitação do<br />

ativismo judicial implica na usurpação inaceitável das funções<br />

legislativas e executivas pelo Judiciário, daí <strong>de</strong>correndo o grave<br />

risco <strong>de</strong> equívocos, eis que os juízes, na maior parte dos casos,<br />

não se acham <strong>de</strong>vidamente habilitados, nem dispõem <strong>de</strong> aparato<br />

técnico, para a tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões que, ordinariamente,<br />

cumpririam ao legislador ou administrador público.<br />

Além disso, afi rma-se – e esta parece ser a maior crítica –<br />

que o Po<strong>de</strong>r Judiciário não dispõe <strong>de</strong> legitimação para substituir<br />

os outros Po<strong>de</strong>res no <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> funções que a estes são<br />

próprias, conforme estabelecem as normas constitucionais 9 .<br />

Por isso, dizem os chamados “minimalistas” que os juízes,<br />

no exercício <strong>de</strong> sua função judicante, <strong>de</strong>vem fi xar-se apenas na<br />

norma e não no contexto, proferindo <strong>de</strong>cisões sem projeção<br />

para o futuro, pois projetar o futuro seria função da socieda<strong>de</strong><br />

e <strong>de</strong> seus organismos. Nessa mesma esteira, os “formalistas”,<br />

igualmente contrários ao ativismo, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que os membros<br />

do Po<strong>de</strong>r Judiciário <strong>de</strong>vem fazer uma consi<strong>de</strong>ração técnica da<br />

or<strong>de</strong>m jurídica, fi xando-se apenas no texto da norma e projetando<br />

a sua <strong>de</strong>cisão apenas para o passado.<br />

Dentre os seus críticos, <strong>de</strong>staque especial é dado a Jeremy<br />

Waldron, autor do livro “Law and disagreement”, <strong>de</strong> 1999,<br />

on<strong>de</strong> o citado doutrinador externa, em sua crítica, preocupação<br />

com a liberda<strong>de</strong>, autonomia e soberania popular, além da valorização<br />

do parlamento.<br />

Tecidas estas consi<strong>de</strong>rações, importa, neste momento, a<strong>de</strong>ntrar<br />

na análise das chamadas “ações afi rmativas”.<br />

4. O “ATIVISMO JUDICIAL” NAS AÇÕES<br />

9 Nesse ponto, surge a “reserva do possível”, no escopo <strong>de</strong><br />

corrigir os excessos <strong>de</strong>correntes do ativismo, em especial as invasões<br />

in<strong>de</strong>vidas nas competências <strong>de</strong> outro Po<strong>de</strong>r. Na Alemanha, a “reserva<br />

do possível” teve a sua aplicação associada ao princípio da razoabilida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong> modo que o cidadão somente po<strong>de</strong>ria exigir do Estado aquilo<br />

que, num <strong>de</strong>terminado contexto histórico, fosse razoável exigir.<br />

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AFIRMATIVAS<br />

A consagração do ativismo judicial, além dos riscos já apontados<br />

por seus críticos, po<strong>de</strong> resultar em <strong>de</strong>smobilização popular,<br />

em vista do exclusivismo do Judiciário na <strong>de</strong>fi nição <strong>de</strong> soluções<br />

para as <strong>de</strong>mandas sociais, criando um verda<strong>de</strong>iro “clientelismo”<br />

para o exercício da cidadania, <strong>de</strong>sta feita transferido para as<br />

portas dos fóruns e tribunais.<br />

Porém, as vantagens oferecidas por essa nova forma <strong>de</strong><br />

compreen<strong>de</strong>r a função judicante são bem superiores aos riscos<br />

apontados.<br />

Isto porque a aplicação do ativismo assegura, sem qualquer<br />

dúvida, um maior acesso à justiça, com a consequente efetivação<br />

dos direitos e maior efi cácia do texto constitucional, algo<br />

ainda por fazer em países periféricos, como o nosso, on<strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

parte das <strong>de</strong>mandas sociais básicas ainda se acham pen<strong>de</strong>ntes<br />

<strong>de</strong> efetivação.<br />

Além disso, tem-se, com o ativismo, ao contrário do que<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m os seus críticos, uma maior aplicação dos necessários<br />

“freios e contrapesos” entre os Po<strong>de</strong>res, vez que o Judiciário<br />

passa, a partir <strong>de</strong> então, a controlar, também, a omissão do<br />

Executivo e do Legislativo em concretizar e disciplinar as várias<br />

<strong>de</strong>mandas ainda insatisfeitas da socieda<strong>de</strong>.<br />

Pon<strong>de</strong>re-se, a<strong>de</strong>mais, que o ativismo também possibilita a<br />

efetivação, pelo Judiciário, do chamado “mínimo existencial”,<br />

como contraponto à reserva do possível, vez que o Estado <strong>de</strong>ve<br />

fornecer ao cidadão um mínimo <strong>de</strong> condições para garantia dos<br />

direitos fundamentais, como a vida e a saú<strong>de</strong>.<br />

É justamente por isso que vem se tornando tema recorrente<br />

entre nós a consagração das chamadas “ações afi rmativas” 10<br />

pelo Judiciário, tidas pelo Ministro Joaquim Barbosa como “um<br />

conjunto <strong>de</strong> políticas públicas e privadas <strong>de</strong> caráter compulsório,<br />

facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate<br />

à discriminação racial, <strong>de</strong> gênero, por <strong>de</strong>fi ciência física e <strong>de</strong> origem<br />

nacional, bem como para corrigir e mitigar efeitos presentes<br />

da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo<br />

10 Expressão cunhada no direito norte-americano, on<strong>de</strong> foram<br />

inicialmente concebidas como mecanismos ten<strong>de</strong>ntes a solucionar o<br />

problema da marginalização social e econômica do negro na socieda<strong>de</strong><br />

americana, sendo, posteriormente, estendidas às mulheres e outras<br />

minorias étnicas e nacionais, como os índios, e aos <strong>de</strong>fi cientes físicos.<br />

No direito europeu, são conhecidas como “discriminação positiva” e<br />

“ação positiva”.<br />

R I T O S 29


a concretização do i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> efetiva igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso a bens<br />

fundamentais como a educação e o emprego” <strong>11</strong> .<br />

Nesse ponto, o Frei David Santos OFM, em artigo publicado<br />

na Revista da Escola Nacional da Magistratura, afi rma<br />

que a consagração das ações afi rmativas, consi<strong>de</strong>rada forma <strong>de</strong><br />

ativismo judicial, se presta a reforçar o controle mútuo e a consequente<br />

harmonia entre os Po<strong>de</strong>res 12 .<br />

Todavia, é no campo da igualda<strong>de</strong> que as ações afi rmativas<br />

buscam <strong>de</strong>sempenhar o seu mais importante papel. Com efeito,<br />

tal instituto surgiu com o objetivo <strong>de</strong> conferir efetivida<strong>de</strong> e substância<br />

à concepção oitocentista-burguesa <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>, que se<br />

contentava unicamente com seu aspecto formal.<br />

Desse modo, passou-se a exigir dos três Po<strong>de</strong>res ações concretas<br />

<strong>de</strong> inclusão dos diversos seguimentos que, por variadas<br />

razões históricas, se mantinham à margem da socieda<strong>de</strong>, privados<br />

<strong>de</strong> acesso aos bens e serviços básicos oferecidos aos <strong>de</strong>mais<br />

grupos sociais.<br />

Entre nós, é conferido especial <strong>de</strong>staque à situação dos<br />

afro-<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes, que, ainda hoje, como fruto <strong>de</strong> um regime<br />

escragista que perdurou por séculos, continuam a sofrer com a<br />

discriminação e a consequente difi culda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso aos bens,<br />

serviços, cargos e profi ssões <strong>de</strong> maior <strong>de</strong>staque social.<br />

Nesse ponto, digno <strong>de</strong> transcrição é o trecho em que o Min.<br />

Joaquim Barbosa, ao falar da discriminação racial no Brasil, assinala<br />

que tal questão envolve “o mais grave <strong>de</strong> todos os nossos<br />

problemas sociais (e que estranhamente todos fi ngimos ignorar),<br />

o que está na raiz das nossas mazelas, do nosso gritante e envergonhador<br />

quadro social – ou seja, os diversos mecanismos pelos<br />

quais, ao longo da nossa história, a socieda<strong>de</strong> brasileira logrou<br />

proce<strong>de</strong>r, por meio das mais variadas formas <strong>de</strong> discriminação,<br />

à exclusão e ao alijamento, do processo produtivo conseqüente<br />

e da vida social digna, <strong>de</strong> um expressivo percentual <strong>de</strong> sua<br />

população (cerca <strong>de</strong> 45% do total): os brasileiros portadores <strong>de</strong><br />

ascendência africana” 13 .<br />

<strong>11</strong> Ação afi rmativa e princípio constitucional da igualda<strong>de</strong>: o<br />

Direito como instrumento <strong>de</strong> transformação social. A experiência dos<br />

EUA. Rio <strong>de</strong> Janeiro e São Paulo: Renovar, 2001.<br />

12 Ações afi rmativas e o Judiciário: o papel da magistratura nas<br />

<strong>de</strong>mandas sociais. Revista da Escola Nacional da Magistratura. Ano II,<br />

n. 3, abril/2007, p. <strong>11</strong>6.<br />

13 A recepção do instituto da ação afi rmativa pelo Direito Constitucional<br />

brasileiro. Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa, Brasília, n. 151,<br />

jul/set 2001, pág. 129.<br />

Portanto, na solução do problema enfrentado, <strong>de</strong>ve o julgador,<br />

antes <strong>de</strong> tudo, socorrer-se <strong>de</strong> Aristóteles, para quem “a justiça<br />

é uma virtu<strong>de</strong> que se encontra no meio termo”, <strong>de</strong> modo a<br />

não aplicar, <strong>de</strong> forma inconsequente, a tese do ativismo, nem se<br />

olvidar <strong>de</strong> colocá-la em prática quando do exercício <strong>de</strong> sua função,<br />

pois, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> agir <strong>de</strong>sta última forma, continuaremos a<br />

protelar o atendimento das infi ndáveis <strong>de</strong>mandas sociais ainda<br />

não satisfeitas 14 , permanecendo como o eterno “país do futuro”.<br />

BIBLIOGRAFIA<br />

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, São Paulo:<br />

Malheiros, 2008.<br />

BARBOSA, Joaquim. Ação afi rmativa e princípio constitucional<br />

da igualda<strong>de</strong>: o Direito como instrumento <strong>de</strong> transformação<br />

social. A experiência dos EUA. Rio <strong>de</strong> Janeiro e São Paulo: Renovar,<br />

2001.<br />

BARBOSA, Joaquim. A recepção do instituto da ação afi rmativa<br />

pelo Direito Constitucional brasileiro. Revista <strong>de</strong> Informação<br />

Legislativa, Brasília, n. 151, jul/set 2001, pp. 129/152.<br />

FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Estado <strong>de</strong> Direito e Constituição,<br />

São Paulo: Saraiva, 1988.<br />

MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz.<br />

Manual do Processo <strong>de</strong> Conhecimento. 3 ed., São Paulo: RT,<br />

2004.<br />

NÓBREGA, Maílson da. Um novo capitalismo (ou mais do<br />

mesmo). Revista Veja, ed. 25.03.2009, p. 101.<br />

RODRIGUES, Francisco Cesar Pinheiro. Ativismo Judicial. O<br />

Jornal da Anamages, n. 02, out/2008, pp. <strong>11</strong>/12.<br />

SANTOS, Frei David. Ações afi rmativas e o Judiciário: o papel<br />

da magistratura nas <strong>de</strong>mandas sociais. Revista da Escola Nacional<br />

da Magistratura. Ano II, n. 3, abr/2007.<br />

SARLET, Ingo Wolfgang. A Efi cácia dos Direitos Fundamentais,<br />

8ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.<br />

TORRES, Ricardo Lobo. O Direito ao Mínimo Existencial,<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro: Renovar, 2008.<br />

14 É o que ocorre nas <strong>de</strong>cisões que con<strong>de</strong>nam o Estado ao fornecimento<br />

<strong>de</strong> medicamentos, nas quais o Judiciário, na verda<strong>de</strong>, está<br />

dando efetivida<strong>de</strong> ao princípio da igualda<strong>de</strong>.<br />

30 R I T O S www.amarn.com.br


VÍDEOS<br />

Por Ricardo Antônio Menezes Cabral Fagun<strong>de</strong>s<br />

Juiz <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> Afonso Bezerra e Macau<br />

O sol é<br />

para todos<br />

Baseado no romance “To Kill a Mockingbird”, da ganhadora<br />

do prêmio Pullitzer Harper Lee, trata-se simplesmente<br />

<strong>de</strong> um dos maiores clássicos da história do cinema.<br />

O ano é 1932, apenas três anos <strong>de</strong>pois da Gran<strong>de</strong> Depressão.<br />

Gregory Peck interpreta um advogado chamado<br />

Atticus Finch, que vive em Maycomb, uma pequena<br />

cida<strong>de</strong> do sul dos Estados Unidos, e assume a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong><br />

um caso bastante rumoroso: um crime <strong>de</strong> estupro supostamente<br />

praticado por um negro contra uma jovem branca.<br />

O fi lme foi realizado quando o Movimento dos Direitos<br />

Civis para os Negros Norte-Americanos (1955 - 1968)<br />

estava no auge. A população negra lutava por reformas na<br />

América, com o intuito <strong>de</strong> acabar com a discriminação e<br />

a segregação racial que tanto manchou o país.<br />

Na bem estruturada sequência <strong>de</strong> julgamento, <strong>de</strong>staca-se<br />

o discurso <strong>de</strong> Atticus Finch quanto às motivações<br />

que levaram aquele negro a júri popular em uma comunida<strong>de</strong><br />

tão frágil e tão permeada pelo preconceito racial.<br />

Muitos po<strong>de</strong>m achar o fi lme chato pela falta <strong>de</strong><br />

“ação”. Destaco que o diretor foi honesto neste ponto,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, <strong>de</strong>ixando claro que pretendia retratar a<br />

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Título Original:<br />

To kill a<br />

mokingbird<br />

Ano: 1962<br />

Direção: Robert<br />

Mulligan<br />

vida comum, geralmente pacata, <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> interiorana<br />

norte-americana, o que não condizeria com um clima<br />

<strong>de</strong> “tensão”, que soaria artifi cial.<br />

Gregory Peck, que levou o Oscar <strong>de</strong> Melhor Ator, faz<br />

<strong>de</strong> Atticus Finch um homem contido e conciso. Acrescente-se<br />

que o personagem Atticus Finch foi eleito em enquete<br />

realizada pelo A.F.I. (American Film Institute) como o<br />

maior herói da história do cinema. Isso sem ter disparado<br />

nenhum tiro ou sem participar <strong>de</strong> nenhuma cena <strong>de</strong> ação<br />

típica dos “blockbusters” atuais.<br />

O Sol é Para Todos é, com certeza, um fi lme que merece<br />

ser visto, não só pela bela narrativa que apresenta,<br />

mas por contar ainda com a mais perfeita fotografi a em<br />

preto-e-branco já concebida e uma excepcional trilha sonora,<br />

que remete a uma tímida tristeza.<br />

A película <strong>de</strong> Mulligan é uma obra completa, que<br />

evoca a sensibilida<strong>de</strong>, a emoção e valores morais. O fi lme<br />

representa uma lição <strong>de</strong> moral e <strong>de</strong> vida que se mostra<br />

atual mesmo nos dias <strong>de</strong> hoje, quando muitas vezes, ao<br />

fechar os olhos, se <strong>de</strong>ixa a injustiça prevalecer em nossa<br />

socieda<strong>de</strong>.<br />

R I T O S 31


causos jurídicos<br />

Davi Lorso<br />

A história <strong>de</strong><br />

Rosivaldo Toscano Júnior<br />

Juiz da vara criminal do Fórum Varela Barca<br />

A história <strong>de</strong><br />

Rosivaldo Toscano<br />

Davi Lorso era um colega <strong>de</strong> colégio e <strong>de</strong> basquete, em Natal.<br />

Estudamos juntos durante alguns anos. Alto, magro e um tanto<br />

quanto <strong>de</strong>sajeitado e disperso, sempre foi um aluno mediano.<br />

Acontece que ele era o mais alto da sala e o colégio adotou uma<br />

diretriz <strong>de</strong> que tais alunos tinham que sentar atrás para não atrapalhar<br />

a visão dos mais baixos.<br />

Era a sétima série. Aquele rapaz, que já era disperso sentando<br />

no meio da sala, sofreu um verda<strong>de</strong>iro baque nas notas. Elas se<br />

tornaram tão ruins que precisaria tirar mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z na recuperação.<br />

Resultado: Davi foi reprovado por média em matemática.<br />

No ano seguinte ele sentiu o <strong>de</strong>sgosto <strong>de</strong> ver os colegas numa<br />

série mais adiantada. E continuou tendo que sentar na última<br />

carteira da fi la. Desestimulou-se ainda mais. Ao fi nal do ano,<br />

nova reprovação com um plus: expulsão do colégio. Era o fundo<br />

do poço. Abatido, foi falar com seus pais e comunicar que iria<br />

parar <strong>de</strong> estudar.<br />

Sua mãe, preocupada com a fi rmeza com que a <strong>de</strong>claração<br />

tinha sido dada pelo adolescente, resolveu procurar ajuda médica.<br />

Buscou um neurologista. No dia da consulta o médico perguntou<br />

então ao rapaz o que o incomodava.<br />

- Doutor, é que eu não nasci para estudar. Acho que tenho um<br />

problema <strong>de</strong> QI.<br />

- Como chegou a essa conclusão?<br />

- É que fui reprovado duas vezes na escola. E por média. Mi-<br />

32 R I T O S www.amarn.com.br


nhas notas foram tão ruins que nem sequer pu<strong>de</strong> fazer<br />

recuperação.<br />

O médico franziu a testa, pensou um pouco e<br />

perguntou:<br />

- Você prestava atenção na aula?<br />

- Não. O colégio me obrigou a sentar lá atrás, na última<br />

carteira da fi la.<br />

- Você fazia os <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> casa?<br />

- Não. Como não aprendia, não conseguia resolvê-los.<br />

- Você estudava antes das provas.<br />

- Não. Como iria estudar o que não aprendi?<br />

- Você pelo menos ia a todas as aulas.<br />

- Faltava às vezes.<br />

- Então você diz que tem problema <strong>de</strong> QI?<br />

- Acho que sim.<br />

- Po<strong>de</strong>ria sair um pouco? Quero conversar com sua mãe.<br />

- Sim. Claro.<br />

Ao sair, o médico dirigiu-se à mãe <strong>de</strong> Davi Lorso e disse<br />

que iria tentar uma mexida nos brios do rapaz, pois ele<br />

precisava era <strong>de</strong>spertar para a realida<strong>de</strong>. Pediu que nunca<br />

mais o pressionasse a estudar, pois estava na adolescência,<br />

uma fase <strong>de</strong> contestação.<br />

Eis que Davi foi convidado a entrar novamente na<br />

sala. Dessa vez sua mãe fi cou fora. Mal sentou, o médico<br />

foi logo lhe dando um cartão <strong>de</strong> visitas. Davi o leu:<br />

- Açougue... Cartão <strong>de</strong> um açougue?<br />

- É que meu irmão tem um. Como você está parando <strong>de</strong><br />

estudar na sétima série e se para pessoas formadas como<br />

eu a vida é difícil, imagine para você. Então é bom começar<br />

logo cedo pra ver se pelo menos consegue futuramente<br />

comprar uma casinha num conjunto. Vou arranjar um<br />

emprego pra você lá. Todo trabalho é digno e você terá<br />

folga aos domingos – disse, secamente.<br />

No mesmo instante Davi Lorso se imaginou calçando<br />

aquelas botas brancas <strong>de</strong> borracha e carregando com<br />

muita difi culda<strong>de</strong> um pernil <strong>de</strong> boi <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma câmara<br />

fria. Foi um choque. Saiu revoltado do consultório e reclamando<br />

com a mãe por tê-lo levado a um médico que ao<br />

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invés <strong>de</strong> ajudá-lo, queria arranjar um emprego insalubre.<br />

À noite, porém, ao colocar a cabecinha no travesseiro,<br />

milhões <strong>de</strong> elucubrações lhe vieram à cabeça. O que seria<br />

<strong>de</strong>le se parasse <strong>de</strong> estudar? Qual o futuro que o aguardaria?<br />

Certamente aquela vida anunciada pelo médico não<br />

lhe era <strong>de</strong>sejada. Logo que acordou, dirigiu-se à sua mãe.<br />

- Mamãe, quero voltar a estudar. Vamos procurar um colégio.<br />

A mãe lhe falou, muitos anos <strong>de</strong>pois, que seu coração<br />

quase saltou <strong>de</strong> alegria naquele instante. Mas seguindo<br />

a recomendação médica, reagiu com normalida<strong>de</strong>, para<br />

evitar que Davi se sentisse, <strong>de</strong> alguma maneira, acuado.<br />

Foi difícil encontrar uma escola para o rapaz. Era fora<br />

<strong>de</strong> faixa, pois “reinci<strong>de</strong>nte” (reprovado duas vezes!) e tinha<br />

“maus antece<strong>de</strong>ntes” (várias suspensões e advertências da<br />

escola). Depois <strong>de</strong> dias <strong>de</strong> luta, conseguiu uma chance:<br />

uma entrevista com a diretora <strong>de</strong> um colégio <strong>de</strong> freiras.<br />

Dia marcado, lá estava Davi Lorso <strong>de</strong> frente para a irmã,<br />

uma ainda jovem senhora pequena e franzina. Ela foi logo<br />

dizendo as regras do colégio, com fi rmeza, e que só estava<br />

dando aquela chance em respeito à mãe do rapaz, que disse<br />

ser sua única esperança, e somente se Davi concordasse<br />

com todas as regras do estabelecimento. Teria que assistir<br />

a todas as aulas, não se atrasar, não conversar em sala <strong>de</strong><br />

aula e fazer todas as ativida<strong>de</strong>s. O jovem, sem alternativas,<br />

concordou com todas. Ao fi nal, ela fez uma perguntinha<br />

mágica:<br />

- Teria alguma coisa que nós pudéssemos fazer por você<br />

que a outra escola falhou?<br />

- Teria sim. Gostaria <strong>de</strong> sentar na frente e no meio. Nunca<br />

sentei.<br />

- Mas você é muito alto.<br />

- Era exatamente esse meu problema. Por isso acho que<br />

tive notas tão ruins. Não conseguia nem ouvir os professores<br />

e nem ver o que estavam escrevendo no quadro. – Ela<br />

pensou um pouco, balançando uma caneta BIC entre os<br />

<strong>de</strong>dos, e vaticinou:<br />

- Está bem. No início do ano chegue cedo para “marcar o<br />

lugar”. Prevejo que irão reclamar um pouco no início, mas<br />

R I T O S 33


<strong>de</strong>pois se acostumarão. – E chamou então uma das futuras<br />

professoras <strong>de</strong>le e pediu que comunicasse aos <strong>de</strong>mais essa<br />

<strong>de</strong>cisão.<br />

Pela primeira vez cara a cara com os professores,<br />

Davi Lorso se <strong>de</strong>u conta <strong>de</strong> como eram interessantes as<br />

conclusões a que ele chagava junto com os mestres. Nem<br />

ligou muito para a reclamação dos colegas <strong>de</strong> trás para<br />

que “tirasse” a cabeça do meio. Matemática não era assim<br />

tão ruim, e geografi a e história, suas matérias preferidas,<br />

estavam fascinantes.<br />

Ao entregar a ca<strong>de</strong>rneta bimestral <strong>de</strong> avaliação para<br />

sua mãe dar o visto, ela nem acreditou: só tinham notas<br />

acima <strong>de</strong> 8. Logo pensou, sem po<strong>de</strong>r externar: “tá colando<br />

muito!”. Mas ela percebera o rapaz estudando em casa<br />

espontaneamente, pela primeira vez na vida.<br />

Para Davi foi uma re<strong>de</strong>nção. Entusiasmou-se com as<br />

primeiras notas e passou a se <strong>de</strong>dicar e prestar mais atenção<br />

ainda às aulas. Lembrou <strong>de</strong> um colega nosso, na época<br />

em que estudamos juntos, que fazia perguntas que consi<strong>de</strong>rávamos<br />

imbecis, mas na hora das provas só tirava <strong>de</strong>z.<br />

Refl etiu que o papel do aluno em sala é tirar as dúvidas<br />

com os professores. Passou a não levar mais dúvidas para<br />

casa. Resultado: no fi nal do ano tinha sido aprovado no<br />

terceiro bimestre. Isso mesmo. Suas notas eram tão altas<br />

que nem precisou do quarto bimestre.<br />

E assim foi a carreira <strong>de</strong> Davi Lorso no colégio. Passou<br />

no terceiro bimestre em todos os anos que se suce<strong>de</strong>ram,<br />

até chegar ao pré-vestibular. Nesse ano não foi muito diferente:<br />

somente em matemática precisou das notas do<br />

quarto bimestre para passar por média.<br />

Vieram os vestibulares. Fez três. Passou em todos.<br />

O curso que escolheu foi direito. Porém, uma coisa<br />

ainda lhe afl igia. Tinha vergonha <strong>de</strong> falar em público. Refl<br />

etiu que precisaria melhorar sua oratória. Qual o melhor<br />

local: o Centro Acadêmico. Resolveu ir à primeira<br />

reunião, após convite feito na recepção aos formandos.<br />

Durante a reunião, fi cou acertado que alguém passaria<br />

nas salas pra dar um aviso. Davi se ofereceu para isso. As<br />

primeiras salas foram as mais difíceis, pois estava nervoso,<br />

já que não era costume falar em público. Mas <strong>de</strong>pois foi se<br />

soltando... Resultado: no ano seguinte foi eleito presi<strong>de</strong>nte<br />

do diretório acadêmico do curso <strong>de</strong> direito da UFRN e<br />

orador da turma na solenida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formatura.<br />

Na sala em que ele estudava, todo mundo sabia on<strong>de</strong><br />

ele sentava: na frente e no meio. Prestava atenção às aulas<br />

do mesmo modo, e estudava em casa. Nos dias das provas<br />

era Davi Lorso na frente, cara a cara com o professor, mais<br />

um ou outro “herói”, um vazio <strong>de</strong> carteiras e um monte <strong>de</strong><br />

gente atrás. Todos sabiam por que estavam tão recuados...<br />

Era tentador ir lá para trás, mas Davi sabia que isso o <strong>de</strong>sestimularia<br />

a estudar.<br />

Logo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> formados houve o exame <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m.<br />

Para surpresa dos colegas <strong>de</strong> sala da faculda<strong>de</strong>, entre as<br />

centenas <strong>de</strong> candidatos, Davi Lorso fi cou em segundo lugar<br />

logo no provão. Uma das colegas veio cumprimentá-lo<br />

e dizer-lhe que ele tinha sorte.<br />

- Não tenho sorte não. Nunca tive as melhores notas<br />

porque tirava oito e meio lá na frente do professor, sem<br />

cola, e muita gente (incluindo a colega) ia lá para trás e<br />

abria um livro <strong>de</strong> doutrina ou o código. Assim era fácil<br />

tirar <strong>de</strong>z. Aqui nesse provão da OAB não tem como haver<br />

escaramuças... por isso o resultado.<br />

Após a faculda<strong>de</strong> Davi continuou estudando. Seu sonho,<br />

a magistratura. Após três anos <strong>de</strong> estudo conseguiu<br />

passar em um concurso e hoje é Juiz <strong>de</strong> Direito em Natal,<br />

no Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, e você está lendo nesse exato<br />

instante o que ele escreveu. Davi Lorso... DaviloRso... Davilso<br />

Ro... Davlo Rosi... Do Rosival... Rosivaldo! Provavelmente<br />

você nem tenha percebido, mas está é a minha história<br />

<strong>de</strong> vida e gostei muito <strong>de</strong> compartilhá-la com você.<br />

Quando for enfrentar algum <strong>de</strong>safi o em sua vida, lembre<br />

<strong>de</strong> “Davi Lorso” e saiba que nem eu e nem ninguém é<br />

melhor do que você. Trata-se apenas <strong>de</strong> ter disciplina e<br />

<strong>de</strong>dicação. Vá em frente. Deixe o seu sonho tomar conta<br />

<strong>de</strong> você e <strong>de</strong>spertá-lo para a vida! Busque concretizá-lo.<br />

Se eu consegui, após tudo que passei, você também po<strong>de</strong>!<br />

34 R I T O S www.amarn.com.br


www.amarn.com.br<br />

ZéBolacha Rosivaldo Toscano<br />

O ano, 2001. Estava eu abastecendo<br />

o carro no posto do trevo das estradas que<br />

ligam as cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Rafael Go<strong>de</strong>iro e Patu.<br />

Era noite.<br />

- Moço, po<strong>de</strong> encher.<br />

- Po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar, doutor – Disse o frentista.<br />

Ei que ao <strong>de</strong>sligar a caminhoneta e, consequentemente,<br />

o som do veículo, comecei a<br />

ouvir lamúrias e choros.<br />

- O que é isso? – ao que o frentista apontou<br />

para um sujeito literalmente acocorado<br />

no meio-fi o do acostamento da estrada.<br />

Tocado com o choro sincero do rapaz, resolvi<br />

<strong>de</strong>scer e saber o que o estava causando<br />

tamanha dor.<br />

- Amigo, boa noite, o que está<br />

acontecendo?<br />

O jovem, aparentando uns vinte e cinco<br />

anos, continuou acocorado, mas levantou a<br />

cabeça, que estava entra as mãos, olhou-me<br />

surpreso ao me reconhecer, e completou:<br />

– Doutor... – falou em tom <strong>de</strong> lamúria<br />

o choroso sujeito. Parou por uns segundos e<br />

prosseguiu – o problema tá aqui! – apontando<br />

com as mãos espalmadas para o próprio<br />

rosto.<br />

Busquei alguma ferida, corte, sei lá. Mas<br />

estava tudo em or<strong>de</strong>m: tinha olhos, boca,<br />

nariz.<br />

– Tá on<strong>de</strong>, meu caro?<br />

– Aqui ó! É que eu sou feio <strong>de</strong>mais! – Para<br />

completar o quadro, entre as pernas do rapaz<br />

estava uma garrafa da boa e velha 51. Pelo<br />

bafo <strong>de</strong> álcool <strong>de</strong>le, já <strong>de</strong>via estar no fi m...<br />

E após puxar o fôlego, ele prosseguiu: –<br />

Eu tinha uma namorada, Doutor. Chamei<br />

pra morar comigo, pra gente casar. Ela disse<br />

que não. Que eu era feio <strong>de</strong>mais e que os bichinhos<br />

num iam nascer humanos não! Buá!<br />

– Pôs-se a chorar <strong>de</strong> novo.<br />

Fiquei com dó. Olha, o camarada era<br />

feio mesmo. Boca torta e uma banguela daquela<br />

tradicional, tipo vampiro, cara cheia<br />

<strong>de</strong> espinhas. Um quadro esteticamente triste.<br />

Mas <strong>de</strong>cido a levantar a alto-estima do jovem,<br />

aconselhei-o. O diálogo se <strong>de</strong>u comigo<br />

<strong>de</strong> pé e ele acocorado, como estava.<br />

– Não vou dizer que o senhor é nenhuma<br />

maravilha. Mas também não estou dizendo<br />

que é feio. Contudo, saiba que sendo<br />

feio ou não, sempre há alguém mais feio<br />

que a gente em todo canto. – E prossegui:<br />

– Vou lhe mostrar que estou certo. Veja bem,<br />

tem um camarada ali em Rafael Go<strong>de</strong>iro<br />

que não conheço, mas que dizem ser o sujeito<br />

mais feio do Alto Oeste. Zé Bolacha. Já<br />

ouviu falar <strong>de</strong>le?<br />

– Zé Bolacha sou eu, doutor! Buá!<br />

R I T O S 35


CAPA<br />

Fotos: Ricardo Junqueira e Elpídio Júnior<br />

Ricardo Junqueira


Mo<strong>de</strong>rna<br />

e funcional,<br />

se<strong>de</strong> da <strong>AMARN</strong> foi uma<br />

conquista <strong>de</strong> 2010<br />

A primeira impressão é a melhor possível. Bom gosto, elegância e<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> dão o tom à nova se<strong>de</strong> da <strong>AMARN</strong> – Associação dos<br />

Magistrados do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte. Após cinco meses <strong>de</strong> planejamento,<br />

projeto e execução, 2010 po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado o ano da nova<br />

imagem da associação, inaugurada em março <strong>de</strong>ste ano, pelo presi<strong>de</strong>nte<br />

Madson Ottoni, marcando também a posse da nova diretoria tendo<br />

como presi<strong>de</strong>nte Azevêdo Hamilton Cartaxo, para o biênio 2010/2012.<br />

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Juiz Mádson Ottoni <strong>de</strong> Almeida Rodrigues<br />

R I T O S 37


Lavabos ganharam <strong>de</strong>coração inusitada<br />

Recepção integrada ao auditório<br />

Ricardo Junqueira Ricardo Junqueira<br />

O projeto foi <strong>de</strong>senvolvido pela arquiteta<br />

Nadiedja Melo e ocupa uma área <strong>de</strong> 120 metros<br />

quadrados no décimo andar do centro empresarial<br />

Miguel Seabra Fagun<strong>de</strong>s, em Lagoa Nova. “O<br />

estilo da ambientação foi o contemporâneo, procurando<br />

uma conotação mais tradicional inerente<br />

à carreira jurídica”, afi rmou a arquiteta. Os<br />

materiais utilizados como o mármore, aço, vidro,<br />

ma<strong>de</strong>ira e espelhos tornaram a se<strong>de</strong> imponente e<br />

os lavabos ganharam um estilo propositadamente<br />

diferente aos outros ambientes. Há ainda a iluminação<br />

técnica voltada para o uso específi co <strong>de</strong><br />

cada espaço, como no auditório com capacida<strong>de</strong><br />

para 30 lugares para reuniões, encontros e<br />

palestras.<br />

Planejada e realizada na gestão do então<br />

presi<strong>de</strong>nte da <strong>AMARN</strong> Mádson Ottoni, a nova<br />

se<strong>de</strong> aten<strong>de</strong>u aos objetivos dos associados <strong>de</strong><br />

terem um ambiente funcional e mo<strong>de</strong>rno. “Dr.<br />

Mádson pediu um ambiente que retratasse a<br />

imagem da associação dos magistrados <strong>de</strong> forma<br />

atual e elegante, mas sem rebuscamentos”, concluiu<br />

Nadiedja Melo.<br />

Ao longo <strong>de</strong>sses mais <strong>de</strong> 9 meses <strong>de</strong> inauguração,<br />

já aconteceram reuniões, encontros e<br />

palestras. Todos os meses, a diretoria se reúne<br />

na última segunda-feira para discutir questões<br />

administrativas na sala da presidência equipada<br />

com sistema <strong>de</strong> televisão integrado ao auditório.<br />

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Sala da presidência: cantinho charmoso para receber<br />

Juiz Azevêdo<br />

Hamilton Cartaxo -<br />

Pres. da <strong>AMARN</strong><br />

A associação recebeu, neste ano, a visita dos dois candidatos à<br />

presidência da AMB – <strong>de</strong>sembargador Henrique Nelson Calandra<br />

e o juiz Gervásio Protásio dos santos Júnior e a visita <strong>de</strong> representantes<br />

da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais. “É fundamental<br />

uma se<strong>de</strong> bem estruturada, porque permite que todas as<br />

ativida<strong>de</strong>s sejam <strong>de</strong>sempenhadas a<strong>de</strong>quadamente” afi rmou o presi<strong>de</strong>nte<br />

da <strong>AMARN</strong> Azevêdo Hamilton Cartaxo.<br />

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Ricardo Junqueira<br />

R I T O S 39


Contos<br />

Juiz titular da 3ª Vara Criminal do Fórum<br />

Varela Barca e professor <strong>de</strong> Direito penal<br />

da UNP e FANEC.<br />

A rua Américo Barbalho e<br />

alguns dos seus exóticos e<br />

inesquecíveis resi<strong>de</strong>ntes<br />

Francisco <strong>de</strong> Assis Brasil Queiróz e Silva<br />

A Rua Américo Barbalho, situada no Bairro do Alecrim nesta cida<strong>de</strong><br />

do Natal, tendo sido a rua on<strong>de</strong> passei a minha infância e vários anos <strong>de</strong><br />

juventu<strong>de</strong>, fi cou em minha memória porque lá residiram pessoas humanas<br />

singulares e típicas a quem eu conheci com a minha curiosida<strong>de</strong> natural <strong>de</strong><br />

uma criança silenciosa e misantropa que fui. Era uma das principais ruas<br />

do Bairro do Alecrim, caracterizando-se por ser, ao contrário dos dias <strong>de</strong><br />

hoje, essencialmente resi<strong>de</strong>ncial, com quase todas as residências mo<strong>de</strong>stas,<br />

<strong>de</strong>stacando-se um ou outro imóvel por ser sobrado pertencente a algum<br />

morador que fora bafejado pela fortuna. Os ven<strong>de</strong>dores ambulantes <strong>de</strong>nominados<br />

<strong>de</strong> camelôs, que no dia <strong>de</strong> hoje já conquistaram muitos territórios do<br />

Bairro do Alecrim, naquela época ainda não haviam invadido as calçadas<br />

da Rua Américo Barbalho e os não muitos veículos que transitavam pelo<br />

seu leito eram <strong>de</strong> comerciantes do Bairro da Ribeira, <strong>de</strong> funcionários públicos<br />

fe<strong>de</strong>rais e <strong>de</strong> profi ssionais liberais resi<strong>de</strong>ntes geralmente nos Bairros<br />

da Cida<strong>de</strong>-Alta e do Tirol, ou as lotações que <strong>de</strong>pois que os bon<strong>de</strong>s foram<br />

aposentados pelo po<strong>de</strong>r público passavam por obrigação pela rua fazendo a<br />

tradicional linha Rocas-Quintas.<br />

Começando no sentido norte-sul, havia um sobrado <strong>de</strong> estilo colonial,<br />

<strong>de</strong> fachada bem retangular pintada <strong>de</strong> cor amarela, on<strong>de</strong> residia uma senhora<br />

baixinha e raquítica, ironicamente chamada <strong>de</strong> “Dona Altiva”. Era<br />

viúva <strong>de</strong> um funcionário da alfân<strong>de</strong>ga e mãe <strong>de</strong> um único fi lho chamado<br />

Maquiavel que tendo ganhado um valioso prêmio na loteria fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>sapareceu<br />

<strong>de</strong> Natal. Depois que dona Altiva faleceu, o sobrado fi cou <strong>de</strong>sabitado<br />

por todo o tempo, atravessando os anos da década <strong>de</strong> 1960, servindo<br />

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<strong>de</strong> moradia para bêbados, mendigos e<br />

escorpiões, até que um dia foi adquirido<br />

já em ruínas durante os primeiros anos<br />

da década <strong>de</strong> 1970, por um libanês radicado<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> criança aqui em Natal que<br />

enriquecera como empresário do comércio<br />

e <strong>de</strong> hotelaria estabelecido no antigo<br />

bairro da Ribeira. Tendo <strong>de</strong>rrubado as<br />

últimas pare<strong>de</strong>s que restaram do antigo<br />

sobrado, o empresário edifi cou um imóvel<br />

<strong>de</strong> três andares on<strong>de</strong> na parte térrea<br />

abriu uma fi lial <strong>de</strong> suas lojas e nos pavimentos<br />

superiores inaugurou o seu hotel<br />

que hospedava principalmente homens<br />

<strong>de</strong> negócios em trânsito por Natal, até<br />

que a inauguração das primeiras unida<strong>de</strong>s<br />

hoteleiras <strong>de</strong> cinco estrelas da Via<br />

Costeira obrigou o estrangeiro a abdicar<br />

<strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> hoteleiro.<br />

Logo a seguir, havia a pensão <strong>de</strong><br />

Dona Emengarda que, durante o dia,<br />

era estritamente familiar, mas à noite,<br />

transformava-se em um autêntico lupanar<br />

que recebia a visita <strong>de</strong> prostitutas<br />

para fornicar, <strong>de</strong>ntre outros, com os grumetes<br />

que fugiam da Base Naval, com os<br />

notívagos do bar quitandinha e principalmente<br />

com os varões casados que violavam<br />

o sacrossanto juramento <strong>de</strong> fi <strong>de</strong>lida<strong>de</strong><br />

conjugal que um dia haviam feito<br />

ás suas esposas perante um sacerdote da<br />

Igreja Católica Apostólica Romana. A<br />

propósito, a mesma era avó do <strong>de</strong>putado<br />

Nicanor Lima que sempre acompanhou<br />

politicamente uma soberana família que<br />

reinou durante algum tempo nesta província<br />

potiguar, mas pelo fato <strong>de</strong> não<br />

fl uir em suas artérias este sangue dinástico,<br />

nunca conseguiu ser candidato a governador<br />

do Estado. A Sra. Emengarda<br />

tratava-se <strong>de</strong> uma mulher bem madura e<br />

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corpulenta que, além <strong>de</strong> dona <strong>de</strong> pensão<br />

simultaneamente familiar e alegre, exercia<br />

a macumba no quintal <strong>de</strong> sua hospedaria,<br />

através da qual, invocando entida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>moníacas dos abismos cósmicos,<br />

conseguiu <strong>de</strong>struir a felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> muitas<br />

famílias natalenses daquela época.<br />

Conta-se à boca pequena que o <strong>de</strong>putado<br />

Nicanor Lima, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> várias<br />

tentativas <strong>de</strong>sejando ser candidato ao<br />

governo do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, e sabendo<br />

que o seu partido político, inobstante<br />

sua brilhante atuação como parlamentar,<br />

jamais o indicaria pelo fato <strong>de</strong><br />

não possuir um sobrenome aristocrático,<br />

teria invocado, como último recurso, em<br />

um terreiro <strong>de</strong> macumba, o espírito <strong>de</strong><br />

dona Emengarda, sua avó, que há bastante<br />

tempo já houvera falecido, mas<br />

esta não conseguira baixar porque estaria<br />

aprisionada nas fétidas masmorras<br />

dos infernos, expiando todo o mal que<br />

fi zera à humanida<strong>de</strong> em sua última encarnação<br />

aqui na terra. Por causa disto,<br />

o excelente legislador resignou-se, nunca<br />

mais aspirou alcançar as estrêlas do<br />

fi rmamento, inclusive abandonando<br />

em <strong>de</strong>fi nitivo a vida pública, <strong>de</strong>dicando-se<br />

exclusivamente à sua banca <strong>de</strong><br />

advocacia.<br />

No imóvel <strong>de</strong> número 1290 residiam<br />

o Dr. Geraldo Magela, sua mulher dona<br />

Merce<strong>de</strong>s, e seus oito fi lhos. O Dr. Geraldo<br />

Magela, malgrado nunca tivesse<br />

frequentado nenhuma faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito,<br />

ostentava um anel <strong>de</strong> rubi em seu<br />

<strong>de</strong>do anelar da mão esquerda, era um<br />

rábula conceituado na cida<strong>de</strong> pelas suas<br />

atuações forenses principalmente no Tribunal<br />

do Júri. Na verda<strong>de</strong>, mais do um<br />

simples provisionado, ele era um verda-<br />

<strong>de</strong>iro autodidata, pois, além <strong>de</strong> ter estudado<br />

e aprendido sozinho as chicanas da<br />

prática forense, apren<strong>de</strong>ra a falar o idioma<br />

inglês, instalara em sua própria residência<br />

um curso supletivo que, naquela<br />

época, chamava-se <strong>de</strong> madureza e possuía<br />

uma vasta biblioteca on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>stacavam<br />

as obras marxistas. Assim, <strong>de</strong>pois que as<br />

leu uma por uma, tornou-se comunista,<br />

ateu e subversivo, para <strong>de</strong>sgosto <strong>de</strong> Dona<br />

Merce<strong>de</strong>s que recebera as or<strong>de</strong>ns menores<br />

da igreja católica e as exercia prestando<br />

serviços na matriz <strong>de</strong> São Pedro,<br />

no Bairro do Alecrim. Aliás, a dona Merce<strong>de</strong>s,<br />

que era uma mulher plenamente<br />

amorosa, passiva e serviçal em relação<br />

ao seu marido, tal qual aquela <strong>de</strong>nominada<br />

<strong>de</strong> Amélia imortalizada na canção<br />

popular <strong>de</strong> Ataulfo Alves e Mario Lago,<br />

casara-se muito nova com o Dr. Geraldo,<br />

mas era bastante humilhada por este que<br />

<strong>de</strong>pois que se tornou um famoso rábula<br />

atuante nas li<strong>de</strong>s do foro, envergonharase<br />

da mesma humilhando-a constantemente,<br />

dizendo ela não passava <strong>de</strong> uma<br />

verda<strong>de</strong>ira chofer <strong>de</strong> fogão, sempre uniformizada<br />

em seu avental <strong>de</strong> cozinha e exalando<br />

do seu corpo um odor nauseabundo<br />

semelhante a alho.<br />

Quando estourou o golpe <strong>de</strong> estado<br />

<strong>de</strong> 1964, o Dr. Geraldo Magela foi preso,<br />

torturado e dado como morto, pois teria<br />

se enforcado na cela do quartel da Policia<br />

Militar on<strong>de</strong> estava recolhido, nesta<br />

capital, quando soubera que a quartelada<br />

daquele ano fi nanciada pelos Estados<br />

Unidos da América do Norte e apoiada<br />

pelas elites conservadoras ligadas á<br />

UDN do Brasil, saíra vitoriosa. A bem<br />

da verda<strong>de</strong>, o Dr. Geraldo Magela jamais<br />

se suicidou em sua cela, como não<br />

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se suicidaram os vários outros presos políticos que<br />

estavam recolhidos naquela unida<strong>de</strong> militar, porquanto<br />

todos foram jogados <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um avião<br />

da Aeronáutica e lançados no alto mar, para o repasto<br />

<strong>de</strong> vorazes tubarões, motivo pelo qual os seus<br />

corpos nunca foram encontrados, tanto assim que<br />

ainda hoje os <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes do Dr. Geraldo não<br />

sabem on<strong>de</strong> e como ele foi morto.<br />

Também havia o “castelo dos anjos”, <strong>de</strong>nominação<br />

dada pelo povo ao luxuoso edifício <strong>de</strong> dois andares<br />

da Sra. A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> Carvalho, uma cearense da<br />

cida<strong>de</strong> do Crato, que aportara em Natal na década<br />

<strong>de</strong> 1950, fugindo do seu marido, Belarmino Ramalho,<br />

que tentara matá-la quando <strong>de</strong>scobriu que<br />

ela o traía copulando com o seu próprio cunhado,<br />

irmão <strong>de</strong> Belarmino. Nesta capital, sozinha e<br />

com um fi lho <strong>de</strong> cinco anos para criar, foi residir<br />

inicialmente em uma casa alugada, simples e bem<br />

pequena, na Rua Américo Barbalho. Conheceu<br />

inicialmente o Dr. Padilha, um gerente do Banco<br />

do Brasil muito prestigiado na capital, quando o<br />

emprego no Banco do Brasil ainda rendia opulentos<br />

salários e elevado status social para quem o conseguia.<br />

Através do Dr. Padilha que lhe comprara<br />

o imóvel mo<strong>de</strong>sto on<strong>de</strong> ela morava <strong>de</strong> aluguel, o<br />

<strong>de</strong>rrubara e edifi cara um sobrado <strong>de</strong> dois andares<br />

para ela residir, Dona A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> iniciou o seu alpinismo<br />

social, exercendo também a ocupação <strong>de</strong><br />

parteira que apren<strong>de</strong>ra em sua cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> origem,<br />

praticando-a aqui em Natal em um consultório<br />

em seu edifício <strong>de</strong> dois pavimentos on<strong>de</strong> escondia<br />

a sua clínica <strong>de</strong> abortos clan<strong>de</strong>stinos. Ali, a dita<br />

cuja professava com exímio a arte da obstetrícia,<br />

não somente dando à luz a muitos recém-nascidos<br />

<strong>de</strong> mães anônimas que lhes procuravam sem lhes<br />

cobrar nenhum honorário pelo parto que operava<br />

na parturiente, mas principalmente assassinando<br />

fetos que tinham sido gerados <strong>de</strong> relações espúrias,<br />

inclusive <strong>de</strong> esposas ou concubinas <strong>de</strong> cidadãos<br />

acima <strong>de</strong> qualquer suspeita que freqüentavam as<br />

reuniões sociais do América, o clube aristocrático<br />

por excelência <strong>de</strong> Natal daquela época.<br />

Além do Dr. Padilha, a dona A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> foi<br />

cortesã <strong>de</strong> vários outros importantes homens da<br />

socieda<strong>de</strong> potiguar daquele tempo, quase todos<br />

casados, <strong>de</strong>ntre eles um com quem ela mais tempo<br />

conviveu, que foi exatamente o <strong>de</strong>putado Temístocles<br />

Silveira, um sertanejo <strong>de</strong> elevada estatura<br />

física, mas <strong>de</strong> mesquinha compleição moral. Era<br />

um próspero agropecuarista que além <strong>de</strong> exercer<br />

o mandato <strong>de</strong> legislador na Câmara Fe<strong>de</strong>ral,<br />

freqüentava o Natal Clube que fi cava em pleno<br />

Gran<strong>de</strong> Ponto <strong>de</strong>sta capital, on<strong>de</strong> torrava em jogatinas<br />

o dinheiro público do Estado, acolhia em sua<br />

proprieda<strong>de</strong> os pistoleiros mais perigosos do sertão<br />

para se livrarem da ação da Justiça, mantinha em<br />

sua fazenda um jardim <strong>de</strong> infância on<strong>de</strong> os fi lhos<br />

dos seus trabalhadores eram alfabetizados e molestados<br />

sexualmente pelo <strong>de</strong>spudorado <strong>de</strong>putado<br />

pedófi lo. A propósito, tal qual o pervertido imperador<br />

Tibério <strong>de</strong> Roma antiga se <strong>de</strong>liciava em sua<br />

velhice a quem ele admirava como um notável<br />

estadista da antiguida<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>putado Temístocles<br />

Silveira, em sua lubricida<strong>de</strong> senil, costumava tomar<br />

banho todos os dias na banheira térmica <strong>de</strong><br />

sua fazenda acompanhado <strong>de</strong> criancinhas, fi lhas<br />

dos seus colonos, que lhes afagavam a genitália, a<br />

quem ele também as chamava <strong>de</strong> “meus peixinhos”;<br />

igualmente, colecionava vários pôsteres pornográfi<br />

cos que ornamentavam as pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> privativos<br />

aposentos da sua extensa vivenda rural on<strong>de</strong> ele se<br />

recolhia com freqüência para escrever as suas memórias<br />

<strong>de</strong> um parlamentar que honrara a bancada<br />

do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte no Congresso Nacional.<br />

A Sra. A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> monopolizou o po<strong>de</strong>r durante<br />

vários anos sobre quase todos os moradores da Rua<br />

Américo Barbalho. Muitos tinham conhecimento<br />

que ela também praticava uma obstetrícia criminosa<br />

em sua suntuosa habitação, mas ninguém se<br />

atrevia a <strong>de</strong>nunciá-la às autorida<strong>de</strong>s constituídas,<br />

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Vista da rua ao lado da<br />

igreja São Pedro, um<br />

símbolo do Alecrim<br />

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até porque muitas <strong>de</strong>stas já tinham se benefi ciado<br />

dos seus serviços <strong>de</strong> parteira, como por exemplo, a<br />

suplente <strong>de</strong> uma primeira-dama do Estado que não<br />

<strong>de</strong>sejando nenhuma gravi<strong>de</strong>z inoportuna e inconveniente,<br />

recorrera algumas vezes à mesma para<br />

expelir prematuramente do seu útero seres nascituros<br />

que não queria dar à luz. Aliás, o marido <strong>de</strong>sta<br />

dondoca-primaz do Estado, o qual fora canonizado<br />

pelo povo que o elegera Governador, imortalizou-se<br />

perante a História do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, principalmente<br />

por distribuir pão e circo para a pobreza,<br />

chorar nos comícios que realizava para comover a<br />

multidão que <strong>de</strong>lirava e fanatizar a plebe que entrava<br />

em transe quando ele discursava, até que um dia,<br />

por conta <strong>de</strong> uma intriga feita pelo seu arquiinimigo<br />

fi gadal que fuxicando nos ouvidos do general todopo<strong>de</strong>roso<br />

que presidia naquela época a República<br />

dos Estados Unidos do Brasil, foi sumariamente expulso<br />

da fauna política do Estado.<br />

Existia a Casa Taveira que era uma bo<strong>de</strong>ga que<br />

pertencia ao Sr. Taveira, on<strong>de</strong> eram vendidos gêneros<br />

alimentícios, mas se distinguia pelo sorvete<br />

caseiro solidifi cado em forma retangular, preso na<br />

extremida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um palito, que vendia, o qual era<br />

conhecido, naquela época e naquele local, pela <strong>de</strong>nominação<br />

<strong>de</strong> polí. O Sr. Taveira, que puxava por<br />

uma perna talvez seqüela <strong>de</strong> alguma trombose, era<br />

um ancião <strong>de</strong> cor alvacenta, cabelos encanecidos<br />

e gênio manso. A sua família era constituída por<br />

dona Lara, que era uma mulher encorpada e loquaz,<br />

exímia culinarista <strong>de</strong> saborosas iguarias, os<br />

seus vários fi lhos e fi lhas <strong>de</strong>ntre os quais se <strong>de</strong>stacavam<br />

os três seguintes: Samuel, o mais bem<br />

afortunado por conta <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> bicheiro;<br />

Débora que se formou em odontologia e para não<br />

fi car no caritó terminou fugindo com um magarefe<br />

do mercado público do Alecrim; e a caçula<br />

Judite que foi raptada, quando tinha 16 anos <strong>de</strong><br />

R I T O S 43


ida<strong>de</strong>, pelo seu namorado, um marinheiro do sul do<br />

país que houvera aportado na base naval <strong>de</strong> Natal,<br />

o qual foi obrigado a reparar o seu crime casando<br />

com a raptada, moçoila honesta e <strong>de</strong> família, graças<br />

à intervenção do Chefe <strong>de</strong> Polícia do Estado, o<br />

austero Cel. Urquiza, parente bem próximo do Sr.<br />

Taveira.<br />

O boticário Rubens Piranha, cujo singular sobrenome<br />

servia <strong>de</strong> telefonemas maldosos para sua<br />

pessoa, perguntando-lhe se sua esposa, dona Olga,<br />

também era piranha, residia no imóvel <strong>de</strong> numero<br />

1350 da Rua Américo Barbalho, on<strong>de</strong>, na parte da<br />

frente mantinha a sua Farmácia Carlos Chagas, em homenagem<br />

ao célebre cientista brasileiro e, na parte<br />

dos fundos, residia com sua família constituída pela<br />

Sra. Olga e os três fi lhos menores do casal. O Sr.<br />

Rubens, que era um farmacêutico medíocre, apren<strong>de</strong>ra<br />

sofrivelmente a arte <strong>de</strong> manipular medicamentos<br />

com o seu patrão o Sr. Queiroga na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Macau, no interior do Estado, on<strong>de</strong> nascera. Chegara<br />

em Natal no início da década <strong>de</strong> 1960, alugara<br />

este imóvel à Rua Américo Barbalho e se tornara<br />

um dos poucos farmacêuticos do Bairro do Alecrim.<br />

Foi órfão e fora criado pelo Sr. Queiroga e pela sua<br />

mulher dona Vitalina, o qual o empregara em sua<br />

farmácia, razão pela qual o Sr. Rubens, que era<br />

um homem introvertido e avarento, o consi<strong>de</strong>rava<br />

como seu verda<strong>de</strong>iro pai. Aqui em Natal, quando<br />

o Sr. Queiroga adoeceu gravemente, o Sr. Rubens<br />

ia visitá-lo diariamente, sempre ao entar<strong>de</strong>cer, chegando<br />

em sua Rural Williams à residência do mesmo<br />

à Rua Machado <strong>de</strong> Assis, no bairro alecrinense,<br />

on<strong>de</strong> o doente agonizava em seu leito <strong>de</strong> morte. Ali,<br />

ele se confundia com os vários fi lhos e netos que velavam<br />

o ancião, inclusive chorava sentidas lágrimas<br />

silenciosas quando, ajoelhado à beira do leito do<br />

doente moribundo, chamava repetidas vezes pelo<br />

seu nome, “Seu Queiroga”, “Seu Queiroga”, mas este,<br />

já totalmente inconsciente, não lhe atendia ao seu<br />

chamamento.<br />

Havia as duas irmãs Sampaio que residiam no<br />

imóvel <strong>de</strong> número 1436 da Rua Américo Barbalho<br />

com o pai, o velho Sr. Sampaio, um ancião magro e<br />

um pouco curvado, que, praticamente, passava o dia<br />

inteiro em pé, atrás do portão <strong>de</strong> ferro da entrada <strong>de</strong><br />

sua residência que dava para a via pública, fumando<br />

continuadamente os seus cigarros Hollywood,<br />

olhando, com semblante <strong>de</strong> visível curiosida<strong>de</strong>,<br />

cada um dos pe<strong>de</strong>stres que passavam na rua. Das<br />

suas duas fi lhas, a mais velha chamava-se Geralda,<br />

meren<strong>de</strong>ira do Grupo Escolar Frei Miguelinho situado<br />

no mesmo bairro e a outra, que se chamava<br />

Regina, era comborça do Seu Fontana, um conquistador<br />

compulsivo e próspero comerciante do bairro<br />

da Ribeira. Ambas mantinham um armarinho na<br />

frente do imóvel on<strong>de</strong> moravam, bancado pelo Sr.<br />

Fontana, que vinha, invariavelmente, visitar a sua<br />

concubina todo fi nal <strong>de</strong> semana, trazendo cigarros<br />

para o velho Sampaio que, por causa <strong>de</strong>ste agrado,<br />

não somente permitia, mas também até alcovitava<br />

as relações clan<strong>de</strong>stinas entre ele e a sua fi lha.<br />

Um dia, tendo sido levado ao médico pelas suas<br />

duas fi lhas porque estava passando mal, foi diagnosticado<br />

que o Sr. Sampaio estava com um câncer na<br />

garganta em estado avançado, em razão dos cigarros<br />

que fumara durante toda sua vida. Dentro do<br />

seu quarto <strong>de</strong> dormir, no interior <strong>de</strong> sua mo<strong>de</strong>sta<br />

casa, lá na Américo Barbalho, sofria intensamente,<br />

gemendo, com dores insuportáveis, <strong>de</strong>fecando e urinando<br />

na própria cama, exalando um odor fétido<br />

e insuportável proveniente tanto da ausência <strong>de</strong> assepsia<br />

em seu próprio corpo quanto do tumor maligno<br />

que já lhe <strong>de</strong>vorara as cordas vocais. Em seus<br />

poucos momentos <strong>de</strong> luci<strong>de</strong>z, totalmente afônico,<br />

implorava, por escrito, às suas fi lhas, que o <strong>de</strong>ixassem<br />

morrer ali mesmo em sua residência, até porque<br />

era bem próximo ao cemitério, mas tornou-se<br />

impossível aten<strong>de</strong>r ao seu pedido porque não havia<br />

quem lhe fi zesse as vezes <strong>de</strong> enfermeiro <strong>de</strong> doente<br />

terminal. Enfi m, o Sr. Fontana conseguiu convencê-<br />

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lo a se internar no hospital Dr. Luiz Antonio que<br />

fi cava no Bairro das Quintas, nesta capital, aon<strong>de</strong>,<br />

com poucos dias <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sua chegada àquele nosocômio,<br />

veio a falecer.<br />

Depois do falecimento do velho Sampaio, as<br />

duas irmãs Geralda e Regina ainda continuaram,<br />

por algum tempo, morando na residência da Rua<br />

Américo Barbalho com o ponto comercial na frente<br />

da mesma, mas o armarinho faliu, foram <strong>de</strong>spejadas<br />

pelo senhorio do imóvel que lhes era alugado e, ainda<br />

mais, Regina foi processada criminalmente pela<br />

dona Letícia, esposa do Seu Fontana, como co-ré por<br />

crime <strong>de</strong> adultério, pois, naquela época, por incrível<br />

que pareça, adultério ainda era crime, porém não foi<br />

con<strong>de</strong>nada porque conseguiu convencer o juiz que,<br />

<strong>de</strong> há bastante tempo, havia cessada a vida íntima<br />

entre ela, a Sra. Letícia, e o seu marido, o Sr. Fontana.<br />

Algum tempo <strong>de</strong>pois, também cessou a vida<br />

íntima entre ela própria, Regina, e o Seu Fontana,<br />

que resolveu se aposentar, tanto <strong>de</strong> sua profi ssão<br />

mercantil quanto <strong>de</strong> suas aventuras genésicas, pois já<br />

estava em uma ida<strong>de</strong> bastante provecta que lhe <strong>de</strong>pauperara<br />

por completo a sua pessoa. As duas irmãs<br />

Sampaio foram embora da Rua Américo Barbalho,<br />

acabando como duas miseráveis mendigas em alguma<br />

outra rua incerta e não sabida <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong> do<br />

Natal.<br />

Hoje a Rua Américo Barbalho já não mais existe,<br />

pois ela <strong>de</strong>sapareceu do mapa <strong>de</strong> Natal da mesma<br />

foram que todas estas pessoas e muitas outras, várias<br />

triviais, algumas exóticas, que lá residam, foram<br />

<strong>de</strong>spejadas <strong>de</strong> suas calçadas. O Bairro do Alecrim<br />

completará cem anos no próximo mês <strong>de</strong> outubro<br />

<strong>de</strong> 20<strong>11</strong>, quando os seus cidadãos <strong>de</strong>verão organizar<br />

um banquete com cem velinhas para parabenizá-lo.<br />

Todavia, para mim o Alecrim não envelheceu como<br />

não envelhecem as evocações do passado, os <strong>de</strong>safi os<br />

do presente e nem as esperanças do futuro <strong>de</strong> quem<br />

passa pelas estações da vida regando camélias em sua<br />

juventu<strong>de</strong> primaveril, sentindo a energia criadora da<br />

inteligência em sua maturida<strong>de</strong> estival, recolhendo<br />

os frutos amadurecidos que caem das árvores ao<br />

chão na ida<strong>de</strong> outonal da existência. Os antigos resi<strong>de</strong>ntes<br />

da Américo Barbalho foram embora para<br />

sempre e em seus lugares chegaram os mascates que<br />

tinham prosperado nos negócios, quase todos já estabelecidos<br />

no Bairro da Ribeira, alguns que vieram do<br />

interior do Estado, poucos que emigraram <strong>de</strong> outras<br />

capitais do Nor<strong>de</strong>ste.<br />

O primeiro <strong>de</strong>les que aportou no território foi um<br />

mercador que vendia mesas <strong>de</strong> jacarandá em sua loja<br />

na Cida<strong>de</strong>-Alta, enriqueceu no comércio varejista <strong>de</strong><br />

movelaria <strong>de</strong> luxo e serviu docilmente à antiga Arena,<br />

partido político da ditadura militar que asfi xiou o<br />

Brasil durante muitos anos <strong>de</strong>pois do golpe <strong>de</strong> estado<br />

<strong>de</strong> 1964, subserviência esta que se assemelhava a <strong>de</strong><br />

um cão fi <strong>de</strong>líssimo que sempre lambe os coturnos do<br />

seu amo; o segundo, foi um papeleiro, maneiroso e<br />

cardiopata, que patrocinava os poetas mentecaptos<br />

ou sãos e conseguiu casar a sua única fi lha, donzela<br />

simpática e bem discreta, com um príncipe-her<strong>de</strong>iro<br />

<strong>de</strong> uma monarquia banhada pelos mares do Atlântico<br />

<strong>de</strong> cujas janelas se avistava a África; e o terceiro,<br />

foi um empresário endinheirado e imponente, que<br />

dormiu governador do Estado mas acordou <strong>de</strong>posto<br />

pelos mesmos caudilhos militares que governavam a<br />

nação naquela época, porque a sua esposa simplesmente<br />

<strong>de</strong>nunciou ao estratocrata que estava <strong>de</strong> plantão<br />

naquela madrugada no palácio do planalto em<br />

Brasília, que o seu marido era um adúltero criminoso<br />

e contumaz, mantendo uma comborça teúda e manteúda<br />

em uma cobertura <strong>de</strong> luxo em plena Avenida<br />

Atlântica da cida<strong>de</strong> maravilhosa do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

E assim a rua resi<strong>de</strong>ncial Américo Barbalho foi<br />

<strong>de</strong>molida para a edifi cação <strong>de</strong> uma avenida conquistada<br />

por <strong>de</strong>votos <strong>de</strong> um <strong>de</strong>us chamado mercúrio, que<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os longínquos tempos <strong>de</strong> Roma antiga, quando<br />

se tornou o mensageiro <strong>de</strong> júpiter pela rapi<strong>de</strong>z<br />

dos seus vôos <strong>de</strong> um lugar para outro, também abençoava<br />

empresários, mercadores e até mascates.<br />

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ARTIGO<br />

Odinei W. Draeger<br />

Juiz da comarca <strong>de</strong> Arez<br />

S. Thomas More<br />

Um exemplo <strong>de</strong> fi <strong>de</strong>lida<strong>de</strong> à<br />

consciência individual<br />

Thomas More nasceu em Londres no dia 7 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1478 e é<br />

particularmente conhecido por ter escrito Utopia (1516). Neste livro ele <strong>de</strong>screve<br />

a narrativa que Raphael Hythlo<strong>de</strong>aus faz <strong>de</strong> uma ilha peculiar on<strong>de</strong><br />

não havia proprieda<strong>de</strong> privada nem dinheiro e todas as ativida<strong>de</strong>s eram feitas<br />

<strong>de</strong> forma coletiva.<br />

O escrito valeu a More a admiração <strong>de</strong> tantos quantos socialistas possíveis.<br />

Até dizem ser ele o único santo da Igreja a ter uma estátua no Kremlin,<br />

o que arrisco dizer, aconteceu antes por uma incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreensão<br />

do gênero literário usado por ele do que por uma verda<strong>de</strong>ira profi ssão primitiva<br />

no comunismo.<br />

Com efeito, duas são as leituras possíveis mais sensatas <strong>de</strong> Utopia. A<br />

primeira e a que acredito ser mais correta, diz que More quis, antes <strong>de</strong> mais<br />

nada, exaltar as virtu<strong>de</strong>s humanas, particularmente as cristãs, do que propriamente<br />

aplicar sua alegoria à realida<strong>de</strong>. Semelhante erro é cometido na<br />

interpretação do que Platão havia feito séculos antes com sua República.<br />

Tanto que entre as características singulares dos “utopianos” estavam o <strong>de</strong>sapego<br />

aos bens materiais, o apreço pela vida em comum, a laboriosida<strong>de</strong> e<br />

a noção <strong>de</strong> uma moral universal dada por Deus que impele à prática do bem<br />

e das boas obras.<br />

A segunda possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que More está simplesmente sendo<br />

irônico na <strong>de</strong>scrição da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Utopia, buscando com isso chamar a<br />

atenção para alguns absurdos da socieda<strong>de</strong> inglesa do séc. XVI.<br />

De um modo ou <strong>de</strong> outro, a fl agrante opção <strong>de</strong> More por uma “ilha imaginária”<br />

como palco <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>scrição já <strong>de</strong>veria ser sufi ciente para <strong>de</strong>sconfi ar<br />

que sua intenção não era a <strong>de</strong> construir nenhuma socieda<strong>de</strong> planejada. Se<br />

ele quisesse <strong>de</strong> fato reformar toda a socieda<strong>de</strong>, certamente seria previsível<br />

que sua biografi a espelhasse alguma tentativa neste sentido, dado que ele<br />

ocupou inúmeros cargos públicos importante na época. Isso não aconteceu.<br />

46 R I T O S www.amarn.com.br


Uma gravura com o mapa da Ilha Imaginária <strong>de</strong> Utopia<br />

Por fi m, a constatação <strong>de</strong> que More era uma pessoa bem humorada<br />

<strong>de</strong>veria ser sufi ciente para encerrar a questão, pois, como é<br />

sabido, os planejadores e a<strong>de</strong>ptos <strong>de</strong> reformas sociais universais<br />

são tipos geralmente carrancudos e infelizes.<br />

Mas este é apenas um <strong>de</strong>talhe que revela pouco sobre Thomas<br />

More. Poucos sabem que ele foi contemporâneo e ator <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>staque nos eventos relacionados à Reforma ocorrida na Inglaterra<br />

e que teve como pivô a vida sexual <strong>de</strong> Henrique VIII.<br />

Menos pessoas ainda sabem que por causa da <strong>de</strong>fesa da Igreja<br />

ele foi consi<strong>de</strong>rado um traidor e con<strong>de</strong>nado à morte pelo rei.<br />

Thomas More era fi lho do juiz Sir John More e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo<br />

recebeu educação clássica. Formou-se em Direito na New Inn e<br />

na Lincoln’s Inn, espécies <strong>de</strong> casas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da Chancelaria<br />

do Reino e que eram ao mesmo tempo residências estudantis,<br />

faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> direito e tribunais. Depois <strong>de</strong>sse período fi cou<br />

quatro anos enclausurado na Cartuxa <strong>de</strong> Londres, conhecida<br />

pela serieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus monges. Tinha gran<strong>de</strong> preocupação pelo<br />

aprimoramento <strong>de</strong> suas virtu<strong>de</strong>s e pretendia confi rmar sua vocação<br />

para a vida religiosa. Concluiu, apesar da gran<strong>de</strong> admi-<br />

www.amarn.com.br<br />

ração pelas práticas dos monges, que não tinha vocação para a<br />

vida monástica. Foi no mosteiro, por exemplo, que apren<strong>de</strong>u a<br />

usar por baixo das roupas, por penitência, uma camisa <strong>de</strong> pelo<br />

áspero.<br />

Mais adiante, já casado, More <strong>de</strong>u gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong><br />

seu espírito ao ter dado, na escola que instalou na própria casa,<br />

a mesma educação para seus fi lhos, inclusive as mulheres, e para<br />

os fi lhos dos criados. Todos receberam a mesma formação, que<br />

incluía também o ensino religioso. Numa época em que os estudos<br />

eram uma prerrogativa masculina essa iniciativa foi notável.<br />

Aproximadamente por volta dos trinta anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, já era<br />

um advogado renomado e passou a ser convidado para missões<br />

ofi ciais, tendo <strong>de</strong>sempenhado com gran<strong>de</strong> excelência todas as<br />

tarefas que lhe eram propostas. Em 1522 foi nomeado para ser<br />

o secretário do Lor<strong>de</strong> Chanceler Thomas Wolsey, car<strong>de</strong>al e arcebispo<br />

<strong>de</strong> York. Foi nessa época que conheceu pessoalmente o<br />

rei Henrique VIII.<br />

Henrique VIII era impulsivo e impaciente e já havia, nesta<br />

época, se <strong>de</strong>cidido a pedir a anulação <strong>de</strong> seu casamento com<br />

R I T O S 47


Thomas More, retratado por Hans Holbein,<br />

O Jovem (1527)<br />

Catarina <strong>de</strong> Aragão, que havia fi cado estéril <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> dar à luz a uma fi -<br />

lha, Maria Tudor, após sucessivos abortos. Obcecado pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

um her<strong>de</strong>iro, o rei afi rmou que havia fi cado com escrúpulos em ter <strong>de</strong>sposado<br />

Catarina, que era viúva <strong>de</strong> seu irmão Arthur. Essa busca incessante pela<br />

anulação tinha a fi nalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> permitir que o rei casasse com sua amante,<br />

Ana Bolena, fi cou conhecida como “The King’s Matter”, a questão do rei,<br />

e gerou uma quantida<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> tensão na corte. O Papa Clemente<br />

VII nomeara Wolsey e o núncio Campeggio legados para examinar a questão<br />

e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> várias tentativas <strong>de</strong> arrastar a <strong>de</strong>cisão com a fi nalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

ganhar tempo, o rei <strong>de</strong>terminou que a questão fosse <strong>de</strong>cidida imediatamente.<br />

O núncio teria dito “Não pretendo con<strong>de</strong>nar a minha alma por causa <strong>de</strong><br />

nenhum príncipe ou potentado. Assim, não levarei adiante este caso”. A ira<br />

e a insatisfação crescentes do rei com o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> Wolsey lhe valeram<br />

o cargo. Preso, ele morreu quando era escoltado no caminho para Londres.<br />

Nos momentos fi nais teria confessado: “Se tivesse servido a Deus com a diligência<br />

que servi ao Rei, Deus não me teria <strong>de</strong>samparado”.<br />

O rei nomeou Thomas More para o cargo <strong>de</strong> Lor<strong>de</strong> Chanceler, dada<br />

sua gran<strong>de</strong> fama <strong>de</strong> honestida<strong>de</strong> e, além disso, por pressupor que More seria<br />

mais fl exível na questão da anulação do casamento, já que não fazia parte<br />

da hierarquia católica. O cargo <strong>de</strong> Lor<strong>de</strong> Chanceler equivalia ao <strong>de</strong> juiz supremo<br />

do reino e proporcionou a More consi<strong>de</strong>ráveis benefícios, que foram<br />

recompensados por gran<strong>de</strong> laboriosida<strong>de</strong>, tanto que todos os processos que<br />

haviam sido <strong>de</strong>ixados parados pelo seu antecessor foram prontamente julgados.<br />

Conta-se que More recebia em sua própria casa quem quer que tivesse<br />

uma queixa e se preocupava gran<strong>de</strong>mente com os mais pobres. São <strong>de</strong>ssa<br />

época vários versos populares que lhe elogiavam a eqüida<strong>de</strong> e o trabalho:<br />

When More sometime had Chancellor been / no more suits did remain<br />

The like will never more be seen / til More be there again<br />

Algum tempo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> More ser Chanceler / não sobrou nenhum processo<br />

Algo assim nunca mais se verá / enquanto More não retornar<br />

Apesar <strong>de</strong> todo o sucesso na administração da Justiça, o rei instou More<br />

a se pronunciar sobre a questão do casamento, tendo este respondido que a<br />

anulação era questão do direito canônico e que, portanto, não teria legitimida<strong>de</strong><br />

para se pronunciar. Tal resposta <strong>de</strong>sagradou ao rei, pois sabia que a<br />

Santa Sé jamais anularia o casamento, mas como ele tinha apreço por More,<br />

prometeu que lhe <strong>de</strong>ixaria em paz com sua consciência.<br />

48 R I T O S www.amarn.com.br


Henrique VIII não <strong>de</strong>scansou, contudo. Com a ajuda <strong>de</strong><br />

seu secretário Thomas Cromwell, reuniu os bispos ingleses em<br />

convocação e lhes dirigiu um ultimato para que fosse reconhecido<br />

como supremo lí<strong>de</strong>r da Igreja da Inglaterra. A maioria dos<br />

bispos <strong>de</strong>ixou a reunião e três <strong>de</strong>les, mas três <strong>de</strong>les não suportaram<br />

a pressão e assinaram o documento <strong>de</strong> submissão. Foi o<br />

sinal para More <strong>de</strong> que o caminho traçado pelo rei não teria<br />

volta, razão pela qual, na manhã seguinte, renunciou ao cargo<br />

<strong>de</strong> Lor<strong>de</strong> Chanceler.<br />

Em 1532, Ana Bolena engravidou da futura rainha Elizabeth<br />

I, o que motivou o apressamento da questão da nulida<strong>de</strong><br />

por meio da nomeação <strong>de</strong> Thomas Cranmer como arcebispo<br />

<strong>de</strong> Canterbury, que intitulou-se legado papal e <strong>de</strong>clarou nulo o<br />

casamento do rei com Catarina, permitindo que Henrique VIII<br />

se casasse com Ana Bolena. O Papa, logo em seguida, <strong>de</strong>clarou<br />

este segundo casamento nulo.<br />

A partir <strong>de</strong> então, começa a perseguição aos dissi<strong>de</strong>ntes. Foi<br />

aprovada, no incipiente Parlamento, uma série <strong>de</strong> Leis que previam<br />

a punição por crime <strong>de</strong> alta traição aos que não reconhecessem<br />

o rei como chefe da Igreja inglesa e Ana Bolena como<br />

legítima rainha. Foi criada uma comissão para julgar Thomas<br />

More, presidida por Cromwell, dado que o Parlamento já havia<br />

se recusado por três vezes a fazê-lo. Na primeira sessão <strong>de</strong>sta comissão<br />

foi solicitado que More jurasse tanto que os fi lhos <strong>de</strong> Ana<br />

Bolena eram legítimos sucessores do trono quanto que o rei era<br />

a cabeça da Igreja inglesa. Ele se recusou a fazê-lo, dizendo que<br />

não po<strong>de</strong>ria jurar tal coisa sem grave prejuízo para sua consciência,<br />

pois nenhum governante po<strong>de</strong>ria se sobrepor ao Papa nas<br />

questões religiosas, porquanto tivesse ele recebido este mandato<br />

do próprio Cristo por meio da sucessão apostólica.<br />

Essa eloqüente <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> More em fi <strong>de</strong>lida<strong>de</strong> à sua própria<br />

consciência, mesmo que tenha ressalvado que jamais incentivou<br />

outras pessoas a proce<strong>de</strong>r <strong>de</strong> semelhante forma e nunca<br />

censurou quem tivesse dito que faria o juramento, fez com que a<br />

comissão responsável pelo julgamento <strong>de</strong>terminasse a prisão <strong>de</strong><br />

More na Torre <strong>de</strong> Londres, on<strong>de</strong> fi caria encarcerado entre abril<br />

<strong>de</strong> 1534 até julho <strong>de</strong> 1535. Várias foram as reuniões da comissão,<br />

primeiro para tentar dissuadir More a jurar a supremacia<br />

do rei, <strong>de</strong>pois para julgá-lo pelo crime <strong>de</strong> traição.<br />

Em nenhum momento More <strong>de</strong>u <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> que<br />

www.amarn.com.br<br />

pretendia voltar atrás em suas palavras, nem aceitou os vários<br />

conselhos maldosos que lhe diziam po<strong>de</strong>r jurar a supremacia do<br />

rei em público, mas manter intimamente sua própria convicção.<br />

Num período <strong>de</strong> medo e intolerância crescentes, o apego sincero<br />

<strong>de</strong> More à verda<strong>de</strong> e à consciência dão testemunho exato <strong>de</strong> sua<br />

gran<strong>de</strong> força moral.<br />

Não tendo sido <strong>de</strong>movido por quaisquer dos meios usados,<br />

permaneceu fi rme em sua convicção, razão pela qual foi levado<br />

para ser <strong>de</strong>capitado no dia 6 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1534. A pena <strong>de</strong><br />

esquartejamento havia sido dispensada pelo rei por clemência.<br />

Até na hora fi nal <strong>de</strong>monstrou bom humor, pois diante <strong>de</strong>sta notícia<br />

teria dito: “Deus permita que o rei não tenha semelhante<br />

clemência com meus amigos”. Num gesto ainda <strong>de</strong> suprema<br />

carida<strong>de</strong>, pediu a todos os presentes que orassem pelo rei, tendo<br />

dito pouco antes <strong>de</strong> ser executado a seguinte frase: “Morro<br />

como fi el servidor do rei, mas <strong>de</strong> Deus primeiro”.<br />

Junto com o car<strong>de</strong>al John Fisher, fi gura entre os bravos<br />

mártires da perseguição religiosa inglesa, que matou em poucos<br />

anos milhares <strong>de</strong> pessoas. Pela <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> sua consciência e pela<br />

resistência à opressão violenta, Thomas More foi canonizado<br />

pela Igreja em 1935. O Papa João Paulo II, nesta ocasião, ao<br />

<strong>de</strong>clará-lo Santo Patrono dos Governantes disse:<br />

“O seu profundo <strong>de</strong>sdém pelas honras e riquezas, a humilda<strong>de</strong><br />

serena e jovial, o sensato conhecimento da natureza humana<br />

e da futilida<strong>de</strong> do sucesso, a segurança <strong>de</strong> juízo radicada<br />

na fé conferiram-lhe aquela confi ança e fortaleza interior que<br />

o sustentou nas adversida<strong>de</strong>s e frente à morte. A sua santida<strong>de</strong><br />

refulgiu no martírio, mas foi preparada por uma vida inteira <strong>de</strong><br />

trabalho, ao serviço <strong>de</strong> Deus e do próximo.”<br />

Várias são as lições <strong>de</strong>ixadas por Thomas More. Foi um juiz<br />

honesto e laborioso, preocupado com as pessoas que lhe pediam<br />

Justiça e foi um exemplar pai <strong>de</strong> família que amou e educou<br />

seus fi lhos com igualda<strong>de</strong>. Contudo, o ensinamento mais valioso<br />

que da vida <strong>de</strong>le po<strong>de</strong>mos tomar é que existe, antes das aparências<br />

e compromissos <strong>de</strong> ocasião, uma verda<strong>de</strong> inexorável, que se<br />

impõe e que <strong>de</strong>ixa seu registro in<strong>de</strong>lével na eternida<strong>de</strong>. O que<br />

fazemos em vida não po<strong>de</strong> ser apagado jamais, nem relativizado<br />

posteriormente e por isso <strong>de</strong>vemos nos manter fi éis à nossa<br />

consciência, e ter a coragem <strong>de</strong> afi rmá-la quando necessário: S.<br />

Thomas More é um homem para todos os tempos.<br />

R I T O S 49


Gastronomia<br />

Presentes<br />

para o paladar<br />

Vista interna do<br />

restaurante Rock Dog<br />

Por Azevêdo Hamilton Cartaxo<br />

Des<strong>de</strong> crianças nos encantam os sabores. Todo mundo tem alguma boa<br />

lembrança, quase sempre <strong>de</strong> um doce. O chocolate favorito, o doce predileto<br />

preparado pela mãe, tia, ou avó. O alimento, quase sempre, é pano <strong>de</strong> fundo<br />

para nossas relações emocionais mais importantes. Os almoços na casa<br />

da mãe, o churrasquinho em casa com os fi lhos, os jantares românticos e,<br />

porque não lembrar, dos tira-gostos que acompanham as cervejinhas com<br />

os amigos? Já que é assim, porque não buscar os cenários mais prazerosos<br />

possíveis?<br />

Refeições memoráveis são feitas <strong>de</strong> várias matérias-primas cuja proporção<br />

na receita po<strong>de</strong> variar bastante. Um ambiente agradável, ingredientes<br />

frescos, tempero simples e tradicional, ou criativo e inovador e um bom atendimento<br />

são os principais <strong>de</strong>les. A boa companhia não po<strong>de</strong> faltar, porque<br />

sem ela, nada tem a mesma graça.<br />

Você, leitor da RITOS, é nossa melhor companhia nessa viagem pelos<br />

sabores e por isso não po<strong>de</strong>ríamos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> dividir algumas dicas sobre<br />

on<strong>de</strong> comer bem, com as pessoas <strong>de</strong> quem você gosta. Aqui vão duas <strong>de</strong>las.<br />

O litoral sul tornou-se um achado para quem quer comer bem e as opções<br />

são bem variadas. As praias <strong>de</strong> Pipa e Tibau do Sul têm muitas escolhas<br />

que atraem em iguais proporções uma clientela <strong>de</strong> turistas e, para nossa<br />

sorte, nós potiguares. Pouca gente sabe, mas ali há uma jóia escondida: o<br />

Restaurante Cruzeiro do Pescador. Sua existência era, até agora, assunto <strong>de</strong><br />

propaganda “boca a boca”. Já que é tão bom, queremos dividir com você.<br />

O Cruzeiro do Pescador fi ca longe do burburinho do centro. Está loca-<br />

50 R I T O S www.amarn.com.br


Filé alto ao molho<br />

<strong>de</strong> vinho do<br />

porto, com arroz<br />

cremoso e batatas<br />

caramelizadas


lizado na estrada para o “Chapadão” <strong>de</strong> falésias,<br />

num “quase-sítio” na margem direita da<br />

estrada. Só uma placa bem discreta i<strong>de</strong>ntifi ca o<br />

local, <strong>de</strong> uma simplicida<strong>de</strong> quase enganadora e<br />

que fi ca fora da vista <strong>de</strong> quem chega.<br />

Lá, quase sempre se é recebido pelo simpático<br />

dono Daniel Filipe Rios, fi lho <strong>de</strong> portugueses<br />

que costuma puxar conversa e perguntar<br />

como se soube da existência da casa, dada sua<br />

discrição. O ambiente do restaurante é simples<br />

e agradável, bem <strong>de</strong>fi nido por ele próprio como<br />

<strong>de</strong> “rusticida<strong>de</strong> requintada” com mesas no alpendre<br />

forradas com toalhas feitas à mão pelas<br />

artesãs da região. À noite, as mesas são iluminadas<br />

por velas e lampiões.<br />

O cardápio agrada a um só tempo os amantes<br />

da inovação e da simplicida<strong>de</strong>. A casa é especializada<br />

em pescados (apesar <strong>de</strong> ter outras<br />

opções) e se orgulha <strong>de</strong> incorporar nossos ingredientes<br />

regionais às infl uências <strong>de</strong> Portugal<br />

e <strong>de</strong> suas outras colônias vindas da família do<br />

proprietário. Po<strong>de</strong>-se comer <strong>de</strong>s<strong>de</strong> um tradicional<br />

casquinho <strong>de</strong> caranguejo, até um suru-<br />

Equipe Rock Dog<br />

Café: Gerson Barbosa<br />

e os chefs Rufno<br />

Júnior e Tiago Silva<br />

ru ensopado no coco. É possível pedir um bem<br />

preparado fi lé ao molho <strong>de</strong> queijo ou ervas, ou<br />

um peixe fresco grelhado, ou ainda ser recompensado<br />

pela ousadia num <strong>de</strong>licioso e exótico<br />

Camarão à Goesa, cozinhado com um discreto<br />

curry, gengibre e outras especiarias. Para acompanhar,<br />

peça um suco <strong>de</strong> frutas frescas ou invista<br />

sem medo nas sugestões <strong>de</strong> vinhos feitas<br />

pelo proprietário, como um branco alentejano<br />

Terras <strong>de</strong> Xisto 2008 (R$ 49,00).<br />

Para quem quer fi car por Natal mesmo,<br />

há também outra ótima opção, que ainda não<br />

é conhecida <strong>de</strong> todos. O Rock Dog Café foi<br />

inaugurado há 8 meses e pertence ao advogado<br />

Gerson <strong>de</strong> Souza Barbosa, esposo da colega juíza<br />

Tatiana Socoloski, amante da boa música e<br />

da gastronomia responsável e barista diplomado<br />

em São Paulo.<br />

O nome do local engana. Não tem cachorro<br />

nem nas redon<strong>de</strong>zas, nem é templo do rock.<br />

O bom café é coadjuvante do forte da casa, que<br />

é a ótima comida feita pelos dois chefs do restaurante.<br />

Com certeza o proprietário que está<br />

52 R I T O S www.amarn.com.br


sempre lá po<strong>de</strong> explicar melhor o nome do bistrô aos que<br />

forem lá experimentar os sabores.<br />

O Rock Dog Café é um ambiente tranqüilo, casual<br />

com toque <strong>de</strong> sofi sticação. Percebe-se logo <strong>de</strong> saída a atenção<br />

aos <strong>de</strong>talhes, que vão da iluminação, à música e até<br />

as mesas com <strong>de</strong>talhes em marchetaria. O cardápio é bem<br />

variado, com muitas opções <strong>de</strong> entradas, risotos, massas<br />

e carnes.<br />

O Rock Dog Café, bistrô assumido, não <strong>de</strong>scuida <strong>de</strong><br />

suas entradas. A picanha fatiada (500g) acebolada que é<br />

acompanhada <strong>de</strong> tomates recheados é ótima. Como prato<br />

principal, <strong>de</strong>ntre as muitas opções <strong>de</strong> risotos, massas,<br />

carnes e frutos do mar, a coluna recomenda o excelente<br />

risoto <strong>de</strong> fi lé com funghi, à altura dos servidos nos restaurantes<br />

mais famosos do país. Dica: peça só um pouco <strong>de</strong><br />

manteiga à cozinha e acrescente extravagância ao ótimo<br />

prato original. O risoto vai muito bem acompanhado do<br />

tinto português Fuscaz, um dos mais vendidos da carta<br />

<strong>de</strong> vinhos do restaurante que a está expandindo para em<br />

breve também incluir vinhos da Itália e Espanha.<br />

Várias opções <strong>de</strong> sobremesa (cartolas, tortilha <strong>de</strong> morango,<br />

creme <strong>de</strong> papaia, mousse <strong>de</strong> chocolate, pudim <strong>de</strong><br />

leite e frutas fl ambadas com sorvete) fecham o ritual da<br />

refeição, acompanhados dos cafés especiais ali preparados<br />

em máquina pelo restaurante.<br />

O Rock Dog, inaugurado em abril <strong>de</strong>ste ano, é ainda<br />

pouco conhecido, mas com sua boa cozinha e excelente<br />

atendimento, vai se fi rmar na cena gastronômica <strong>de</strong> capital.<br />

Fica a dica para você ir lá e aproveitar antes <strong>de</strong> todo<br />

mundo.<br />

RESTAURANTE CRUZEIRO DO PESCADOR<br />

(84) 3246-2026 | 9121-6485<br />

cruzeiropescador@uol.com.br<br />

Chapadão - Praia da Pipa - Tibau do Sul/RN - Brasil<br />

ROCK DOG CAFÉ<br />

Av. Amintas Barros, 2194 - Lagoa Nova<br />

Natal/RN<br />

(84) 8897-1301 | 9461-8069<br />

www.amarn.com.br<br />

Restaurante Recanto do<br />

Pescador e o clima <strong>de</strong> litoral<br />

R I T O S 53


ARTIGO<br />

Roberto Me<strong>de</strong>iros dos Santos<br />

Advogado, pós-graduado em<br />

administração <strong>de</strong> empresas e gerente<br />

jurídico da COSERN.<br />

Conciliação: uma opção<br />

mo<strong>de</strong>rna para solução<br />

<strong>de</strong> confl itos.<br />

A capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resolver seus confl itos <strong>de</strong> forma célere e justa é indicador<br />

do grau <strong>de</strong> evolução <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>. Ainda que inerente às relações<br />

humanas, o confl ito não <strong>de</strong>ve se perpetuar por prazo in<strong>de</strong>terminado, pois<br />

gera insegurança, instabilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>terioração nas relações entre as pessoas<br />

e organizações. Sob a ótica da economia, a postergação da solução <strong>de</strong> um<br />

confl ito cria impasses, adia investimentos e eleva os custos <strong>de</strong> transação para<br />

as empresas e para a socieda<strong>de</strong>.<br />

A complexida<strong>de</strong> das relações sociais, incluindo os mecanismos <strong>de</strong> regulação<br />

<strong>de</strong>ssas relações provoca, cada vez mais, o surgimento <strong>de</strong> interesses<br />

antagônicos entre os atores sociais, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ando a formação <strong>de</strong> novos confl<br />

itos. Por conta disso um <strong>de</strong>safi o se apresenta: a socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna precisa<br />

<strong>de</strong>senvolver mecanismos para absorver uma <strong>de</strong>manda crescente <strong>de</strong> confl itos<br />

e solucionados a<strong>de</strong>quadamente em prazos cada vez mais curtos, ao menor<br />

custo possível. Não é algo simples <strong>de</strong> se alcançar.<br />

A prática cotidiana tem mostrado uma realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sanimadora. Crescimento<br />

<strong>de</strong>smesurado <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas perante o Po<strong>de</strong>r Judiciário, impedindo a<br />

solução das li<strong>de</strong>s em prazo razoável, estrutura do Estado insufi ciente e custos<br />

crescentes para a socieda<strong>de</strong>. De nada adianta a Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelecer<br />

a regra da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII) se no<br />

mundo real há uma assimetria entre o volume crescente <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas e a<br />

estrutura posta à disposição para solucioná-las <strong>de</strong> forma célere.<br />

Essa assimetria, causada pelo <strong>de</strong>scompasso entre necessida<strong>de</strong> e recurso<br />

disponível, tem uma componente cultural muito forte. No Brasil são poucas<br />

as iniciativas no sentido <strong>de</strong> se evitar o confl ito ou <strong>de</strong> se adotar a conciliação<br />

para a solução <strong>de</strong> litígios.<br />

Como método <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> confl itos mais efi ciente (tanto do ponto <strong>de</strong><br />

vista econômico como também do ponto <strong>de</strong> vista da celerida<strong>de</strong>) a conciliação,<br />

seja a judicial, quando já em curso um processo, seja a extrajudicial, emerge<br />

como alternativa viável para a redução da sobrecarga do Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

Entretanto, no que pese ser uma alternativa mais racional na composição<br />

54 R I T O S www.amarn.com.br


das li<strong>de</strong>s, observa-se que conciliar não é uma prática comum nas<br />

li<strong>de</strong>s diárias. Apesar <strong>de</strong> a socieda<strong>de</strong> brasileira apresentar uma<br />

tendência natural à conciliação, na maioria das vezes tal comportamento<br />

não se verifi ca uma vez instaurado um processo judicial.<br />

Isso po<strong>de</strong> ser constatado pelo tempo <strong>de</strong> tramitação <strong>de</strong> alguns<br />

processos e da tendência <strong>de</strong> se recorrer <strong>de</strong> toda e qualquer<br />

<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>sfavorável a uma das partes. No processo cível, por<br />

exemplo, muitas vezes as partes sequer comparecem à audiência<br />

<strong>de</strong> conciliação, como se sinalizassem que esta é <strong>de</strong>snecessária.<br />

Os motivos para comportamentos <strong>de</strong>ssa natureza são vários.<br />

Po<strong>de</strong>-se pensar que para uma das partes a <strong>de</strong>mora do processo<br />

é útil. Ou a expectativa (às vezes incorreta) <strong>de</strong> que o ganho<br />

futuro será muito melhor, e até mesmo a própria formação intelectual<br />

é dada aos profi ssionais do direito, sempre treinados para<br />

o confl ito, contribui para o problema. Tanto é que são raros os<br />

cursos <strong>de</strong> Direito que tem em sua gra<strong>de</strong> curricular disciplina<br />

específi ca métodos alternativos <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> confl itos como a<br />

negociação e conciliação.<br />

Apesar <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong>, e por conta <strong>de</strong>la, a situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconforto<br />

atual aponta para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> urgente mudança<br />

<strong>de</strong> paradigma. Uma mudança que <strong>de</strong>ve atingir a própria cultura<br />

jurídica no Brasil, no sentido <strong>de</strong> se valorizar e incentivar<br />

posturas conciliatórias e <strong>de</strong> negociação. A prática <strong>de</strong> concessões<br />

mútuas, com vantagens para ambas as partes, tem que ganhar<br />

espaço sobre o princípio do “ganha/per<strong>de</strong>” predominante no<br />

processo judicial brasileiro.<br />

Por conta disso, dignas <strong>de</strong> aplauso são todas as iniciativas<br />

que buscam implantar uma cultura <strong>de</strong> conciliação na socieda<strong>de</strong>,<br />

inclusive através <strong>de</strong> alteração na legislação processual. O anteprojeto<br />

do novo Código <strong>de</strong> Processo Civil, por exemplo, já contempla<br />

essa visão, alterando a dinâmica do processo ao permitir<br />

que as partes conciliem antes mesmo da contestação do réu (artigos<br />

333 e 334, do anteprojeto).<br />

A postura adotada pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário também é digna <strong>de</strong><br />

nota. Os movimentos <strong>de</strong> conciliação mostram, a cada edição,<br />

uma maior participação das partes, e com resultados positivos<br />

crescentes. Este ano, por exemplo, a Semana <strong>de</strong> Conciliação realizada<br />

no Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, promovida pelo Tribunal <strong>de</strong><br />

Justiça, po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada um sucesso, não só pela quantida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> litígios solucionados, mas, e principalmente, pelo envolvi-<br />

www.amarn.com.br<br />

mento maior das partes.<br />

Esses eventos contribuem para que as partes em um processo<br />

se conscientizem da importância e das vantagens dos procedimentos<br />

<strong>de</strong> solução <strong>de</strong> confl itos baseados na conciliação. Em<br />

especial, para as empresas, geralmente <strong>de</strong>mandadas e <strong>de</strong>mandantes<br />

em gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> processos, tal perspectiva exige a<br />

quebra <strong>de</strong> alguns paradigmas e a adoção <strong>de</strong> um planejamento<br />

<strong>de</strong>talhado, além <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> longo prazo no sentido <strong>de</strong><br />

incutir uma cultura que busque evitar o confl ito e, mesmo quando<br />

isso não é possível, que o mesmo seja solucionado <strong>de</strong> forma<br />

conciliatória.<br />

A COSERN tem, nos últimos anos, buscado solucionar os<br />

confl itos através <strong>de</strong> conciliações, não apenas na esfera judicial,<br />

mas principalmente na esfera administrativa. Enten<strong>de</strong> a empresa<br />

que agindo preventivamente evitará que parcela signifi -<br />

cativa <strong>de</strong> problemas seja submetida ao Judiciário. Essa atuação<br />

preventiva é fundamental para <strong>de</strong>sonerar o aparelho estatal <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mandas repetitivas e em gran<strong>de</strong> volume, a maioria das vezes<br />

sem qualquer complexida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> valores muito pequenos,<br />

mas que exigem do magistrado e dos serventuários da justiça a<br />

mesma atenção e dispêndio <strong>de</strong> tempo que <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> maior<br />

complexida<strong>de</strong>.<br />

O efeito <strong>de</strong> uma atuação preventiva na COSERN po<strong>de</strong><br />

ser evi<strong>de</strong>nciado pela comparação entre o número total <strong>de</strong> seus<br />

consumidores e a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas que lhe são direcionadas,<br />

além da correlação entre as <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> cunho administrativo<br />

e as <strong>de</strong> cunho judicial.<br />

Observe-se no gráfi co adiante que a empresa tem conseguido<br />

solucionar praticamente todas as <strong>de</strong>mandas administrativas<br />

que lhes são submetidas por seus consumidores. Caso não houvesse<br />

tal postura, era <strong>de</strong> se esperar que a maioria <strong>de</strong>ssas <strong>de</strong>mandas<br />

administrativas se transformasse em processos judiciais.<br />

A COSERN possuía, em outubro <strong>de</strong>ste ano, 1.124.430<br />

contratos ativos <strong>de</strong> consumidores, sendo que cada contrato gera<br />

12 faturas por ano, totalizando 13.493.160 faturas. A atuação<br />

preventiva na solução <strong>de</strong> confl itos tem surtido efeitos muito positivos<br />

quando se compara a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> faturas e o número<br />

<strong>de</strong> reclamações referentes a essas faturas (que na imensa maioria<br />

são solucionadas).<br />

A adoção <strong>de</strong> uma cultura preventiva e conciliatória é, <strong>de</strong><br />

R I T O S 55


Nota: algumas reclamações só foram solucionadas no ano seguinte em relação ao <strong>de</strong> recebimento, fazendo<br />

com que o volume <strong>de</strong> reclamações solucionadas seja superior ao <strong>de</strong> recebidas em um ano específi co.<br />

longe, a melhor opção, tanto sob o aspecto econômico, como<br />

<strong>de</strong> relacionamento com os clientes e também em relação à otimização<br />

dos recursos do Estado, já que uma quantida<strong>de</strong> muito<br />

menor <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas necessitará movimentar o aparelho judicial<br />

através <strong>de</strong> um processo judicial.<br />

Prevenção e conciliação po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem fazer parte <strong>de</strong> um<br />

processo empresarial estratégico, que <strong>de</strong>fi ne premissas e condições<br />

para a solução <strong>de</strong> confl itos. No caso da COSERN há<br />

constante avaliação dos procedimentos adotados pela empresa<br />

no sentido <strong>de</strong> se evitar potenciais litígios. E quando isso não é<br />

possível, busca-se encontrar a melhor forma <strong>de</strong> solucioná-los,<br />

sem a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um processo judicial. Os números acima<br />

56 R I T O S www.amarn.com.br


<strong>de</strong>monstram bem essa prática.<br />

Mesmo no universo das <strong>de</strong>mandas judiciais em curso sempre<br />

se vislumbra a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conciliar. Isso é feito através<br />

da análise do problema discutido nos autos (cada processo <strong>de</strong>ve<br />

ser analisado) e do conjunto probatório existente, estimativa <strong>de</strong><br />

custos processuais, <strong>de</strong> tempo <strong>de</strong> duração e valor fi nal envolvido,<br />

geração <strong>de</strong> alternativas para a solução do confl ito e escolha da<br />

melhor alternativa. Além disso, há toda uma análise <strong>de</strong> fl exibilida<strong>de</strong><br />

orçamentária e <strong>de</strong> critérios comerciais e contábeis que<br />

serão aplicados após a concretização do acordo.<br />

Por outro lado, as iniciativas do Po<strong>de</strong>r Judiciário em incentivar<br />

mecanismos conciliatórios são extremamente necessárias<br />

e <strong>de</strong>vem ser valorizadas. Os movimentos <strong>de</strong> conciliação, por<br />

exemplo, po<strong>de</strong>riam ocorrer durante todo o ano como forma <strong>de</strong><br />

incentivar a mudança <strong>de</strong> paradigma.<br />

Além disso, as experiências conciliatórias <strong>de</strong>veriam ser alvo<br />

<strong>de</strong> estudo nos cursos <strong>de</strong> Direito e no treinamento dos profi ssionais<br />

que lidam com o processo. Uma mudança cultura exige<br />

esforço intelectual e tempo <strong>de</strong> maturação.<br />

Importante também é a sensibilida<strong>de</strong> do Judiciário em<br />

enten<strong>de</strong>r os processos e estratégias empresariais, mormente<br />

www.amarn.com.br<br />

No movimento <strong>de</strong> conciliação ocorrido entre 29 <strong>de</strong> novembro<br />

e 03 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong>ste ano, a aplicação <strong>de</strong> uma análise<br />

estratégica para conciliação permitiu que a COSERN obtivesse<br />

um percentual <strong>de</strong> sucesso (acordos efetivamente realizados) <strong>de</strong><br />

49% nas audiências realizadas no Fórum Miguel Seabra Fagun<strong>de</strong>s,<br />

formalizando acordos que ultrapassaram R$ 1.300.000,00<br />

e puseram fi m a processos com mais <strong>de</strong> 10 anos <strong>de</strong> tramitação.<br />

Para a COSERN os resultados obtidos com a conciliação<br />

em relação às <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> seus clientes tem sido animadores e<br />

isso contribui para que se mantenha uma postura <strong>de</strong> negociação.<br />

em se tratando <strong>de</strong> processos comerciais, regras <strong>de</strong> governança<br />

corporativa, limitações orçamentárias e contábeis, o que po<strong>de</strong><br />

dar maior efetivida<strong>de</strong> na realização <strong>de</strong> acordos e a conseqüente<br />

redução <strong>de</strong> litígios.<br />

Enfi m, são <strong>de</strong> se esperar ganhos signifi cativos para a socieda<strong>de</strong><br />

com essa mudança <strong>de</strong> paradigma, em virtu<strong>de</strong> da redução<br />

do grau <strong>de</strong> litigiosida<strong>de</strong> entre os atores sociais, custos <strong>de</strong> transação<br />

e insegurança jurídica pela perpetuação <strong>de</strong> confl itos. De<br />

outra parte, a <strong>de</strong>soneração do Po<strong>de</strong>r Judiciário com a redução<br />

<strong>de</strong> processos e procedimentos propicia maior agilida<strong>de</strong> e melhor<br />

qualida<strong>de</strong> no cumprimento <strong>de</strong> sua missão.<br />

R I T O S 57


ARTIGO<br />

Guilherme Newton do Monte Pinto<br />

Juiz <strong>de</strong> Direito em Natal-RN; Professor<br />

<strong>de</strong> Instituição do Po<strong>de</strong>r Judiciário da<br />

ESMARN; Mestre em Direito Político<br />

e Econômico pela Universida<strong>de</strong><br />

MACKENZIE–SP; Especialista em<br />

Direito e Cidadania pela UFRN;<br />

Especialista em Direito Penal e<br />

Processo Penal pela PUC-SP; foi<br />

Presi<strong>de</strong>nte da <strong>AMARN</strong> e Vice-Presi<strong>de</strong>nte<br />

Institucional da Associação dos<br />

Magistrados Brasileiros – AMB.<br />

Direito, justiça e<br />

jurisdição na Grécia<br />

Homérica<br />

INTRODUÇÃO<br />

A poesia, quase sempre, refl ete o seu tempo e o contexto social em que<br />

se insere o poeta, sendo este o verda<strong>de</strong>iro pano <strong>de</strong> fundo da arte literária.<br />

Algumas vezes, entretanto, tal se dá <strong>de</strong> forma tão acentuada, tão viva, que<br />

faz transbordar, da manifestação poética, a essência das instituições do povo<br />

em que se inspirou. É o que ocorre na poesia grega e, em especial, na obra<br />

que se atribui a Homero, consi<strong>de</strong>rando como tal a Ilíada e a Odisséia, sem<br />

a<strong>de</strong>ntrar no tema, <strong>de</strong>snecessário aos objetivos aqui pretendidos, da correção<br />

da atribuição das obras ao autor,<br />

Partindo <strong>de</strong>sta percepção, objetiva-se aqui, a partir das epopéias homéricas<br />

e fundando-se na compreensão <strong>de</strong> alguns aspectos peculiares da vida<br />

do povo grego daqueles tempos ditos heróicos, insuperavelmente retratados<br />

pelas obras mencionadas, extrair algumas noções que se possam relacionar à<br />

mo<strong>de</strong>rna Teoria do Direito, contrariando aqueles que apregoam o surgimento<br />

<strong>de</strong> tais noções em épocas bem mais recentes, <strong>de</strong> forma a procurar entendêlas<br />

no contexto <strong>de</strong> seu tempo e explicá-las, porém, à luz da compreensão que<br />

temos hoje dos respectivos institutos.<br />

58 R I T O S www.amarn.com.br


A POESIA, O HOMEM E O ESTADO<br />

A poesia grega tem por tema inesgotável o Homem e o<br />

aborda <strong>de</strong> forma tão abrangente, em seus múltiplos <strong>de</strong>sdobramentos,<br />

inclusive pessoal, religioso, social, que a essência das instituições<br />

gregas po<strong>de</strong> ser facilmente percebida e compreendida a<br />

partir da observação <strong>de</strong>ste particular aspecto.<br />

Afi rma Jaeger, que o Estado grego “só po<strong>de</strong> ser compreendido<br />

sob o ponto <strong>de</strong> vista da formação do homem e da sua vida<br />

inteira” e que “já não é possível uma história da literatura grega<br />

separada da comunida<strong>de</strong> social <strong>de</strong> que surgiu e à qual se dirigia”.<br />

É que, como bem observa o autor, “o Homem que se revela<br />

nas obras dos gran<strong>de</strong>s gregos é o homem político” 1 .<br />

De fato, no mundo <strong>de</strong> Homero, a poesia retrata o Homem<br />

e o Homem refl ete o Estado.<br />

Assim, ao examinar-se a poesia <strong>de</strong> Homero, se vislumbra a<br />

essência do Homem da Grécia antiga, <strong>de</strong>lineia-se o Estado dos<br />

tempos <strong>de</strong> Aquiles e, <strong>de</strong>sta forma, se po<strong>de</strong> extrair alguns conceitos<br />

e noções relacionadas ao Direito, à Justiça e, até mesmo, à<br />

Jurisdição daqueles tempos ditos heróicos.<br />

VISÃO ARISTOCRÁTICA EM HOMERO<br />

Necessário acentuar, <strong>de</strong> início, que toda a obra atribuída a<br />

Homero retrata inafastavelmente uma visão aristocrática, uma<br />

visão <strong>de</strong> nobreza e que impregna toda a concepção e noções que<br />

<strong>de</strong>la se possa extrair.<br />

Um conceito essencial para que melhor se compreenda este<br />

aspecto é o <strong>de</strong> Arete. Ainda que não exista termo equivalente na<br />

língua portuguesa, po<strong>de</strong> ser traduzido como “virtu<strong>de</strong>” e, <strong>de</strong> uma<br />

forma geral, Homero <strong>de</strong>signa por Arete a força ou <strong>de</strong>streza dos<br />

guerreiros, o heroísmo, tão bem representativo <strong>de</strong> seu tempo,<br />

não apenas no nosso sentido exclusivamente moral, mas, sobretudo,<br />

o heroísmo intrinsecamente ligado à força. Na concepção<br />

dos tempos homéricos, entretanto, é este um atributo próprio<br />

da nobreza, <strong>de</strong> forma que o homem comum e, muito menos o<br />

escravo, <strong>de</strong>tém a Arete.<br />

Se a virtu<strong>de</strong>, em seu sentido mais amplo, só po<strong>de</strong> ser reconhecida<br />

a um nobre, e tal reconhecimento tem <strong>de</strong>cisiva repercussão<br />

social, não se po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> enxergar, neste aspecto,<br />

uma visão aristocrática na obra <strong>de</strong> Homero, com inegáveis re-<br />

1 JAEGER, 2001. p. 14 e 16<br />

www.amarn.com.br<br />

fl exos nas noções que se pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>la extrair, ou seja, a <strong>de</strong>limitação<br />

à nobreza do campo <strong>de</strong> reconhecimento público da virtu<strong>de</strong><br />

indica com clareza igual <strong>de</strong>limitação da noção que se possa ter<br />

<strong>de</strong> diversos outros aspectos das relações sociais e dos institutos<br />

a elas inerentes.<br />

É visível como a Odisséia, ao oferecer uma <strong>de</strong>scrição da<br />

vida na paz, quando “pinta a existência do herói <strong>de</strong>pois da guerra,<br />

as suas viagens aventurosas e a sua vida caseira com a família<br />

e os amigos, inspira-se na vida real dos nobres do seu tempo”. O<br />

texto da Odisséia representa “uma classe, a dos nobres senhores,<br />

com os seus palácios e casario” que é “uma classe fechada, com<br />

intensa consciência dos seus privilégios, do seu domínio e dos<br />

seus costumes e modos <strong>de</strong> vida refi nados” e “apesar <strong>de</strong> na Odisséia<br />

existir um sentimento <strong>de</strong> humanida<strong>de</strong> para com as pessoas<br />

comuns, não se po<strong>de</strong> imaginar uma educação e formação conscientes<br />

fora da classe privilegiada. Só esta classe po<strong>de</strong> aspirar à<br />

formação da personalida<strong>de</strong> humana na sua totalida<strong>de</strong>” 2 .<br />

Inegável, pois, a visão aristocrática na obra <strong>de</strong> Homero, refl<br />

exo do contexto social em que se insere, e que se irradia por<br />

todos os institutos - inclusive os relacionados ao Direito -, que<br />

possam ser extraídos <strong>de</strong> sua narração.<br />

NOÇÃO DE JUSTIÇA<br />

Do exame da narrativa homérica percebe-se uma interessante<br />

ligação entre a Arete e a Honra. Há, em todos os heróis<br />

das Epopéias, assim como nos próprios <strong>de</strong>uses, uma ânsia pelo<br />

reconhecimento publico <strong>de</strong> sua Arete, <strong>de</strong> sua honra, pelo elogio,<br />

pela glória alcançada, pelo prestígio que se obtém no seio da<br />

socieda<strong>de</strong> em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>ste reconhecimento e, em contrapartida,<br />

o medo, a revolta, a ira, pelo não reconhecimento, pela<br />

reprovação pública, pela negação da honra.<br />

Daí dizer Jaeger, que “o homem homérico só adquire consciência<br />

do seu valor pelo reconhecimento da socieda<strong>de</strong> a que<br />

pertence. Ele é um produto da sua classe e me<strong>de</strong> a Arete própria<br />

pelo prestígio que disputa entre os seus semelhantes” e “para<br />

Homero, e para a nobreza <strong>de</strong> seu tempo, a negação da honra<br />

era a maior tragédia humana. O elogio e a reprovação são a<br />

fonte da honra e da <strong>de</strong>sonra” 3 .<br />

2 JAEGER, 2001. p. 41, 43 e 44.<br />

3 JAEGER, 2001. p. 31.<br />

R I T O S 59


Dessa correlação estreita entre Arete e Honra, <strong>de</strong>sta ânsia<br />

pelo reconhecimento da Honra e pela ira e revolta que provoca<br />

a sua negação, se po<strong>de</strong> extrair uma noção <strong>de</strong> Justiça vinculada<br />

ao reconhecimento da honra, da Arete. É justo reconhecer a<br />

honra e injusto negá-la.<br />

Dentro <strong>de</strong>ste prisma é que melhor se po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o<br />

trágico confl ito <strong>de</strong> Aquiles na Ilíada, a sua ira - que se constitui<br />

no tema central da epopéia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu nascedouro -, a negativa<br />

do herói em combater ao lado dos gregos na guerra contra<br />

Tróia. Visto sob o olhar dos tempos mo<strong>de</strong>rnos, já impregnado<br />

pela noção cristã da consciência pessoal, po<strong>de</strong>ria parecer, a atitu<strong>de</strong><br />

do herói, ambição pessoal, vaida<strong>de</strong> superfi cial, mas, aos<br />

olhos do homem grego, afi gura-se como justa reação à recusa <strong>de</strong><br />

sua honra, do reconhecimento <strong>de</strong> sua Arete proeminente. Nas<br />

palavras do próprio Aquiles, dirigidas à Agamêmnon, “viemos,<br />

cão protervo, para em Tróia, a Menelau e a ti lavar a nódoa.<br />

Alar<strong>de</strong>ias, ingrato, e nos <strong>de</strong>sprezas; (...) Já que aviltas a mão que<br />

<strong>de</strong> tesouros a fome te fartava: eu te abandono. (...) Honram-me<br />

outros, e em Júpiter confi o” 4 . Seria, pois, no sentimento do herói<br />

e do poeta, uma resposta ao injusto.<br />

Recorrendo novamente a Jaeger, é possível extrair-se, no<br />

mesmo sentido, o exemplo “das trágicas conseqüências da honra<br />

ofendida <strong>de</strong> Ajax, o maior herói aqueu <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Aquiles. As<br />

armas <strong>de</strong> Aquiles, caído em combate, são concedidas à Ulisses,<br />

não obstante os superiores merecimentos <strong>de</strong> Ajax, e a tragédia<br />

<strong>de</strong>ste acaba na loucura e no suicídio” 5 . Com efeito, no Livro XI<br />

da Odisséias – Evocação aos mortos – quando Ulisses chega à<br />

terra dos Cimérios e se <strong>de</strong>para com a alma <strong>de</strong> Ajax que ainda<br />

“irosa estava pelas armas <strong>de</strong> Aquiles” e se dirige ao “mais formoso<br />

e bravo exceto Aquiles” que “nem morto esquece a fatal<br />

porfi a” e pe<strong>de</strong> que “teu ódio aplaca, no ânimo generoso me perdoa”,<br />

recebe <strong>de</strong>ste, como resposta, o silêncio ressentido (“não<br />

<strong>de</strong>u palavra e tácito ia andando”) 6 .<br />

São muitos, assim, os episódios em que transparece um profundo<br />

sentimento <strong>de</strong> injustiça que correspon<strong>de</strong> com exatidão à<br />

negativa do reconhecimento da Honra.<br />

Extrai-se, pois, uma noção <strong>de</strong> Justiça que, entendida esta, tal<br />

4 HOMERO. 2007, Ilíada, Livro I, versos 140 e segs.<br />

5 JAEGER, 2001 p. 32.<br />

6 HOMERO. 2007, Odisséia, Livro XI, versos 422 e segs.<br />

qual Ferraz Jr., “como um valor ético-social <strong>de</strong> proporcionalida<strong>de</strong><br />

em conformida<strong>de</strong> com o qual exige-se a atribuição a alguém<br />

daquilo que lhe é <strong>de</strong>vido” 7 se po<strong>de</strong>ria dizer que, nos exemplos<br />

extraídos <strong>de</strong> Homero, seria o reconhecimento público da honra,<br />

da Arete.<br />

A imprescindibilida<strong>de</strong>, para o herói homérico, <strong>de</strong>ste reconhecimento<br />

público da honra, que i<strong>de</strong>ntifi camos como sentimento<br />

<strong>de</strong> Justiça, nos remete à observação <strong>de</strong> Kelsen, para<br />

quem “o anseio por justiça é o eterno anseio do homem pela felicida<strong>de</strong>.<br />

É a felicida<strong>de</strong> que o homem não po<strong>de</strong> encontrar como<br />

indivíduo isolado e que, portanto, procura em socieda<strong>de</strong>” para<br />

concluir que “A Justiça é a felicida<strong>de</strong> social” 8 .<br />

Não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> observar, por outro lado, que o conceito<br />

<strong>de</strong> Justiça está absolutamente vinculado a um pensamento<br />

aristocrático, <strong>de</strong> prepon<strong>de</strong>rância da nobreza que, por sua vez,<br />

traz em seu bojo a cultura do forte, do vencedor, do domínio <strong>de</strong><br />

uns sobre outros.<br />

Daí que, no exemplo prático da ira <strong>de</strong> Aquiles, a “injustiça”<br />

<strong>de</strong> lhe ser negada a honra <strong>de</strong>vida tinha a ver com a tomada, por<br />

parte <strong>de</strong> Agamêmnon, da escrava Briseida, obtida por Aquiles<br />

como <strong>de</strong>spojo <strong>de</strong> guerra, <strong>de</strong> tal forma que a “Justiça” invocada<br />

envolvia contenda apenas entre nobres, porém com absoluto<br />

<strong>de</strong>sprezo a pessoa <strong>de</strong> outra classe - no caso a escrava - ou seja,<br />

a noção <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rava e <strong>de</strong>sprezava os “<strong>de</strong>siguais”,<br />

limitando-se, a sua noção, ao âmbito possível <strong>de</strong> uma visão essencialmente<br />

aristocrática.<br />

Há, pois, uma noção <strong>de</strong> Justiça não somente vinculado a<br />

uma conduta social como também impregnada <strong>de</strong> um profundo<br />

traço aristocrático, a Themis como código <strong>de</strong> conduta cavaleiresca,<br />

como norma social da aristocracia.<br />

NOÇÃO DE DIREITO<br />

Além da noção <strong>de</strong> Justiça que se po<strong>de</strong> extrair da obra <strong>de</strong><br />

Homero, é possível, ainda, i<strong>de</strong>ntifi car outros conceitos ligados<br />

à Teoria do Direito, em especial uma noção <strong>de</strong> direito em seu<br />

aspecto ainda arcaico.<br />

É fácil perceber, por toda a obra <strong>de</strong> Homero, um caráter<br />

mandamental na formação e educação que implica em regras<br />

7 FERRAZ JR. 2003, p. 352/353.<br />

8 KELSEN, 1998, p. 9.<br />

60 R I T O S www.amarn.com.br


claras, mandamentos por assim dizer, referentes ao trato dos<br />

<strong>de</strong>uses, dos pais, dos estrangeiros. Assim é que, da narrativa se<br />

extrai a necessida<strong>de</strong> do respeito e temor aos <strong>de</strong>uses, tanto que,<br />

ou Agamêmnon observa o <strong>de</strong>sejo divino <strong>de</strong> <strong>de</strong>volver Criseida<br />

a seu pai Crises ou permaneceria o fl agelo imposto por Apolo<br />

sobre os exércitos gregos (Ilíada, Livro I) e, ainda, que é preciso<br />

honrar a memória dos antepassados, tanto que Aquiles somente<br />

consente em <strong>de</strong>volver o cadáver <strong>de</strong> Heitor a Príamo após ser<br />

invocada a memória <strong>de</strong> seu pai (Ilíada, Livro XXIV). Diversos<br />

outros exemplos po<strong>de</strong>riam ilustrar este caráter mandamental<br />

que emana das regras tácita ou intuitivamente estabelecidas ao<br />

convívio social.<br />

Tais preceitos elementares do procedimento correto para<br />

com os <strong>de</strong>uses, os pais e os estranhos, que somente mais tar<strong>de</strong><br />

foram incorporados à lei escrita, já no tempo heróico, tal como<br />

retratado por Homero, aparecem como normas que já se po<strong>de</strong>m<br />

traduzir como manifestação do direito arcaico.<br />

Mesmo as regras <strong>de</strong> conduta, <strong>de</strong> respeito à Honra alheia, <strong>de</strong><br />

reconhecimento da Arete, impostas pelo senso comum, po<strong>de</strong>m<br />

ser traduzidas como tal.<br />

Vale aqui novamente invocar a lição <strong>de</strong> Ferraz Jr. para quem,<br />

no horizonte do direito arcaico, “o direito confun<strong>de</strong>-se com as<br />

maneiras características <strong>de</strong> agir do povo tomadas como particularmente<br />

importantes para a vida do grupo e manifestadas<br />

na forma <strong>de</strong> regras gerais” 9 , o que não se afasta por completo<br />

<strong>de</strong> uma noção mais mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> direito em sentido geral, como<br />

“la técnica <strong>de</strong> la coexistência humana, o sea la técnica dirigida<br />

a hacer posible la coexistência <strong>de</strong> los hombres” 10 . E acrescenta<br />

Ferraz Jr.: “ele é percebido, primariamente, quando o comportamento<br />

<strong>de</strong> alguém ou <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong>silu<strong>de</strong> a expectativa<br />

consagrada pelas regras, reagindo o <strong>de</strong>siludido na forma, por<br />

exemplo, <strong>de</strong> uma explosão <strong>de</strong> ira, vingança, maldições etc.” <strong>11</strong> .<br />

Neste particular, é <strong>de</strong> se observar que a Ilíada é muito mais<br />

a história da ira <strong>de</strong> Aquiles contra o que ele consi<strong>de</strong>rou transgressão<br />

<strong>de</strong> regras, o que se po<strong>de</strong> ver <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro verso, do<br />

que propriamente da guerra <strong>de</strong> Tróia, tanto que não narra nem<br />

9 FERRAZ JR. 2003, p.53.<br />

10 ABBAGNANO, 1996, p.292.<br />

<strong>11</strong> FERRAR JR., 2003. p.53.<br />

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o começo e nem precisamente o fi m da guerra.<br />

A Iliada seria, pois, sob este ângulo, apenas a história da<br />

reação <strong>de</strong> um herói contra a transgressão do “Direito” <strong>de</strong> seu<br />

tempo.<br />

Portanto, não se po<strong>de</strong> negar que, mesmo que intrincados e<br />

misturados os conceitos <strong>de</strong> direito com o <strong>de</strong> moral, <strong>de</strong> religião,<br />

<strong>de</strong> costumes até, é possível extrair da obra <strong>de</strong> Homero manifestações<br />

bem nítidas do que se po<strong>de</strong> conceituar como Direito,<br />

ainda que em seu formado arcaico.<br />

JURISDIÇÃO EM HOMERO<br />

É possível, também, da obra <strong>de</strong> Homero, extrair noção relacionada<br />

à função jurisdicional. Com efeito, no segundo livro<br />

da Odisséia, Telêmaco, fi lho <strong>de</strong> Ulisses, vai à Assembléia dos<br />

Itacenses no intuito <strong>de</strong> que os preten<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> sua mãe Penélope,<br />

esposa <strong>de</strong> Ulisses, <strong>de</strong>ixem o palácio <strong>de</strong> seu pai ou que aquela<br />

Assembléia forneça-lhe um navio para que vá a sua procura.<br />

É visível a função jurisdicional que dispõe tal Assembléia,<br />

máxime quando se observa que está ali para <strong>de</strong>cidir questão privada<br />

e não propriamente pública, segundo se po<strong>de</strong> extrair dos<br />

versos em que Telêmaco expõe a sua pretensão:<br />

“Nem há novas <strong>de</strong> exército inimigo,<br />

Nem trato hoje <strong>de</strong> público interesse,<br />

Mas do meu próprio. Eis duas graves penas:<br />

Falta-me o pai, que o era do seu povo;<br />

O pior é que amantes importunos,<br />

Filhos dos principais aqui presentes,<br />

Minha mãe vexam, minha casa estragam.<br />

...<br />

Em diários festins, meus bois tragando,<br />

Cabras e ovelhas, minha a<strong>de</strong>ga exaurem<br />

...<br />

Da ruína e infâmia, cidadãos, salvai-me” 12 .<br />

De fato, a Assembleia, reunida na Ágora <strong>de</strong> Ítaca, <strong>de</strong>stinase,<br />

naquele momento, a <strong>de</strong>cidir uma questão <strong>de</strong> natureza privada,<br />

uma “<strong>de</strong>manda” por assim dizer, entre Telêmaco e os<br />

12 HOMERO. 2007, Odisséia, Livro II, versos 30 e segs.<br />

R I T O S 61


preten<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> sua mãe Penélope. Telêmaco quer afastar tais<br />

preten<strong>de</strong>ntes do palácio <strong>de</strong> seu pai, evitar que os mesmos estraguem<br />

a sua casa, promovam festas diárias, usem seus bois,<br />

cabras e ovelhas, usufruam <strong>de</strong> sua a<strong>de</strong>ga, enfi m, preten<strong>de</strong> que<br />

lhe seja dada proteção, através da Assembléia, contra o que consi<strong>de</strong>ra<br />

uma afronta a seu direito privado, numa nítida função<br />

que hoje <strong>de</strong>nominamos <strong>de</strong> jurisdicional.<br />

Não se po<strong>de</strong>ria enxergar, na proteção que Telêmaco preten<strong>de</strong>,<br />

um ato <strong>de</strong> governo em seu sentido estrito, <strong>de</strong> tal forma a se<br />

supor que a Assembléia estivesse <strong>de</strong>sempenhando uma função<br />

<strong>de</strong> cunho estritamente político, <strong>de</strong> interesse apenas da comunida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> traço “jurisdicional”. Não, a questão não<br />

era <strong>de</strong> Estado, mas privada e, se interessava à comunida<strong>de</strong>, assim<br />

se dava apenas na medida em que a solução <strong>de</strong> qualquer<br />

<strong>de</strong>manda entre particulares é sempre <strong>de</strong> interesse <strong>de</strong> toda a<br />

comunida<strong>de</strong>.<br />

Mesmo o pleito por um navio que fosse à procura <strong>de</strong> Ulisses,<br />

on<strong>de</strong> inegavelmente existe uma faceta pública, uma vez que<br />

se tratava do Rei <strong>de</strong> Ítaca, Telêmaco o apresentou revestido <strong>de</strong><br />

caráter privado, visto que o seu objetivo não era, por exemplo,<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a comunida<strong>de</strong> “contra exército inimigo”, ou proteger<br />

Ítaca contra efeitos danosos que a ausência do soberano pu<strong>de</strong>sse<br />

causar, o que seria questão <strong>de</strong> Estado, mas tão somente aten<strong>de</strong>r<br />

o interesse próprio <strong>de</strong> ter <strong>de</strong> volta o seu pai e afastar os que importunavam<br />

sua mãe.<br />

Inegável, pois, que a Assembléia, reunida para <strong>de</strong>cidir<br />

o pleito <strong>de</strong> Telêmaco, se constituiu, pelo menos naquele momento,<br />

em nítido órgão <strong>de</strong> natureza jurisdicional, não obstante<br />

ordinariamente exercer funções <strong>de</strong> governo, o que também se<br />

<strong>de</strong>duz da narrativa. Inegável, também, que ao <strong>de</strong>cidir o caso,<br />

proferiu uma <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> mesma natureza, ou seja, também jurisdicional,<br />

já que <strong>de</strong>cidiu a “<strong>de</strong>manda” que lhe havia sido posta<br />

à apreciação.<br />

Interessante observar que o <strong>de</strong>sfecho da questão se <strong>de</strong>u <strong>de</strong><br />

forma <strong>de</strong>sfavorável a Telêmaco, com negativa tanto da proteção<br />

contra os preten<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> Penélope quanto da embarcação que<br />

pretendia obter, em fl agrante confronto com o senso <strong>de</strong> Justiça<br />

que transparece do pensamento do poeta, tanto que recebeu o<br />

socorro divino <strong>de</strong> Atenas para ir a procura <strong>de</strong> seu pai.<br />

Talvez aí estejamos diante <strong>de</strong> um exemplo antiqüíssimo em<br />

que a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> um “Tribunal” – no caso a Assembléia – divorcia-se<br />

da verda<strong>de</strong>ira Justiça, ou seja, um distanciamento entre a<br />

aplicação do Direito e a idéia <strong>de</strong> Justiça.<br />

CONCLUSÃO<br />

Em rápidas linhas e <strong>de</strong>ste breve relato, se po<strong>de</strong> resumir as<br />

seguintes conclusões:<br />

Já ao tempo homérico, e a partir da narrativa da Ilíada e da<br />

Odisséia, havia uma clara noção <strong>de</strong> Justiça, vinculada ao reconhecimento<br />

público da honra, da Arete, ainda que com caráter<br />

essencialmente aristocrático;<br />

Se po<strong>de</strong> igualmente i<strong>de</strong>ntifi car, nas Epopéias citadas, e mesmo<br />

que intrincados e misturados os conceitos <strong>de</strong> direito com o<br />

<strong>de</strong> moral, <strong>de</strong> religião, <strong>de</strong> costumes até, manifestações bem nítidas<br />

do que se po<strong>de</strong> conceituar como Direito, ainda que em seu<br />

formado arcaico<br />

Também se po<strong>de</strong> extrair, da obra atribuída a Homero, a<br />

presença do que hoje <strong>de</strong>nominamos “Jurisdição”, e que se<br />

exemplifi ca com a passagem do Livro II da Odisséia, em que<br />

a Assembléia reunida na Ágora <strong>de</strong> Ítaca, ao <strong>de</strong>cidir o pleito <strong>de</strong><br />

Telêmaco, se constituiu, não obstante as <strong>de</strong>mais atribuições que<br />

<strong>de</strong>tinha, em órgão nitidamente jurisdicional e exerceu, pelo menos<br />

no caso apontado, função <strong>de</strong> igual natureza.<br />

REFERÊNCIAS<br />

JAEGER, Werner Wilhelm. Paidéias: a formação do homem<br />

grego. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.<br />

HOMERO. Ilíada. São Paulo: Martin Claret, 2007.<br />

HOMERO. Odisséia. São PAULO: Marrtin Claret, 2007.<br />

FERRAZ JR. Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito,<br />

4ª ed.. São Paulo: Atlas.<br />

KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado, 3ª ed.<br />

São Paulo: Martins Fontes, 1998.<br />

ABBAGNANO, Nicola. Diccionario <strong>de</strong> Filosofi a, 2ª ed. México:<br />

Fondo <strong>de</strong> Cultura Econômica, 1996.<br />

62 R I T O S www.amarn.com.br

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