Anais - Fundação Araucária - Estado do Paraná
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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Kant em torno do exemplo da mentira maldosa se revela também problemática, sobretudo em função de ele sugerir, pelo desprezo das condições empíricas, que todas as ações humanas seriam livres 1 . De qualquer forma é importante enfatizar que a pretensão de Kant é mostrar que liberdade e necessidade natural podem, numa mesma ação, ―ocorrer independentemente uma da outra e sem interferências recíprocas‖ (CRP B 585). Logo, o argumento principal em favor desta tese é, de fato, a distinção entre fenômeno e númeno com a consequente abertura do já referido espaço conceitual que nos permite pensar a possibilidade das ações humanas fora das condições epistêmicas (espaço-temporais e categoriais). Todavia, o recurso a este espaço conceitual, em que se justifica a compreensão das ações humanas como resultado de uma causalidade por liberdade, isto é, numênica, deve ser validado apenas ―onde há alguma razão para ir além da causalidade fenomênica, e estas são encontradas apenas na volição humana‖ 2 . Com efeito, na natureza inanimada ou meramente animal não existem razões para o recurso a uma compreensão diferente da que nos é oferecida pelo determinismo natural (Cf. CRP B 574). Ora, se o recurso a uma causalidade numênica somente se justifica quando existe alguma razão para irmos além da causalidade fenomênica, e mesmo que este apelo à causalidade numênica só seja justificado quando se tratar de volições humanas, poder-se-ia considerar que, nas ações humanas, tendo em vista a avaliação de responsabilidade das mesmas, o apelo à causalidade numênica pode ser impugnado à medida que 1 Esta questão é assinalada por Jonathan Bennett (Op. Cit , p. 233) e Lewis White Beck que, embora numa perspectiva de argumentação diferente da de Bennett, afirma: ―Todos os fenômenos têm duas dimensões de relações, uma para o fenômeno anterior, uma para o númeno. A segunda dimensão ou relação não é o que se quer significar por liberdade num sentido interessante, porque ela é indiscriminadamente universal. Liberdade como um predicado universal é destituída de interesse‖ (A Commentary on Kant‟s Critique of pratical reason, p.188). Embora Beck não esteja se referindo a universalidade indiscriminada quanto às ações humanas (o que faz Bennett), a sua ponderação ao meu ver pode valer também nesse sentido, uma vez que o conceito de liberdade como predicado de toda e qualquer ação humana, ao desconsiderar a possibilidade do arbítrio humano ser necessitado patologicamente, apresenta-se com interesse reduzido, dada a sua miopia quanto às ocorrências patológicas suscetíveis ao agir humano. 2 L. W. BECK. Commentary, p. 189. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página13
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 inexistam razões para se ir além da causalidade fenomênica. Tome-se novamente o exemplo da mentira maldosa. É razoável supor que um tal ato resulte de certas condições empíricas que afetam completamente (necessitariamente) a volição humana (consideremos, mais uma vez, o fator da ―malignidade de uma índole insensível à vergonha‖ no sentido mais forte). Assim, em casos semelhantes a este, não existiria razão para irmos além da causalidade fenomênica. Convém que se atente que o que está em questão aqui não é em primeiro lugar a precisão dos exemplos, mas sim a de perceber que a liberdade não está sempre presente nas ações humanas, não se justificando, portanto, por princípio um desprezo das condições empíricas do agente quando visamos juízos de imputabilidade. O que se questiona em Kant é a tese de que, independentemente de qualquer afeto, a razão é moralmente soberana (e não que ela deva ser moralmente soberana). Ora, um sujeito destituído do sentimento de vergonha seria um caso empírico de uma patologia 1 diante da qual a razão não teria soberania. IV Nesse sentido, pode-se buscar um apoio nos textos kantianos. Com efeito, Kant considera que a primeira infância e a loucura, incluindo nesta última estados psicológicos como uma melancolia extrema ou depressão, representam condições empíricas que nos levam a considerar um agente como não livre 2 . A discriminação de atos livres de atos não livres se deixa perceber também no texto Resposta à pergunta: que é o Iluminismo? em que Kant fala da ―menoridade‖ de que o próprio homem é culpado, a qual se distingue da menoridade que reside na falta de entendimento ou que se baseia no fato da natureza não nos ter ainda ―libertado do controle alheio‖ 3 . A menoridade imputável é a menoridade a qual o Iluminismo 1 Bem entendido, patologia no sentido moderno (e não kantiano) do termo. 2 Cf. I. KANT. Metaphisik L., edição da Academia, vol, XXVIII, p. 254-257, citado por H. Allison, Kant‟s Theory of Freedom, p. 59 e 74. 3 I. KANT. ―Resposta à pergunta: que é o Iluminismo?‖, p. 11. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página14
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I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059<br />
inexistam razões para se ir além da causalidade fenomênica. Tome-se novamente o<br />
exemplo da mentira mal<strong>do</strong>sa. É razoável supor que um tal ato resulte de certas<br />
condições empíricas que afetam completamente (necessitariamente) a volição<br />
humana (consideremos, mais uma vez, o fator da ―malignidade de uma ín<strong>do</strong>le<br />
insensível à vergonha‖ no senti<strong>do</strong> mais forte). Assim, em casos semelhantes a este,<br />
não existiria razão para irmos além da causalidade fenomênica. Convém que se<br />
atente que o que está em questão aqui não é em primeiro lugar a precisão <strong>do</strong>s<br />
exemplos, mas sim a de perceber que a liberdade não está sempre presente nas<br />
ações humanas, não se justifican<strong>do</strong>, portanto, por princípio um desprezo das<br />
condições empíricas <strong>do</strong> agente quan<strong>do</strong> visamos juízos de imputabilidade. O que se<br />
questiona em Kant é a tese de que, independentemente de qualquer afeto, a razão é<br />
moralmente soberana (e não que ela deva ser moralmente soberana). Ora, um<br />
sujeito destituí<strong>do</strong> <strong>do</strong> sentimento de vergonha seria um caso empírico de uma<br />
patologia 1 diante da qual a razão não teria soberania.<br />
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Nesse senti<strong>do</strong>, pode-se buscar um apoio nos textos kantianos. Com efeito, Kant<br />
considera que a primeira infância e a loucura, incluin<strong>do</strong> nesta última esta<strong>do</strong>s<br />
psicológicos como uma melancolia extrema ou depressão, representam condições<br />
empíricas que nos levam a considerar um agente como não livre 2 . A discriminação<br />
de atos livres de atos não livres se deixa perceber também no texto Resposta à<br />
pergunta: que é o Iluminismo? em que Kant fala da ―menoridade‖ de que o próprio<br />
homem é culpa<strong>do</strong>, a qual se distingue da menoridade que reside na falta de<br />
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controle alheio‖ 3 . A menoridade imputável é a menoridade a qual o Iluminismo<br />
1<br />
Bem entendi<strong>do</strong>, patologia no senti<strong>do</strong> moderno (e não kantiano) <strong>do</strong> termo.<br />
2<br />
Cf. I. KANT. Metaphisik L., edição da Academia, vol, XXVIII, p. 254-257, cita<strong>do</strong> por H. Allison, Kant‟s<br />
Theory of Free<strong>do</strong>m, p. 59 e 74.<br />
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I. KANT. ―Resposta à pergunta: que é o Iluminismo?‖, p. 11.<br />
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