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REVISTA DA <strong>AMARN</strong> * ANO VI * Nº 6 * DEZEMBRO 2010<br />
RITOS<br />
SEDE DA <strong>AMARN</strong><br />
Conquista <strong>de</strong> 2010<br />
ARTIGO Juiz Cícero Macedo escreve sobre um gênio da raça PROJETOS ESPECIAIS O lado social da justiça
CONSELHO EXECUTIVO<br />
Presi<strong>de</strong>nte<br />
Juiz Azevêdo Hamilton Cartaxo<br />
Vice-Presi<strong>de</strong>nte Institucional<br />
Juiz Mádson Ottoni <strong>de</strong> A. Rodrigues<br />
Vice-Presi<strong>de</strong>nte Administrativo<br />
Juiz Luciano dos Santos Men<strong>de</strong>s<br />
Vice-Presi<strong>de</strong>nte Financeiro<br />
Juiz Marcelo Pinto Varella<br />
Vice-Presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Comunicação<br />
Juiz Cleofas Coelho <strong>de</strong> A. Júnior<br />
Vice-Presi<strong>de</strong>nte Cultural<br />
Juiz Odinei Wilson Draeger<br />
Vice-Presi<strong>de</strong>nte Social<br />
Juiz Jorge Carlos Meira Silva<br />
Vice-Presi<strong>de</strong>nte dos Esportes<br />
Juiz Cleanto Fortunato da Silva<br />
Vice-Presi<strong>de</strong>nte dos Aposentados<br />
Juiz Francisco Dantas Pinto<br />
Coor<strong>de</strong>nador da Região Oeste<br />
Juiz Breno Valério F. <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros<br />
Coor<strong>de</strong>nadoria da Região Seridó<br />
Juiz André Melo Gomes Pereira<br />
CONSELHO FISCAL<br />
Juíza Denise Léa Sacramento<br />
Juiz Fábio Antônio C. Filfueira<br />
Juiz Fábio Wellington Ataí<strong>de</strong> Alves<br />
Juiz João Eduardo R. <strong>de</strong> Oliveira<br />
Juíza Leila N. <strong>de</strong> Sá Pereira Nacre<br />
Juiz Luiz Alberto Dantas Filho<br />
Juiz Marcus Vinicius P. Júnior<br />
Juíza Rossana Alzir D. Macêdo<br />
Juíza Sulamita Bezerra Pacheco<br />
<strong>de</strong> Carvalho<br />
EDITORA EXECUTIVA<br />
Adalgisa Emídia DRT/RN 784<br />
PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO<br />
Firenzze Comunicação Estratégica<br />
(84) 3344-5240<br />
FOTOS<br />
Elpidio Júnior<br />
FOTO CAPA<br />
Ricardo Junqueira<br />
Associação dos Magistrados<br />
do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte<br />
Condomínio Empresarial Torre<br />
Miguel Seabra Fagun<strong>de</strong>s<br />
R. Paulo B. <strong>de</strong> Góes, 1840<br />
Salas 1002, 1003 e 1004.<br />
Can<strong>de</strong>lária - Natal-RN.<br />
CEP: 59064.460<br />
Telefones: (84) 3206.0942<br />
3206.9132 | 3234.7770<br />
CNPJ: 08.533.481/0001-02<br />
// EDITORIAL<br />
Caros Colegas,<br />
Como fruto dos excelentes trabalhos <strong>de</strong> nossa nova assessora <strong>de</strong> imprensa,<br />
Adalgisa Emídia e do Vice-Presi<strong>de</strong>nte Cultural Odinei Draeger,<br />
apresentamos a vocês uma RITOS com nova cara. A revista, neste ano, veio<br />
mais jovial, informativa e também mais “relax”.<br />
Neste número, temos artigos jurídicos <strong>de</strong> Flávio Amorim e <strong>de</strong> Peterson<br />
Fernan<strong>de</strong>s. São dois trabalhos <strong>de</strong> excelente nível, que são uma amostra da<br />
qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossos magistrados.<br />
Depois disso, trazemos a vocês um pouco mais <strong>de</strong> informações sobre<br />
nossa próxima Presi<strong>de</strong>nte do Tribunal <strong>de</strong> Justiça, Desa. Judite Nunes, que<br />
nos falou um pouco <strong>de</strong> si e <strong>de</strong> seus projetos para a gestão do Tribunal.<br />
Nas artes, temos o nosso fi el contista Assis Brasil. Paulo Maia nos brinda<br />
com a sensibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus poemas e Rosivaldo, sempre ele, nos fala da<br />
trajetória <strong>de</strong> Davi Lorso. Fora disso, conheça nosso músico e especialista em<br />
Noel Rosa, Cícero Macedo.<br />
Odinei Draeger, ou melhor, o incansável Odinei Draeger, reinci<strong>de</strong> na<br />
prática <strong>de</strong> nos trazer temas interessantes e faz brilhante ensaio sobre Sir<br />
Thomas More, estadista, advogado, escritor e fi lósofo inglês. Guilherme<br />
Pinto, em trabalho do mesmo naipe, nos fala da jurisdição na Grécia <strong>de</strong><br />
Homero.<br />
E mais, celebramos nesta RITOS a realização do “sonho da casa própria”<br />
com a aquisição <strong>de</strong> nossa Se<strong>de</strong> Administrativa, confortável, funcional,<br />
digna, que representou a coroação da ótima gestão <strong>de</strong> Mádson Ottoni<br />
como Presi<strong>de</strong>nte da <strong>AMARN</strong>.<br />
Por fi m, a RITOS traz colunas sobre prazeres, do intelecto e da boa<br />
mesa. Não <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> ler nossa dica <strong>de</strong> fi lme para ver no recesso. Dividi com<br />
vocês, também nesta edição, dicas gastronômicas sobre dois excelentes restaurantes,<br />
o Cruzeiro do Pescador na Praia da Pipa e o Rock Dog Café, em<br />
Natal. Não sou bom jornalista, mas afi anço os restaurantes.<br />
Assim amigos, entregamos esta nova RITOS, uma revista mais “light” e<br />
dinâmica, que ambiciona ser lida por você nos seus momentos <strong>de</strong> merecido<br />
<strong>de</strong>scanso. Deguste-a.<br />
Em 20<strong>11</strong> saiba que nós da <strong>AMARN</strong> estaremos ao seu lado, para tudo<br />
que precisar.<br />
Juiz Azevêdo Hamilton<br />
Presi<strong>de</strong>nte da <strong>AMARN</strong>
16<br />
HISTÓRIA<br />
Desembargadora é<br />
a primeira mulher a<br />
assumir a presidência<br />
do TJRN<br />
42<br />
37<br />
CONTOS<br />
CAPA<br />
Nova se<strong>de</strong> da <strong>AMARN</strong><br />
Mo<strong>de</strong>rna e funcional<br />
As histórias da Rua Américo<br />
Barbalho, no Alecrim, por<br />
Assis Brasil<br />
// SUMÁRIO<br />
52<br />
48<br />
GASTRONOMIA<br />
Recantos <strong>de</strong> charme<br />
e boa comida<br />
HOMENAGEM<br />
Odinei Draeger faz um relato<br />
do juiz e humanista Thomas<br />
More
ARTIGO<br />
Flávio Ricardo Pires <strong>de</strong> Amorim<br />
Juiz <strong>de</strong> Direito da comarca <strong>de</strong> Tangará/<br />
RN (2ª Entrância)<br />
A tutela <strong>de</strong> urgência na<br />
nova lei <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong><br />
segurança<br />
SUMÁRIO. 1. Introdução. 2. Discricionarieda<strong>de</strong> da <strong>de</strong>cisão judicial. 3. A<br />
natureza da Liminar em mandado <strong>de</strong> segurança. 4. Pressupostos para o <strong>de</strong>ferimento<br />
da medida liminar. 5. A contracautela. 6. A concessão <strong>de</strong> ofício pelo<br />
juiz. 7. As restrições legais à concessão da liminar e sua constitucionalida<strong>de</strong>. 8.<br />
Natureza jurídica da <strong>de</strong>cisão liminar e o recurso cabível. 9. A perda da efi cácia<br />
da medida pela <strong>de</strong>negação do mandamus e a caducida<strong>de</strong> da liminar.<br />
1. INTRODUÇÃO<br />
O mandado <strong>de</strong> segurança é ação constitucional com previsão nos incisos<br />
LXIX (individual) e LXX (coletivo) do artigo 5º. É instrumento que visa proteger<br />
direito líquido e certo do impetrante contra violação ou ameaça <strong>de</strong> lesão 1<br />
praticada por ato comissivo ou omissivo <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> pública ou agente <strong>de</strong><br />
pessoa jurídica no exercício <strong>de</strong> atribuições do Po<strong>de</strong>r Público.<br />
O direito líquido e certo é aquele comprovado <strong>de</strong> plano, através <strong>de</strong> prova<br />
documental <strong>de</strong>nominada prova pré-constituída, não autorizando qualquer<br />
dilação probatória na comprovação da violação ou ameaça ao direito do<br />
impetrante 2 .<br />
1 Art. 5º, XXXV, CF/88: “A lei não excluirá da apreciação do Po<strong>de</strong>r Judiciário lesão<br />
ou ameaça a direito”.<br />
2 Sobre o conceito <strong>de</strong> “direito líquido e certo”, o Ministro Costa Manso, citado<br />
por Celso Agrícola Barbi, prelecionou: “Entendo que o art. <strong>11</strong>3, nº 33, da Constituição<br />
empregou o vocábulo ‘direito’ como sinônimo <strong>de</strong> ‘po<strong>de</strong>r ou faculda<strong>de</strong>’, <strong>de</strong>corrente da<br />
‘lei’ ou ‘norma jurídica’(direito subjetivo). Não aludiu à própria ‘lei ou norma’ (direito<br />
6 R I T O S www.amarn.com.br
A Lei nº 12.016 <strong>de</strong> 07 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2009, apesar <strong>de</strong> anunciada<br />
como a nova lei <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança, ainda que tenha<br />
trazido inovações ao tema mandado <strong>de</strong> segurança coletivo,<br />
reuniu num único texto diversas leis que tratavam do assunto<br />
(Lei nº 1.533/51, 4.348/64, 5.021/66 e 8.437/92), aglutinando,<br />
ainda, os vários posicionamentos já sumulados do STF e STJ.<br />
O texto legal unifi cado prevê a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contracautela,<br />
facultando ao julgador exigi-la no momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>ferir a<br />
medida, além <strong>de</strong> trazer expressamente as restrições à concessão<br />
da tutela <strong>de</strong> urgência já enunciadas por outras leis, cuja constitucionalida<strong>de</strong><br />
tem-se <strong>de</strong>batido.<br />
2. DISCRICIONARIEDADE DA DECISÃO JUDICIAL<br />
O artigo 7º, III, da Lei n° 12.016/09, estabelece que “ao<br />
<strong>de</strong>spachar a inicial o juiz or<strong>de</strong>nará que se suspenda o ato que<br />
<strong>de</strong>u motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e<br />
do ato impugnado pu<strong>de</strong>r resultar a inefi cácia da medida, caso<br />
seja fi nalmente <strong>de</strong>ferida, sendo facultado exigir do impetrante<br />
caução, fi ança ou <strong>de</strong>pósito, com o objetivo <strong>de</strong> assegurar o ressarcimento<br />
à pessoa jurídica”.<br />
Surge num primeiro momento, ao analisar o pedido liminar,<br />
se o ato do Juiz é discricionário ou não. Para alguns 3 , ine-<br />
objetivo). O remédio judiciário não foi criado para a <strong>de</strong>fesa da lei em<br />
tese. Quem requer o mandado <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o ‘seu direito’, isto é, o direito<br />
subjetivo reconhecido ou protegido pela lei. O direito subjetivo, o<br />
direito da parte, é constituído por uma relação entre a lei e o fato. A<br />
lei, porém, é sempre certa e incontestável. A ninguém é lícito ignorála,<br />
e com o silêncio, a obscurida<strong>de</strong>, a in<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>la não se exime o<br />
juiz <strong>de</strong> sentenciar ou <strong>de</strong>spachar (Código Civil, art. 5o, da Introdução).<br />
Só se exige prova do direito estrangeiro ou <strong>de</strong> outra localida<strong>de</strong>, e isso<br />
mesmo se não for notoriamente conhecido. O fato é que o peticionário<br />
<strong>de</strong>ve tornar certo e incontestável, para obter mandado <strong>de</strong> segurança.<br />
O direito será <strong>de</strong>clarado e aplicado pelo juiz, que lançará mão dos processos<br />
<strong>de</strong> interpretação estabelecidos pela ciência para esclarecer os<br />
textos obscuros ou harmonizar os contraditórios. Seria absurdo admitir<br />
se <strong>de</strong>clare o juiz incapaz <strong>de</strong> resolver ‘<strong>de</strong> plano’ um litígio, sob o pretexto<br />
<strong>de</strong> haver preceitos legais esparsos, complexos ou <strong>de</strong> inteligência<br />
difícil ou duvidosa. Des<strong>de</strong>, pois, que o fato seja certo e incontestável,<br />
resolverá o juiz a questão <strong>de</strong> direito, por mais intrincada e difícil que<br />
se apresente, para conce<strong>de</strong>r ou <strong>de</strong>negar o mandado <strong>de</strong> segurança”.<br />
(Barbi, Celso Agrícola. Do Mandado <strong>de</strong> Segurança. Página 50. Forense.<br />
2000. Rio <strong>de</strong> Janeiro)<br />
3 “Nas palavras <strong>de</strong> Eros Grau: ‘O que se tem erroneamente<br />
<strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong> judicial é po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> norma<br />
jurídica que o intérprete autêntico exercita formulando juízos <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong><br />
(não <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>)’. Celso Antônio Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Mello sintetiza:<br />
“Quando avalia o pedido para outorgar ou <strong>de</strong>negar uma liminar,<br />
o órgão jurisdicional não se pergunta se convém ou não outorgá-la,<br />
mas se, <strong>de</strong> direito, o requerente faz a ela jus, isto é, se estão ou não<br />
preenchidos os pressupostos <strong>de</strong> <strong>de</strong>ferimento. Se estiverem, não há<br />
senão concedê-la. Se não estiverem, não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>feri-la”. José Roberto<br />
Santos Bedaque afi rma: “Se não é pacífi ca a análise da questão em<br />
matéria probatória, é absolutamente certo que quanto às liminares<br />
(mandados <strong>de</strong> segurança, cautelares, antecipatórias <strong>de</strong> tutela) não há<br />
discricionarieda<strong>de</strong> alguma. A difi culda<strong>de</strong> do juiz, por certo, é fática,<br />
ou seja, restringe-se a averiguar se existe ou não o fumus boni iuris e<br />
www.amarn.com.br<br />
xiste discricionarieda<strong>de</strong> na ativida<strong>de</strong> jurisdicional, já que falece<br />
ao juiz capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha 4 . Assim, a liminar não é uma<br />
liberalida<strong>de</strong> da Justiça; é medida acauteladora do direito do impetrante,<br />
que não po<strong>de</strong> ser negada quando ocorrem pressupostos<br />
como, também, não <strong>de</strong>ve ser concedida quando ausentes os<br />
requisitos <strong>de</strong> sua admissibilida<strong>de</strong> 5 .<br />
Enfi m, nada há <strong>de</strong> discricionário na ativida<strong>de</strong> que o juiz<br />
exerce quando <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> acerca da concessão ou não <strong>de</strong> uma<br />
liminar 6 .<br />
Sérgio Nojiri, a contrario sensu, ensina que os pedidos <strong>de</strong><br />
medida liminar, nos casos <strong>de</strong> difícil solução (além <strong>de</strong> complexos,<br />
sem orientação jurispru<strong>de</strong>ncial), comportam mais <strong>de</strong> uma<br />
solução. Somente em casos <strong>de</strong> fácil resposta (evi<strong>de</strong>ntes ou com<br />
fortes prece<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> Cortes Superiores) restringem a margem<br />
<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> do juiz 7 .<br />
E prosseguindo diz que ao apreciar o pedido liminar o juiz<br />
terá opções <strong>de</strong> escolha, mormente nos casos difíceis, para aferir<br />
se relevante o fundamento e se o ato impugnado po<strong>de</strong> resultar<br />
a inefi cácia da medida. E essa aferição comporta um juízo<br />
discricionário na avaliação dos pressupostos necessários para a<br />
concessão da medida 8 .<br />
O Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, citando o voto<br />
do Ministro Marco Aurélio, aponta para discricionarieda<strong>de</strong> judicial<br />
quando ressalta que “a atuação do magistrado ocorre no<br />
campo da livre discrição e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do pedido. Aprecia<br />
as circunstâncias reveladas pela inicial e, verifi cando o con-<br />
o periculum in mora. Mas <strong>de</strong>fi nido o fato (e a tarefa é interpretativa),<br />
estará o juiz obrigado a conce<strong>de</strong>r a liminar (em caso positivo) ou a<br />
negá-la (caso não estejam presentes os requisitos para sua concessão).<br />
Cognição sumária, portanto, não leva à discricionarieda<strong>de</strong>, não<br />
sendo viável imaginar que o juiz possa escolher, a seu critério, quando<br />
convém <strong>de</strong>ferir liminarmente alguma tutela (cautelar ou antecipatória).<br />
Os critérios, portanto, são legais e po<strong>de</strong>m ser aferidos em instância<br />
superior.” (Nojiri, Sérgio. Aspectos Polêmicos e Atuais do Mandado <strong>de</strong><br />
Segurança. XXXI – Discricionarieda<strong>de</strong> Judicial na Apreciação <strong>de</strong> Pedido<br />
<strong>de</strong> Medida Liminar em Mandado <strong>de</strong> Segurança. Página 776/779. RT.<br />
2002. São Paulo)<br />
4 Figueiredo, Lúcia Valle. Mandado <strong>de</strong> Segurança. Página 130.<br />
Malheiros Editores. 2002. São Paulo.<br />
5 Meirelles, Hely Lopes. Mandado <strong>de</strong> Segurança. Página 78.<br />
Malheiros Editores. 2004. São Paulo.<br />
6 Wambier, Tereza Arruda Alvim. Aspectos Polêmicos e Atuais<br />
do Mandado <strong>de</strong> Segurança. XXXII – Ainda Sobre a Recorribilida<strong>de</strong> da<br />
Liminar em Mandado <strong>de</strong> Segurança. Página 799. RT. 2002. São Paulo.<br />
7 Aspectos Polêmicos e Atuais do Mandado <strong>de</strong> Segurança. XXI –<br />
Discricionarieda<strong>de</strong> Judicial na Apreciação <strong>de</strong> Pedido <strong>de</strong> Medida Liminar<br />
em Mandado <strong>de</strong> Segurança. Página 785. RT. 2002. São Paulo.<br />
8 Nojiri, Sérgio. Op. cit., p. 786.<br />
R I T O S 7
curso das condições legais – relevância do pedido e possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> a concessão da segurança vir a cair no vazio -, <strong>de</strong>termina a<br />
suspensão do ato. A doutrina é uníssona no sentido <strong>de</strong> a concessão,<br />
ou não, da liminar ser faculda<strong>de</strong> do juiz. Examinando a<br />
peça apresentada pelo impetrante, atua em campo on<strong>de</strong> domina<br />
o subjetivismo, sobressaindo a formação humanística e profi ssional<br />
que possua.” 9<br />
3. A NATUREZA DA LIMINAR EM MANDADO DE<br />
SEGURANÇA.<br />
Abordando o tema sobre a natureza do provimento liminar<br />
em mandado <strong>de</strong> segurança, percebe-se a divergência formada<br />
entre os autores, quanto ao aspecto cautelar, provisório, preventivo<br />
ou <strong>de</strong> antecipação dos efeitos da tutela.<br />
Adhemar Ferreira Maciel, citado por Francisco Antonio<br />
<strong>de</strong> Oliveira, ressalta que para maioria a medida teria natureza<br />
cautelar 10 e adverte que o juiz conce<strong>de</strong> a liminar tão-só para<br />
garantir o possível (não provável) direito <strong>11</strong> .<br />
Realça, ainda, que Celso Agrícola Barbi, fi el a seu ponto <strong>de</strong><br />
vista, ou seja, <strong>de</strong> que a liminar no mandado <strong>de</strong> segurança tem<br />
natureza cautelar, advoga a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o juiz aplicar os<br />
arts. 804 e 8<strong>11</strong> do Código <strong>de</strong> Processo Civil, exigindo do impetrante<br />
uma contracautela 12 .<br />
Sobre o assunto, Carmem Lúcia Antunes Rocha ensina que<br />
a natureza da medida liminar é acautelatória da efi cácia plena<br />
da <strong>de</strong>cisão proferida no mandado <strong>de</strong> segurança e não a antecipação<br />
precária do pedido formulado na ação 13 .<br />
Galeno Lacerda, citado por Lúcia Valle <strong>de</strong> Figueiredo, diz<br />
que a liminar em mandado <strong>de</strong> segurança assume nítida feição<br />
<strong>de</strong> cautela, ou seja, <strong>de</strong> resguardo do imediato e provisório mediante<br />
suspensão do ato, porém, mesmo entre a cautelar e a liminar<br />
em mandado <strong>de</strong> segurança ocorrem diferenças, já que<br />
nesse o provimento se reveste <strong>de</strong> caráter imperativo. Por outro<br />
lado, na cautelar não se exige a liqui<strong>de</strong>z e certeza, bastando a<br />
9 Direito, Carlos Alberto Menezes. Manual do Mandado <strong>de</strong> Segurança.<br />
Renovar. 2003. Rio <strong>de</strong> Janeiro/São Paulo.<br />
10 Oliveira, Francisco Antônio. Mandado <strong>de</strong> Segurança e Controle<br />
Jurisdicional. Página 290. RT. 2001. São Paulo.<br />
<strong>11</strong> Op. cit., p. 291.<br />
12 Op. cit., p. 291.<br />
13 Oliveira, Francisco Antônio. Op. cit., p. 292.<br />
mera aparência do direito, não se vinculando o juiz a concessão<br />
obrigatória 14 .<br />
Em contrapartida, Helly Lopes Meirelles, examinando a<br />
natureza da liminar face a reforma do Código <strong>de</strong> Processo Civil<br />
que passou a admitir a tutela antecipada no procedimento ordinário,<br />
recomendava a atualização da legislação do mandamus<br />
para que passasse a contemplar expressamente uma medida<br />
liminar não apenas cautelar, mas em <strong>de</strong>terminadas situações<br />
também antecipatória do provimento fi nal 15 .<br />
O Ministro Carlos Alberto Menezes Direito pon<strong>de</strong>ra que<br />
a liminar em mandado <strong>de</strong> segurança, na prática, tem a mesma<br />
consequência da tutela antecipada <strong>de</strong>ferida liminarmente, sem<br />
a audiência da parte contrária 16<br />
Penso que a melhor orientação adotada é que estabelece<br />
no provimento <strong>de</strong> urgência do mandado <strong>de</strong> segurança a tripla<br />
confi guração: 1) liminar cautelar; 2) liminar antecipatória; ou 3)<br />
liminar satisfativa. Tudo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá, como advertem José Miguel<br />
Garcia Medina e Fábio Caldas <strong>de</strong> Araújo, das efi cácias que<br />
forem agregadas ao comando mandamental (<strong>de</strong>claratória, constitutiva,<br />
con<strong>de</strong>natória) 17 .<br />
4. PRESSUPOSTOS PARA O DEFERIMENTO DA<br />
MEDIDA LIMINAR.<br />
Antes da análise dos pressupostos para concessão da liminar<br />
insertos no art. 7º, III, da Lei nº 12.016/09, <strong>de</strong>verá o juiz verifi<br />
car a existência dos pressupostos normais <strong>de</strong> toda e qualquer<br />
ação, analisando ainda os pressupostos específi cos <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong><br />
do writ: a) não ocorrência do prazo <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> 120<br />
dias da edição do ato que preten<strong>de</strong> neutralizar; b) a existência<br />
<strong>de</strong> ato (omissivo ou comissivo) <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>; c) inexistência <strong>de</strong><br />
restrições (art. 7º, 2º, da Lei nº 12.016/09). 18<br />
Em mandado <strong>de</strong> segurança coletivo <strong>de</strong>verá ser observada<br />
a qualida<strong>de</strong> do impetrante como pressuposto processual para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento válido da ação constitucional (art. 21, caput,<br />
14 Figueiredo, Lúcia Valle. Op. cit., p. 141.<br />
15 Op. cit., p. 77.<br />
16 Op. cit., p. 125.<br />
17 Medina, José Miguel Garcia e Araújo, Fábio Caldas. Mandado<br />
<strong>de</strong> Segurança Individual e Coletivo. Página <strong>11</strong>9. RT. 2009. São Paulo.<br />
18 Oliveira, Francisco Antônio. Op. cit., p. 301.<br />
8 R I T O S www.amarn.com.br
da Lei nº 12.016/09).<br />
Realizada esta análise preliminar, para concessão da medida<br />
<strong>de</strong> urgência, <strong>de</strong>vem estar presentes os seguintes pressupostos:<br />
a) fundamento relevante do pedido; b) possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inefi cácia<br />
(lesão irreparável a direito) da medida <strong>de</strong>ferida ao fi nal do<br />
julgamento do mandado <strong>de</strong> segurança.<br />
Relevante, singelamente, na acepção três encontrada no<br />
Novo Dicionário Aurélio, é o que é importante, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> valor,<br />
gran<strong>de</strong> conveniência ou interessante. No Dicionário <strong>de</strong> Língua<br />
Portuguesa <strong>de</strong> Antonio Moraes, relevante é importante 19 .<br />
A relevância, como ensina José da Silva Pacheco, há <strong>de</strong> resultar<br />
da perfeita a<strong>de</strong>quação do fato e do direito, da clareza e<br />
precisão das razões e argumentos, expostos na inicial, <strong>de</strong> modo<br />
a sobressair, ressaltar, saliente, proeminente, protuberante, como<br />
importante e valioso, o fundamento, a base, o alicerce do pedido<br />
do impetrante 20 .<br />
Avaliando, por outro lado, o outro pressuposto o Autor diz<br />
que se trata da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inefi cácia do mandado <strong>de</strong> segurança,<br />
se vier ele a ser <strong>de</strong>ferido, isto é, em caso <strong>de</strong> periculum<br />
in mora 21 . Inefi cácia da medida, como lembra Lúcia Valle <strong>de</strong><br />
Figueiredo, singelamente só po<strong>de</strong> signifi car a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a<br />
<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> mérito do mandado <strong>de</strong> segurança quedar-se inócua 22 .<br />
E continua dizendo que o fi m do mandado <strong>de</strong> segurança<br />
não é a reparabilida<strong>de</strong> da lesão; sua fi nalida<strong>de</strong> é a <strong>de</strong> obstaculização<br />
que a lesão persista ou se verifi que 23 . A inefi cácia, consiste,<br />
então em não mais ser possível afastar a lesão que se pretendia<br />
ver afastada, a não ser pela repetição. 24<br />
Em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança coletivo, a Lei nº<br />
12.016/09 estabelece, em seu art. 22, §2º, como requisito para<br />
concessão da liminar, a audiência prévia da pessoa jurídica, que<br />
<strong>de</strong>verá ser intimada para se pronunciar no prazo <strong>de</strong> 72 (setenta<br />
e duas horas) sobre a medida <strong>de</strong> urgência.<br />
Tal previsão, como lembra José Miguel Garcia Medina e<br />
19 Figueiredo, Lúcia Valle. Op. cit., p. 135.<br />
20 Pacheco, José da Silva. O Mandado <strong>de</strong> Segurança e Outras<br />
Ações Constitucionais Típicas. Página 257. RT. 2002. São Paulo.<br />
21 Pacheco, José da Silva. Op. cit., p. 258.<br />
22 Figueiredo, Lúcia Valle. Op. cit., p. 136.<br />
23 Figueiredo, Lúcia Valle. Op. cit., p. 136.<br />
24 Figueiredo, Lúcia Valle. Op. cit., p. 137.<br />
www.amarn.com.br<br />
Fábio Caldas <strong>de</strong> Araújo, é oriunda da Lei nº 8.437/1992. Para<br />
os Autores, todavia, a presunção periculum in mora in verso<br />
po<strong>de</strong> ser afastada se o órgão jurisdicional perceber que a não<br />
concessão da liminar po<strong>de</strong> acarretar, <strong>de</strong> modo irreversível, o perecimento<br />
do direito <strong>de</strong>monstrado pelo autor da ação 25 .<br />
5. A CONTRA-CAUTELA.<br />
Aliado aos pressupostos para suspensão do ato impugnado<br />
através do <strong>de</strong>ferimento da medida, o legislador estabeleceu no<br />
inciso III a faculda<strong>de</strong> do juiz exigir do impetrante caução, fi ança<br />
ou <strong>de</strong>pósito, com o objetivo <strong>de</strong> assegurar o ressarcimento à<br />
pessoa jurídica.<br />
Trata-se, portanto, <strong>de</strong> uma faculda<strong>de</strong>, mera liberalida<strong>de</strong> do<br />
julgador que a <strong>de</strong>spachar a inicial po<strong>de</strong>rá fazer tal exigência.<br />
Na verda<strong>de</strong>, a Lei nº 12.016/09 somente estabeleceu uma<br />
praxe 26 judicial que existia ante a omissão do antigo texto legal,<br />
porém alvo <strong>de</strong> profundos <strong>de</strong>bates na doutrina e jurisprudência 27 .<br />
Para o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito não há nenhuma<br />
circunstância que possa justifi car a imposição <strong>de</strong> caução,<br />
até porque tal exigência signifi ca retirar do impetrante o direito<br />
reconhecido pelo magistrado 28 .<br />
A exigência da caução seria, no enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Francisco Antônio<br />
<strong>de</strong> Oliveira, contrária a princípio constitucional da igualda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> tratamento das partes (art. 5º, CF/88), uma vez que o<br />
mandamus passaria a ser um remédio elitista 29 , já que somente<br />
25 Medina, José Miguel Garcia e Araújo, Fábio Caldas. Op. cit., p.<br />
224.<br />
26 José da Silva Pacheco diz: “tem inteira razão o ministro Carlos<br />
Velloso quando não concorda com a praxe, que vem sendo instaurada,<br />
<strong>de</strong> se exigir <strong>de</strong>pósito ou caução para conce<strong>de</strong>r-se medida liminar<br />
em mandado <strong>de</strong> segurança, uma vez que, ocorrendo os pressupostos<br />
objetivos da medida liminar, <strong>de</strong>ve o juiz concedê-la, não po<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>sfi<br />
gurar ou <strong>de</strong>svirtuar a ação constitucional <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança,<br />
com exigência <strong>de</strong>scabida <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósito, não previsto em lei”. (Op. cit., p.<br />
273).<br />
27 Abordando o assunto o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito<br />
relata: “A segunda Turma do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, relator o<br />
Ministro Peçanha Martins, <strong>de</strong>cidiu que, ‘ satisfeitos os pressupostos<br />
essenciais, a parte tem direito subjetivo à concessão da liminar<br />
pleiteada. Revestida <strong>de</strong> caráter imperativo, o juiz <strong>de</strong>ve conce<strong>de</strong>r a<br />
medida sem sujeitá-la a qualquer exigência, sob pena <strong>de</strong> torná-la<br />
inefi caz’”. Adiante em seu texto reproduz outro acórdão, em sentido<br />
contrário, admitindo a possibilida<strong>de</strong> da contracautela, cujo relator,<br />
Ministro Pádua Ribeiro, pon<strong>de</strong>ra ser “lícito ao Juiz condicionar a efi cácia<br />
da medida liminar à prestação <strong>de</strong> garantia por parte do impetrante, a<br />
título <strong>de</strong> contracautela.” (Op. cit., p. 128/129)<br />
28 Op. cit., p. 130/131.<br />
29 José Miguel Garcia Medina e Fábio Caldas Araújo lembram:<br />
“na jurisprudência já se admitiu a dispensa da caução, em razão da<br />
natureza da prestação e da insufi ciência fi nanceira do autor da ação”.<br />
R I T O S 9
aqueles com possibilida<strong>de</strong>s fi nanceiras e econômicas po<strong>de</strong>riam<br />
obstar ato <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> ilegal ou abusivo 30 .<br />
Lúcia Valle <strong>de</strong> Figueiredo, embora entenda ser um <strong>de</strong>spautério<br />
obrigar o impetrante a caucionar para obtenção<br />
da medida liminar, admite tal providência em “condições<br />
excepcionalíssimas”. 31<br />
O condicionamento da concessão da liminar à prestação <strong>de</strong><br />
garantia, em abordagem feita por Hely Lopes Meirelles em sua<br />
obra clássica, não parece inconstitucional, sendo preciso apenas<br />
que o magistrado em seu po<strong>de</strong>r discricionário fi xe o montante a<br />
forma da garantia, a fi m <strong>de</strong> inviabilizar a ação constitucional 32 .<br />
Tereza Arruda Alvim Wambier, aliás, reconhece que é melhor a<br />
exigência do que se <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r a medida 33 .<br />
Assim, é bom ressaltar que a <strong>de</strong>speito da necessida<strong>de</strong> ou<br />
não da contracautela, o texto legal somente reservou ao julgador<br />
uma faculda<strong>de</strong> que teve origem na praxe judicial, estabelecendo<br />
apenas como medida a ser avaliada <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um juízo<br />
discricionário.<br />
6. A CONCESSÃO DE OFÍCIO PELO JUIZ.<br />
Muito tem se <strong>de</strong>batido se a liminar, pela redação dada pelo<br />
artigo 7º, III, da Lei nº 12.016/09 é medida que <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>terminada<br />
<strong>de</strong> ofício pelo magistrado, uma vez que enuncia que o<br />
juiz ao <strong>de</strong>spachar a inicial or<strong>de</strong>nará a suspensão do ato que <strong>de</strong>u<br />
motivo ao pedido do impetrante.<br />
A resposta, como adverte José da Silva Pacheco, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />
da concepção que se tenha não só da própria liminar, com do<br />
po<strong>de</strong>r jurisdicional, que ínsito tem, também, o po<strong>de</strong>r geral <strong>de</strong><br />
cautela 34 .<br />
Para Othon Sidou a medida liminar não se condiciona a requerimento<br />
da parte, motivo por que, inclua ou não o queixoso,<br />
na inicial, o pedido <strong>de</strong> suspensão do ato lesivo, o juiz proverá<br />
nesse sentido, sob pena <strong>de</strong>, em não o fazendo, <strong>de</strong>parar situações<br />
em face das quais sua sentença seria um julgar vazio 35 .<br />
30 Op. cit., p. 317.<br />
31 Op. cit., p. 139.<br />
32 Op. cit., p. 79.<br />
33 Op. cit., p. 805.<br />
34 Pacheco, José da Silva. Op. cit., p. 259.<br />
35 Pacheco, José da Silva. Op. cit., p. 260.<br />
Nessa esteira <strong>de</strong> raciocínio, Carmem Lúcia Antunes Rocha<br />
alerta para a <strong>de</strong>snecessida<strong>de</strong> do pedido liminar pelo impetrante<br />
para a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>terminada pelo julgador, cabendo-lhe a prestação<br />
efi ciente da garantia constitucional do mandado <strong>de</strong> segurança,<br />
compete-lhe tomar todas as providências cabíveis para a<br />
realização da fi nalida<strong>de</strong> posta a norma fundamental e que é <strong>de</strong><br />
estrita função ver aperfeiçoada, o que inclui, evi<strong>de</strong>ntemente, a<br />
medida acautelatória liminar asseguradora da plena efi cácia do<br />
mandado que po<strong>de</strong>rá vir, ao fi nal, a ser concedido 36 .<br />
Para Adhemar Ferreira Maciel o juiz <strong>de</strong>ve ter em mente<br />
o resultado sempre útil do processo. Assim, caso perceba que<br />
da não concessão liminar, a qual não foi pedida expressamente,<br />
pelo impetrante, possa redundar inefi cácia do writ, <strong>de</strong>verá<br />
concedê-la assim mesmo 37 .<br />
Em sentido oposto, Celso Agrícola Barbi pon<strong>de</strong>ra que,<br />
embora concebendo a liminar como <strong>de</strong> natureza cautelar, conecta-a<br />
com o disposto no art. 8<strong>11</strong>, do CPC, que prevê a responsabilida<strong>de</strong><br />
do requerente pelos danos <strong>de</strong>correntes e sustenta<br />
que conseqüência da afi rmação da responsabilida<strong>de</strong> do autor é<br />
também negativa <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r o juiz conce<strong>de</strong>r ex offi cio a medida<br />
cautelar, motivo pelo qual conclui que, apesar do silencia da lei<br />
atual, <strong>de</strong>ve-se enten<strong>de</strong>r que o juiz po<strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r a suspensão<br />
liminar se houver requerimento do impetrante 38 .<br />
7. AS RESTRIÇÕES LEGAIS À CONCESSÃO DA<br />
LIMINAR E SUA CONSTITUCIONALIDADE.<br />
O § 2º do artigo 7º, da Lei nº 12.016/09, expressa que não<br />
será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação<br />
<strong>de</strong> créditos tributários, a entrega <strong>de</strong> mercadorias e bens<br />
provenientes do exterior, a reclassifi cação ou equiparação <strong>de</strong><br />
servidores públicos e a concessão <strong>de</strong> aumento ou a extensão <strong>de</strong><br />
vantagens ou pagamento <strong>de</strong> qualquer natureza.<br />
Já o § 5º estabelece que as vedações relacionadas com a concessão<br />
<strong>de</strong> liminares previstas neste artigo se esten<strong>de</strong>m à tutela<br />
antecipada a que se referem os arts. 273 e 461 do Código <strong>de</strong><br />
Processo Civil.<br />
36 Oliveira, Francisco Antônio. Op. cit., p. 309.<br />
37 Pacheco, José da Silva. Op. cit., p. 260.<br />
38 Pacheco, José da Silva. Op. cit., p. 259/260.<br />
10 R I T O S www.amarn.com.br
Ora, o novel texto legal nada mais é que a reprodução <strong>de</strong><br />
diversas leis restritivas da concessão <strong>de</strong> liminares contra o Po<strong>de</strong>r<br />
Público (Leis n°s 2.770, 4.348/164 39 , 5021/66 40 , 8.437/92<br />
e 9.494/97 41 ), além <strong>de</strong> matérias já <strong>de</strong>cididas e sumuladas pelo<br />
STF 42 e STJ (212 e 213).<br />
Sobre a constitucionalida<strong>de</strong> das restrições legais, José da<br />
Silva Pacheco, citando Galeno Lacerda, salienta que a lei ordinária<br />
po<strong>de</strong>, perfeitamente, proibir ou restringir a liminar no<br />
mandado <strong>de</strong> segurança porque a Constituição não se refere à<br />
medida prévia 43 .<br />
O Ministro Carlos Alberto Menezes Direito ensina que o<br />
Po<strong>de</strong>r Executivo tem tentado reprimir a indiscriminada concessão<br />
<strong>de</strong> medidas liminares, sendo compreensível para o Autor<br />
tal atitu<strong>de</strong> como reação diante do gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> medidas<br />
liminares <strong>de</strong>feridas sem o menor critério técnico, com caráter<br />
satisfativo, gerando, com frequência, confl itos entre os Po<strong>de</strong>res.<br />
E conclui, <strong>de</strong> todos os modos, impõe-se estabelecer uma disciplina<br />
legal que, por seu turno, não prejudique o direito da parte,<br />
39 EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM SUSPENSÃO DE SEGURAN-<br />
ÇA. LEI ESTADUAL 10640. SERVIDOR INATIVO. ISONOMIA REMUNE-<br />
RATÓRIA. Lei 4348/1964. CONCESSÃO DE LIMINAR. IMPOSSIBILIDA-<br />
DE. Tesoureiros aposentados do DER/PE. Equiparação. Impossibilida<strong>de</strong>.<br />
Extensão <strong>de</strong> parcela isonômica remuneratória a servidores inativos por<br />
medida liminar em mandado <strong>de</strong> segurança. Inobservância ao disposto<br />
no artigo 5º da Lei 4348/64, que impe<strong>de</strong> a concessão <strong>de</strong> cautelar que<br />
<strong>de</strong>termine a reclassifi cação ou equiparação <strong>de</strong> servidores públicos, a<br />
concessão <strong>de</strong> aumento ou extensão <strong>de</strong> vantagens. Agravo regimental<br />
<strong>de</strong>sprovido. (STF. SS 2280 AgR/PE. Rel. Min. Maurício Corrêa. J.<br />
22/04/2004).<br />
40 Ementa. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL.<br />
DIREITO ADMINISTRATIVO. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. SUPRESSÃO DE<br />
PARCELA REMUNERATÓRIA. RESTABELECIMENTO. LIMINAR EM MAN-<br />
DADO DE SEGURANÇA. POSSIBILIDADE. 1. A vedação à concessão<br />
<strong>de</strong> medida liminar em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança, nos mol<strong>de</strong>s do<br />
disposto no artigo 1º, parágrafo 4º, da Lei nº 5.021/66, não se aplica<br />
à hipótese <strong>de</strong> restabelecimento <strong>de</strong> parcela remuneratória ilegalmente<br />
suprimida. Prece<strong>de</strong>ntes. 2. Agravo regimental improvido. (STJ. AgRg<br />
no REsp. 808008/ES. Rel. Min. Hamilton Carvalhido. J. 22/08/2006)<br />
41 EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE SEGU-<br />
RANÇA. GRATIFICAÇÃO DE INCENTIVO. LEI COMPLEMENTAR 27/99.<br />
EXTENSÃO ÀS PENSIONISTAS VIÚVAS DOS SERVIDORES. CONCES-<br />
SÃO DE TUTELA ANTECIPADA. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 1º DA<br />
LEI 9494/97. ADC-4/DF. PRECEDENTES. Gratifi cação <strong>de</strong> Incentivo<br />
ao Policial Militar, instituída pela LC 27/99. Extensão às pensionistas<br />
viúvas dos servidores por medida liminar em mandado <strong>de</strong> segurança.<br />
Inobservância ao disposto no artigo 1º da Lei 9494/97, que impe<strong>de</strong><br />
a concessão <strong>de</strong> cautelar que <strong>de</strong>termine a incorporação e o imediato<br />
pagamento <strong>de</strong> vantagem a servidor público. Descumprimento à <strong>de</strong>cisão<br />
<strong>de</strong>sta Corte proferida na ADC-4. Prece<strong>de</strong>ntes. Agravo regimental<br />
<strong>de</strong>sprovido. (STF. SS 2321 AgR/PE. Rel. Min. Maurício Corrêa. J.<br />
28/04/2004).<br />
42 EMENTA: Agravo Regimental em Suspensão <strong>de</strong> Segurança. 2.<br />
Equiparação salarial. 3. Aumento <strong>de</strong> vencimentos, mediante concessão<br />
<strong>de</strong> medida liminar, <strong>de</strong> <strong>de</strong>legados <strong>de</strong> polícia. Afronta ao art. 7º, § 2º, da<br />
Lei n.º 12.016/2009. 4. Agravo regimental <strong>de</strong>sprovido. (STF. SS 3330<br />
AgR/AM. Rel. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s. J. 17/02/2010).<br />
43 Pacheco, José da Silva. Op. cit., p. 267.<br />
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atingindo por ato <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> praticado com ilegalida<strong>de</strong> ou<br />
abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r 44 .<br />
Em contrapartida, Tereza Arruda Alvim Wambier não<br />
aceita as vedações impostas pelas leis e medidas provisórias a<br />
concessão <strong>de</strong> liminares que para ela são inconstitucionais 45 .<br />
Para Hely Lopes Meirelles a proibição <strong>de</strong> entrega <strong>de</strong> mercadorias<br />
e bens provenientes do exterior, em análise a Lei nº<br />
2.270/56, reproduzido também na nova lei do mandado <strong>de</strong><br />
segurança, enten<strong>de</strong> que vedação só se refere a produtos contraban<strong>de</strong>ados.<br />
O autor ressalta ainda que a proibição <strong>de</strong> liminares<br />
nos casos <strong>de</strong> reclassifi cação ou equiparação <strong>de</strong> servidores<br />
públicos, ou à concessão <strong>de</strong> aumento ou extensão <strong>de</strong> vantagens<br />
afi guram-se inconstitucionais, por <strong>de</strong>sigualarem os impetrantes<br />
em <strong>de</strong>trimento do servidor público, já que a constituição não faz<br />
nenhuma distinção ao instituir o mandamus 46 .<br />
José Miguel Garcia Medina e Fábio Caldas <strong>de</strong> Araújo informam<br />
que a jurisprudência tem concedido liminares contra<br />
o Po<strong>de</strong>r Público, sempre que não se tratar <strong>de</strong> um das exceções<br />
previstas na Lei. Decidiu-se, continuam os Autores, citando<br />
acórdão do STJ da relatoria do Ministro Luiz Fux, com absoluto<br />
acerto, que “as exceções à concessão <strong>de</strong> antecipação <strong>de</strong> tutela<br />
contra a Fazenda Pública reclamam exegese estrita, por isso que<br />
on<strong>de</strong> não há limitação não é lícito ao magistrado entrevê-la”. 47<br />
8. NATUREZA JURÍDICA DA DECISÃO LIMINAR E<br />
O RECURSO CABÍVEL.<br />
As discussões acerca da natureza da <strong>de</strong>cisão que conceda<br />
ou nega o pedido liminar no mandado <strong>de</strong> segurança restaramse<br />
superadas com a previsão expressa do cabimento do agravo<br />
<strong>de</strong> instrumento 48 (§ 1º, art. 7º), não po<strong>de</strong>ndo ser entendido<br />
44 Direito, Carlos Alberto Menezes. Op. cit., p. 127/128.<br />
45 Wambier, Tereza Arruda Alvim. Op. cit., p. 805.<br />
46 Meirelles, Hely Lopes. Op. cit., p. 81.<br />
47 Medina, José Miguel Garcia e Araújo, Fábio Caldas. Op. cit., p.<br />
124.<br />
48 Ementa: PROCESSUAL CIVIL – LIMINAR EM MANDADO DE<br />
SEGURANÇA – NATUREZA INTERLOCUTÓRIA – AGRAVO DE INSTRU-<br />
MENTO – CABIMENTO – APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA SISTEMÁTICA<br />
RECURSAL PREVISTA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 1. A sistemática<br />
recursal prevista no Código <strong>de</strong> Processo Civil é aplicável subsidiariamente<br />
a todo o or<strong>de</strong>namento jurídico, inclusive aos processos<br />
regidos por leis especiais, sempre que não houver disposição especial<br />
em contrário. 2. A liminar, negando ou conce<strong>de</strong>ndo a antecipação, é<br />
<strong>de</strong>cisão interlocutória que <strong>de</strong>safi a agravo <strong>de</strong> instrumento. 3. Em linha<br />
com a já placitada jurisprudência <strong>de</strong>sta Corte, a Nova Lei do Mandado<br />
R I T O S <strong>11</strong>
com era para alguns doutrinadores como <strong>de</strong>spacho e portanto<br />
irrecorrível 49 .<br />
Aliás, a jurisprudência 50 e autores <strong>de</strong> escol, antes do advento<br />
da Lei nº 12.016/09, entendiam que a liminar no writ tinha<br />
natureza <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão interlocutória, pois consiste num pronunciamento<br />
judicial marcadamente <strong>de</strong>cisório, que não tem como<br />
efeito o <strong>de</strong> pôr fi m ao processo ou a procedimento, em primeiro<br />
grau <strong>de</strong> jurisdição 51 , por isso agravável 52 .<br />
Também, não <strong>de</strong>ve ser mais aplicada a Súmula 622 do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que vedada a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso<br />
regimental da <strong>de</strong>cisão do relator que conce<strong>de</strong> ou in<strong>de</strong>fere liminar<br />
em mandado <strong>de</strong> segurança, em face da redação do art. 16,<br />
§ único, da Lei nº 12.016/09, que prevê expressamente o cabimento<br />
<strong>de</strong> recurso <strong>de</strong> agravo ao órgão competente do tribunal<br />
que integre 53 .<br />
9. A PERDA DA EFICÁCIA DA MEDIDA PELA<br />
DENEGAÇÃO DO MANDAMUS E A CADUCIDADE DA<br />
LIMINAR.<br />
Uma questão bastante controvertida na jurisprudência 54 e<br />
doutrina era o <strong>de</strong>saparecimento automático dos efeitos da me-<br />
<strong>de</strong> Segurança, em interpretação autêntica, meramente elucidativa,<br />
prevê explicitamente o agravo <strong>de</strong> instrumento contra <strong>de</strong>cisão liminar<br />
no mandamus (art. 7º, § 1º, da Lei n. 12.016, <strong>de</strong> 07/08/2009). 4.<br />
Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (STJ.<br />
REsp <strong>11</strong>24918/SP. Rel. Min. Eliana Calmon. J. em 17/<strong>11</strong>/2009)<br />
49 Meirelles, Hely Lopes. Op. cit., p. 83.<br />
50 Ementa. MANDADO DE SEGURANÇA - LIMINAR - NATUREZA -<br />
RECURSO - ADEQUAÇÃO. O ato mediante o qual é <strong>de</strong>ferida, ou não,<br />
liminar em mandado <strong>de</strong> segurança enquadra-se na espécie “<strong>de</strong>cisão<br />
interlocutória”, sendo atacável no campo recursal. O conhecimento e<br />
provimento <strong>de</strong> agravo longe fi ca <strong>de</strong> usurpar a competência do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, consi<strong>de</strong>rada a suspensão <strong>de</strong> segurança. (STF. Rcl<br />
1616/PE. Rel. Min. Marco Aurélio. J. em 28/04/2003)<br />
51 Wambier, Tereza Arruda Alvim. Op. cit., p. 794.<br />
52 Figueiredo, Lúcia Valle. Op. cit., p. 150.<br />
53 EMENTA: RECURSO. Agravo regimental. Concessão <strong>de</strong> liminar<br />
em processo <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança. Inadmissibilida<strong>de</strong>. Aplicação<br />
da súmula n° 622. Superveniência do art. 10, § 1°, da Lei n°<br />
12.016./2009. Inaplicabilida<strong>de</strong> a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> data anterior ao início <strong>de</strong><br />
sua vigência. Recurso não conhecido. Embora a lei processual incida<br />
<strong>de</strong> imediato, o regime <strong>de</strong> recorribilida<strong>de</strong> é o da lei vigente à data da<br />
prolação do ato <strong>de</strong>cisório. (STF. MS 27656 MC-AgR/DF. Rel. Min. Cezar<br />
Peluso. J. em 09/12/2009)<br />
54 EMENTA: CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. RE-<br />
CURSO EXTRAORDINÁRIO. EFEITO SUSPENSIVO. I. - Inocorrência <strong>de</strong><br />
fumus boni juris: a segurança foi impetrada contra ato do Ministro <strong>de</strong><br />
Estado consubstanciado na Portaria 789, <strong>de</strong> 24.08.2001, apresentado<br />
o pedido em <strong>janeiro</strong> <strong>de</strong> 2003, julgado extinto o processo pela ocorrência<br />
da <strong>de</strong>cadência. II. - Denegado o mandado <strong>de</strong> segurança, fi ca sem<br />
efeito a liminar concedida: Súmula 405-STF. III. - Agravo não provido.<br />
(STF. AC 280 AgR/DF. Rel. Min. Carlos Velloso. J. em 03/08/2004)<br />
dida liminar com a <strong>de</strong>negação do mandado <strong>de</strong> segurança, tanto<br />
que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral editou a Súmula 405 55 .<br />
Hely Lopes Meirelles admite a persistência da liminar se o<br />
juiz expressamente ressalva a sua subsistência até o trânsito em<br />
julgado e, embora o mesmo silencie a respeito da revogação,<br />
enten<strong>de</strong> que a sua efi cácia permanece até o julgamento da instância<br />
superior.<br />
Assim, prossegue o Autor, é preciso que o julgador a revogue<br />
explicitamente para que cessem seus efeitos, não sendo sufi<br />
ciente apenas que se manifeste sobre o mérito, <strong>de</strong>negando ou<br />
não a segurança, para que fi que automaticamente invalidada a<br />
medida 56 .<br />
Porém, a doutrina majoritária, seguindo a tendência jurispru<strong>de</strong>ncial<br />
sumulada pelo Pretório Excelso, reconhece que a<br />
existência <strong>de</strong> sentença <strong>de</strong>negatória <strong>de</strong>termina a volta ao status<br />
quo ante 57 , reputando-se, nas palavras <strong>de</strong> Alfredo Buzaid, citado<br />
pelo Ministro Menezes Direito, automaticamente revogada pela<br />
sentença que, no mérito, negou a existência <strong>de</strong> direito líquido e<br />
certo do impetrante 58 .<br />
O juiz, ao prolatar a sentença <strong>de</strong>negando a or<strong>de</strong>m, não<br />
po<strong>de</strong> manter a suspensão liminar do ato sob pena <strong>de</strong> contrariar<br />
a própria sentença <strong>de</strong> mérito 59 , passando a liminar ter maior<br />
força que a <strong>de</strong>cisão fi nal 60 .<br />
Adotando esta orientação, a Lei nº 12.016/09, em seu o<br />
art. 7º, § 3º, estabelece que “os efeitos <strong>de</strong> medida liminar, salvo<br />
se revogada ou cassada, persistirão até a prolação da sentença”,<br />
sendo automaticamente revogada com a <strong>de</strong>negação, portanto,<br />
do writ 61 .<br />
55 Súmula nº 405: “Denegado o mandado <strong>de</strong> segurança pela<br />
sentença, ou no julgamento do agravo, <strong>de</strong>la interposto, fi ca sem efeito<br />
a liminar concedida, retroagindo os efeitos da <strong>de</strong>cisão”.<br />
56 Op. cit., p. 85.<br />
57 Figueiredo, Lúcia Valle. Op. cit., p. 159.<br />
58 Direito, Carlos Alberto Menezes. Op. cit., p. 135.<br />
59 Direito, Carlos Alberto Menezes. Op. cit., p. 135.<br />
60 Medina, José Miguel Garcia e Araújo, Fábio Caldas. Op. cit., p.<br />
129.<br />
61 Ementa. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM<br />
AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR.<br />
SENTENÇA QUE EXTINGUE O MANDAMUS SEM RESOLUÇÃO DO<br />
MÉRITO (ILEGITIMIDADE PASSIVA). RECEBIMENTO DO RECURSO DE<br />
APELAÇÃO NO DUPLO EFEITO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 405 DO<br />
STF. ART. 7º, § 3º, DA LEI N. 12.016/2009 – NOVA LEI DO MANDA-<br />
DO DE SEGURANÇA. CONSTATAÇÃO DOS REQUISITOS CAUTELARES<br />
NECESSÁRIOS À ATRIBUIÇÃO DO EFEITO SUSPENSIVO. SÚMULA N. 7<br />
12 R I T O S www.amarn.com.br
Noutro aspecto da nova lei do Mandado <strong>de</strong> Segurança, o<br />
artigo 8º, reproduzindo a redação prevista no artigo 2º, da Lei<br />
nº 4.348/64, e minimamente alterada, enuncia que “será <strong>de</strong>cretada<br />
a perempção ou caducida<strong>de</strong> da medida liminar ex offi cio<br />
ou a requerimento do Ministério Público quando, concedida a<br />
medida, o impetrante criar obstáculo ao normal andamento do<br />
processo ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> promover, por mais <strong>de</strong> 3 (três) dias úteis,<br />
os atos e as diligências que lhe cumprirem”.<br />
A redação dada pela Lei nº 12.016/09 retira do artigo 2º,<br />
da Lei nº 4.348/64 apenas a parte fi nal quanto ao abandono da<br />
causa pelo impetrante por mais <strong>de</strong> 20 (vinte) dias.<br />
Para José Miguel Garcia Medina e Fábio Caldas <strong>de</strong> Araújo<br />
o legislador <strong>de</strong>veria ter corrigido essa anomalia e extirpado do<br />
sistema a possibilida<strong>de</strong> uma vez que a sanção imposta afi gura-se<br />
<strong>de</strong>sproporcional ao fi m visado, ainda mais com a previsão da<br />
hipótese litigância <strong>de</strong> má-fé inserta no art. 17, IV, CPC 62 .<br />
Alertam os Autores ainda que a sanção pelo abandono da<br />
causa é <strong>de</strong>snecessária na medida em que a contumácia do impetrante<br />
não é causa <strong>de</strong> extinção do processo, mas <strong>de</strong> resolução do<br />
processo, sem análise do mérito, na forma do artigo 267, III, do<br />
CPC. Todavia, não obstante ser necessária a aplicação <strong>de</strong> sanção<br />
pelo abandono, imprescindível a intimação prévia e pessoal<br />
do impetrante para promover as diligências <strong>de</strong>terminadas para<br />
o prosseguimento da ação no prazo <strong>de</strong> 48h 63 .<br />
BIBLIOGRAFIA<br />
BARBI, Celso Agrícola. Do Mandado <strong>de</strong> Segurança. Rio <strong>de</strong><br />
DO STJ. 1. Caso em que se discute a atribuição <strong>de</strong> efeito suspensivo<br />
a recurso <strong>de</strong> apelação interposto contra sentença que extinguiu, sem<br />
análise do mérito, o mandado <strong>de</strong> segurança. Pretensão <strong>de</strong> revigorar a<br />
liminar outrora concedida. 2. Agravo regimental em que se sustenta:<br />
(i) a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atribuição <strong>de</strong> efeito suspensivo ao recurso <strong>de</strong><br />
apelação, caso constatados o fumus boni iuris e o periculum in mora;<br />
e (ii) a não aplicação, ao caso, do entendimento da Súmula n. 405<br />
do STF. 3. A superveniência da sentença que extingue o mandado <strong>de</strong><br />
segurança, sem resolução do mérito, torna sem efeito a liminar a concedida.<br />
Inteligência da Súmula n. 405 do STF. 4. Entendimento que é<br />
reforçado pelo art. 7º, § 3º, da Lei n. 12.016/2009 – nova lei do mandado<br />
<strong>de</strong> segurança, que dispõe: “os efeitos da medida liminar, salvo<br />
se revogada ou cassada, persistirão até a prolação da sentença”. 5. No<br />
caso específi co, o acórdão recorrido não se manifestou expressamente<br />
a respeito dos requisitos cautelares. Nesse contexto, o recurso especial<br />
não é o meio a<strong>de</strong>quado à discussão sobre a presença dos referidos requisitos,<br />
ante o óbice da Súmula n. 7 do STJ. 6. Agravo regimental não<br />
provido. (STJ. AgRg no Ag <strong>11</strong>84864/MG. Rel. Min. Benedito Gonçalves.<br />
J. em 01/12/2009)<br />
62 Op. cit., p. 131/132.<br />
63 Op. cit., p. 134.<br />
www.amarn.com.br<br />
Janeiro. Forense. 2000.<br />
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Manual do Mandado <strong>de</strong><br />
Segurança. Rio <strong>de</strong> Janeiro/São Paulo. Renovar. 2003.<br />
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Mandado <strong>de</strong> Segurança. São Paulo.<br />
Malheiros. 2002.<br />
MEDINA, José Miguel Garcia e ARAÚJO, Fábio Caldas. Mandado<br />
<strong>de</strong> Segurança Individual e Coletivo. São Paulo. RT. 2009.<br />
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado <strong>de</strong> Segurança. São Paulo.<br />
Malheiros. 2004.<br />
NOJIRI, Sérgio. Discricionarieda<strong>de</strong> Judicial na Apreciação <strong>de</strong><br />
Pedido <strong>de</strong> Medida Liminar em Mandado <strong>de</strong> Segurança – Aspectos<br />
Polêmicos e Atuais do Mandado <strong>de</strong> Segurança. São Paulo.<br />
RT. 2002.<br />
OLIVEIRA, Francisco Antônio. Mandado <strong>de</strong> Segurança e<br />
Controle Jurisdicional. São Paulo. RT. 2001.<br />
PACHECO, José da Silva. O Mandado <strong>de</strong> Segurança e Outras<br />
Ações Constitucionais. São Paulo. RT. 2002.<br />
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Ainda Sobre a Recorribilida<strong>de</strong><br />
da Liminar em Mandado <strong>de</strong> Segurança – Aspectos Polêmicos<br />
e Atuais do Mandado <strong>de</strong> Segurança. São Paulo. RT. 2002.<br />
Sites consultados na internet:<br />
BRASIL. Presidência da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil. Disponível<br />
em: www.presi<strong>de</strong>ncia.gov.br.<br />
BRASIL. Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Disponível em: www.stf.<br />
jus.br.<br />
BRASIL. Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça. Disponível em: www.stj.<br />
jus.br.<br />
R I T O S 13
Poema<br />
Tempo, quanto<br />
tempo<br />
Há pouco tempo,<br />
Éramos nós correndo ao redor da mesa;<br />
Há pouco tempo,<br />
Só nós sentávamos à mesa.<br />
Hoje,<br />
Correm nossos fi lhos<br />
Ao lado da mesa.<br />
Em pouco tempo,<br />
Os fi lhos dos nossos fi lhos estarão<br />
Junto à mesa.<br />
E <strong>de</strong>pois,<br />
Será nova a mesa<br />
E nós,<br />
Apenas um retrato na estante<br />
Ou um nome na memória,<br />
E a lembrança<br />
De quão felizes fomos.<br />
A liberda<strong>de</strong><br />
Hoje eu vi a liberda<strong>de</strong><br />
Nos olhos <strong>de</strong> um homem.<br />
Hoje eu vi a liberda<strong>de</strong>,<br />
Escorrendo, <strong>de</strong>slizando<br />
Pela face <strong>de</strong> um homem<br />
[chorava.<br />
Não sei se aquelas lágrimas<br />
Eram doídas lembranças do cárcere<br />
Ou se eram a alegria extravasada<br />
Tal qual a do pássaro que <strong>de</strong>ixa livre a gaiola.<br />
Hoje eu vi o homem (ser humano)<br />
Que nem era criminoso, nem inocente,<br />
Era gente.<br />
E gente sofre, chora e erra,<br />
Ah, como erra!<br />
E assim, entre erros e acertos,<br />
Sofrimento e alegria,<br />
Per<strong>de</strong> e reconquista<br />
A liberda<strong>de</strong>. 1<br />
1 Escrito após a concessão <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> provisória a<br />
um réu na Vara Criminal da Comarca <strong>de</strong> São Gonçalo do<br />
Amarante/RN, na audiência do seu interrogatório. O réu<br />
era acusado <strong>de</strong> ter acendido o fogo para o <strong>de</strong>rretimento <strong>de</strong><br />
fi os <strong>de</strong> cobre (<strong>de</strong> telefone) furtados. Estava preso há cerca<br />
<strong>de</strong> trinta dias.<br />
14 R I T O S www.amarn.com.br
A noiva do sol<br />
<strong>de</strong>sfeita em chuva<br />
E Natal, a noiva do Sol,<br />
Vestiu-se <strong>de</strong> cinza<br />
E em chuva <strong>de</strong> lágrimas se <strong>de</strong>sfez,<br />
Deixada no altar à espera do Sol.<br />
Era inverno outra vez,<br />
Chove e nubla como nunca<br />
O sol se escon<strong>de</strong>,<br />
A vida fi ca turva.<br />
Em Natal,<br />
Tempo <strong>de</strong> chuva é tempo <strong>de</strong> tristeza,<br />
Pois o que é da Cida<strong>de</strong> do Sol, sem Sol?<br />
Navegamos no rio <strong>de</strong> águas empoçadas<br />
[empoçadas <strong>de</strong> céu liquefeito<br />
No Potengi, à espera, do espelho <strong>de</strong> azul que se abra no espaço.<br />
www.amarn.com.br<br />
Lápi<strong>de</strong><br />
Descanse em paz.<br />
Na morte, talvez.<br />
Em vida,<br />
Jamais!<br />
Paulo Luciano Maia Marques<br />
Juiz do Juizado Especial Criminal<br />
da Comarca <strong>de</strong> Mossoró e<br />
Coor<strong>de</strong>nador Administrativo da<br />
Escola da Magistratura do Rio<br />
Gran<strong>de</strong> do Norte (ESMARN).<br />
R I T O S 15
História<br />
Judite Nunes<br />
Primeira mulher na<br />
presidência do TJRN
Creio que não<br />
<strong>de</strong>va existir<br />
distanciamento<br />
entre juízes<br />
<strong>de</strong> Direito e os<br />
<strong>de</strong>sembargadores.<br />
Todos somos,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da<br />
instância à qual<br />
pertencemos,<br />
magistrados”.<br />
www.amarn.com.br<br />
20<strong>11</strong> fi cará marcado na história<br />
como o ano da mulher em postos <strong>de</strong><br />
comando no Brasil e principalmente no<br />
Rio Gran<strong>de</strong> do Norte. A primeira mulher<br />
presi<strong>de</strong>nte do Brasil – Dilma Roussef;<br />
a primeira mulher reitora da UFRN<br />
– professora Ângela Paiva; a segunda<br />
mulher governadora do Estado – Rosalba<br />
Ciarlini e a primeira mulher a assumir<br />
a presidência do Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />
do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte – Desembargadora<br />
Judite Nunes. São noticias animadoras<br />
que provam à consolidação da<br />
<strong>de</strong>mocracia. Cada uma <strong>de</strong>ssas mulheres<br />
tem a sua própria história e trajetória <strong>de</strong><br />
vida e na carreira que escolheram.<br />
No caso da <strong>de</strong>sembargadora Judite<br />
<strong>de</strong> Miranda Monte Nunes, nascida<br />
em Natal no 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1946,<br />
a nomeação para o Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />
foi em 1997 pelo dispositivo do quinto<br />
constitucional. Como <strong>de</strong>sembargadora,<br />
ela presidiu o Tribunal Regional Eleitoral,<br />
foi vice-presi<strong>de</strong>nte do TJ, presidiu<br />
a segunda câmara criminal e exerceu o<br />
cargo <strong>de</strong> ouvidora.<br />
Mulher – “Quando cheguei ao Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte,<br />
já havia a <strong>de</strong>sembargadora Eliane<br />
Oliveira, primeira mulher a integrá-lo,<br />
e posso dizer, com convicção, que sempre<br />
tive a aceitação dos pares, mantendo<br />
um trato cordial <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> com todos<br />
os colegas. Na socieda<strong>de</strong> atual, a mulher<br />
ocupa cada vez mais espaço, mas, no entanto,<br />
muito ainda po<strong>de</strong> ser melhorado<br />
a fi m <strong>de</strong> se evitar o preconceito. Apesar<br />
<strong>de</strong> nunca tê-lo sentido, isso não signifi ca<br />
que ele não existe. Mas já temos muito a<br />
comemorar”, afi rmou a futura presi<strong>de</strong>nte<br />
do TJRN.<br />
Tribunal <strong>de</strong> Justiça – a nova administração<br />
do judiciário potiguar foi<br />
eleita para o biênio 20<strong>11</strong>/2012, por<br />
unanimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votos, com a seguinte<br />
composição:<br />
Presi<strong>de</strong>nte – Judite Nunes; Vice-presi<strong>de</strong>nte<br />
– Expedito Ferreira; Corregedorgeral<br />
– Cláudio Santos; Ouvidor-geral<br />
– A<strong>de</strong>rson Silvino; Diretor da Revista <strong>de</strong><br />
Jurisprudência – Amílcar Maia; Diretor<br />
da Esmarn – Rafael Go<strong>de</strong>iro; Membros<br />
do Conselho da Magistratura – Virgílio<br />
Fernan<strong>de</strong>s e Maria Zenei<strong>de</strong> Bezerra; Suplentes<br />
do Conselho da Magistratura –<br />
Dilermando Mota e Osvaldo Cruz.<br />
A nova presi<strong>de</strong>nte do TJ, após a<br />
eleição ocorrida em outubro passado,<br />
<strong>de</strong>clarou total empenho para fazer do<br />
judiciário potiguar um po<strong>de</strong>r cada vez<br />
mais forte e se disse realizada no trabalho.<br />
“Acho que o ser humano sempre<br />
está em busca <strong>de</strong> algo mais, seja diante<br />
<strong>de</strong> prévio planejamento, seja diante das<br />
oportunida<strong>de</strong>s que surgem ao longo da<br />
vida. Posso dizer que sou muito realizada<br />
no que faço. E a realização profi ssional<br />
é muito gratifi cante. Porém, tenho como<br />
certo que sempre se po<strong>de</strong> fazer mais.<br />
Esforçando-se, ousando e tendo coragem,<br />
com responsabilida<strong>de</strong> e equilíbrio,<br />
procurando sempre acertar, ainda que<br />
precise apren<strong>de</strong>r com os erros e, com<br />
humilda<strong>de</strong>, corrigir as falhas <strong>de</strong>tectadas”,<br />
fi nalizou a <strong>de</strong>sembargadora Judite<br />
Nunes.<br />
R I T O S 17
ARTIGO<br />
Cícero M. <strong>de</strong> Macedo Filho<br />
Juiz <strong>de</strong> Direito. Mestre em Direito<br />
Constitucional/UFRN. Doutorando<br />
em Socieda<strong>de</strong> Democrática, Estado e<br />
Direito/Universida<strong>de</strong> do País Basco/<br />
Espanha. Estudante <strong>de</strong> História/UFRN.<br />
Músico amador.<br />
100<br />
ANOS DE UM GÊNIO DA RAÇA<br />
Noel Rosa<br />
18 R I T O S www.amarn.com.br
www.amarn.com.br<br />
No dia <strong>11</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1910, passados,<br />
portanto, 100 anos, nascia Noel <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros<br />
Rosa, um genial brasileiro que passou<br />
para a história da nossa música popular<br />
como Noel Rosa, o “Poeta da Vila”, numa<br />
referência ao bairro on<strong>de</strong> nasceu, viveu e<br />
morreu, a Vila Isabel, no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Viveu somente vinte e seis anos e meio, porém<br />
<strong>de</strong>ixou mais <strong>de</strong> duzentas músicas feitas<br />
só ou em parcerias, verda<strong>de</strong>iras obras primas<br />
que se tornaram clássicos da música popular<br />
brasileira. Morreu como nasceu e como<br />
viveu: pobre e doente. Já ao nascer, teve que<br />
enfrentar os problemas <strong>de</strong>correntes do parto<br />
fórceps que lhe afundou o maxilar, levandoo,<br />
para o resto da vida, a conviver com a difi<br />
culda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se alimentar, o que lhe <strong>de</strong>u uma<br />
magreza que chamava a atenção, e contribuiu<br />
para que se acelerasse a doença que viria<br />
a adquirir <strong>de</strong>pois, a tuberculose, que não<br />
conseguiu curar em razão da boemia, e que<br />
acabaria tirando-lhe a vida. Alimentava-se<br />
basicamente <strong>de</strong> líquidos, e quando começou<br />
a compor e conviver com os compositores e<br />
artistas da época, entregou-se <strong>de</strong>fi nitivamente<br />
a boemia, preferindo a cerveja ao leite.<br />
Trocava o dia pela noite, para <strong>de</strong>sespero da<br />
mãe, com quem apren<strong>de</strong>ra a tocar bando-<br />
lim. Só <strong>de</strong>pois, por infl uência do pai, é que<br />
adotou o violão, do qual tornou-se exímio<br />
executor.<br />
Em razão da infl uência familiar – avós e<br />
tios médicos – foi estudar Medicina, chegando<br />
a cursar até o segundo ano. Nessa época,<br />
já compondo e tocando, teve que escolher<br />
entre o samba e a medicina, e escolheu o<br />
primeiro. O país per<strong>de</strong>u um médico, mas<br />
ganhou o mais genial compositor <strong>de</strong> todos os<br />
tempos. Data <strong>de</strong>ssa época o samba “Coração”,<br />
que fi cou famoso não só pela sua beleza<br />
harmônica, mas pelos erros anatômicos,<br />
que alguns afi rmam terem sido propositais,<br />
uma vez que Noel <strong>de</strong>fi nitivamente não queria<br />
ser médico. A partir <strong>de</strong> 1930, quando obteve<br />
o seu primeiro gran<strong>de</strong> sucesso – o samba<br />
“Com que roupa?” - passou a viver exclusivamente<br />
com o pouco que recebia <strong>de</strong> suas<br />
composições e apresentações e o auxílio da<br />
mãe, professora. Gastava tudo o que ganhava<br />
com a boemia, com mulheres e bebidas.<br />
São famosas suas paixões por mulheres que<br />
foram musas <strong>de</strong> sambas antológicos, como<br />
“Último Desejo” e “Dama do Cabaré”, feitos<br />
para Ceci, um dos seus gran<strong>de</strong>s amores e<br />
que era dançarina em um cabaré da Lapa.<br />
Aos vinte e três anos, foi obrigado a casar-se<br />
R I T O S 19
com Lindaura, que tinha apenas treze anos, e fi cara<br />
grávida. Para os padrões morais da época, tal fato<br />
era motivo <strong>de</strong> um casamento “obrigado”. Chegou a<br />
fazer samba falando da vida íntima do casal. Mesmo<br />
casado e já doente, Noel não <strong>de</strong>sistiu da boemia, das<br />
mulheres e da bebida, comprometendo <strong>de</strong> forma<br />
irremediável a saú<strong>de</strong> com o agravamento da tuberculose<br />
que causaria a sua morte. Deixou uma obra<br />
magnífi ca, feita em apenas sete anos <strong>de</strong> carreira.<br />
Uma obra <strong>de</strong> gênio, incomparável no cancioneiro<br />
nacional. Sua obra tinha brilho autônomo, tanto na<br />
música como na letra, e ele aceitava e dava parcerias.<br />
Muitos afi rmam que sambas famosos <strong>de</strong> outros<br />
autores são, na verda<strong>de</strong>, letras <strong>de</strong> Noel, que graciosamente<br />
fazia as letras e dava a outros compositores,<br />
que divulgavam como se fosse suas as composições.<br />
A obra <strong>de</strong> Noel Rosa é marcada pela vivência<br />
no seu bairro, Vila Isabel, pelos seus amores, pelas<br />
suas piadas, e até mesmo pelas rivalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> outros<br />
compositores, comuns na época. Era um cronista do<br />
seu tempo, da sua cida<strong>de</strong>, o Rio <strong>de</strong> Janeiro, e do<br />
país. Fez sambas com temas como fi losofi a, política,<br />
moral, carnaval, cinema, mulheres, vadios, honestida<strong>de</strong>,<br />
pobreza, progresso, amores, dores e tristezas.<br />
Letras <strong>de</strong> rico vocabulário, <strong>de</strong> rimas preciosas, que<br />
se harmonizavam com perfeição às melodias Isso<br />
garantiu à música popular brasileira obras primorosas<br />
como Pierrô Apaixonado, Filosofi a, Pastorinhas,<br />
O orvalho vem caindo, Feitio <strong>de</strong> Oração, Não tem<br />
tradução, Prá que mentir, Conversa <strong>de</strong> botequim,<br />
Gago Apaixonado, Você vai se quiser, Coisas nossas,<br />
Mentiras <strong>de</strong> mulher, Feitiço da Vila, Palpite infeliz,<br />
Fita amarela, Dama <strong>de</strong> Cabaré, Mulher indigesta,<br />
A<strong>de</strong>us, Cansei <strong>de</strong> pedir, Capricho <strong>de</strong> rapaz solteiro,<br />
Cor <strong>de</strong> cinza, Cordiais saudações, Falam <strong>de</strong> mim,<br />
Positivismo, Por causa da hora, Rapaz folgado, Silêncio<br />
<strong>de</strong> um minuto, Três apitos, Triste cuíca, Tipo<br />
zero, Quando o samba acabou, On<strong>de</strong> está a honestida<strong>de</strong>,<br />
Cansei <strong>de</strong> pedir, Meu barracão, Último<br />
<strong>de</strong>sejo, Com que roupa e tantas outras obras que<br />
marcaram <strong>de</strong>fi nitivamente a música popular brasileira.<br />
Quando morreu, em um quarto <strong>de</strong> sua casa,<br />
sua música estava sendo tocada em uma festa na<br />
casa em frente.<br />
A obra <strong>de</strong> Noel não tem tempo nem dimensão.<br />
É eterna e atual. Passados mais <strong>de</strong> setenta anos <strong>de</strong><br />
sua morte (04 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1937), sua música e poesia<br />
continuam mo<strong>de</strong>rnas, mais vivas do que nunca. Sua<br />
obra não precisa ser revisitada, revista, atualizada.<br />
Ela é atual por si mesma, é mo<strong>de</strong>rna pelo que ela<br />
foi, pelo que é e representa no cotidiano da vida do<br />
país. Foi gravada por praticamente todos os gran<strong>de</strong>s<br />
artistas dos país, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aqueles que com ele conviveram,<br />
passando pelos gran<strong>de</strong>s dos anos seguintes<br />
até alcançar os gran<strong>de</strong>s dos dias atuais. Não é a toa<br />
que gente como Chico Buarque, Ivan Lins, Caetano<br />
Veloso, Gilberto Gil, Tom Jobim, Gal Costa, Maria<br />
Bethânia, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, estão<br />
sempre regravando Noel, assim como inúmeros<br />
outros artistas e grupos, já que não se po<strong>de</strong> aqui citar<br />
20 R I T O S www.amarn.com.br
Juiz Cícero Macedo em momento musical.<br />
todos. Dizem ainda alguns autores ter sido Noel o<br />
precursor da bossa nova, o que parece ser mesmo<br />
verda<strong>de</strong>, bastando ver as construções harmônicas<br />
<strong>de</strong> suas músicas. E também da música <strong>de</strong> protesto,<br />
<strong>de</strong> motivos políticos, em razão das suas letras marcadamente<br />
críticas. Não há dúvida <strong>de</strong> que ele foi<br />
um dos maiores compositores <strong>de</strong> todos os tempos.<br />
Encantou o povão nos anos 30 do século passado,<br />
e as gentes cultas dos anos seguintes, até os dias<br />
atuais. Disse recentemente o gran<strong>de</strong> poeta e compositor<br />
Aldir Blanc que “Noel é o mais mo<strong>de</strong>rno<br />
dos compositores brasileiros”. Não há dúvida que<br />
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Noel tornou-se um clássico, e hoje faz parte do<br />
nosso patrimônio cultural, e certamente é o marco<br />
fundamental da música popular brasileira.<br />
Disse certa vez um fi lósofo ateu que se Deus<br />
não existisse seria necessário inventá-lo. Se Noel<br />
não tivesse existido na história da música popular<br />
brasileira, seria necessário inventá-lo, pois só<br />
a sua genialida<strong>de</strong> seria capaz <strong>de</strong> nos legar obras<br />
primas como as que ele nos <strong>de</strong>ixou, insuperáveis<br />
até hoje. E por isso Noel jamais será esquecido,<br />
pois os gênios não morrem. E ele foi um <strong>de</strong>les:<br />
um gênio da raça.<br />
R I T O S 21
Projetos Especiais<br />
Estudantes em Nísia<br />
Floresta formando a<br />
Ban<strong>de</strong>ira do Brasil<br />
O lado social da justiça<br />
Juiz Marcus Vinícius e a experiência<br />
com projetos sociais<br />
Nísia Floresta, cida<strong>de</strong> localizada a 42 quilômetros <strong>de</strong> Natal, é cercada por lagoas<br />
e um belo litoral. Com um cenário <strong>de</strong>sses, é natural que haja especulação imobiliária<br />
acarretando o problema da <strong>de</strong>vastação ambiental no município e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />
intervenção maior do Po<strong>de</strong>r Judiciário. Assim, com o projeto “Plantar uma Floresta em<br />
Nísia Floresta” o município foi contemplado com a plantação <strong>de</strong> 8 mil mudas <strong>de</strong> árvores<br />
nativas, várias palestras e eventos <strong>de</strong> conscientização ambiental em um período <strong>de</strong> 4 anos.<br />
A iniciativa foi do juiz Marcus Vinícius Pereira Júnior, através do programa do Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça do RN “Novos Rumos na Execução Penal”, presidido pelo Desembargador<br />
Saraiva Sobrinho, que tem como objetivo transformar as ilegalida<strong>de</strong>s cometidas pelos<br />
22 R I T O S www.amarn.com.br<br />
Fotos: arquivo pessoal
Juiz Marcus Vinícius Pereira Júnior<br />
www.amarn.com.br<br />
cidadãos em benefícios para toda a socieda<strong>de</strong>.<br />
Dentro do programa, a população do município<br />
ganhou ainda um terreno doado pela iniciativa<br />
privada, on<strong>de</strong> está sendo construído Eco Posto Nísia<br />
Floresta, local para o <strong>de</strong>senvolvimento da educação<br />
ambiental e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um viveiro <strong>de</strong> mudas,<br />
com a participação <strong>de</strong> estudantes e da comunida<strong>de</strong><br />
em geral.<br />
As mudas são produzidas, plantadas e cuidadas<br />
por pessoas acusadas <strong>de</strong> terem praticado algum<br />
crime ambiental, sendo o objetivo maior atrair as<br />
pessoas que um dia cometeram um ilícito ambiental<br />
para a luta em favor <strong>de</strong> um meio ambiente ecologicamente<br />
equilibrado. O projeto <strong>de</strong>u tão certo que<br />
acabou envolvendo pessoas da comunida<strong>de</strong> e em<br />
vários eventos foram mobilizadas milhares <strong>de</strong> pessoas,<br />
principalmente estudantes do município <strong>de</strong> Nísia<br />
Floresta que formaram a ban<strong>de</strong>ira Nacional e um<br />
coração, numa homenagem à natureza.<br />
Nos crimes cuja pena não ultrapassa dois anos,<br />
é possível, ao invés <strong>de</strong> ser processada, a pessoa fazer<br />
um acordo com o Ministério Público para contribuir<br />
para a preservação ambiental, ou seja, cumpre<br />
a pena plantando, cuidando e preservando as<br />
plantas do seu bairro, escola ou terreno. “O custo<br />
<strong>de</strong> uma pessoa presa hoje para o Estado é <strong>de</strong> aproximadamente<br />
dois mil reais por mês. Com o cumprimento<br />
<strong>de</strong> pena restritiva <strong>de</strong> direito, como a prestação<br />
<strong>de</strong> serviços à comunida<strong>de</strong> (plantio <strong>de</strong> mudas),<br />
o Estado não gasta nada e a pessoa anda tem uma<br />
maior conscientização ambiental, ao <strong>de</strong>volver para<br />
a socieda<strong>de</strong> com serviços o ilícito cometido” afi rma<br />
o juiz Marcus Vinícius Pereira Júnior.<br />
Essa experiência em Nísia Floresta foi <strong>de</strong>staque<br />
nacional por diversas vezes, com reportagens especiais<br />
da TV Senado, TV Justiça, Rádio do STF,<br />
<strong>de</strong>ntre várias outras, ressaltando, inclusive, que em<br />
uma seleção promovida pelo Ministério da Justiça,<br />
em 2010, o projeto “Plantar uma Floresta em Nísia<br />
Floresta” foi consi<strong>de</strong>rado um dos 15 melhores<br />
<strong>de</strong>senvolvidos em execução penal em todo o Brasil.<br />
Trânsito – Antes <strong>de</strong>ssa experiência em Nísia<br />
Floresta, o juiz Marcus Vinícius passou pela comarca<br />
<strong>de</strong> Macau, on<strong>de</strong> realizou um projeto diferente.<br />
Segundo o Magistrado, não existem projetos padrões<br />
para o <strong>de</strong>senvolvimento em todas as comunida<strong>de</strong>s,<br />
pois a ação do Judiciário <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> das condições<br />
vividas em cada município. No caso <strong>de</strong> Macau,<br />
na época, era muito comum pessoas pilotarem motocicletas<br />
e veículos sem carteira <strong>de</strong> habilitação, gerando<br />
para a população diversos prejuízos, como o<br />
elevado número <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trânsito. Um outro<br />
exemplo foi a Comarca <strong>de</strong> Caicó, on<strong>de</strong> vários motoristas<br />
são constantemente fl agrados conduzindo<br />
veículos automotores sob o efeito <strong>de</strong> álcool.<br />
Em pouco tempo, 40 pessoas foram fl agradas dirigindo<br />
embriagadas, tendo sido realizada uma audiência<br />
coletiva e, através do projeto “Sinal Ver<strong>de</strong>”,<br />
foi aplicada a pena alternativa em todos os casos,<br />
R I T O S 23
que consiste na prestação <strong>de</strong> serviços à comunida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Caicó, ressaltando que em vários casos além da<br />
prestação <strong>de</strong> serviços as pessoas também contribuem<br />
fi nanceiramente, <strong>de</strong> acordo com suas necessida<strong>de</strong>s.<br />
No caso, foi feito um acordo para que as pessoas encontradas<br />
dirigindo embriagadas fi cassem 02 (dois)<br />
anos levando os idosos para o médico, para passear,<br />
visitar familiares, isso usando os mesmos veículos do<br />
cometimento do crime <strong>de</strong> embriaguez ao volante. No<br />
fi nal, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> cumprirem o acordo judicial, essas<br />
mesmas pessoas saem do processo com a fi cha limpa<br />
e os idosos, tão carentes <strong>de</strong> atenção e recursos, passaram<br />
a não mais ter problemas <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento em<br />
razão da gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> veículos disponíveis<br />
para levarem os mesmos para qualquer lugar.<br />
Parelhas - No município <strong>de</strong> Parelhas, na região<br />
do Seridó, somente em 2009 foram registrados 385<br />
aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trânsito, a maioria envolvendo motocicletas.<br />
Com o início da fi scalização, em junho <strong>de</strong><br />
2010 e até novembro do mesmo ano, foram apreendidas<br />
mais <strong>de</strong> 500 motos no município e a quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes registrada foi <strong>de</strong> aproximadamente 10.<br />
Um outro problema resolvido com a ação foi o tráfi co<br />
<strong>de</strong> drogas, segundo o juiz, pois muitas motos eram<br />
Projeto “Plantar<br />
uma fl oresta em<br />
Nísia Floresta”<br />
usadas para o transporte <strong>de</strong> drogas entre os jovens,<br />
pois com a presença da polícia fi scalizado nas ruas,<br />
apoiada pelo Judiciário, foi inibida a ação criminosa,<br />
contribuindo para que Parelhas notasse sensivelmente<br />
a diminuição da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas ven<strong>de</strong>ndo<br />
e consumindo drogas.<br />
Com recursos do projeto “Sinal Ver<strong>de</strong>”, focado<br />
no combate às ilegalida<strong>de</strong>s cometidas no trânsito,<br />
foram adquiridos equipamentos <strong>de</strong> informática para<br />
o Conselho Tutelar, que conveniado com o projeto<br />
“Sinal Ver<strong>de</strong>” executa mais uma ação do projeto,<br />
proporcionando que crianças da cida<strong>de</strong> tenham<br />
acesso ao cinema. Uma vez por semana elas vão até<br />
o Conselho e assistem a fi lmes com direito a pipoca<br />
e refrigerante, tudo com recursos arrecadados pelo<br />
projeto que busca a melhoria no trânsito das cida<strong>de</strong>s.<br />
Como as ações sociais são direcionadas <strong>de</strong> acordo<br />
com as necessida<strong>de</strong>s do município, em Parelhas um<br />
dos <strong>de</strong>stinos dos recursos arrecadados foi o Hospital<br />
Estadual Doutor José Augusto Dantas, on<strong>de</strong> faltavam<br />
ca<strong>de</strong>iras para os acompanhantes, ar-condicionado e<br />
medicamentos. Com o dinheiro do projeto os problemas<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sabastecimento foram amenizados e houve<br />
ainda uma economia para o Po<strong>de</strong>r Público. Antes do<br />
24 R I T O S www.amarn.com.br
projeto as <strong>de</strong>spesas médicas com as vítimas <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes<br />
<strong>de</strong> motos caíram <strong>de</strong> R$ 5.000,00 (cinco mil<br />
reais) por mês para aproximadamente R$ 200,00<br />
(duzentos reais).<br />
Centro <strong>de</strong> Detenção – Um dos piores dramas<br />
do sistema prisional é a falta <strong>de</strong> ocupação <strong>de</strong> presos.<br />
Em Parelhas, no Centro <strong>de</strong> Detenção Provisória, a<br />
situação dos apenados era à da maioria do Brasil, ou<br />
seja, plena ociosida<strong>de</strong>. Hoje, graças a iniciativa do<br />
Po<strong>de</strong>r Judiciário, alguns presos fazem parte do projeto<br />
<strong>de</strong> fabricação <strong>de</strong> vassouras com garrafas peti. Os<br />
apenados produzem o material, através da arrecadação<br />
<strong>de</strong> garrafas pela comunida<strong>de</strong> e ainda conseguem<br />
benefícios na redução da pena, com a redução <strong>de</strong> um<br />
dia <strong>de</strong> pena para cada três dias trabalhados. São produzidas<br />
em média <strong>de</strong> 35 vassouras pequenas por dia<br />
e cada uma é vendida ao preço <strong>de</strong> R$ 3,50 (três reais<br />
e cinqüenta centavos) no comércio local. O rateio é<br />
Ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> preservação ambiental nas dunas<br />
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feito da seguinte forma: R$ 1,00 (um real) <strong>de</strong> acessórios,<br />
R$ 1,00 (um real) R$ 0,50 (cinqüenta centavos)<br />
para manutenção do projeto e R$ 1,00 (um real) para<br />
os <strong>de</strong>tentos.<br />
O trabalho da justiça funciona, muitas vezes,<br />
a partir da integração entre todos os atores sociais.<br />
Histórias como essas são exemplos <strong>de</strong> que projetos<br />
sociais são importantes para a <strong>de</strong>mocratização da<br />
justiça e o juiz Marcus Vinícius Pereira Júnior vem<br />
provando que o resultado po<strong>de</strong> ser positivo. “É importante<br />
a realização <strong>de</strong> palestras nas escolas, visitas<br />
às comunida<strong>de</strong>s e conversas informais como na feira<br />
livre para aproximar o Judiciário da comunida<strong>de</strong> e<br />
assim po<strong>de</strong>r sentir suas reais necessida<strong>de</strong>s. Com essa<br />
presença o povo passa participar ativamente do cotidiano<br />
do Judiciário, po<strong>de</strong>ndo assim ser cada dia mais<br />
consciente dos problemas e comprometido com a<br />
busca <strong>de</strong> soluções”, fi nalizou o magistrado.<br />
R I T O S 25
ARTIGO<br />
Peterson Fernan<strong>de</strong>s Braga<br />
Juiz <strong>de</strong> Direito da Comarca <strong>de</strong> São<br />
Paulo do Potengi-RN<br />
Direitos fundamentais e<br />
políticas públicas: ativismo<br />
judicial nas ações afi rmativas<br />
1. INTRODUÇÃO:<br />
O Direito, enquanto fenômeno social, encontra-se sujeito a um conjunto<br />
<strong>de</strong> transformações que, rotineiramente, ocorrem no seio da socieda<strong>de</strong> que<br />
visa regular. A respeito, o Desembargador do Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo,<br />
Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues, assinalou, em trecho digno <strong>de</strong> transcrição,<br />
que “De tempos em tempos, os ‘organismos’ – tanto os biológicos<br />
quanto os jurídicos e sociais –, dão uma espécie <strong>de</strong> ‘salto’ para um patamar,<br />
geralmente superior. Reagem, em suma, às difi culda<strong>de</strong>s do meio ambiente.<br />
Assumem novas formas. Do contrário, sucumbiriam” 1 . É o que vem ocorrendo<br />
com o sistema capitalista, que busca reinventar-se após a recente crise<br />
mundial 2 .<br />
Nessa esteira, percebe-se a constante mudança <strong>de</strong> paradigmas em todos<br />
os aspectos da ciência jurídica, incluindo a forma <strong>de</strong> atuação <strong>de</strong> cada um<br />
dos seus operadores, sejam magistrados, membros do Ministério Público,<br />
advogados ou ocupantes <strong>de</strong> outras carreiras jurídicas. Apenas a título exemplifi<br />
cativo, po<strong>de</strong> ser citada a reformulação da noção dos efeitos da revelia,<br />
antes tida como regra absoluta quanto à aplicação nos confl itos <strong>de</strong> interesses<br />
meramente privados. Atualmente, em sentido diametralmente oposto, tem a<br />
doutrina consi<strong>de</strong>rado que “a presunção fi xada pelo art. 319 somente po<strong>de</strong><br />
constituir presunção iuris tantum (relativa) e, por isso, po<strong>de</strong> ser afastada pelo<br />
magistrado, à vista <strong>de</strong> outras circunstâncias que lhe impulsionem o convencimento<br />
em sentido contrário. Assim, a presença no processo <strong>de</strong> qualquer<br />
elemento que confl ite com a aplicação tout court da presunção material da<br />
1 in Ativismo Judicial. O Jornal da Anamages, n. 02, outubro <strong>de</strong> 2008, pp.<br />
<strong>11</strong>/12.<br />
2 vi<strong>de</strong>, a respeito, artigo do ex-ministro Maílson da Nóbrega, escrito na Revista<br />
Veja, edição <strong>de</strong> 25.03.2009, p. 101, intitulado “Um novo capitalismo (ou mais do<br />
mesmo)”.<br />
26 R I T O S www.amarn.com.br
evelia po<strong>de</strong>, a critério do magistrado, afastar sua incidência,<br />
fazendo prepon<strong>de</strong>rar a realida<strong>de</strong> sobre a fi cção” 3 .<br />
Contudo, no rol <strong>de</strong>ssas mudanças verifi cadas no direito,<br />
<strong>de</strong>staca-se o chamado “ativismo judicial”, fenômeno não muito<br />
recente entre nós, mas que, atualmente, vem ganhando cada vez<br />
mais <strong>de</strong>staque em todos os fóruns <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates jurídicos.<br />
É justamente sobre este tema e suas repercussões nas políticas<br />
públicas que o presente trabalho busca discorrer, com enfoque<br />
nas chamadas “ações afi rmativas” que, <strong>de</strong> igual forma,<br />
vêm ganhando a cada dia mais <strong>de</strong>staque no cenário jurídico<br />
nacional.<br />
2. ASPECTOS PONTUAIS DOS DIREITOS<br />
FUNDAMENTAIS:<br />
Questão que ainda hoje gera <strong>de</strong>bates na comunida<strong>de</strong> jurídica<br />
é a referente aos limites do conceito <strong>de</strong> “direitos fundamentais”.<br />
Nesse ponto, a maioria das Constituições, com algumas<br />
adaptações, tem utilizado a conceituação <strong>de</strong> Robert Alexy, que<br />
parte, basicamente, <strong>de</strong> dois requisitos principais para fi rmar<br />
a sua teoria: fundamentalida<strong>de</strong> formal e fundamentalida<strong>de</strong><br />
material 4 .<br />
Pela fundamentalida<strong>de</strong> formal, para que <strong>de</strong>terminado direito<br />
seja consi<strong>de</strong>rado fundamental, <strong>de</strong>ve estar previsto no texto da<br />
Constituição, ou seja, <strong>de</strong>ve ser objeto <strong>de</strong> previsão constitucional.<br />
De outra parte, pela fundamentalida<strong>de</strong> material, a norma <strong>de</strong>fi -<br />
nidora do direito <strong>de</strong>veria vir inserida como “cláusula pétrea”,<br />
possuir aplicabilida<strong>de</strong> imediata e <strong>de</strong>fi nir um conjunto <strong>de</strong> posições<br />
jurídicas que o constituinte originário optou por consi<strong>de</strong>rar<br />
como fundamentais.<br />
Em termos mais simples, na visão <strong>de</strong> Alexy, <strong>de</strong>terminado<br />
direito, para ser consi<strong>de</strong>rado fundamental, <strong>de</strong>ve possuir fundamentalida<strong>de</strong><br />
na forma e no conteúdo.<br />
Porém, tal conceito sofre oposições.<br />
Dentre elas, po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>stacada a <strong>de</strong> Ricardo Lobo Torres,<br />
para quem fundamentais são apenas os direitos relacionados às<br />
liberda<strong>de</strong>s individuais e os direitos subjetivos referentes à possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> exigir o respeito a essas mesmas liberda<strong>de</strong>s. Assim,<br />
3 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual<br />
do Processo <strong>de</strong> Conhecimento. 3 ed., RT, 2004, p. 148.<br />
4 in Teoria dos Direitos Fundamentais, São Paulo: Malheiros,<br />
2008.<br />
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<strong>de</strong> acordo com o citado autor, mesmo que previstos pela Constituição,<br />
alguns direitos não seriam fundamentais, como é o caso<br />
dos direitos sociais 5 .<br />
Por sua vez, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em conceituação<br />
ainda mais restrita, consi<strong>de</strong>ra fundamentais apenas os<br />
direitos relacionados à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana 6 .<br />
Contudo, malgrado as controvérsias que pairam sobre o<br />
tema, com os diversos entendimentos a respeito, o que realmente<br />
parece ser relevante, sobretudo para evitar a insegurança<br />
<strong>de</strong>corrente das infi ndáveis possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conceituação<br />
dos direitos fundamentais, é a opção do legislador constituinte<br />
originário em <strong>de</strong>fi nir ou não <strong>de</strong>terminado direito como fundamental.<br />
Com isso, tem-se um norte mais seguro na solução da<br />
problemática em tela.<br />
Por essa razão, o Professor Ingo Sarlet, na obra “A Efi cácia<br />
dos Direitos Fundamentais” (8ª edição, Livraria do Advogado,<br />
pág. 42), chegou a assinalar que “Os direitos fundamentais, convém<br />
repetir, nascem e se <strong>de</strong>senvolvem com as Constituições nas<br />
quais foram reconhecidos e assegurados, e é sobre este ângulo<br />
(não exclu<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> outras dimensões) que <strong>de</strong>verão ser prioritariamente<br />
analisados ao longo <strong>de</strong>ste estudo”.<br />
Além disso, importa assinalar que os direitos fundamentais<br />
trazem consigo uma série <strong>de</strong> outros direitos e <strong>de</strong>veres correlatos.<br />
Por isso, quase sempre envolvem prestações ou posições positivas<br />
e negativas, sendo que, estas últimas, não se resumem apenas<br />
aos chamados “direitos <strong>de</strong> 1ª geração” ou <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, criados<br />
para impedir a ingerência do Estado nas liberda<strong>de</strong>s individuais.<br />
Já a dimensão positiva dos direitos fundamentais engloba<br />
as prestações em sentido amplo, contemplando outros direitos<br />
além dos sociais, como o direito à jurisdição; as prestações<br />
em sentido estrito, que se referem apenas aos direitos sociais,<br />
ligando-se à noção <strong>de</strong> Estado Social; as prestações fáticas, relacionadas<br />
à alocação <strong>de</strong> bens ou serviços; e, por último, as prestações<br />
jurídicas, que exigem do Estado uma autuação normativa,<br />
como ocorre na ADin por omissão.<br />
Outrossim, é justamente o direito originário à prestação que<br />
assegura a aplicabilida<strong>de</strong> imediata aos direitos fundamentais.<br />
5 in O Direito ao Mínimo Existencial, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Renovar,<br />
2008.<br />
6 in Estado <strong>de</strong> Direito e Constituição, São Paulo: Saraiva, 1988.<br />
R I T O S 27
Porém, aplicabilida<strong>de</strong> imediata não signifi ca dizer que a norma<br />
<strong>de</strong>fi nidora <strong>de</strong> direitos fundamentais não necessita <strong>de</strong> regulamentação<br />
prévia. Nesse particular, o que não se admite é a exigência<br />
<strong>de</strong> regulação prévia para a efi cácia <strong>de</strong>ssa mesma norma. É<br />
o caso, por exemplo, da regra prevista no art. 121 do Código<br />
Penal que, no escopo <strong>de</strong> proteger o direito fundamental à vida,<br />
criminaliza a prática do homicídio.<br />
Feitas estas breves consi<strong>de</strong>rações sobre direitos fundamentais,<br />
passa-se ao exame do “ativismo judicial”.<br />
3. O “ATIVISMO JUDICIAL”:<br />
O “ativismo judicial”, <strong>de</strong> acordo com o entendimento corrente,<br />
é <strong>de</strong>corrência do surgimento e fortalecimento <strong>de</strong> um outro<br />
fenômeno: o controle <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>. Diz-se, a respeito,<br />
que a partir do famoso caso “Madison versus Marbury”, analisado<br />
pela Suprema Corte Americana em 1803, é que o ativismo<br />
passou a <strong>de</strong>spertar a atenção dos estudiosos, enquanto forma <strong>de</strong><br />
atuação proativa do Po<strong>de</strong>r Judiciário em relação ao controle dos<br />
<strong>de</strong>mais Po<strong>de</strong>res, rompendo com a tripartição clássica e estanque<br />
proposta por Montesquieu no clássico “O espírito das leis”.<br />
Desse modo, o ativismo judicial po<strong>de</strong> ser compreendido<br />
como o fenômeno caracterizado pela crescente interferência<br />
do Judiciário na esfera <strong>de</strong> atuação dos <strong>de</strong>mais Po<strong>de</strong>res, notadamente<br />
o Executivo, seja suprindo omissões do administrador<br />
ou do legislador, seja <strong>de</strong>clarando a invalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atos por estes<br />
emanados. Trata-se <strong>de</strong> caso típico <strong>de</strong> ampliação dos próprios<br />
po<strong>de</strong>res, sendo o controle <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong> seu exemplo<br />
emblemático, eis que o Judiciário, em certa medida, assume o<br />
papel <strong>de</strong> ator político e intérprete moral da socieda<strong>de</strong>.<br />
Embora o ativismo esteja associado, na maioria dos casos,<br />
a movimentos progressistas, como no combate à corrupção promovido<br />
pela famosa “Operação Mãos Limpas”, na Itália, existe<br />
também exemplos <strong>de</strong> sua vertente conservadora, em especial a<br />
série <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões proferidas pela Suprema Corte Americana, entre<br />
1935 e 1937, que invalidaram diversas normas que compunham<br />
o chamado “Neal Deal”, política <strong>de</strong> recuperação econômica<br />
dos Estados Unidos da América, proposta pelo Presi<strong>de</strong>nte<br />
Flanklin Delano Roosevelt.<br />
Entre nós, o ativismo judicial passou a existir, <strong>de</strong> forma mais<br />
efetiva, com a promulgação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral em 1988,<br />
que marcou o fi m da ditadura militar, presente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1964. Na<br />
atual Lei Maior, tem-se a notável ampliação das funções atribuídas<br />
ao Ministério Público, passando este órgão a ser o gran<strong>de</strong><br />
provocador <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões judiciais com características “ativistas”,<br />
além da consagração do pluripartidarismo e valorização dos<br />
movimentos sociais, que, <strong>de</strong> igual forma, aumentaram o número<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas nas quais se exige uma postura mais intervencionista<br />
do Judiciário.<br />
Com isso, houve clara modifi cação no perfi l dos integrantes<br />
do Po<strong>de</strong>r Judiciário, criando-se uma magistratura mais progressista,<br />
preocupada em distribuir direitos enquanto participante<br />
da “engrenagem” republicana e não como mero “guardião<br />
das promessas” insertas na Constituição, na lição <strong>de</strong> Antoine<br />
Garapon 7 .<br />
Prova disso foi a <strong>de</strong>cisão proferida pelo Supremo Tribunal<br />
Fe<strong>de</strong>ral no caso em que se discutia a questão da fi <strong>de</strong>lida<strong>de</strong> partidária,<br />
on<strong>de</strong> o Pretório Excelso, à falta <strong>de</strong> previsão legal, prolatou<br />
<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> índole normativa, disciplinando a questão. Em<br />
outros termos, <strong>de</strong>fi niu a Corte Suprema quais as hipóteses <strong>de</strong><br />
infi <strong>de</strong>lida<strong>de</strong> partidária, bem como os casos que excluem a sanção<br />
<strong>de</strong> perda do mandato para o parlamentar infi el.<br />
Um outro exemplo, <strong>de</strong> acordo com o Desembargador Francisco<br />
Cesar Pinheiro Rodrigues, seriam as súmulas vinculantes,<br />
por meio das quais o STF “<strong>de</strong>fi ne prontamente o que consi<strong>de</strong>ra<br />
certo ou errado”, esclarecendo princípios e suprindo omissões<br />
legislativas, posto que “as leis <strong>de</strong>moram imensamente na<br />
sua elaboração e, por vezes, já nascem sutilmente <strong>de</strong>feituosas,<br />
escon<strong>de</strong>ndo as famosas ‘brechas’ legislativas, fruto <strong>de</strong> lobbies<br />
po<strong>de</strong>rosos” 8 .<br />
Com base em tais situações, os <strong>de</strong>fensores do ativismo argumentam<br />
ser o mesmo relevante, em face da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
preenchimento das lacunas existentes no or<strong>de</strong>namento jurídico,<br />
o que resulta na maximização dos direitos, com uma leitura<br />
perfeita da Constituição, no dizer dos “perfeccionistas”, que<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a postura ativista. Argumenta-se, também, segundo<br />
os “particularistas”, integrantes <strong>de</strong> outra corrente favorável, que<br />
o ativismo judicial implica na compreensão do caso concreto,<br />
7 O Juiz e a Democracia: o guardião das promessas, Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Revan, 2001.<br />
8 in ob. cit., p. 12.<br />
28 R I T O S www.amarn.com.br
consi<strong>de</strong>rando-se as exigências do contexto e analisando-se as<br />
consequências da <strong>de</strong>cisão proferida, em vista <strong>de</strong> sua projeção<br />
para o futuro.<br />
No rol dos maiores <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong>sse movimento se acha<br />
Richard Posner, autor da obra “Overcoming Law”, <strong>de</strong> 1995,<br />
na qual se consagra a corrente <strong>de</strong> pensamento conhecida por<br />
“pragmatismo jurídico”.<br />
De outra parte, os seus críticos assinalam que a aceitação do<br />
ativismo judicial implica na usurpação inaceitável das funções<br />
legislativas e executivas pelo Judiciário, daí <strong>de</strong>correndo o grave<br />
risco <strong>de</strong> equívocos, eis que os juízes, na maior parte dos casos,<br />
não se acham <strong>de</strong>vidamente habilitados, nem dispõem <strong>de</strong> aparato<br />
técnico, para a tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões que, ordinariamente,<br />
cumpririam ao legislador ou administrador público.<br />
Além disso, afi rma-se – e esta parece ser a maior crítica –<br />
que o Po<strong>de</strong>r Judiciário não dispõe <strong>de</strong> legitimação para substituir<br />
os outros Po<strong>de</strong>res no <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> funções que a estes são<br />
próprias, conforme estabelecem as normas constitucionais 9 .<br />
Por isso, dizem os chamados “minimalistas” que os juízes,<br />
no exercício <strong>de</strong> sua função judicante, <strong>de</strong>vem fi xar-se apenas na<br />
norma e não no contexto, proferindo <strong>de</strong>cisões sem projeção<br />
para o futuro, pois projetar o futuro seria função da socieda<strong>de</strong><br />
e <strong>de</strong> seus organismos. Nessa mesma esteira, os “formalistas”,<br />
igualmente contrários ao ativismo, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que os membros<br />
do Po<strong>de</strong>r Judiciário <strong>de</strong>vem fazer uma consi<strong>de</strong>ração técnica da<br />
or<strong>de</strong>m jurídica, fi xando-se apenas no texto da norma e projetando<br />
a sua <strong>de</strong>cisão apenas para o passado.<br />
Dentre os seus críticos, <strong>de</strong>staque especial é dado a Jeremy<br />
Waldron, autor do livro “Law and disagreement”, <strong>de</strong> 1999,<br />
on<strong>de</strong> o citado doutrinador externa, em sua crítica, preocupação<br />
com a liberda<strong>de</strong>, autonomia e soberania popular, além da valorização<br />
do parlamento.<br />
Tecidas estas consi<strong>de</strong>rações, importa, neste momento, a<strong>de</strong>ntrar<br />
na análise das chamadas “ações afi rmativas”.<br />
4. O “ATIVISMO JUDICIAL” NAS AÇÕES<br />
9 Nesse ponto, surge a “reserva do possível”, no escopo <strong>de</strong><br />
corrigir os excessos <strong>de</strong>correntes do ativismo, em especial as invasões<br />
in<strong>de</strong>vidas nas competências <strong>de</strong> outro Po<strong>de</strong>r. Na Alemanha, a “reserva<br />
do possível” teve a sua aplicação associada ao princípio da razoabilida<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong> modo que o cidadão somente po<strong>de</strong>ria exigir do Estado aquilo<br />
que, num <strong>de</strong>terminado contexto histórico, fosse razoável exigir.<br />
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AFIRMATIVAS<br />
A consagração do ativismo judicial, além dos riscos já apontados<br />
por seus críticos, po<strong>de</strong> resultar em <strong>de</strong>smobilização popular,<br />
em vista do exclusivismo do Judiciário na <strong>de</strong>fi nição <strong>de</strong> soluções<br />
para as <strong>de</strong>mandas sociais, criando um verda<strong>de</strong>iro “clientelismo”<br />
para o exercício da cidadania, <strong>de</strong>sta feita transferido para as<br />
portas dos fóruns e tribunais.<br />
Porém, as vantagens oferecidas por essa nova forma <strong>de</strong><br />
compreen<strong>de</strong>r a função judicante são bem superiores aos riscos<br />
apontados.<br />
Isto porque a aplicação do ativismo assegura, sem qualquer<br />
dúvida, um maior acesso à justiça, com a consequente efetivação<br />
dos direitos e maior efi cácia do texto constitucional, algo<br />
ainda por fazer em países periféricos, como o nosso, on<strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
parte das <strong>de</strong>mandas sociais básicas ainda se acham pen<strong>de</strong>ntes<br />
<strong>de</strong> efetivação.<br />
Além disso, tem-se, com o ativismo, ao contrário do que<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m os seus críticos, uma maior aplicação dos necessários<br />
“freios e contrapesos” entre os Po<strong>de</strong>res, vez que o Judiciário<br />
passa, a partir <strong>de</strong> então, a controlar, também, a omissão do<br />
Executivo e do Legislativo em concretizar e disciplinar as várias<br />
<strong>de</strong>mandas ainda insatisfeitas da socieda<strong>de</strong>.<br />
Pon<strong>de</strong>re-se, a<strong>de</strong>mais, que o ativismo também possibilita a<br />
efetivação, pelo Judiciário, do chamado “mínimo existencial”,<br />
como contraponto à reserva do possível, vez que o Estado <strong>de</strong>ve<br />
fornecer ao cidadão um mínimo <strong>de</strong> condições para garantia dos<br />
direitos fundamentais, como a vida e a saú<strong>de</strong>.<br />
É justamente por isso que vem se tornando tema recorrente<br />
entre nós a consagração das chamadas “ações afi rmativas” 10<br />
pelo Judiciário, tidas pelo Ministro Joaquim Barbosa como “um<br />
conjunto <strong>de</strong> políticas públicas e privadas <strong>de</strong> caráter compulsório,<br />
facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate<br />
à discriminação racial, <strong>de</strong> gênero, por <strong>de</strong>fi ciência física e <strong>de</strong> origem<br />
nacional, bem como para corrigir e mitigar efeitos presentes<br />
da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo<br />
10 Expressão cunhada no direito norte-americano, on<strong>de</strong> foram<br />
inicialmente concebidas como mecanismos ten<strong>de</strong>ntes a solucionar o<br />
problema da marginalização social e econômica do negro na socieda<strong>de</strong><br />
americana, sendo, posteriormente, estendidas às mulheres e outras<br />
minorias étnicas e nacionais, como os índios, e aos <strong>de</strong>fi cientes físicos.<br />
No direito europeu, são conhecidas como “discriminação positiva” e<br />
“ação positiva”.<br />
R I T O S 29
a concretização do i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> efetiva igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso a bens<br />
fundamentais como a educação e o emprego” <strong>11</strong> .<br />
Nesse ponto, o Frei David Santos OFM, em artigo publicado<br />
na Revista da Escola Nacional da Magistratura, afi rma<br />
que a consagração das ações afi rmativas, consi<strong>de</strong>rada forma <strong>de</strong><br />
ativismo judicial, se presta a reforçar o controle mútuo e a consequente<br />
harmonia entre os Po<strong>de</strong>res 12 .<br />
Todavia, é no campo da igualda<strong>de</strong> que as ações afi rmativas<br />
buscam <strong>de</strong>sempenhar o seu mais importante papel. Com efeito,<br />
tal instituto surgiu com o objetivo <strong>de</strong> conferir efetivida<strong>de</strong> e substância<br />
à concepção oitocentista-burguesa <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>, que se<br />
contentava unicamente com seu aspecto formal.<br />
Desse modo, passou-se a exigir dos três Po<strong>de</strong>res ações concretas<br />
<strong>de</strong> inclusão dos diversos seguimentos que, por variadas<br />
razões históricas, se mantinham à margem da socieda<strong>de</strong>, privados<br />
<strong>de</strong> acesso aos bens e serviços básicos oferecidos aos <strong>de</strong>mais<br />
grupos sociais.<br />
Entre nós, é conferido especial <strong>de</strong>staque à situação dos<br />
afro-<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes, que, ainda hoje, como fruto <strong>de</strong> um regime<br />
escragista que perdurou por séculos, continuam a sofrer com a<br />
discriminação e a consequente difi culda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso aos bens,<br />
serviços, cargos e profi ssões <strong>de</strong> maior <strong>de</strong>staque social.<br />
Nesse ponto, digno <strong>de</strong> transcrição é o trecho em que o Min.<br />
Joaquim Barbosa, ao falar da discriminação racial no Brasil, assinala<br />
que tal questão envolve “o mais grave <strong>de</strong> todos os nossos<br />
problemas sociais (e que estranhamente todos fi ngimos ignorar),<br />
o que está na raiz das nossas mazelas, do nosso gritante e envergonhador<br />
quadro social – ou seja, os diversos mecanismos pelos<br />
quais, ao longo da nossa história, a socieda<strong>de</strong> brasileira logrou<br />
proce<strong>de</strong>r, por meio das mais variadas formas <strong>de</strong> discriminação,<br />
à exclusão e ao alijamento, do processo produtivo conseqüente<br />
e da vida social digna, <strong>de</strong> um expressivo percentual <strong>de</strong> sua<br />
população (cerca <strong>de</strong> 45% do total): os brasileiros portadores <strong>de</strong><br />
ascendência africana” 13 .<br />
<strong>11</strong> Ação afi rmativa e princípio constitucional da igualda<strong>de</strong>: o<br />
Direito como instrumento <strong>de</strong> transformação social. A experiência dos<br />
EUA. Rio <strong>de</strong> Janeiro e São Paulo: Renovar, 2001.<br />
12 Ações afi rmativas e o Judiciário: o papel da magistratura nas<br />
<strong>de</strong>mandas sociais. Revista da Escola Nacional da Magistratura. Ano II,<br />
n. 3, abril/2007, p. <strong>11</strong>6.<br />
13 A recepção do instituto da ação afi rmativa pelo Direito Constitucional<br />
brasileiro. Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa, Brasília, n. 151,<br />
jul/set 2001, pág. 129.<br />
Portanto, na solução do problema enfrentado, <strong>de</strong>ve o julgador,<br />
antes <strong>de</strong> tudo, socorrer-se <strong>de</strong> Aristóteles, para quem “a justiça<br />
é uma virtu<strong>de</strong> que se encontra no meio termo”, <strong>de</strong> modo a<br />
não aplicar, <strong>de</strong> forma inconsequente, a tese do ativismo, nem se<br />
olvidar <strong>de</strong> colocá-la em prática quando do exercício <strong>de</strong> sua função,<br />
pois, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> agir <strong>de</strong>sta última forma, continuaremos a<br />
protelar o atendimento das infi ndáveis <strong>de</strong>mandas sociais ainda<br />
não satisfeitas 14 , permanecendo como o eterno “país do futuro”.<br />
BIBLIOGRAFIA<br />
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, São Paulo:<br />
Malheiros, 2008.<br />
BARBOSA, Joaquim. Ação afi rmativa e princípio constitucional<br />
da igualda<strong>de</strong>: o Direito como instrumento <strong>de</strong> transformação<br />
social. A experiência dos EUA. Rio <strong>de</strong> Janeiro e São Paulo: Renovar,<br />
2001.<br />
BARBOSA, Joaquim. A recepção do instituto da ação afi rmativa<br />
pelo Direito Constitucional brasileiro. Revista <strong>de</strong> Informação<br />
Legislativa, Brasília, n. 151, jul/set 2001, pp. 129/152.<br />
FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Estado <strong>de</strong> Direito e Constituição,<br />
São Paulo: Saraiva, 1988.<br />
MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz.<br />
Manual do Processo <strong>de</strong> Conhecimento. 3 ed., São Paulo: RT,<br />
2004.<br />
NÓBREGA, Maílson da. Um novo capitalismo (ou mais do<br />
mesmo). Revista Veja, ed. 25.03.2009, p. 101.<br />
RODRIGUES, Francisco Cesar Pinheiro. Ativismo Judicial. O<br />
Jornal da Anamages, n. 02, out/2008, pp. <strong>11</strong>/12.<br />
SANTOS, Frei David. Ações afi rmativas e o Judiciário: o papel<br />
da magistratura nas <strong>de</strong>mandas sociais. Revista da Escola Nacional<br />
da Magistratura. Ano II, n. 3, abr/2007.<br />
SARLET, Ingo Wolfgang. A Efi cácia dos Direitos Fundamentais,<br />
8ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.<br />
TORRES, Ricardo Lobo. O Direito ao Mínimo Existencial,<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro: Renovar, 2008.<br />
14 É o que ocorre nas <strong>de</strong>cisões que con<strong>de</strong>nam o Estado ao fornecimento<br />
<strong>de</strong> medicamentos, nas quais o Judiciário, na verda<strong>de</strong>, está<br />
dando efetivida<strong>de</strong> ao princípio da igualda<strong>de</strong>.<br />
30 R I T O S www.amarn.com.br
VÍDEOS<br />
Por Ricardo Antônio Menezes Cabral Fagun<strong>de</strong>s<br />
Juiz <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> Afonso Bezerra e Macau<br />
O sol é<br />
para todos<br />
Baseado no romance “To Kill a Mockingbird”, da ganhadora<br />
do prêmio Pullitzer Harper Lee, trata-se simplesmente<br />
<strong>de</strong> um dos maiores clássicos da história do cinema.<br />
O ano é 1932, apenas três anos <strong>de</strong>pois da Gran<strong>de</strong> Depressão.<br />
Gregory Peck interpreta um advogado chamado<br />
Atticus Finch, que vive em Maycomb, uma pequena<br />
cida<strong>de</strong> do sul dos Estados Unidos, e assume a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong><br />
um caso bastante rumoroso: um crime <strong>de</strong> estupro supostamente<br />
praticado por um negro contra uma jovem branca.<br />
O fi lme foi realizado quando o Movimento dos Direitos<br />
Civis para os Negros Norte-Americanos (1955 - 1968)<br />
estava no auge. A população negra lutava por reformas na<br />
América, com o intuito <strong>de</strong> acabar com a discriminação e<br />
a segregação racial que tanto manchou o país.<br />
Na bem estruturada sequência <strong>de</strong> julgamento, <strong>de</strong>staca-se<br />
o discurso <strong>de</strong> Atticus Finch quanto às motivações<br />
que levaram aquele negro a júri popular em uma comunida<strong>de</strong><br />
tão frágil e tão permeada pelo preconceito racial.<br />
Muitos po<strong>de</strong>m achar o fi lme chato pela falta <strong>de</strong><br />
“ação”. Destaco que o diretor foi honesto neste ponto,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, <strong>de</strong>ixando claro que pretendia retratar a<br />
www.amarn.com.br<br />
Título Original:<br />
To kill a<br />
mokingbird<br />
Ano: 1962<br />
Direção: Robert<br />
Mulligan<br />
vida comum, geralmente pacata, <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> interiorana<br />
norte-americana, o que não condizeria com um clima<br />
<strong>de</strong> “tensão”, que soaria artifi cial.<br />
Gregory Peck, que levou o Oscar <strong>de</strong> Melhor Ator, faz<br />
<strong>de</strong> Atticus Finch um homem contido e conciso. Acrescente-se<br />
que o personagem Atticus Finch foi eleito em enquete<br />
realizada pelo A.F.I. (American Film Institute) como o<br />
maior herói da história do cinema. Isso sem ter disparado<br />
nenhum tiro ou sem participar <strong>de</strong> nenhuma cena <strong>de</strong> ação<br />
típica dos “blockbusters” atuais.<br />
O Sol é Para Todos é, com certeza, um fi lme que merece<br />
ser visto, não só pela bela narrativa que apresenta,<br />
mas por contar ainda com a mais perfeita fotografi a em<br />
preto-e-branco já concebida e uma excepcional trilha sonora,<br />
que remete a uma tímida tristeza.<br />
A película <strong>de</strong> Mulligan é uma obra completa, que<br />
evoca a sensibilida<strong>de</strong>, a emoção e valores morais. O fi lme<br />
representa uma lição <strong>de</strong> moral e <strong>de</strong> vida que se mostra<br />
atual mesmo nos dias <strong>de</strong> hoje, quando muitas vezes, ao<br />
fechar os olhos, se <strong>de</strong>ixa a injustiça prevalecer em nossa<br />
socieda<strong>de</strong>.<br />
R I T O S 31
causos jurídicos<br />
Davi Lorso<br />
A história <strong>de</strong><br />
Rosivaldo Toscano Júnior<br />
Juiz da vara criminal do Fórum Varela Barca<br />
A história <strong>de</strong><br />
Rosivaldo Toscano<br />
Davi Lorso era um colega <strong>de</strong> colégio e <strong>de</strong> basquete, em Natal.<br />
Estudamos juntos durante alguns anos. Alto, magro e um tanto<br />
quanto <strong>de</strong>sajeitado e disperso, sempre foi um aluno mediano.<br />
Acontece que ele era o mais alto da sala e o colégio adotou uma<br />
diretriz <strong>de</strong> que tais alunos tinham que sentar atrás para não atrapalhar<br />
a visão dos mais baixos.<br />
Era a sétima série. Aquele rapaz, que já era disperso sentando<br />
no meio da sala, sofreu um verda<strong>de</strong>iro baque nas notas. Elas se<br />
tornaram tão ruins que precisaria tirar mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z na recuperação.<br />
Resultado: Davi foi reprovado por média em matemática.<br />
No ano seguinte ele sentiu o <strong>de</strong>sgosto <strong>de</strong> ver os colegas numa<br />
série mais adiantada. E continuou tendo que sentar na última<br />
carteira da fi la. Desestimulou-se ainda mais. Ao fi nal do ano,<br />
nova reprovação com um plus: expulsão do colégio. Era o fundo<br />
do poço. Abatido, foi falar com seus pais e comunicar que iria<br />
parar <strong>de</strong> estudar.<br />
Sua mãe, preocupada com a fi rmeza com que a <strong>de</strong>claração<br />
tinha sido dada pelo adolescente, resolveu procurar ajuda médica.<br />
Buscou um neurologista. No dia da consulta o médico perguntou<br />
então ao rapaz o que o incomodava.<br />
- Doutor, é que eu não nasci para estudar. Acho que tenho um<br />
problema <strong>de</strong> QI.<br />
- Como chegou a essa conclusão?<br />
- É que fui reprovado duas vezes na escola. E por média. Mi-<br />
32 R I T O S www.amarn.com.br
nhas notas foram tão ruins que nem sequer pu<strong>de</strong> fazer<br />
recuperação.<br />
O médico franziu a testa, pensou um pouco e<br />
perguntou:<br />
- Você prestava atenção na aula?<br />
- Não. O colégio me obrigou a sentar lá atrás, na última<br />
carteira da fi la.<br />
- Você fazia os <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> casa?<br />
- Não. Como não aprendia, não conseguia resolvê-los.<br />
- Você estudava antes das provas.<br />
- Não. Como iria estudar o que não aprendi?<br />
- Você pelo menos ia a todas as aulas.<br />
- Faltava às vezes.<br />
- Então você diz que tem problema <strong>de</strong> QI?<br />
- Acho que sim.<br />
- Po<strong>de</strong>ria sair um pouco? Quero conversar com sua mãe.<br />
- Sim. Claro.<br />
Ao sair, o médico dirigiu-se à mãe <strong>de</strong> Davi Lorso e disse<br />
que iria tentar uma mexida nos brios do rapaz, pois ele<br />
precisava era <strong>de</strong>spertar para a realida<strong>de</strong>. Pediu que nunca<br />
mais o pressionasse a estudar, pois estava na adolescência,<br />
uma fase <strong>de</strong> contestação.<br />
Eis que Davi foi convidado a entrar novamente na<br />
sala. Dessa vez sua mãe fi cou fora. Mal sentou, o médico<br />
foi logo lhe dando um cartão <strong>de</strong> visitas. Davi o leu:<br />
- Açougue... Cartão <strong>de</strong> um açougue?<br />
- É que meu irmão tem um. Como você está parando <strong>de</strong><br />
estudar na sétima série e se para pessoas formadas como<br />
eu a vida é difícil, imagine para você. Então é bom começar<br />
logo cedo pra ver se pelo menos consegue futuramente<br />
comprar uma casinha num conjunto. Vou arranjar um<br />
emprego pra você lá. Todo trabalho é digno e você terá<br />
folga aos domingos – disse, secamente.<br />
No mesmo instante Davi Lorso se imaginou calçando<br />
aquelas botas brancas <strong>de</strong> borracha e carregando com<br />
muita difi culda<strong>de</strong> um pernil <strong>de</strong> boi <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma câmara<br />
fria. Foi um choque. Saiu revoltado do consultório e reclamando<br />
com a mãe por tê-lo levado a um médico que ao<br />
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invés <strong>de</strong> ajudá-lo, queria arranjar um emprego insalubre.<br />
À noite, porém, ao colocar a cabecinha no travesseiro,<br />
milhões <strong>de</strong> elucubrações lhe vieram à cabeça. O que seria<br />
<strong>de</strong>le se parasse <strong>de</strong> estudar? Qual o futuro que o aguardaria?<br />
Certamente aquela vida anunciada pelo médico não<br />
lhe era <strong>de</strong>sejada. Logo que acordou, dirigiu-se à sua mãe.<br />
- Mamãe, quero voltar a estudar. Vamos procurar um colégio.<br />
A mãe lhe falou, muitos anos <strong>de</strong>pois, que seu coração<br />
quase saltou <strong>de</strong> alegria naquele instante. Mas seguindo<br />
a recomendação médica, reagiu com normalida<strong>de</strong>, para<br />
evitar que Davi se sentisse, <strong>de</strong> alguma maneira, acuado.<br />
Foi difícil encontrar uma escola para o rapaz. Era fora<br />
<strong>de</strong> faixa, pois “reinci<strong>de</strong>nte” (reprovado duas vezes!) e tinha<br />
“maus antece<strong>de</strong>ntes” (várias suspensões e advertências da<br />
escola). Depois <strong>de</strong> dias <strong>de</strong> luta, conseguiu uma chance:<br />
uma entrevista com a diretora <strong>de</strong> um colégio <strong>de</strong> freiras.<br />
Dia marcado, lá estava Davi Lorso <strong>de</strong> frente para a irmã,<br />
uma ainda jovem senhora pequena e franzina. Ela foi logo<br />
dizendo as regras do colégio, com fi rmeza, e que só estava<br />
dando aquela chance em respeito à mãe do rapaz, que disse<br />
ser sua única esperança, e somente se Davi concordasse<br />
com todas as regras do estabelecimento. Teria que assistir<br />
a todas as aulas, não se atrasar, não conversar em sala <strong>de</strong><br />
aula e fazer todas as ativida<strong>de</strong>s. O jovem, sem alternativas,<br />
concordou com todas. Ao fi nal, ela fez uma perguntinha<br />
mágica:<br />
- Teria alguma coisa que nós pudéssemos fazer por você<br />
que a outra escola falhou?<br />
- Teria sim. Gostaria <strong>de</strong> sentar na frente e no meio. Nunca<br />
sentei.<br />
- Mas você é muito alto.<br />
- Era exatamente esse meu problema. Por isso acho que<br />
tive notas tão ruins. Não conseguia nem ouvir os professores<br />
e nem ver o que estavam escrevendo no quadro. – Ela<br />
pensou um pouco, balançando uma caneta BIC entre os<br />
<strong>de</strong>dos, e vaticinou:<br />
- Está bem. No início do ano chegue cedo para “marcar o<br />
lugar”. Prevejo que irão reclamar um pouco no início, mas<br />
R I T O S 33
<strong>de</strong>pois se acostumarão. – E chamou então uma das futuras<br />
professoras <strong>de</strong>le e pediu que comunicasse aos <strong>de</strong>mais essa<br />
<strong>de</strong>cisão.<br />
Pela primeira vez cara a cara com os professores,<br />
Davi Lorso se <strong>de</strong>u conta <strong>de</strong> como eram interessantes as<br />
conclusões a que ele chagava junto com os mestres. Nem<br />
ligou muito para a reclamação dos colegas <strong>de</strong> trás para<br />
que “tirasse” a cabeça do meio. Matemática não era assim<br />
tão ruim, e geografi a e história, suas matérias preferidas,<br />
estavam fascinantes.<br />
Ao entregar a ca<strong>de</strong>rneta bimestral <strong>de</strong> avaliação para<br />
sua mãe dar o visto, ela nem acreditou: só tinham notas<br />
acima <strong>de</strong> 8. Logo pensou, sem po<strong>de</strong>r externar: “tá colando<br />
muito!”. Mas ela percebera o rapaz estudando em casa<br />
espontaneamente, pela primeira vez na vida.<br />
Para Davi foi uma re<strong>de</strong>nção. Entusiasmou-se com as<br />
primeiras notas e passou a se <strong>de</strong>dicar e prestar mais atenção<br />
ainda às aulas. Lembrou <strong>de</strong> um colega nosso, na época<br />
em que estudamos juntos, que fazia perguntas que consi<strong>de</strong>rávamos<br />
imbecis, mas na hora das provas só tirava <strong>de</strong>z.<br />
Refl etiu que o papel do aluno em sala é tirar as dúvidas<br />
com os professores. Passou a não levar mais dúvidas para<br />
casa. Resultado: no fi nal do ano tinha sido aprovado no<br />
terceiro bimestre. Isso mesmo. Suas notas eram tão altas<br />
que nem precisou do quarto bimestre.<br />
E assim foi a carreira <strong>de</strong> Davi Lorso no colégio. Passou<br />
no terceiro bimestre em todos os anos que se suce<strong>de</strong>ram,<br />
até chegar ao pré-vestibular. Nesse ano não foi muito diferente:<br />
somente em matemática precisou das notas do<br />
quarto bimestre para passar por média.<br />
Vieram os vestibulares. Fez três. Passou em todos.<br />
O curso que escolheu foi direito. Porém, uma coisa<br />
ainda lhe afl igia. Tinha vergonha <strong>de</strong> falar em público. Refl<br />
etiu que precisaria melhorar sua oratória. Qual o melhor<br />
local: o Centro Acadêmico. Resolveu ir à primeira<br />
reunião, após convite feito na recepção aos formandos.<br />
Durante a reunião, fi cou acertado que alguém passaria<br />
nas salas pra dar um aviso. Davi se ofereceu para isso. As<br />
primeiras salas foram as mais difíceis, pois estava nervoso,<br />
já que não era costume falar em público. Mas <strong>de</strong>pois foi se<br />
soltando... Resultado: no ano seguinte foi eleito presi<strong>de</strong>nte<br />
do diretório acadêmico do curso <strong>de</strong> direito da UFRN e<br />
orador da turma na solenida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formatura.<br />
Na sala em que ele estudava, todo mundo sabia on<strong>de</strong><br />
ele sentava: na frente e no meio. Prestava atenção às aulas<br />
do mesmo modo, e estudava em casa. Nos dias das provas<br />
era Davi Lorso na frente, cara a cara com o professor, mais<br />
um ou outro “herói”, um vazio <strong>de</strong> carteiras e um monte <strong>de</strong><br />
gente atrás. Todos sabiam por que estavam tão recuados...<br />
Era tentador ir lá para trás, mas Davi sabia que isso o <strong>de</strong>sestimularia<br />
a estudar.<br />
Logo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> formados houve o exame <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m.<br />
Para surpresa dos colegas <strong>de</strong> sala da faculda<strong>de</strong>, entre as<br />
centenas <strong>de</strong> candidatos, Davi Lorso fi cou em segundo lugar<br />
logo no provão. Uma das colegas veio cumprimentá-lo<br />
e dizer-lhe que ele tinha sorte.<br />
- Não tenho sorte não. Nunca tive as melhores notas<br />
porque tirava oito e meio lá na frente do professor, sem<br />
cola, e muita gente (incluindo a colega) ia lá para trás e<br />
abria um livro <strong>de</strong> doutrina ou o código. Assim era fácil<br />
tirar <strong>de</strong>z. Aqui nesse provão da OAB não tem como haver<br />
escaramuças... por isso o resultado.<br />
Após a faculda<strong>de</strong> Davi continuou estudando. Seu sonho,<br />
a magistratura. Após três anos <strong>de</strong> estudo conseguiu<br />
passar em um concurso e hoje é Juiz <strong>de</strong> Direito em Natal,<br />
no Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, e você está lendo nesse exato<br />
instante o que ele escreveu. Davi Lorso... DaviloRso... Davilso<br />
Ro... Davlo Rosi... Do Rosival... Rosivaldo! Provavelmente<br />
você nem tenha percebido, mas está é a minha história<br />
<strong>de</strong> vida e gostei muito <strong>de</strong> compartilhá-la com você.<br />
Quando for enfrentar algum <strong>de</strong>safi o em sua vida, lembre<br />
<strong>de</strong> “Davi Lorso” e saiba que nem eu e nem ninguém é<br />
melhor do que você. Trata-se apenas <strong>de</strong> ter disciplina e<br />
<strong>de</strong>dicação. Vá em frente. Deixe o seu sonho tomar conta<br />
<strong>de</strong> você e <strong>de</strong>spertá-lo para a vida! Busque concretizá-lo.<br />
Se eu consegui, após tudo que passei, você também po<strong>de</strong>!<br />
34 R I T O S www.amarn.com.br
www.amarn.com.br<br />
ZéBolacha Rosivaldo Toscano<br />
O ano, 2001. Estava eu abastecendo<br />
o carro no posto do trevo das estradas que<br />
ligam as cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Rafael Go<strong>de</strong>iro e Patu.<br />
Era noite.<br />
- Moço, po<strong>de</strong> encher.<br />
- Po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar, doutor – Disse o frentista.<br />
Ei que ao <strong>de</strong>sligar a caminhoneta e, consequentemente,<br />
o som do veículo, comecei a<br />
ouvir lamúrias e choros.<br />
- O que é isso? – ao que o frentista apontou<br />
para um sujeito literalmente acocorado<br />
no meio-fi o do acostamento da estrada.<br />
Tocado com o choro sincero do rapaz, resolvi<br />
<strong>de</strong>scer e saber o que o estava causando<br />
tamanha dor.<br />
- Amigo, boa noite, o que está<br />
acontecendo?<br />
O jovem, aparentando uns vinte e cinco<br />
anos, continuou acocorado, mas levantou a<br />
cabeça, que estava entra as mãos, olhou-me<br />
surpreso ao me reconhecer, e completou:<br />
– Doutor... – falou em tom <strong>de</strong> lamúria<br />
o choroso sujeito. Parou por uns segundos e<br />
prosseguiu – o problema tá aqui! – apontando<br />
com as mãos espalmadas para o próprio<br />
rosto.<br />
Busquei alguma ferida, corte, sei lá. Mas<br />
estava tudo em or<strong>de</strong>m: tinha olhos, boca,<br />
nariz.<br />
– Tá on<strong>de</strong>, meu caro?<br />
– Aqui ó! É que eu sou feio <strong>de</strong>mais! – Para<br />
completar o quadro, entre as pernas do rapaz<br />
estava uma garrafa da boa e velha 51. Pelo<br />
bafo <strong>de</strong> álcool <strong>de</strong>le, já <strong>de</strong>via estar no fi m...<br />
E após puxar o fôlego, ele prosseguiu: –<br />
Eu tinha uma namorada, Doutor. Chamei<br />
pra morar comigo, pra gente casar. Ela disse<br />
que não. Que eu era feio <strong>de</strong>mais e que os bichinhos<br />
num iam nascer humanos não! Buá!<br />
– Pôs-se a chorar <strong>de</strong> novo.<br />
Fiquei com dó. Olha, o camarada era<br />
feio mesmo. Boca torta e uma banguela daquela<br />
tradicional, tipo vampiro, cara cheia<br />
<strong>de</strong> espinhas. Um quadro esteticamente triste.<br />
Mas <strong>de</strong>cido a levantar a alto-estima do jovem,<br />
aconselhei-o. O diálogo se <strong>de</strong>u comigo<br />
<strong>de</strong> pé e ele acocorado, como estava.<br />
– Não vou dizer que o senhor é nenhuma<br />
maravilha. Mas também não estou dizendo<br />
que é feio. Contudo, saiba que sendo<br />
feio ou não, sempre há alguém mais feio<br />
que a gente em todo canto. – E prossegui:<br />
– Vou lhe mostrar que estou certo. Veja bem,<br />
tem um camarada ali em Rafael Go<strong>de</strong>iro<br />
que não conheço, mas que dizem ser o sujeito<br />
mais feio do Alto Oeste. Zé Bolacha. Já<br />
ouviu falar <strong>de</strong>le?<br />
– Zé Bolacha sou eu, doutor! Buá!<br />
R I T O S 35
CAPA<br />
Fotos: Ricardo Junqueira e Elpídio Júnior<br />
Ricardo Junqueira
Mo<strong>de</strong>rna<br />
e funcional,<br />
se<strong>de</strong> da <strong>AMARN</strong> foi uma<br />
conquista <strong>de</strong> 2010<br />
A primeira impressão é a melhor possível. Bom gosto, elegância e<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> dão o tom à nova se<strong>de</strong> da <strong>AMARN</strong> – Associação dos<br />
Magistrados do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte. Após cinco meses <strong>de</strong> planejamento,<br />
projeto e execução, 2010 po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado o ano da nova<br />
imagem da associação, inaugurada em março <strong>de</strong>ste ano, pelo presi<strong>de</strong>nte<br />
Madson Ottoni, marcando também a posse da nova diretoria tendo<br />
como presi<strong>de</strong>nte Azevêdo Hamilton Cartaxo, para o biênio 2010/2012.<br />
www.amarn.com.br<br />
Juiz Mádson Ottoni <strong>de</strong> Almeida Rodrigues<br />
R I T O S 37
Lavabos ganharam <strong>de</strong>coração inusitada<br />
Recepção integrada ao auditório<br />
Ricardo Junqueira Ricardo Junqueira<br />
O projeto foi <strong>de</strong>senvolvido pela arquiteta<br />
Nadiedja Melo e ocupa uma área <strong>de</strong> 120 metros<br />
quadrados no décimo andar do centro empresarial<br />
Miguel Seabra Fagun<strong>de</strong>s, em Lagoa Nova. “O<br />
estilo da ambientação foi o contemporâneo, procurando<br />
uma conotação mais tradicional inerente<br />
à carreira jurídica”, afi rmou a arquiteta. Os<br />
materiais utilizados como o mármore, aço, vidro,<br />
ma<strong>de</strong>ira e espelhos tornaram a se<strong>de</strong> imponente e<br />
os lavabos ganharam um estilo propositadamente<br />
diferente aos outros ambientes. Há ainda a iluminação<br />
técnica voltada para o uso específi co <strong>de</strong><br />
cada espaço, como no auditório com capacida<strong>de</strong><br />
para 30 lugares para reuniões, encontros e<br />
palestras.<br />
Planejada e realizada na gestão do então<br />
presi<strong>de</strong>nte da <strong>AMARN</strong> Mádson Ottoni, a nova<br />
se<strong>de</strong> aten<strong>de</strong>u aos objetivos dos associados <strong>de</strong><br />
terem um ambiente funcional e mo<strong>de</strong>rno. “Dr.<br />
Mádson pediu um ambiente que retratasse a<br />
imagem da associação dos magistrados <strong>de</strong> forma<br />
atual e elegante, mas sem rebuscamentos”, concluiu<br />
Nadiedja Melo.<br />
Ao longo <strong>de</strong>sses mais <strong>de</strong> 9 meses <strong>de</strong> inauguração,<br />
já aconteceram reuniões, encontros e<br />
palestras. Todos os meses, a diretoria se reúne<br />
na última segunda-feira para discutir questões<br />
administrativas na sala da presidência equipada<br />
com sistema <strong>de</strong> televisão integrado ao auditório.<br />
38 R I T O S www.amarn.com.br
Sala da presidência: cantinho charmoso para receber<br />
Juiz Azevêdo<br />
Hamilton Cartaxo -<br />
Pres. da <strong>AMARN</strong><br />
A associação recebeu, neste ano, a visita dos dois candidatos à<br />
presidência da AMB – <strong>de</strong>sembargador Henrique Nelson Calandra<br />
e o juiz Gervásio Protásio dos santos Júnior e a visita <strong>de</strong> representantes<br />
da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais. “É fundamental<br />
uma se<strong>de</strong> bem estruturada, porque permite que todas as<br />
ativida<strong>de</strong>s sejam <strong>de</strong>sempenhadas a<strong>de</strong>quadamente” afi rmou o presi<strong>de</strong>nte<br />
da <strong>AMARN</strong> Azevêdo Hamilton Cartaxo.<br />
www.amarn.com.br<br />
Ricardo Junqueira<br />
R I T O S 39
Contos<br />
Juiz titular da 3ª Vara Criminal do Fórum<br />
Varela Barca e professor <strong>de</strong> Direito penal<br />
da UNP e FANEC.<br />
A rua Américo Barbalho e<br />
alguns dos seus exóticos e<br />
inesquecíveis resi<strong>de</strong>ntes<br />
Francisco <strong>de</strong> Assis Brasil Queiróz e Silva<br />
A Rua Américo Barbalho, situada no Bairro do Alecrim nesta cida<strong>de</strong><br />
do Natal, tendo sido a rua on<strong>de</strong> passei a minha infância e vários anos <strong>de</strong><br />
juventu<strong>de</strong>, fi cou em minha memória porque lá residiram pessoas humanas<br />
singulares e típicas a quem eu conheci com a minha curiosida<strong>de</strong> natural <strong>de</strong><br />
uma criança silenciosa e misantropa que fui. Era uma das principais ruas<br />
do Bairro do Alecrim, caracterizando-se por ser, ao contrário dos dias <strong>de</strong><br />
hoje, essencialmente resi<strong>de</strong>ncial, com quase todas as residências mo<strong>de</strong>stas,<br />
<strong>de</strong>stacando-se um ou outro imóvel por ser sobrado pertencente a algum<br />
morador que fora bafejado pela fortuna. Os ven<strong>de</strong>dores ambulantes <strong>de</strong>nominados<br />
<strong>de</strong> camelôs, que no dia <strong>de</strong> hoje já conquistaram muitos territórios do<br />
Bairro do Alecrim, naquela época ainda não haviam invadido as calçadas<br />
da Rua Américo Barbalho e os não muitos veículos que transitavam pelo<br />
seu leito eram <strong>de</strong> comerciantes do Bairro da Ribeira, <strong>de</strong> funcionários públicos<br />
fe<strong>de</strong>rais e <strong>de</strong> profi ssionais liberais resi<strong>de</strong>ntes geralmente nos Bairros<br />
da Cida<strong>de</strong>-Alta e do Tirol, ou as lotações que <strong>de</strong>pois que os bon<strong>de</strong>s foram<br />
aposentados pelo po<strong>de</strong>r público passavam por obrigação pela rua fazendo a<br />
tradicional linha Rocas-Quintas.<br />
Começando no sentido norte-sul, havia um sobrado <strong>de</strong> estilo colonial,<br />
<strong>de</strong> fachada bem retangular pintada <strong>de</strong> cor amarela, on<strong>de</strong> residia uma senhora<br />
baixinha e raquítica, ironicamente chamada <strong>de</strong> “Dona Altiva”. Era<br />
viúva <strong>de</strong> um funcionário da alfân<strong>de</strong>ga e mãe <strong>de</strong> um único fi lho chamado<br />
Maquiavel que tendo ganhado um valioso prêmio na loteria fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>sapareceu<br />
<strong>de</strong> Natal. Depois que dona Altiva faleceu, o sobrado fi cou <strong>de</strong>sabitado<br />
por todo o tempo, atravessando os anos da década <strong>de</strong> 1960, servindo<br />
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<strong>de</strong> moradia para bêbados, mendigos e<br />
escorpiões, até que um dia foi adquirido<br />
já em ruínas durante os primeiros anos<br />
da década <strong>de</strong> 1970, por um libanês radicado<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> criança aqui em Natal que<br />
enriquecera como empresário do comércio<br />
e <strong>de</strong> hotelaria estabelecido no antigo<br />
bairro da Ribeira. Tendo <strong>de</strong>rrubado as<br />
últimas pare<strong>de</strong>s que restaram do antigo<br />
sobrado, o empresário edifi cou um imóvel<br />
<strong>de</strong> três andares on<strong>de</strong> na parte térrea<br />
abriu uma fi lial <strong>de</strong> suas lojas e nos pavimentos<br />
superiores inaugurou o seu hotel<br />
que hospedava principalmente homens<br />
<strong>de</strong> negócios em trânsito por Natal, até<br />
que a inauguração das primeiras unida<strong>de</strong>s<br />
hoteleiras <strong>de</strong> cinco estrelas da Via<br />
Costeira obrigou o estrangeiro a abdicar<br />
<strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> hoteleiro.<br />
Logo a seguir, havia a pensão <strong>de</strong><br />
Dona Emengarda que, durante o dia,<br />
era estritamente familiar, mas à noite,<br />
transformava-se em um autêntico lupanar<br />
que recebia a visita <strong>de</strong> prostitutas<br />
para fornicar, <strong>de</strong>ntre outros, com os grumetes<br />
que fugiam da Base Naval, com os<br />
notívagos do bar quitandinha e principalmente<br />
com os varões casados que violavam<br />
o sacrossanto juramento <strong>de</strong> fi <strong>de</strong>lida<strong>de</strong><br />
conjugal que um dia haviam feito<br />
ás suas esposas perante um sacerdote da<br />
Igreja Católica Apostólica Romana. A<br />
propósito, a mesma era avó do <strong>de</strong>putado<br />
Nicanor Lima que sempre acompanhou<br />
politicamente uma soberana família que<br />
reinou durante algum tempo nesta província<br />
potiguar, mas pelo fato <strong>de</strong> não<br />
fl uir em suas artérias este sangue dinástico,<br />
nunca conseguiu ser candidato a governador<br />
do Estado. A Sra. Emengarda<br />
tratava-se <strong>de</strong> uma mulher bem madura e<br />
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corpulenta que, além <strong>de</strong> dona <strong>de</strong> pensão<br />
simultaneamente familiar e alegre, exercia<br />
a macumba no quintal <strong>de</strong> sua hospedaria,<br />
através da qual, invocando entida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>moníacas dos abismos cósmicos,<br />
conseguiu <strong>de</strong>struir a felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> muitas<br />
famílias natalenses daquela época.<br />
Conta-se à boca pequena que o <strong>de</strong>putado<br />
Nicanor Lima, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> várias<br />
tentativas <strong>de</strong>sejando ser candidato ao<br />
governo do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, e sabendo<br />
que o seu partido político, inobstante<br />
sua brilhante atuação como parlamentar,<br />
jamais o indicaria pelo fato <strong>de</strong><br />
não possuir um sobrenome aristocrático,<br />
teria invocado, como último recurso, em<br />
um terreiro <strong>de</strong> macumba, o espírito <strong>de</strong><br />
dona Emengarda, sua avó, que há bastante<br />
tempo já houvera falecido, mas<br />
esta não conseguira baixar porque estaria<br />
aprisionada nas fétidas masmorras<br />
dos infernos, expiando todo o mal que<br />
fi zera à humanida<strong>de</strong> em sua última encarnação<br />
aqui na terra. Por causa disto,<br />
o excelente legislador resignou-se, nunca<br />
mais aspirou alcançar as estrêlas do<br />
fi rmamento, inclusive abandonando<br />
em <strong>de</strong>fi nitivo a vida pública, <strong>de</strong>dicando-se<br />
exclusivamente à sua banca <strong>de</strong><br />
advocacia.<br />
No imóvel <strong>de</strong> número 1290 residiam<br />
o Dr. Geraldo Magela, sua mulher dona<br />
Merce<strong>de</strong>s, e seus oito fi lhos. O Dr. Geraldo<br />
Magela, malgrado nunca tivesse<br />
frequentado nenhuma faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito,<br />
ostentava um anel <strong>de</strong> rubi em seu<br />
<strong>de</strong>do anelar da mão esquerda, era um<br />
rábula conceituado na cida<strong>de</strong> pelas suas<br />
atuações forenses principalmente no Tribunal<br />
do Júri. Na verda<strong>de</strong>, mais do um<br />
simples provisionado, ele era um verda-<br />
<strong>de</strong>iro autodidata, pois, além <strong>de</strong> ter estudado<br />
e aprendido sozinho as chicanas da<br />
prática forense, apren<strong>de</strong>ra a falar o idioma<br />
inglês, instalara em sua própria residência<br />
um curso supletivo que, naquela<br />
época, chamava-se <strong>de</strong> madureza e possuía<br />
uma vasta biblioteca on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>stacavam<br />
as obras marxistas. Assim, <strong>de</strong>pois que as<br />
leu uma por uma, tornou-se comunista,<br />
ateu e subversivo, para <strong>de</strong>sgosto <strong>de</strong> Dona<br />
Merce<strong>de</strong>s que recebera as or<strong>de</strong>ns menores<br />
da igreja católica e as exercia prestando<br />
serviços na matriz <strong>de</strong> São Pedro,<br />
no Bairro do Alecrim. Aliás, a dona Merce<strong>de</strong>s,<br />
que era uma mulher plenamente<br />
amorosa, passiva e serviçal em relação<br />
ao seu marido, tal qual aquela <strong>de</strong>nominada<br />
<strong>de</strong> Amélia imortalizada na canção<br />
popular <strong>de</strong> Ataulfo Alves e Mario Lago,<br />
casara-se muito nova com o Dr. Geraldo,<br />
mas era bastante humilhada por este que<br />
<strong>de</strong>pois que se tornou um famoso rábula<br />
atuante nas li<strong>de</strong>s do foro, envergonharase<br />
da mesma humilhando-a constantemente,<br />
dizendo ela não passava <strong>de</strong> uma<br />
verda<strong>de</strong>ira chofer <strong>de</strong> fogão, sempre uniformizada<br />
em seu avental <strong>de</strong> cozinha e exalando<br />
do seu corpo um odor nauseabundo<br />
semelhante a alho.<br />
Quando estourou o golpe <strong>de</strong> estado<br />
<strong>de</strong> 1964, o Dr. Geraldo Magela foi preso,<br />
torturado e dado como morto, pois teria<br />
se enforcado na cela do quartel da Policia<br />
Militar on<strong>de</strong> estava recolhido, nesta<br />
capital, quando soubera que a quartelada<br />
daquele ano fi nanciada pelos Estados<br />
Unidos da América do Norte e apoiada<br />
pelas elites conservadoras ligadas á<br />
UDN do Brasil, saíra vitoriosa. A bem<br />
da verda<strong>de</strong>, o Dr. Geraldo Magela jamais<br />
se suicidou em sua cela, como não<br />
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se suicidaram os vários outros presos políticos que<br />
estavam recolhidos naquela unida<strong>de</strong> militar, porquanto<br />
todos foram jogados <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um avião<br />
da Aeronáutica e lançados no alto mar, para o repasto<br />
<strong>de</strong> vorazes tubarões, motivo pelo qual os seus<br />
corpos nunca foram encontrados, tanto assim que<br />
ainda hoje os <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes do Dr. Geraldo não<br />
sabem on<strong>de</strong> e como ele foi morto.<br />
Também havia o “castelo dos anjos”, <strong>de</strong>nominação<br />
dada pelo povo ao luxuoso edifício <strong>de</strong> dois andares<br />
da Sra. A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> Carvalho, uma cearense da<br />
cida<strong>de</strong> do Crato, que aportara em Natal na década<br />
<strong>de</strong> 1950, fugindo do seu marido, Belarmino Ramalho,<br />
que tentara matá-la quando <strong>de</strong>scobriu que<br />
ela o traía copulando com o seu próprio cunhado,<br />
irmão <strong>de</strong> Belarmino. Nesta capital, sozinha e<br />
com um fi lho <strong>de</strong> cinco anos para criar, foi residir<br />
inicialmente em uma casa alugada, simples e bem<br />
pequena, na Rua Américo Barbalho. Conheceu<br />
inicialmente o Dr. Padilha, um gerente do Banco<br />
do Brasil muito prestigiado na capital, quando o<br />
emprego no Banco do Brasil ainda rendia opulentos<br />
salários e elevado status social para quem o conseguia.<br />
Através do Dr. Padilha que lhe comprara<br />
o imóvel mo<strong>de</strong>sto on<strong>de</strong> ela morava <strong>de</strong> aluguel, o<br />
<strong>de</strong>rrubara e edifi cara um sobrado <strong>de</strong> dois andares<br />
para ela residir, Dona A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> iniciou o seu alpinismo<br />
social, exercendo também a ocupação <strong>de</strong><br />
parteira que apren<strong>de</strong>ra em sua cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> origem,<br />
praticando-a aqui em Natal em um consultório<br />
em seu edifício <strong>de</strong> dois pavimentos on<strong>de</strong> escondia<br />
a sua clínica <strong>de</strong> abortos clan<strong>de</strong>stinos. Ali, a dita<br />
cuja professava com exímio a arte da obstetrícia,<br />
não somente dando à luz a muitos recém-nascidos<br />
<strong>de</strong> mães anônimas que lhes procuravam sem lhes<br />
cobrar nenhum honorário pelo parto que operava<br />
na parturiente, mas principalmente assassinando<br />
fetos que tinham sido gerados <strong>de</strong> relações espúrias,<br />
inclusive <strong>de</strong> esposas ou concubinas <strong>de</strong> cidadãos<br />
acima <strong>de</strong> qualquer suspeita que freqüentavam as<br />
reuniões sociais do América, o clube aristocrático<br />
por excelência <strong>de</strong> Natal daquela época.<br />
Além do Dr. Padilha, a dona A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> foi<br />
cortesã <strong>de</strong> vários outros importantes homens da<br />
socieda<strong>de</strong> potiguar daquele tempo, quase todos<br />
casados, <strong>de</strong>ntre eles um com quem ela mais tempo<br />
conviveu, que foi exatamente o <strong>de</strong>putado Temístocles<br />
Silveira, um sertanejo <strong>de</strong> elevada estatura<br />
física, mas <strong>de</strong> mesquinha compleição moral. Era<br />
um próspero agropecuarista que além <strong>de</strong> exercer<br />
o mandato <strong>de</strong> legislador na Câmara Fe<strong>de</strong>ral,<br />
freqüentava o Natal Clube que fi cava em pleno<br />
Gran<strong>de</strong> Ponto <strong>de</strong>sta capital, on<strong>de</strong> torrava em jogatinas<br />
o dinheiro público do Estado, acolhia em sua<br />
proprieda<strong>de</strong> os pistoleiros mais perigosos do sertão<br />
para se livrarem da ação da Justiça, mantinha em<br />
sua fazenda um jardim <strong>de</strong> infância on<strong>de</strong> os fi lhos<br />
dos seus trabalhadores eram alfabetizados e molestados<br />
sexualmente pelo <strong>de</strong>spudorado <strong>de</strong>putado<br />
pedófi lo. A propósito, tal qual o pervertido imperador<br />
Tibério <strong>de</strong> Roma antiga se <strong>de</strong>liciava em sua<br />
velhice a quem ele admirava como um notável<br />
estadista da antiguida<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>putado Temístocles<br />
Silveira, em sua lubricida<strong>de</strong> senil, costumava tomar<br />
banho todos os dias na banheira térmica <strong>de</strong><br />
sua fazenda acompanhado <strong>de</strong> criancinhas, fi lhas<br />
dos seus colonos, que lhes afagavam a genitália, a<br />
quem ele também as chamava <strong>de</strong> “meus peixinhos”;<br />
igualmente, colecionava vários pôsteres pornográfi<br />
cos que ornamentavam as pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> privativos<br />
aposentos da sua extensa vivenda rural on<strong>de</strong> ele se<br />
recolhia com freqüência para escrever as suas memórias<br />
<strong>de</strong> um parlamentar que honrara a bancada<br />
do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte no Congresso Nacional.<br />
A Sra. A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> monopolizou o po<strong>de</strong>r durante<br />
vários anos sobre quase todos os moradores da Rua<br />
Américo Barbalho. Muitos tinham conhecimento<br />
que ela também praticava uma obstetrícia criminosa<br />
em sua suntuosa habitação, mas ninguém se<br />
atrevia a <strong>de</strong>nunciá-la às autorida<strong>de</strong>s constituídas,<br />
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Vista da rua ao lado da<br />
igreja São Pedro, um<br />
símbolo do Alecrim<br />
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até porque muitas <strong>de</strong>stas já tinham se benefi ciado<br />
dos seus serviços <strong>de</strong> parteira, como por exemplo, a<br />
suplente <strong>de</strong> uma primeira-dama do Estado que não<br />
<strong>de</strong>sejando nenhuma gravi<strong>de</strong>z inoportuna e inconveniente,<br />
recorrera algumas vezes à mesma para<br />
expelir prematuramente do seu útero seres nascituros<br />
que não queria dar à luz. Aliás, o marido <strong>de</strong>sta<br />
dondoca-primaz do Estado, o qual fora canonizado<br />
pelo povo que o elegera Governador, imortalizou-se<br />
perante a História do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, principalmente<br />
por distribuir pão e circo para a pobreza,<br />
chorar nos comícios que realizava para comover a<br />
multidão que <strong>de</strong>lirava e fanatizar a plebe que entrava<br />
em transe quando ele discursava, até que um dia,<br />
por conta <strong>de</strong> uma intriga feita pelo seu arquiinimigo<br />
fi gadal que fuxicando nos ouvidos do general todopo<strong>de</strong>roso<br />
que presidia naquela época a República<br />
dos Estados Unidos do Brasil, foi sumariamente expulso<br />
da fauna política do Estado.<br />
Existia a Casa Taveira que era uma bo<strong>de</strong>ga que<br />
pertencia ao Sr. Taveira, on<strong>de</strong> eram vendidos gêneros<br />
alimentícios, mas se distinguia pelo sorvete<br />
caseiro solidifi cado em forma retangular, preso na<br />
extremida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um palito, que vendia, o qual era<br />
conhecido, naquela época e naquele local, pela <strong>de</strong>nominação<br />
<strong>de</strong> polí. O Sr. Taveira, que puxava por<br />
uma perna talvez seqüela <strong>de</strong> alguma trombose, era<br />
um ancião <strong>de</strong> cor alvacenta, cabelos encanecidos<br />
e gênio manso. A sua família era constituída por<br />
dona Lara, que era uma mulher encorpada e loquaz,<br />
exímia culinarista <strong>de</strong> saborosas iguarias, os<br />
seus vários fi lhos e fi lhas <strong>de</strong>ntre os quais se <strong>de</strong>stacavam<br />
os três seguintes: Samuel, o mais bem<br />
afortunado por conta <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> bicheiro;<br />
Débora que se formou em odontologia e para não<br />
fi car no caritó terminou fugindo com um magarefe<br />
do mercado público do Alecrim; e a caçula<br />
Judite que foi raptada, quando tinha 16 anos <strong>de</strong><br />
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ida<strong>de</strong>, pelo seu namorado, um marinheiro do sul do<br />
país que houvera aportado na base naval <strong>de</strong> Natal,<br />
o qual foi obrigado a reparar o seu crime casando<br />
com a raptada, moçoila honesta e <strong>de</strong> família, graças<br />
à intervenção do Chefe <strong>de</strong> Polícia do Estado, o<br />
austero Cel. Urquiza, parente bem próximo do Sr.<br />
Taveira.<br />
O boticário Rubens Piranha, cujo singular sobrenome<br />
servia <strong>de</strong> telefonemas maldosos para sua<br />
pessoa, perguntando-lhe se sua esposa, dona Olga,<br />
também era piranha, residia no imóvel <strong>de</strong> numero<br />
1350 da Rua Américo Barbalho, on<strong>de</strong>, na parte da<br />
frente mantinha a sua Farmácia Carlos Chagas, em homenagem<br />
ao célebre cientista brasileiro e, na parte<br />
dos fundos, residia com sua família constituída pela<br />
Sra. Olga e os três fi lhos menores do casal. O Sr.<br />
Rubens, que era um farmacêutico medíocre, apren<strong>de</strong>ra<br />
sofrivelmente a arte <strong>de</strong> manipular medicamentos<br />
com o seu patrão o Sr. Queiroga na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Macau, no interior do Estado, on<strong>de</strong> nascera. Chegara<br />
em Natal no início da década <strong>de</strong> 1960, alugara<br />
este imóvel à Rua Américo Barbalho e se tornara<br />
um dos poucos farmacêuticos do Bairro do Alecrim.<br />
Foi órfão e fora criado pelo Sr. Queiroga e pela sua<br />
mulher dona Vitalina, o qual o empregara em sua<br />
farmácia, razão pela qual o Sr. Rubens, que era<br />
um homem introvertido e avarento, o consi<strong>de</strong>rava<br />
como seu verda<strong>de</strong>iro pai. Aqui em Natal, quando<br />
o Sr. Queiroga adoeceu gravemente, o Sr. Rubens<br />
ia visitá-lo diariamente, sempre ao entar<strong>de</strong>cer, chegando<br />
em sua Rural Williams à residência do mesmo<br />
à Rua Machado <strong>de</strong> Assis, no bairro alecrinense,<br />
on<strong>de</strong> o doente agonizava em seu leito <strong>de</strong> morte. Ali,<br />
ele se confundia com os vários fi lhos e netos que velavam<br />
o ancião, inclusive chorava sentidas lágrimas<br />
silenciosas quando, ajoelhado à beira do leito do<br />
doente moribundo, chamava repetidas vezes pelo<br />
seu nome, “Seu Queiroga”, “Seu Queiroga”, mas este,<br />
já totalmente inconsciente, não lhe atendia ao seu<br />
chamamento.<br />
Havia as duas irmãs Sampaio que residiam no<br />
imóvel <strong>de</strong> número 1436 da Rua Américo Barbalho<br />
com o pai, o velho Sr. Sampaio, um ancião magro e<br />
um pouco curvado, que, praticamente, passava o dia<br />
inteiro em pé, atrás do portão <strong>de</strong> ferro da entrada <strong>de</strong><br />
sua residência que dava para a via pública, fumando<br />
continuadamente os seus cigarros Hollywood,<br />
olhando, com semblante <strong>de</strong> visível curiosida<strong>de</strong>,<br />
cada um dos pe<strong>de</strong>stres que passavam na rua. Das<br />
suas duas fi lhas, a mais velha chamava-se Geralda,<br />
meren<strong>de</strong>ira do Grupo Escolar Frei Miguelinho situado<br />
no mesmo bairro e a outra, que se chamava<br />
Regina, era comborça do Seu Fontana, um conquistador<br />
compulsivo e próspero comerciante do bairro<br />
da Ribeira. Ambas mantinham um armarinho na<br />
frente do imóvel on<strong>de</strong> moravam, bancado pelo Sr.<br />
Fontana, que vinha, invariavelmente, visitar a sua<br />
concubina todo fi nal <strong>de</strong> semana, trazendo cigarros<br />
para o velho Sampaio que, por causa <strong>de</strong>ste agrado,<br />
não somente permitia, mas também até alcovitava<br />
as relações clan<strong>de</strong>stinas entre ele e a sua fi lha.<br />
Um dia, tendo sido levado ao médico pelas suas<br />
duas fi lhas porque estava passando mal, foi diagnosticado<br />
que o Sr. Sampaio estava com um câncer na<br />
garganta em estado avançado, em razão dos cigarros<br />
que fumara durante toda sua vida. Dentro do<br />
seu quarto <strong>de</strong> dormir, no interior <strong>de</strong> sua mo<strong>de</strong>sta<br />
casa, lá na Américo Barbalho, sofria intensamente,<br />
gemendo, com dores insuportáveis, <strong>de</strong>fecando e urinando<br />
na própria cama, exalando um odor fétido<br />
e insuportável proveniente tanto da ausência <strong>de</strong> assepsia<br />
em seu próprio corpo quanto do tumor maligno<br />
que já lhe <strong>de</strong>vorara as cordas vocais. Em seus<br />
poucos momentos <strong>de</strong> luci<strong>de</strong>z, totalmente afônico,<br />
implorava, por escrito, às suas fi lhas, que o <strong>de</strong>ixassem<br />
morrer ali mesmo em sua residência, até porque<br />
era bem próximo ao cemitério, mas tornou-se<br />
impossível aten<strong>de</strong>r ao seu pedido porque não havia<br />
quem lhe fi zesse as vezes <strong>de</strong> enfermeiro <strong>de</strong> doente<br />
terminal. Enfi m, o Sr. Fontana conseguiu convencê-<br />
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lo a se internar no hospital Dr. Luiz Antonio que<br />
fi cava no Bairro das Quintas, nesta capital, aon<strong>de</strong>,<br />
com poucos dias <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sua chegada àquele nosocômio,<br />
veio a falecer.<br />
Depois do falecimento do velho Sampaio, as<br />
duas irmãs Geralda e Regina ainda continuaram,<br />
por algum tempo, morando na residência da Rua<br />
Américo Barbalho com o ponto comercial na frente<br />
da mesma, mas o armarinho faliu, foram <strong>de</strong>spejadas<br />
pelo senhorio do imóvel que lhes era alugado e, ainda<br />
mais, Regina foi processada criminalmente pela<br />
dona Letícia, esposa do Seu Fontana, como co-ré por<br />
crime <strong>de</strong> adultério, pois, naquela época, por incrível<br />
que pareça, adultério ainda era crime, porém não foi<br />
con<strong>de</strong>nada porque conseguiu convencer o juiz que,<br />
<strong>de</strong> há bastante tempo, havia cessada a vida íntima<br />
entre ela, a Sra. Letícia, e o seu marido, o Sr. Fontana.<br />
Algum tempo <strong>de</strong>pois, também cessou a vida<br />
íntima entre ela própria, Regina, e o Seu Fontana,<br />
que resolveu se aposentar, tanto <strong>de</strong> sua profi ssão<br />
mercantil quanto <strong>de</strong> suas aventuras genésicas, pois já<br />
estava em uma ida<strong>de</strong> bastante provecta que lhe <strong>de</strong>pauperara<br />
por completo a sua pessoa. As duas irmãs<br />
Sampaio foram embora da Rua Américo Barbalho,<br />
acabando como duas miseráveis mendigas em alguma<br />
outra rua incerta e não sabida <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong> do<br />
Natal.<br />
Hoje a Rua Américo Barbalho já não mais existe,<br />
pois ela <strong>de</strong>sapareceu do mapa <strong>de</strong> Natal da mesma<br />
foram que todas estas pessoas e muitas outras, várias<br />
triviais, algumas exóticas, que lá residam, foram<br />
<strong>de</strong>spejadas <strong>de</strong> suas calçadas. O Bairro do Alecrim<br />
completará cem anos no próximo mês <strong>de</strong> outubro<br />
<strong>de</strong> 20<strong>11</strong>, quando os seus cidadãos <strong>de</strong>verão organizar<br />
um banquete com cem velinhas para parabenizá-lo.<br />
Todavia, para mim o Alecrim não envelheceu como<br />
não envelhecem as evocações do passado, os <strong>de</strong>safi os<br />
do presente e nem as esperanças do futuro <strong>de</strong> quem<br />
passa pelas estações da vida regando camélias em sua<br />
juventu<strong>de</strong> primaveril, sentindo a energia criadora da<br />
inteligência em sua maturida<strong>de</strong> estival, recolhendo<br />
os frutos amadurecidos que caem das árvores ao<br />
chão na ida<strong>de</strong> outonal da existência. Os antigos resi<strong>de</strong>ntes<br />
da Américo Barbalho foram embora para<br />
sempre e em seus lugares chegaram os mascates que<br />
tinham prosperado nos negócios, quase todos já estabelecidos<br />
no Bairro da Ribeira, alguns que vieram do<br />
interior do Estado, poucos que emigraram <strong>de</strong> outras<br />
capitais do Nor<strong>de</strong>ste.<br />
O primeiro <strong>de</strong>les que aportou no território foi um<br />
mercador que vendia mesas <strong>de</strong> jacarandá em sua loja<br />
na Cida<strong>de</strong>-Alta, enriqueceu no comércio varejista <strong>de</strong><br />
movelaria <strong>de</strong> luxo e serviu docilmente à antiga Arena,<br />
partido político da ditadura militar que asfi xiou o<br />
Brasil durante muitos anos <strong>de</strong>pois do golpe <strong>de</strong> estado<br />
<strong>de</strong> 1964, subserviência esta que se assemelhava a <strong>de</strong><br />
um cão fi <strong>de</strong>líssimo que sempre lambe os coturnos do<br />
seu amo; o segundo, foi um papeleiro, maneiroso e<br />
cardiopata, que patrocinava os poetas mentecaptos<br />
ou sãos e conseguiu casar a sua única fi lha, donzela<br />
simpática e bem discreta, com um príncipe-her<strong>de</strong>iro<br />
<strong>de</strong> uma monarquia banhada pelos mares do Atlântico<br />
<strong>de</strong> cujas janelas se avistava a África; e o terceiro,<br />
foi um empresário endinheirado e imponente, que<br />
dormiu governador do Estado mas acordou <strong>de</strong>posto<br />
pelos mesmos caudilhos militares que governavam a<br />
nação naquela época, porque a sua esposa simplesmente<br />
<strong>de</strong>nunciou ao estratocrata que estava <strong>de</strong> plantão<br />
naquela madrugada no palácio do planalto em<br />
Brasília, que o seu marido era um adúltero criminoso<br />
e contumaz, mantendo uma comborça teúda e manteúda<br />
em uma cobertura <strong>de</strong> luxo em plena Avenida<br />
Atlântica da cida<strong>de</strong> maravilhosa do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
E assim a rua resi<strong>de</strong>ncial Américo Barbalho foi<br />
<strong>de</strong>molida para a edifi cação <strong>de</strong> uma avenida conquistada<br />
por <strong>de</strong>votos <strong>de</strong> um <strong>de</strong>us chamado mercúrio, que<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os longínquos tempos <strong>de</strong> Roma antiga, quando<br />
se tornou o mensageiro <strong>de</strong> júpiter pela rapi<strong>de</strong>z<br />
dos seus vôos <strong>de</strong> um lugar para outro, também abençoava<br />
empresários, mercadores e até mascates.<br />
R I T O S 45
ARTIGO<br />
Odinei W. Draeger<br />
Juiz da comarca <strong>de</strong> Arez<br />
S. Thomas More<br />
Um exemplo <strong>de</strong> fi <strong>de</strong>lida<strong>de</strong> à<br />
consciência individual<br />
Thomas More nasceu em Londres no dia 7 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1478 e é<br />
particularmente conhecido por ter escrito Utopia (1516). Neste livro ele <strong>de</strong>screve<br />
a narrativa que Raphael Hythlo<strong>de</strong>aus faz <strong>de</strong> uma ilha peculiar on<strong>de</strong><br />
não havia proprieda<strong>de</strong> privada nem dinheiro e todas as ativida<strong>de</strong>s eram feitas<br />
<strong>de</strong> forma coletiva.<br />
O escrito valeu a More a admiração <strong>de</strong> tantos quantos socialistas possíveis.<br />
Até dizem ser ele o único santo da Igreja a ter uma estátua no Kremlin,<br />
o que arrisco dizer, aconteceu antes por uma incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreensão<br />
do gênero literário usado por ele do que por uma verda<strong>de</strong>ira profi ssão primitiva<br />
no comunismo.<br />
Com efeito, duas são as leituras possíveis mais sensatas <strong>de</strong> Utopia. A<br />
primeira e a que acredito ser mais correta, diz que More quis, antes <strong>de</strong> mais<br />
nada, exaltar as virtu<strong>de</strong>s humanas, particularmente as cristãs, do que propriamente<br />
aplicar sua alegoria à realida<strong>de</strong>. Semelhante erro é cometido na<br />
interpretação do que Platão havia feito séculos antes com sua República.<br />
Tanto que entre as características singulares dos “utopianos” estavam o <strong>de</strong>sapego<br />
aos bens materiais, o apreço pela vida em comum, a laboriosida<strong>de</strong> e<br />
a noção <strong>de</strong> uma moral universal dada por Deus que impele à prática do bem<br />
e das boas obras.<br />
A segunda possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que More está simplesmente sendo<br />
irônico na <strong>de</strong>scrição da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Utopia, buscando com isso chamar a<br />
atenção para alguns absurdos da socieda<strong>de</strong> inglesa do séc. XVI.<br />
De um modo ou <strong>de</strong> outro, a fl agrante opção <strong>de</strong> More por uma “ilha imaginária”<br />
como palco <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>scrição já <strong>de</strong>veria ser sufi ciente para <strong>de</strong>sconfi ar<br />
que sua intenção não era a <strong>de</strong> construir nenhuma socieda<strong>de</strong> planejada. Se<br />
ele quisesse <strong>de</strong> fato reformar toda a socieda<strong>de</strong>, certamente seria previsível<br />
que sua biografi a espelhasse alguma tentativa neste sentido, dado que ele<br />
ocupou inúmeros cargos públicos importante na época. Isso não aconteceu.<br />
46 R I T O S www.amarn.com.br
Uma gravura com o mapa da Ilha Imaginária <strong>de</strong> Utopia<br />
Por fi m, a constatação <strong>de</strong> que More era uma pessoa bem humorada<br />
<strong>de</strong>veria ser sufi ciente para encerrar a questão, pois, como é<br />
sabido, os planejadores e a<strong>de</strong>ptos <strong>de</strong> reformas sociais universais<br />
são tipos geralmente carrancudos e infelizes.<br />
Mas este é apenas um <strong>de</strong>talhe que revela pouco sobre Thomas<br />
More. Poucos sabem que ele foi contemporâneo e ator <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>staque nos eventos relacionados à Reforma ocorrida na Inglaterra<br />
e que teve como pivô a vida sexual <strong>de</strong> Henrique VIII.<br />
Menos pessoas ainda sabem que por causa da <strong>de</strong>fesa da Igreja<br />
ele foi consi<strong>de</strong>rado um traidor e con<strong>de</strong>nado à morte pelo rei.<br />
Thomas More era fi lho do juiz Sir John More e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo<br />
recebeu educação clássica. Formou-se em Direito na New Inn e<br />
na Lincoln’s Inn, espécies <strong>de</strong> casas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da Chancelaria<br />
do Reino e que eram ao mesmo tempo residências estudantis,<br />
faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> direito e tribunais. Depois <strong>de</strong>sse período fi cou<br />
quatro anos enclausurado na Cartuxa <strong>de</strong> Londres, conhecida<br />
pela serieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus monges. Tinha gran<strong>de</strong> preocupação pelo<br />
aprimoramento <strong>de</strong> suas virtu<strong>de</strong>s e pretendia confi rmar sua vocação<br />
para a vida religiosa. Concluiu, apesar da gran<strong>de</strong> admi-<br />
www.amarn.com.br<br />
ração pelas práticas dos monges, que não tinha vocação para a<br />
vida monástica. Foi no mosteiro, por exemplo, que apren<strong>de</strong>u a<br />
usar por baixo das roupas, por penitência, uma camisa <strong>de</strong> pelo<br />
áspero.<br />
Mais adiante, já casado, More <strong>de</strong>u gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong><br />
seu espírito ao ter dado, na escola que instalou na própria casa,<br />
a mesma educação para seus fi lhos, inclusive as mulheres, e para<br />
os fi lhos dos criados. Todos receberam a mesma formação, que<br />
incluía também o ensino religioso. Numa época em que os estudos<br />
eram uma prerrogativa masculina essa iniciativa foi notável.<br />
Aproximadamente por volta dos trinta anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, já era<br />
um advogado renomado e passou a ser convidado para missões<br />
ofi ciais, tendo <strong>de</strong>sempenhado com gran<strong>de</strong> excelência todas as<br />
tarefas que lhe eram propostas. Em 1522 foi nomeado para ser<br />
o secretário do Lor<strong>de</strong> Chanceler Thomas Wolsey, car<strong>de</strong>al e arcebispo<br />
<strong>de</strong> York. Foi nessa época que conheceu pessoalmente o<br />
rei Henrique VIII.<br />
Henrique VIII era impulsivo e impaciente e já havia, nesta<br />
época, se <strong>de</strong>cidido a pedir a anulação <strong>de</strong> seu casamento com<br />
R I T O S 47
Thomas More, retratado por Hans Holbein,<br />
O Jovem (1527)<br />
Catarina <strong>de</strong> Aragão, que havia fi cado estéril <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> dar à luz a uma fi -<br />
lha, Maria Tudor, após sucessivos abortos. Obcecado pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
um her<strong>de</strong>iro, o rei afi rmou que havia fi cado com escrúpulos em ter <strong>de</strong>sposado<br />
Catarina, que era viúva <strong>de</strong> seu irmão Arthur. Essa busca incessante pela<br />
anulação tinha a fi nalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> permitir que o rei casasse com sua amante,<br />
Ana Bolena, fi cou conhecida como “The King’s Matter”, a questão do rei,<br />
e gerou uma quantida<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> tensão na corte. O Papa Clemente<br />
VII nomeara Wolsey e o núncio Campeggio legados para examinar a questão<br />
e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> várias tentativas <strong>de</strong> arrastar a <strong>de</strong>cisão com a fi nalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
ganhar tempo, o rei <strong>de</strong>terminou que a questão fosse <strong>de</strong>cidida imediatamente.<br />
O núncio teria dito “Não pretendo con<strong>de</strong>nar a minha alma por causa <strong>de</strong><br />
nenhum príncipe ou potentado. Assim, não levarei adiante este caso”. A ira<br />
e a insatisfação crescentes do rei com o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> Wolsey lhe valeram<br />
o cargo. Preso, ele morreu quando era escoltado no caminho para Londres.<br />
Nos momentos fi nais teria confessado: “Se tivesse servido a Deus com a diligência<br />
que servi ao Rei, Deus não me teria <strong>de</strong>samparado”.<br />
O rei nomeou Thomas More para o cargo <strong>de</strong> Lor<strong>de</strong> Chanceler, dada<br />
sua gran<strong>de</strong> fama <strong>de</strong> honestida<strong>de</strong> e, além disso, por pressupor que More seria<br />
mais fl exível na questão da anulação do casamento, já que não fazia parte<br />
da hierarquia católica. O cargo <strong>de</strong> Lor<strong>de</strong> Chanceler equivalia ao <strong>de</strong> juiz supremo<br />
do reino e proporcionou a More consi<strong>de</strong>ráveis benefícios, que foram<br />
recompensados por gran<strong>de</strong> laboriosida<strong>de</strong>, tanto que todos os processos que<br />
haviam sido <strong>de</strong>ixados parados pelo seu antecessor foram prontamente julgados.<br />
Conta-se que More recebia em sua própria casa quem quer que tivesse<br />
uma queixa e se preocupava gran<strong>de</strong>mente com os mais pobres. São <strong>de</strong>ssa<br />
época vários versos populares que lhe elogiavam a eqüida<strong>de</strong> e o trabalho:<br />
When More sometime had Chancellor been / no more suits did remain<br />
The like will never more be seen / til More be there again<br />
Algum tempo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> More ser Chanceler / não sobrou nenhum processo<br />
Algo assim nunca mais se verá / enquanto More não retornar<br />
Apesar <strong>de</strong> todo o sucesso na administração da Justiça, o rei instou More<br />
a se pronunciar sobre a questão do casamento, tendo este respondido que a<br />
anulação era questão do direito canônico e que, portanto, não teria legitimida<strong>de</strong><br />
para se pronunciar. Tal resposta <strong>de</strong>sagradou ao rei, pois sabia que a<br />
Santa Sé jamais anularia o casamento, mas como ele tinha apreço por More,<br />
prometeu que lhe <strong>de</strong>ixaria em paz com sua consciência.<br />
48 R I T O S www.amarn.com.br
Henrique VIII não <strong>de</strong>scansou, contudo. Com a ajuda <strong>de</strong><br />
seu secretário Thomas Cromwell, reuniu os bispos ingleses em<br />
convocação e lhes dirigiu um ultimato para que fosse reconhecido<br />
como supremo lí<strong>de</strong>r da Igreja da Inglaterra. A maioria dos<br />
bispos <strong>de</strong>ixou a reunião e três <strong>de</strong>les, mas três <strong>de</strong>les não suportaram<br />
a pressão e assinaram o documento <strong>de</strong> submissão. Foi o<br />
sinal para More <strong>de</strong> que o caminho traçado pelo rei não teria<br />
volta, razão pela qual, na manhã seguinte, renunciou ao cargo<br />
<strong>de</strong> Lor<strong>de</strong> Chanceler.<br />
Em 1532, Ana Bolena engravidou da futura rainha Elizabeth<br />
I, o que motivou o apressamento da questão da nulida<strong>de</strong><br />
por meio da nomeação <strong>de</strong> Thomas Cranmer como arcebispo<br />
<strong>de</strong> Canterbury, que intitulou-se legado papal e <strong>de</strong>clarou nulo o<br />
casamento do rei com Catarina, permitindo que Henrique VIII<br />
se casasse com Ana Bolena. O Papa, logo em seguida, <strong>de</strong>clarou<br />
este segundo casamento nulo.<br />
A partir <strong>de</strong> então, começa a perseguição aos dissi<strong>de</strong>ntes. Foi<br />
aprovada, no incipiente Parlamento, uma série <strong>de</strong> Leis que previam<br />
a punição por crime <strong>de</strong> alta traição aos que não reconhecessem<br />
o rei como chefe da Igreja inglesa e Ana Bolena como<br />
legítima rainha. Foi criada uma comissão para julgar Thomas<br />
More, presidida por Cromwell, dado que o Parlamento já havia<br />
se recusado por três vezes a fazê-lo. Na primeira sessão <strong>de</strong>sta comissão<br />
foi solicitado que More jurasse tanto que os fi lhos <strong>de</strong> Ana<br />
Bolena eram legítimos sucessores do trono quanto que o rei era<br />
a cabeça da Igreja inglesa. Ele se recusou a fazê-lo, dizendo que<br />
não po<strong>de</strong>ria jurar tal coisa sem grave prejuízo para sua consciência,<br />
pois nenhum governante po<strong>de</strong>ria se sobrepor ao Papa nas<br />
questões religiosas, porquanto tivesse ele recebido este mandato<br />
do próprio Cristo por meio da sucessão apostólica.<br />
Essa eloqüente <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> More em fi <strong>de</strong>lida<strong>de</strong> à sua própria<br />
consciência, mesmo que tenha ressalvado que jamais incentivou<br />
outras pessoas a proce<strong>de</strong>r <strong>de</strong> semelhante forma e nunca<br />
censurou quem tivesse dito que faria o juramento, fez com que a<br />
comissão responsável pelo julgamento <strong>de</strong>terminasse a prisão <strong>de</strong><br />
More na Torre <strong>de</strong> Londres, on<strong>de</strong> fi caria encarcerado entre abril<br />
<strong>de</strong> 1534 até julho <strong>de</strong> 1535. Várias foram as reuniões da comissão,<br />
primeiro para tentar dissuadir More a jurar a supremacia<br />
do rei, <strong>de</strong>pois para julgá-lo pelo crime <strong>de</strong> traição.<br />
Em nenhum momento More <strong>de</strong>u <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> que<br />
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pretendia voltar atrás em suas palavras, nem aceitou os vários<br />
conselhos maldosos que lhe diziam po<strong>de</strong>r jurar a supremacia do<br />
rei em público, mas manter intimamente sua própria convicção.<br />
Num período <strong>de</strong> medo e intolerância crescentes, o apego sincero<br />
<strong>de</strong> More à verda<strong>de</strong> e à consciência dão testemunho exato <strong>de</strong> sua<br />
gran<strong>de</strong> força moral.<br />
Não tendo sido <strong>de</strong>movido por quaisquer dos meios usados,<br />
permaneceu fi rme em sua convicção, razão pela qual foi levado<br />
para ser <strong>de</strong>capitado no dia 6 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1534. A pena <strong>de</strong><br />
esquartejamento havia sido dispensada pelo rei por clemência.<br />
Até na hora fi nal <strong>de</strong>monstrou bom humor, pois diante <strong>de</strong>sta notícia<br />
teria dito: “Deus permita que o rei não tenha semelhante<br />
clemência com meus amigos”. Num gesto ainda <strong>de</strong> suprema<br />
carida<strong>de</strong>, pediu a todos os presentes que orassem pelo rei, tendo<br />
dito pouco antes <strong>de</strong> ser executado a seguinte frase: “Morro<br />
como fi el servidor do rei, mas <strong>de</strong> Deus primeiro”.<br />
Junto com o car<strong>de</strong>al John Fisher, fi gura entre os bravos<br />
mártires da perseguição religiosa inglesa, que matou em poucos<br />
anos milhares <strong>de</strong> pessoas. Pela <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> sua consciência e pela<br />
resistência à opressão violenta, Thomas More foi canonizado<br />
pela Igreja em 1935. O Papa João Paulo II, nesta ocasião, ao<br />
<strong>de</strong>clará-lo Santo Patrono dos Governantes disse:<br />
“O seu profundo <strong>de</strong>sdém pelas honras e riquezas, a humilda<strong>de</strong><br />
serena e jovial, o sensato conhecimento da natureza humana<br />
e da futilida<strong>de</strong> do sucesso, a segurança <strong>de</strong> juízo radicada<br />
na fé conferiram-lhe aquela confi ança e fortaleza interior que<br />
o sustentou nas adversida<strong>de</strong>s e frente à morte. A sua santida<strong>de</strong><br />
refulgiu no martírio, mas foi preparada por uma vida inteira <strong>de</strong><br />
trabalho, ao serviço <strong>de</strong> Deus e do próximo.”<br />
Várias são as lições <strong>de</strong>ixadas por Thomas More. Foi um juiz<br />
honesto e laborioso, preocupado com as pessoas que lhe pediam<br />
Justiça e foi um exemplar pai <strong>de</strong> família que amou e educou<br />
seus fi lhos com igualda<strong>de</strong>. Contudo, o ensinamento mais valioso<br />
que da vida <strong>de</strong>le po<strong>de</strong>mos tomar é que existe, antes das aparências<br />
e compromissos <strong>de</strong> ocasião, uma verda<strong>de</strong> inexorável, que se<br />
impõe e que <strong>de</strong>ixa seu registro in<strong>de</strong>lével na eternida<strong>de</strong>. O que<br />
fazemos em vida não po<strong>de</strong> ser apagado jamais, nem relativizado<br />
posteriormente e por isso <strong>de</strong>vemos nos manter fi éis à nossa<br />
consciência, e ter a coragem <strong>de</strong> afi rmá-la quando necessário: S.<br />
Thomas More é um homem para todos os tempos.<br />
R I T O S 49
Gastronomia<br />
Presentes<br />
para o paladar<br />
Vista interna do<br />
restaurante Rock Dog<br />
Por Azevêdo Hamilton Cartaxo<br />
Des<strong>de</strong> crianças nos encantam os sabores. Todo mundo tem alguma boa<br />
lembrança, quase sempre <strong>de</strong> um doce. O chocolate favorito, o doce predileto<br />
preparado pela mãe, tia, ou avó. O alimento, quase sempre, é pano <strong>de</strong> fundo<br />
para nossas relações emocionais mais importantes. Os almoços na casa<br />
da mãe, o churrasquinho em casa com os fi lhos, os jantares românticos e,<br />
porque não lembrar, dos tira-gostos que acompanham as cervejinhas com<br />
os amigos? Já que é assim, porque não buscar os cenários mais prazerosos<br />
possíveis?<br />
Refeições memoráveis são feitas <strong>de</strong> várias matérias-primas cuja proporção<br />
na receita po<strong>de</strong> variar bastante. Um ambiente agradável, ingredientes<br />
frescos, tempero simples e tradicional, ou criativo e inovador e um bom atendimento<br />
são os principais <strong>de</strong>les. A boa companhia não po<strong>de</strong> faltar, porque<br />
sem ela, nada tem a mesma graça.<br />
Você, leitor da RITOS, é nossa melhor companhia nessa viagem pelos<br />
sabores e por isso não po<strong>de</strong>ríamos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> dividir algumas dicas sobre<br />
on<strong>de</strong> comer bem, com as pessoas <strong>de</strong> quem você gosta. Aqui vão duas <strong>de</strong>las.<br />
O litoral sul tornou-se um achado para quem quer comer bem e as opções<br />
são bem variadas. As praias <strong>de</strong> Pipa e Tibau do Sul têm muitas escolhas<br />
que atraem em iguais proporções uma clientela <strong>de</strong> turistas e, para nossa<br />
sorte, nós potiguares. Pouca gente sabe, mas ali há uma jóia escondida: o<br />
Restaurante Cruzeiro do Pescador. Sua existência era, até agora, assunto <strong>de</strong><br />
propaganda “boca a boca”. Já que é tão bom, queremos dividir com você.<br />
O Cruzeiro do Pescador fi ca longe do burburinho do centro. Está loca-<br />
50 R I T O S www.amarn.com.br
Filé alto ao molho<br />
<strong>de</strong> vinho do<br />
porto, com arroz<br />
cremoso e batatas<br />
caramelizadas
lizado na estrada para o “Chapadão” <strong>de</strong> falésias,<br />
num “quase-sítio” na margem direita da<br />
estrada. Só uma placa bem discreta i<strong>de</strong>ntifi ca o<br />
local, <strong>de</strong> uma simplicida<strong>de</strong> quase enganadora e<br />
que fi ca fora da vista <strong>de</strong> quem chega.<br />
Lá, quase sempre se é recebido pelo simpático<br />
dono Daniel Filipe Rios, fi lho <strong>de</strong> portugueses<br />
que costuma puxar conversa e perguntar<br />
como se soube da existência da casa, dada sua<br />
discrição. O ambiente do restaurante é simples<br />
e agradável, bem <strong>de</strong>fi nido por ele próprio como<br />
<strong>de</strong> “rusticida<strong>de</strong> requintada” com mesas no alpendre<br />
forradas com toalhas feitas à mão pelas<br />
artesãs da região. À noite, as mesas são iluminadas<br />
por velas e lampiões.<br />
O cardápio agrada a um só tempo os amantes<br />
da inovação e da simplicida<strong>de</strong>. A casa é especializada<br />
em pescados (apesar <strong>de</strong> ter outras<br />
opções) e se orgulha <strong>de</strong> incorporar nossos ingredientes<br />
regionais às infl uências <strong>de</strong> Portugal<br />
e <strong>de</strong> suas outras colônias vindas da família do<br />
proprietário. Po<strong>de</strong>-se comer <strong>de</strong>s<strong>de</strong> um tradicional<br />
casquinho <strong>de</strong> caranguejo, até um suru-<br />
Equipe Rock Dog<br />
Café: Gerson Barbosa<br />
e os chefs Rufno<br />
Júnior e Tiago Silva<br />
ru ensopado no coco. É possível pedir um bem<br />
preparado fi lé ao molho <strong>de</strong> queijo ou ervas, ou<br />
um peixe fresco grelhado, ou ainda ser recompensado<br />
pela ousadia num <strong>de</strong>licioso e exótico<br />
Camarão à Goesa, cozinhado com um discreto<br />
curry, gengibre e outras especiarias. Para acompanhar,<br />
peça um suco <strong>de</strong> frutas frescas ou invista<br />
sem medo nas sugestões <strong>de</strong> vinhos feitas<br />
pelo proprietário, como um branco alentejano<br />
Terras <strong>de</strong> Xisto 2008 (R$ 49,00).<br />
Para quem quer fi car por Natal mesmo,<br />
há também outra ótima opção, que ainda não<br />
é conhecida <strong>de</strong> todos. O Rock Dog Café foi<br />
inaugurado há 8 meses e pertence ao advogado<br />
Gerson <strong>de</strong> Souza Barbosa, esposo da colega juíza<br />
Tatiana Socoloski, amante da boa música e<br />
da gastronomia responsável e barista diplomado<br />
em São Paulo.<br />
O nome do local engana. Não tem cachorro<br />
nem nas redon<strong>de</strong>zas, nem é templo do rock.<br />
O bom café é coadjuvante do forte da casa, que<br />
é a ótima comida feita pelos dois chefs do restaurante.<br />
Com certeza o proprietário que está<br />
52 R I T O S www.amarn.com.br
sempre lá po<strong>de</strong> explicar melhor o nome do bistrô aos que<br />
forem lá experimentar os sabores.<br />
O Rock Dog Café é um ambiente tranqüilo, casual<br />
com toque <strong>de</strong> sofi sticação. Percebe-se logo <strong>de</strong> saída a atenção<br />
aos <strong>de</strong>talhes, que vão da iluminação, à música e até<br />
as mesas com <strong>de</strong>talhes em marchetaria. O cardápio é bem<br />
variado, com muitas opções <strong>de</strong> entradas, risotos, massas<br />
e carnes.<br />
O Rock Dog Café, bistrô assumido, não <strong>de</strong>scuida <strong>de</strong><br />
suas entradas. A picanha fatiada (500g) acebolada que é<br />
acompanhada <strong>de</strong> tomates recheados é ótima. Como prato<br />
principal, <strong>de</strong>ntre as muitas opções <strong>de</strong> risotos, massas,<br />
carnes e frutos do mar, a coluna recomenda o excelente<br />
risoto <strong>de</strong> fi lé com funghi, à altura dos servidos nos restaurantes<br />
mais famosos do país. Dica: peça só um pouco <strong>de</strong><br />
manteiga à cozinha e acrescente extravagância ao ótimo<br />
prato original. O risoto vai muito bem acompanhado do<br />
tinto português Fuscaz, um dos mais vendidos da carta<br />
<strong>de</strong> vinhos do restaurante que a está expandindo para em<br />
breve também incluir vinhos da Itália e Espanha.<br />
Várias opções <strong>de</strong> sobremesa (cartolas, tortilha <strong>de</strong> morango,<br />
creme <strong>de</strong> papaia, mousse <strong>de</strong> chocolate, pudim <strong>de</strong><br />
leite e frutas fl ambadas com sorvete) fecham o ritual da<br />
refeição, acompanhados dos cafés especiais ali preparados<br />
em máquina pelo restaurante.<br />
O Rock Dog, inaugurado em abril <strong>de</strong>ste ano, é ainda<br />
pouco conhecido, mas com sua boa cozinha e excelente<br />
atendimento, vai se fi rmar na cena gastronômica <strong>de</strong> capital.<br />
Fica a dica para você ir lá e aproveitar antes <strong>de</strong> todo<br />
mundo.<br />
RESTAURANTE CRUZEIRO DO PESCADOR<br />
(84) 3246-2026 | 9121-6485<br />
cruzeiropescador@uol.com.br<br />
Chapadão - Praia da Pipa - Tibau do Sul/RN - Brasil<br />
ROCK DOG CAFÉ<br />
Av. Amintas Barros, 2194 - Lagoa Nova<br />
Natal/RN<br />
(84) 8897-1301 | 9461-8069<br />
www.amarn.com.br<br />
Restaurante Recanto do<br />
Pescador e o clima <strong>de</strong> litoral<br />
R I T O S 53
ARTIGO<br />
Roberto Me<strong>de</strong>iros dos Santos<br />
Advogado, pós-graduado em<br />
administração <strong>de</strong> empresas e gerente<br />
jurídico da COSERN.<br />
Conciliação: uma opção<br />
mo<strong>de</strong>rna para solução<br />
<strong>de</strong> confl itos.<br />
A capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resolver seus confl itos <strong>de</strong> forma célere e justa é indicador<br />
do grau <strong>de</strong> evolução <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>. Ainda que inerente às relações<br />
humanas, o confl ito não <strong>de</strong>ve se perpetuar por prazo in<strong>de</strong>terminado, pois<br />
gera insegurança, instabilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>terioração nas relações entre as pessoas<br />
e organizações. Sob a ótica da economia, a postergação da solução <strong>de</strong> um<br />
confl ito cria impasses, adia investimentos e eleva os custos <strong>de</strong> transação para<br />
as empresas e para a socieda<strong>de</strong>.<br />
A complexida<strong>de</strong> das relações sociais, incluindo os mecanismos <strong>de</strong> regulação<br />
<strong>de</strong>ssas relações provoca, cada vez mais, o surgimento <strong>de</strong> interesses<br />
antagônicos entre os atores sociais, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ando a formação <strong>de</strong> novos confl<br />
itos. Por conta disso um <strong>de</strong>safi o se apresenta: a socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna precisa<br />
<strong>de</strong>senvolver mecanismos para absorver uma <strong>de</strong>manda crescente <strong>de</strong> confl itos<br />
e solucionados a<strong>de</strong>quadamente em prazos cada vez mais curtos, ao menor<br />
custo possível. Não é algo simples <strong>de</strong> se alcançar.<br />
A prática cotidiana tem mostrado uma realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sanimadora. Crescimento<br />
<strong>de</strong>smesurado <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas perante o Po<strong>de</strong>r Judiciário, impedindo a<br />
solução das li<strong>de</strong>s em prazo razoável, estrutura do Estado insufi ciente e custos<br />
crescentes para a socieda<strong>de</strong>. De nada adianta a Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelecer<br />
a regra da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII) se no<br />
mundo real há uma assimetria entre o volume crescente <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas e a<br />
estrutura posta à disposição para solucioná-las <strong>de</strong> forma célere.<br />
Essa assimetria, causada pelo <strong>de</strong>scompasso entre necessida<strong>de</strong> e recurso<br />
disponível, tem uma componente cultural muito forte. No Brasil são poucas<br />
as iniciativas no sentido <strong>de</strong> se evitar o confl ito ou <strong>de</strong> se adotar a conciliação<br />
para a solução <strong>de</strong> litígios.<br />
Como método <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> confl itos mais efi ciente (tanto do ponto <strong>de</strong><br />
vista econômico como também do ponto <strong>de</strong> vista da celerida<strong>de</strong>) a conciliação,<br />
seja a judicial, quando já em curso um processo, seja a extrajudicial, emerge<br />
como alternativa viável para a redução da sobrecarga do Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />
Entretanto, no que pese ser uma alternativa mais racional na composição<br />
54 R I T O S www.amarn.com.br
das li<strong>de</strong>s, observa-se que conciliar não é uma prática comum nas<br />
li<strong>de</strong>s diárias. Apesar <strong>de</strong> a socieda<strong>de</strong> brasileira apresentar uma<br />
tendência natural à conciliação, na maioria das vezes tal comportamento<br />
não se verifi ca uma vez instaurado um processo judicial.<br />
Isso po<strong>de</strong> ser constatado pelo tempo <strong>de</strong> tramitação <strong>de</strong> alguns<br />
processos e da tendência <strong>de</strong> se recorrer <strong>de</strong> toda e qualquer<br />
<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>sfavorável a uma das partes. No processo cível, por<br />
exemplo, muitas vezes as partes sequer comparecem à audiência<br />
<strong>de</strong> conciliação, como se sinalizassem que esta é <strong>de</strong>snecessária.<br />
Os motivos para comportamentos <strong>de</strong>ssa natureza são vários.<br />
Po<strong>de</strong>-se pensar que para uma das partes a <strong>de</strong>mora do processo<br />
é útil. Ou a expectativa (às vezes incorreta) <strong>de</strong> que o ganho<br />
futuro será muito melhor, e até mesmo a própria formação intelectual<br />
é dada aos profi ssionais do direito, sempre treinados para<br />
o confl ito, contribui para o problema. Tanto é que são raros os<br />
cursos <strong>de</strong> Direito que tem em sua gra<strong>de</strong> curricular disciplina<br />
específi ca métodos alternativos <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> confl itos como a<br />
negociação e conciliação.<br />
Apesar <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong>, e por conta <strong>de</strong>la, a situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconforto<br />
atual aponta para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> urgente mudança<br />
<strong>de</strong> paradigma. Uma mudança que <strong>de</strong>ve atingir a própria cultura<br />
jurídica no Brasil, no sentido <strong>de</strong> se valorizar e incentivar<br />
posturas conciliatórias e <strong>de</strong> negociação. A prática <strong>de</strong> concessões<br />
mútuas, com vantagens para ambas as partes, tem que ganhar<br />
espaço sobre o princípio do “ganha/per<strong>de</strong>” predominante no<br />
processo judicial brasileiro.<br />
Por conta disso, dignas <strong>de</strong> aplauso são todas as iniciativas<br />
que buscam implantar uma cultura <strong>de</strong> conciliação na socieda<strong>de</strong>,<br />
inclusive através <strong>de</strong> alteração na legislação processual. O anteprojeto<br />
do novo Código <strong>de</strong> Processo Civil, por exemplo, já contempla<br />
essa visão, alterando a dinâmica do processo ao permitir<br />
que as partes conciliem antes mesmo da contestação do réu (artigos<br />
333 e 334, do anteprojeto).<br />
A postura adotada pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário também é digna <strong>de</strong><br />
nota. Os movimentos <strong>de</strong> conciliação mostram, a cada edição,<br />
uma maior participação das partes, e com resultados positivos<br />
crescentes. Este ano, por exemplo, a Semana <strong>de</strong> Conciliação realizada<br />
no Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, promovida pelo Tribunal <strong>de</strong><br />
Justiça, po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada um sucesso, não só pela quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> litígios solucionados, mas, e principalmente, pelo envolvi-<br />
www.amarn.com.br<br />
mento maior das partes.<br />
Esses eventos contribuem para que as partes em um processo<br />
se conscientizem da importância e das vantagens dos procedimentos<br />
<strong>de</strong> solução <strong>de</strong> confl itos baseados na conciliação. Em<br />
especial, para as empresas, geralmente <strong>de</strong>mandadas e <strong>de</strong>mandantes<br />
em gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> processos, tal perspectiva exige a<br />
quebra <strong>de</strong> alguns paradigmas e a adoção <strong>de</strong> um planejamento<br />
<strong>de</strong>talhado, além <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> longo prazo no sentido <strong>de</strong><br />
incutir uma cultura que busque evitar o confl ito e, mesmo quando<br />
isso não é possível, que o mesmo seja solucionado <strong>de</strong> forma<br />
conciliatória.<br />
A COSERN tem, nos últimos anos, buscado solucionar os<br />
confl itos através <strong>de</strong> conciliações, não apenas na esfera judicial,<br />
mas principalmente na esfera administrativa. Enten<strong>de</strong> a empresa<br />
que agindo preventivamente evitará que parcela signifi -<br />
cativa <strong>de</strong> problemas seja submetida ao Judiciário. Essa atuação<br />
preventiva é fundamental para <strong>de</strong>sonerar o aparelho estatal <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>mandas repetitivas e em gran<strong>de</strong> volume, a maioria das vezes<br />
sem qualquer complexida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> valores muito pequenos,<br />
mas que exigem do magistrado e dos serventuários da justiça a<br />
mesma atenção e dispêndio <strong>de</strong> tempo que <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> maior<br />
complexida<strong>de</strong>.<br />
O efeito <strong>de</strong> uma atuação preventiva na COSERN po<strong>de</strong><br />
ser evi<strong>de</strong>nciado pela comparação entre o número total <strong>de</strong> seus<br />
consumidores e a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas que lhe são direcionadas,<br />
além da correlação entre as <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> cunho administrativo<br />
e as <strong>de</strong> cunho judicial.<br />
Observe-se no gráfi co adiante que a empresa tem conseguido<br />
solucionar praticamente todas as <strong>de</strong>mandas administrativas<br />
que lhes são submetidas por seus consumidores. Caso não houvesse<br />
tal postura, era <strong>de</strong> se esperar que a maioria <strong>de</strong>ssas <strong>de</strong>mandas<br />
administrativas se transformasse em processos judiciais.<br />
A COSERN possuía, em outubro <strong>de</strong>ste ano, 1.124.430<br />
contratos ativos <strong>de</strong> consumidores, sendo que cada contrato gera<br />
12 faturas por ano, totalizando 13.493.160 faturas. A atuação<br />
preventiva na solução <strong>de</strong> confl itos tem surtido efeitos muito positivos<br />
quando se compara a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> faturas e o número<br />
<strong>de</strong> reclamações referentes a essas faturas (que na imensa maioria<br />
são solucionadas).<br />
A adoção <strong>de</strong> uma cultura preventiva e conciliatória é, <strong>de</strong><br />
R I T O S 55
Nota: algumas reclamações só foram solucionadas no ano seguinte em relação ao <strong>de</strong> recebimento, fazendo<br />
com que o volume <strong>de</strong> reclamações solucionadas seja superior ao <strong>de</strong> recebidas em um ano específi co.<br />
longe, a melhor opção, tanto sob o aspecto econômico, como<br />
<strong>de</strong> relacionamento com os clientes e também em relação à otimização<br />
dos recursos do Estado, já que uma quantida<strong>de</strong> muito<br />
menor <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas necessitará movimentar o aparelho judicial<br />
através <strong>de</strong> um processo judicial.<br />
Prevenção e conciliação po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem fazer parte <strong>de</strong> um<br />
processo empresarial estratégico, que <strong>de</strong>fi ne premissas e condições<br />
para a solução <strong>de</strong> confl itos. No caso da COSERN há<br />
constante avaliação dos procedimentos adotados pela empresa<br />
no sentido <strong>de</strong> se evitar potenciais litígios. E quando isso não é<br />
possível, busca-se encontrar a melhor forma <strong>de</strong> solucioná-los,<br />
sem a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um processo judicial. Os números acima<br />
56 R I T O S www.amarn.com.br
<strong>de</strong>monstram bem essa prática.<br />
Mesmo no universo das <strong>de</strong>mandas judiciais em curso sempre<br />
se vislumbra a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conciliar. Isso é feito através<br />
da análise do problema discutido nos autos (cada processo <strong>de</strong>ve<br />
ser analisado) e do conjunto probatório existente, estimativa <strong>de</strong><br />
custos processuais, <strong>de</strong> tempo <strong>de</strong> duração e valor fi nal envolvido,<br />
geração <strong>de</strong> alternativas para a solução do confl ito e escolha da<br />
melhor alternativa. Além disso, há toda uma análise <strong>de</strong> fl exibilida<strong>de</strong><br />
orçamentária e <strong>de</strong> critérios comerciais e contábeis que<br />
serão aplicados após a concretização do acordo.<br />
Por outro lado, as iniciativas do Po<strong>de</strong>r Judiciário em incentivar<br />
mecanismos conciliatórios são extremamente necessárias<br />
e <strong>de</strong>vem ser valorizadas. Os movimentos <strong>de</strong> conciliação, por<br />
exemplo, po<strong>de</strong>riam ocorrer durante todo o ano como forma <strong>de</strong><br />
incentivar a mudança <strong>de</strong> paradigma.<br />
Além disso, as experiências conciliatórias <strong>de</strong>veriam ser alvo<br />
<strong>de</strong> estudo nos cursos <strong>de</strong> Direito e no treinamento dos profi ssionais<br />
que lidam com o processo. Uma mudança cultura exige<br />
esforço intelectual e tempo <strong>de</strong> maturação.<br />
Importante também é a sensibilida<strong>de</strong> do Judiciário em<br />
enten<strong>de</strong>r os processos e estratégias empresariais, mormente<br />
www.amarn.com.br<br />
No movimento <strong>de</strong> conciliação ocorrido entre 29 <strong>de</strong> novembro<br />
e 03 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong>ste ano, a aplicação <strong>de</strong> uma análise<br />
estratégica para conciliação permitiu que a COSERN obtivesse<br />
um percentual <strong>de</strong> sucesso (acordos efetivamente realizados) <strong>de</strong><br />
49% nas audiências realizadas no Fórum Miguel Seabra Fagun<strong>de</strong>s,<br />
formalizando acordos que ultrapassaram R$ 1.300.000,00<br />
e puseram fi m a processos com mais <strong>de</strong> 10 anos <strong>de</strong> tramitação.<br />
Para a COSERN os resultados obtidos com a conciliação<br />
em relação às <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> seus clientes tem sido animadores e<br />
isso contribui para que se mantenha uma postura <strong>de</strong> negociação.<br />
em se tratando <strong>de</strong> processos comerciais, regras <strong>de</strong> governança<br />
corporativa, limitações orçamentárias e contábeis, o que po<strong>de</strong><br />
dar maior efetivida<strong>de</strong> na realização <strong>de</strong> acordos e a conseqüente<br />
redução <strong>de</strong> litígios.<br />
Enfi m, são <strong>de</strong> se esperar ganhos signifi cativos para a socieda<strong>de</strong><br />
com essa mudança <strong>de</strong> paradigma, em virtu<strong>de</strong> da redução<br />
do grau <strong>de</strong> litigiosida<strong>de</strong> entre os atores sociais, custos <strong>de</strong> transação<br />
e insegurança jurídica pela perpetuação <strong>de</strong> confl itos. De<br />
outra parte, a <strong>de</strong>soneração do Po<strong>de</strong>r Judiciário com a redução<br />
<strong>de</strong> processos e procedimentos propicia maior agilida<strong>de</strong> e melhor<br />
qualida<strong>de</strong> no cumprimento <strong>de</strong> sua missão.<br />
R I T O S 57
ARTIGO<br />
Guilherme Newton do Monte Pinto<br />
Juiz <strong>de</strong> Direito em Natal-RN; Professor<br />
<strong>de</strong> Instituição do Po<strong>de</strong>r Judiciário da<br />
ESMARN; Mestre em Direito Político<br />
e Econômico pela Universida<strong>de</strong><br />
MACKENZIE–SP; Especialista em<br />
Direito e Cidadania pela UFRN;<br />
Especialista em Direito Penal e<br />
Processo Penal pela PUC-SP; foi<br />
Presi<strong>de</strong>nte da <strong>AMARN</strong> e Vice-Presi<strong>de</strong>nte<br />
Institucional da Associação dos<br />
Magistrados Brasileiros – AMB.<br />
Direito, justiça e<br />
jurisdição na Grécia<br />
Homérica<br />
INTRODUÇÃO<br />
A poesia, quase sempre, refl ete o seu tempo e o contexto social em que<br />
se insere o poeta, sendo este o verda<strong>de</strong>iro pano <strong>de</strong> fundo da arte literária.<br />
Algumas vezes, entretanto, tal se dá <strong>de</strong> forma tão acentuada, tão viva, que<br />
faz transbordar, da manifestação poética, a essência das instituições do povo<br />
em que se inspirou. É o que ocorre na poesia grega e, em especial, na obra<br />
que se atribui a Homero, consi<strong>de</strong>rando como tal a Ilíada e a Odisséia, sem<br />
a<strong>de</strong>ntrar no tema, <strong>de</strong>snecessário aos objetivos aqui pretendidos, da correção<br />
da atribuição das obras ao autor,<br />
Partindo <strong>de</strong>sta percepção, objetiva-se aqui, a partir das epopéias homéricas<br />
e fundando-se na compreensão <strong>de</strong> alguns aspectos peculiares da vida<br />
do povo grego daqueles tempos ditos heróicos, insuperavelmente retratados<br />
pelas obras mencionadas, extrair algumas noções que se possam relacionar à<br />
mo<strong>de</strong>rna Teoria do Direito, contrariando aqueles que apregoam o surgimento<br />
<strong>de</strong> tais noções em épocas bem mais recentes, <strong>de</strong> forma a procurar entendêlas<br />
no contexto <strong>de</strong> seu tempo e explicá-las, porém, à luz da compreensão que<br />
temos hoje dos respectivos institutos.<br />
58 R I T O S www.amarn.com.br
A POESIA, O HOMEM E O ESTADO<br />
A poesia grega tem por tema inesgotável o Homem e o<br />
aborda <strong>de</strong> forma tão abrangente, em seus múltiplos <strong>de</strong>sdobramentos,<br />
inclusive pessoal, religioso, social, que a essência das instituições<br />
gregas po<strong>de</strong> ser facilmente percebida e compreendida a<br />
partir da observação <strong>de</strong>ste particular aspecto.<br />
Afi rma Jaeger, que o Estado grego “só po<strong>de</strong> ser compreendido<br />
sob o ponto <strong>de</strong> vista da formação do homem e da sua vida<br />
inteira” e que “já não é possível uma história da literatura grega<br />
separada da comunida<strong>de</strong> social <strong>de</strong> que surgiu e à qual se dirigia”.<br />
É que, como bem observa o autor, “o Homem que se revela<br />
nas obras dos gran<strong>de</strong>s gregos é o homem político” 1 .<br />
De fato, no mundo <strong>de</strong> Homero, a poesia retrata o Homem<br />
e o Homem refl ete o Estado.<br />
Assim, ao examinar-se a poesia <strong>de</strong> Homero, se vislumbra a<br />
essência do Homem da Grécia antiga, <strong>de</strong>lineia-se o Estado dos<br />
tempos <strong>de</strong> Aquiles e, <strong>de</strong>sta forma, se po<strong>de</strong> extrair alguns conceitos<br />
e noções relacionadas ao Direito, à Justiça e, até mesmo, à<br />
Jurisdição daqueles tempos ditos heróicos.<br />
VISÃO ARISTOCRÁTICA EM HOMERO<br />
Necessário acentuar, <strong>de</strong> início, que toda a obra atribuída a<br />
Homero retrata inafastavelmente uma visão aristocrática, uma<br />
visão <strong>de</strong> nobreza e que impregna toda a concepção e noções que<br />
<strong>de</strong>la se possa extrair.<br />
Um conceito essencial para que melhor se compreenda este<br />
aspecto é o <strong>de</strong> Arete. Ainda que não exista termo equivalente na<br />
língua portuguesa, po<strong>de</strong> ser traduzido como “virtu<strong>de</strong>” e, <strong>de</strong> uma<br />
forma geral, Homero <strong>de</strong>signa por Arete a força ou <strong>de</strong>streza dos<br />
guerreiros, o heroísmo, tão bem representativo <strong>de</strong> seu tempo,<br />
não apenas no nosso sentido exclusivamente moral, mas, sobretudo,<br />
o heroísmo intrinsecamente ligado à força. Na concepção<br />
dos tempos homéricos, entretanto, é este um atributo próprio<br />
da nobreza, <strong>de</strong> forma que o homem comum e, muito menos o<br />
escravo, <strong>de</strong>tém a Arete.<br />
Se a virtu<strong>de</strong>, em seu sentido mais amplo, só po<strong>de</strong> ser reconhecida<br />
a um nobre, e tal reconhecimento tem <strong>de</strong>cisiva repercussão<br />
social, não se po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> enxergar, neste aspecto,<br />
uma visão aristocrática na obra <strong>de</strong> Homero, com inegáveis re-<br />
1 JAEGER, 2001. p. 14 e 16<br />
www.amarn.com.br<br />
fl exos nas noções que se pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>la extrair, ou seja, a <strong>de</strong>limitação<br />
à nobreza do campo <strong>de</strong> reconhecimento público da virtu<strong>de</strong><br />
indica com clareza igual <strong>de</strong>limitação da noção que se possa ter<br />
<strong>de</strong> diversos outros aspectos das relações sociais e dos institutos<br />
a elas inerentes.<br />
É visível como a Odisséia, ao oferecer uma <strong>de</strong>scrição da<br />
vida na paz, quando “pinta a existência do herói <strong>de</strong>pois da guerra,<br />
as suas viagens aventurosas e a sua vida caseira com a família<br />
e os amigos, inspira-se na vida real dos nobres do seu tempo”. O<br />
texto da Odisséia representa “uma classe, a dos nobres senhores,<br />
com os seus palácios e casario” que é “uma classe fechada, com<br />
intensa consciência dos seus privilégios, do seu domínio e dos<br />
seus costumes e modos <strong>de</strong> vida refi nados” e “apesar <strong>de</strong> na Odisséia<br />
existir um sentimento <strong>de</strong> humanida<strong>de</strong> para com as pessoas<br />
comuns, não se po<strong>de</strong> imaginar uma educação e formação conscientes<br />
fora da classe privilegiada. Só esta classe po<strong>de</strong> aspirar à<br />
formação da personalida<strong>de</strong> humana na sua totalida<strong>de</strong>” 2 .<br />
Inegável, pois, a visão aristocrática na obra <strong>de</strong> Homero, refl<br />
exo do contexto social em que se insere, e que se irradia por<br />
todos os institutos - inclusive os relacionados ao Direito -, que<br />
possam ser extraídos <strong>de</strong> sua narração.<br />
NOÇÃO DE JUSTIÇA<br />
Do exame da narrativa homérica percebe-se uma interessante<br />
ligação entre a Arete e a Honra. Há, em todos os heróis<br />
das Epopéias, assim como nos próprios <strong>de</strong>uses, uma ânsia pelo<br />
reconhecimento publico <strong>de</strong> sua Arete, <strong>de</strong> sua honra, pelo elogio,<br />
pela glória alcançada, pelo prestígio que se obtém no seio da<br />
socieda<strong>de</strong> em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>ste reconhecimento e, em contrapartida,<br />
o medo, a revolta, a ira, pelo não reconhecimento, pela<br />
reprovação pública, pela negação da honra.<br />
Daí dizer Jaeger, que “o homem homérico só adquire consciência<br />
do seu valor pelo reconhecimento da socieda<strong>de</strong> a que<br />
pertence. Ele é um produto da sua classe e me<strong>de</strong> a Arete própria<br />
pelo prestígio que disputa entre os seus semelhantes” e “para<br />
Homero, e para a nobreza <strong>de</strong> seu tempo, a negação da honra<br />
era a maior tragédia humana. O elogio e a reprovação são a<br />
fonte da honra e da <strong>de</strong>sonra” 3 .<br />
2 JAEGER, 2001. p. 41, 43 e 44.<br />
3 JAEGER, 2001. p. 31.<br />
R I T O S 59
Dessa correlação estreita entre Arete e Honra, <strong>de</strong>sta ânsia<br />
pelo reconhecimento da Honra e pela ira e revolta que provoca<br />
a sua negação, se po<strong>de</strong> extrair uma noção <strong>de</strong> Justiça vinculada<br />
ao reconhecimento da honra, da Arete. É justo reconhecer a<br />
honra e injusto negá-la.<br />
Dentro <strong>de</strong>ste prisma é que melhor se po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o<br />
trágico confl ito <strong>de</strong> Aquiles na Ilíada, a sua ira - que se constitui<br />
no tema central da epopéia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu nascedouro -, a negativa<br />
do herói em combater ao lado dos gregos na guerra contra<br />
Tróia. Visto sob o olhar dos tempos mo<strong>de</strong>rnos, já impregnado<br />
pela noção cristã da consciência pessoal, po<strong>de</strong>ria parecer, a atitu<strong>de</strong><br />
do herói, ambição pessoal, vaida<strong>de</strong> superfi cial, mas, aos<br />
olhos do homem grego, afi gura-se como justa reação à recusa <strong>de</strong><br />
sua honra, do reconhecimento <strong>de</strong> sua Arete proeminente. Nas<br />
palavras do próprio Aquiles, dirigidas à Agamêmnon, “viemos,<br />
cão protervo, para em Tróia, a Menelau e a ti lavar a nódoa.<br />
Alar<strong>de</strong>ias, ingrato, e nos <strong>de</strong>sprezas; (...) Já que aviltas a mão que<br />
<strong>de</strong> tesouros a fome te fartava: eu te abandono. (...) Honram-me<br />
outros, e em Júpiter confi o” 4 . Seria, pois, no sentimento do herói<br />
e do poeta, uma resposta ao injusto.<br />
Recorrendo novamente a Jaeger, é possível extrair-se, no<br />
mesmo sentido, o exemplo “das trágicas conseqüências da honra<br />
ofendida <strong>de</strong> Ajax, o maior herói aqueu <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Aquiles. As<br />
armas <strong>de</strong> Aquiles, caído em combate, são concedidas à Ulisses,<br />
não obstante os superiores merecimentos <strong>de</strong> Ajax, e a tragédia<br />
<strong>de</strong>ste acaba na loucura e no suicídio” 5 . Com efeito, no Livro XI<br />
da Odisséias – Evocação aos mortos – quando Ulisses chega à<br />
terra dos Cimérios e se <strong>de</strong>para com a alma <strong>de</strong> Ajax que ainda<br />
“irosa estava pelas armas <strong>de</strong> Aquiles” e se dirige ao “mais formoso<br />
e bravo exceto Aquiles” que “nem morto esquece a fatal<br />
porfi a” e pe<strong>de</strong> que “teu ódio aplaca, no ânimo generoso me perdoa”,<br />
recebe <strong>de</strong>ste, como resposta, o silêncio ressentido (“não<br />
<strong>de</strong>u palavra e tácito ia andando”) 6 .<br />
São muitos, assim, os episódios em que transparece um profundo<br />
sentimento <strong>de</strong> injustiça que correspon<strong>de</strong> com exatidão à<br />
negativa do reconhecimento da Honra.<br />
Extrai-se, pois, uma noção <strong>de</strong> Justiça que, entendida esta, tal<br />
4 HOMERO. 2007, Ilíada, Livro I, versos 140 e segs.<br />
5 JAEGER, 2001 p. 32.<br />
6 HOMERO. 2007, Odisséia, Livro XI, versos 422 e segs.<br />
qual Ferraz Jr., “como um valor ético-social <strong>de</strong> proporcionalida<strong>de</strong><br />
em conformida<strong>de</strong> com o qual exige-se a atribuição a alguém<br />
daquilo que lhe é <strong>de</strong>vido” 7 se po<strong>de</strong>ria dizer que, nos exemplos<br />
extraídos <strong>de</strong> Homero, seria o reconhecimento público da honra,<br />
da Arete.<br />
A imprescindibilida<strong>de</strong>, para o herói homérico, <strong>de</strong>ste reconhecimento<br />
público da honra, que i<strong>de</strong>ntifi camos como sentimento<br />
<strong>de</strong> Justiça, nos remete à observação <strong>de</strong> Kelsen, para<br />
quem “o anseio por justiça é o eterno anseio do homem pela felicida<strong>de</strong>.<br />
É a felicida<strong>de</strong> que o homem não po<strong>de</strong> encontrar como<br />
indivíduo isolado e que, portanto, procura em socieda<strong>de</strong>” para<br />
concluir que “A Justiça é a felicida<strong>de</strong> social” 8 .<br />
Não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> observar, por outro lado, que o conceito<br />
<strong>de</strong> Justiça está absolutamente vinculado a um pensamento<br />
aristocrático, <strong>de</strong> prepon<strong>de</strong>rância da nobreza que, por sua vez,<br />
traz em seu bojo a cultura do forte, do vencedor, do domínio <strong>de</strong><br />
uns sobre outros.<br />
Daí que, no exemplo prático da ira <strong>de</strong> Aquiles, a “injustiça”<br />
<strong>de</strong> lhe ser negada a honra <strong>de</strong>vida tinha a ver com a tomada, por<br />
parte <strong>de</strong> Agamêmnon, da escrava Briseida, obtida por Aquiles<br />
como <strong>de</strong>spojo <strong>de</strong> guerra, <strong>de</strong> tal forma que a “Justiça” invocada<br />
envolvia contenda apenas entre nobres, porém com absoluto<br />
<strong>de</strong>sprezo a pessoa <strong>de</strong> outra classe - no caso a escrava - ou seja,<br />
a noção <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rava e <strong>de</strong>sprezava os “<strong>de</strong>siguais”,<br />
limitando-se, a sua noção, ao âmbito possível <strong>de</strong> uma visão essencialmente<br />
aristocrática.<br />
Há, pois, uma noção <strong>de</strong> Justiça não somente vinculado a<br />
uma conduta social como também impregnada <strong>de</strong> um profundo<br />
traço aristocrático, a Themis como código <strong>de</strong> conduta cavaleiresca,<br />
como norma social da aristocracia.<br />
NOÇÃO DE DIREITO<br />
Além da noção <strong>de</strong> Justiça que se po<strong>de</strong> extrair da obra <strong>de</strong><br />
Homero, é possível, ainda, i<strong>de</strong>ntifi car outros conceitos ligados<br />
à Teoria do Direito, em especial uma noção <strong>de</strong> direito em seu<br />
aspecto ainda arcaico.<br />
É fácil perceber, por toda a obra <strong>de</strong> Homero, um caráter<br />
mandamental na formação e educação que implica em regras<br />
7 FERRAZ JR. 2003, p. 352/353.<br />
8 KELSEN, 1998, p. 9.<br />
60 R I T O S www.amarn.com.br
claras, mandamentos por assim dizer, referentes ao trato dos<br />
<strong>de</strong>uses, dos pais, dos estrangeiros. Assim é que, da narrativa se<br />
extrai a necessida<strong>de</strong> do respeito e temor aos <strong>de</strong>uses, tanto que,<br />
ou Agamêmnon observa o <strong>de</strong>sejo divino <strong>de</strong> <strong>de</strong>volver Criseida<br />
a seu pai Crises ou permaneceria o fl agelo imposto por Apolo<br />
sobre os exércitos gregos (Ilíada, Livro I) e, ainda, que é preciso<br />
honrar a memória dos antepassados, tanto que Aquiles somente<br />
consente em <strong>de</strong>volver o cadáver <strong>de</strong> Heitor a Príamo após ser<br />
invocada a memória <strong>de</strong> seu pai (Ilíada, Livro XXIV). Diversos<br />
outros exemplos po<strong>de</strong>riam ilustrar este caráter mandamental<br />
que emana das regras tácita ou intuitivamente estabelecidas ao<br />
convívio social.<br />
Tais preceitos elementares do procedimento correto para<br />
com os <strong>de</strong>uses, os pais e os estranhos, que somente mais tar<strong>de</strong><br />
foram incorporados à lei escrita, já no tempo heróico, tal como<br />
retratado por Homero, aparecem como normas que já se po<strong>de</strong>m<br />
traduzir como manifestação do direito arcaico.<br />
Mesmo as regras <strong>de</strong> conduta, <strong>de</strong> respeito à Honra alheia, <strong>de</strong><br />
reconhecimento da Arete, impostas pelo senso comum, po<strong>de</strong>m<br />
ser traduzidas como tal.<br />
Vale aqui novamente invocar a lição <strong>de</strong> Ferraz Jr. para quem,<br />
no horizonte do direito arcaico, “o direito confun<strong>de</strong>-se com as<br />
maneiras características <strong>de</strong> agir do povo tomadas como particularmente<br />
importantes para a vida do grupo e manifestadas<br />
na forma <strong>de</strong> regras gerais” 9 , o que não se afasta por completo<br />
<strong>de</strong> uma noção mais mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> direito em sentido geral, como<br />
“la técnica <strong>de</strong> la coexistência humana, o sea la técnica dirigida<br />
a hacer posible la coexistência <strong>de</strong> los hombres” 10 . E acrescenta<br />
Ferraz Jr.: “ele é percebido, primariamente, quando o comportamento<br />
<strong>de</strong> alguém ou <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong>silu<strong>de</strong> a expectativa<br />
consagrada pelas regras, reagindo o <strong>de</strong>siludido na forma, por<br />
exemplo, <strong>de</strong> uma explosão <strong>de</strong> ira, vingança, maldições etc.” <strong>11</strong> .<br />
Neste particular, é <strong>de</strong> se observar que a Ilíada é muito mais<br />
a história da ira <strong>de</strong> Aquiles contra o que ele consi<strong>de</strong>rou transgressão<br />
<strong>de</strong> regras, o que se po<strong>de</strong> ver <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro verso, do<br />
que propriamente da guerra <strong>de</strong> Tróia, tanto que não narra nem<br />
9 FERRAZ JR. 2003, p.53.<br />
10 ABBAGNANO, 1996, p.292.<br />
<strong>11</strong> FERRAR JR., 2003. p.53.<br />
www.amarn.com.br<br />
o começo e nem precisamente o fi m da guerra.<br />
A Iliada seria, pois, sob este ângulo, apenas a história da<br />
reação <strong>de</strong> um herói contra a transgressão do “Direito” <strong>de</strong> seu<br />
tempo.<br />
Portanto, não se po<strong>de</strong> negar que, mesmo que intrincados e<br />
misturados os conceitos <strong>de</strong> direito com o <strong>de</strong> moral, <strong>de</strong> religião,<br />
<strong>de</strong> costumes até, é possível extrair da obra <strong>de</strong> Homero manifestações<br />
bem nítidas do que se po<strong>de</strong> conceituar como Direito,<br />
ainda que em seu formado arcaico.<br />
JURISDIÇÃO EM HOMERO<br />
É possível, também, da obra <strong>de</strong> Homero, extrair noção relacionada<br />
à função jurisdicional. Com efeito, no segundo livro<br />
da Odisséia, Telêmaco, fi lho <strong>de</strong> Ulisses, vai à Assembléia dos<br />
Itacenses no intuito <strong>de</strong> que os preten<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> sua mãe Penélope,<br />
esposa <strong>de</strong> Ulisses, <strong>de</strong>ixem o palácio <strong>de</strong> seu pai ou que aquela<br />
Assembléia forneça-lhe um navio para que vá a sua procura.<br />
É visível a função jurisdicional que dispõe tal Assembléia,<br />
máxime quando se observa que está ali para <strong>de</strong>cidir questão privada<br />
e não propriamente pública, segundo se po<strong>de</strong> extrair dos<br />
versos em que Telêmaco expõe a sua pretensão:<br />
“Nem há novas <strong>de</strong> exército inimigo,<br />
Nem trato hoje <strong>de</strong> público interesse,<br />
Mas do meu próprio. Eis duas graves penas:<br />
Falta-me o pai, que o era do seu povo;<br />
O pior é que amantes importunos,<br />
Filhos dos principais aqui presentes,<br />
Minha mãe vexam, minha casa estragam.<br />
...<br />
Em diários festins, meus bois tragando,<br />
Cabras e ovelhas, minha a<strong>de</strong>ga exaurem<br />
...<br />
Da ruína e infâmia, cidadãos, salvai-me” 12 .<br />
De fato, a Assembleia, reunida na Ágora <strong>de</strong> Ítaca, <strong>de</strong>stinase,<br />
naquele momento, a <strong>de</strong>cidir uma questão <strong>de</strong> natureza privada,<br />
uma “<strong>de</strong>manda” por assim dizer, entre Telêmaco e os<br />
12 HOMERO. 2007, Odisséia, Livro II, versos 30 e segs.<br />
R I T O S 61
preten<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> sua mãe Penélope. Telêmaco quer afastar tais<br />
preten<strong>de</strong>ntes do palácio <strong>de</strong> seu pai, evitar que os mesmos estraguem<br />
a sua casa, promovam festas diárias, usem seus bois,<br />
cabras e ovelhas, usufruam <strong>de</strong> sua a<strong>de</strong>ga, enfi m, preten<strong>de</strong> que<br />
lhe seja dada proteção, através da Assembléia, contra o que consi<strong>de</strong>ra<br />
uma afronta a seu direito privado, numa nítida função<br />
que hoje <strong>de</strong>nominamos <strong>de</strong> jurisdicional.<br />
Não se po<strong>de</strong>ria enxergar, na proteção que Telêmaco preten<strong>de</strong>,<br />
um ato <strong>de</strong> governo em seu sentido estrito, <strong>de</strong> tal forma a se<br />
supor que a Assembléia estivesse <strong>de</strong>sempenhando uma função<br />
<strong>de</strong> cunho estritamente político, <strong>de</strong> interesse apenas da comunida<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> traço “jurisdicional”. Não, a questão não<br />
era <strong>de</strong> Estado, mas privada e, se interessava à comunida<strong>de</strong>, assim<br />
se dava apenas na medida em que a solução <strong>de</strong> qualquer<br />
<strong>de</strong>manda entre particulares é sempre <strong>de</strong> interesse <strong>de</strong> toda a<br />
comunida<strong>de</strong>.<br />
Mesmo o pleito por um navio que fosse à procura <strong>de</strong> Ulisses,<br />
on<strong>de</strong> inegavelmente existe uma faceta pública, uma vez que<br />
se tratava do Rei <strong>de</strong> Ítaca, Telêmaco o apresentou revestido <strong>de</strong><br />
caráter privado, visto que o seu objetivo não era, por exemplo,<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a comunida<strong>de</strong> “contra exército inimigo”, ou proteger<br />
Ítaca contra efeitos danosos que a ausência do soberano pu<strong>de</strong>sse<br />
causar, o que seria questão <strong>de</strong> Estado, mas tão somente aten<strong>de</strong>r<br />
o interesse próprio <strong>de</strong> ter <strong>de</strong> volta o seu pai e afastar os que importunavam<br />
sua mãe.<br />
Inegável, pois, que a Assembléia, reunida para <strong>de</strong>cidir<br />
o pleito <strong>de</strong> Telêmaco, se constituiu, pelo menos naquele momento,<br />
em nítido órgão <strong>de</strong> natureza jurisdicional, não obstante<br />
ordinariamente exercer funções <strong>de</strong> governo, o que também se<br />
<strong>de</strong>duz da narrativa. Inegável, também, que ao <strong>de</strong>cidir o caso,<br />
proferiu uma <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> mesma natureza, ou seja, também jurisdicional,<br />
já que <strong>de</strong>cidiu a “<strong>de</strong>manda” que lhe havia sido posta<br />
à apreciação.<br />
Interessante observar que o <strong>de</strong>sfecho da questão se <strong>de</strong>u <strong>de</strong><br />
forma <strong>de</strong>sfavorável a Telêmaco, com negativa tanto da proteção<br />
contra os preten<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> Penélope quanto da embarcação que<br />
pretendia obter, em fl agrante confronto com o senso <strong>de</strong> Justiça<br />
que transparece do pensamento do poeta, tanto que recebeu o<br />
socorro divino <strong>de</strong> Atenas para ir a procura <strong>de</strong> seu pai.<br />
Talvez aí estejamos diante <strong>de</strong> um exemplo antiqüíssimo em<br />
que a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> um “Tribunal” – no caso a Assembléia – divorcia-se<br />
da verda<strong>de</strong>ira Justiça, ou seja, um distanciamento entre a<br />
aplicação do Direito e a idéia <strong>de</strong> Justiça.<br />
CONCLUSÃO<br />
Em rápidas linhas e <strong>de</strong>ste breve relato, se po<strong>de</strong> resumir as<br />
seguintes conclusões:<br />
Já ao tempo homérico, e a partir da narrativa da Ilíada e da<br />
Odisséia, havia uma clara noção <strong>de</strong> Justiça, vinculada ao reconhecimento<br />
público da honra, da Arete, ainda que com caráter<br />
essencialmente aristocrático;<br />
Se po<strong>de</strong> igualmente i<strong>de</strong>ntifi car, nas Epopéias citadas, e mesmo<br />
que intrincados e misturados os conceitos <strong>de</strong> direito com o<br />
<strong>de</strong> moral, <strong>de</strong> religião, <strong>de</strong> costumes até, manifestações bem nítidas<br />
do que se po<strong>de</strong> conceituar como Direito, ainda que em seu<br />
formado arcaico<br />
Também se po<strong>de</strong> extrair, da obra atribuída a Homero, a<br />
presença do que hoje <strong>de</strong>nominamos “Jurisdição”, e que se<br />
exemplifi ca com a passagem do Livro II da Odisséia, em que<br />
a Assembléia reunida na Ágora <strong>de</strong> Ítaca, ao <strong>de</strong>cidir o pleito <strong>de</strong><br />
Telêmaco, se constituiu, não obstante as <strong>de</strong>mais atribuições que<br />
<strong>de</strong>tinha, em órgão nitidamente jurisdicional e exerceu, pelo menos<br />
no caso apontado, função <strong>de</strong> igual natureza.<br />
REFERÊNCIAS<br />
JAEGER, Werner Wilhelm. Paidéias: a formação do homem<br />
grego. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.<br />
HOMERO. Ilíada. São Paulo: Martin Claret, 2007.<br />
HOMERO. Odisséia. São PAULO: Marrtin Claret, 2007.<br />
FERRAZ JR. Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito,<br />
4ª ed.. São Paulo: Atlas.<br />
KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado, 3ª ed.<br />
São Paulo: Martins Fontes, 1998.<br />
ABBAGNANO, Nicola. Diccionario <strong>de</strong> Filosofi a, 2ª ed. México:<br />
Fondo <strong>de</strong> Cultura Econômica, 1996.<br />
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