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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 disso que se chamou ―a filosofia do Iluminismo‖ 1 , interpretação essa que se pode perfeitamente subscrever, desde que se estabeleça no seu âmbito diferenças por referência às quais se possa avançar uma hipótese sobre a singularidade do discurso sobre o homem no interior da filosofia kantiana. Com esse intuito, sigamos um momento as conclusões de Kant e o fim da metafísica, livro no qual G. Lebrun, inspirado na arqueologia das ciências humanas empreendida por M. Foucault, comenta o significado que a filosofia crítica, por conta de sua referência ao homem, possui na constituição de nossa modernidade. A crer em Lebrun, a antropologia é nada menos do que o desdobramento necessário da interdição da metafísica dogmática levada a cabo na Crítica da razão pura. Isso seria especialmente o caso da teologia racional, cujo princípio finalístico, uma vez privado de qualquer alcance especulativo na ―Dialética transcendental‖, é apresentado na 3 a Crítica como elemento apriorístico da faculdade de julgar: ―(...) ao mesmo tempo em que é definitivamente compreendida a possibilidade da última disciplina da metafísica especial, a finidade encontra, enfim, um rosto e o ‗homem transcendental‘ substitui o sujeito anônimo e puramente funcional da crítica teórica. No nível desta investigação a-teórica, a autocrítica da metafísica assume necessariamente a forma de uma antropologia; a demonstração da finidade coincide com a descrição de regiões da existência e de experiência. Dessa forma, Kant inicia o movimento que conduzirá a abandonar a análise categorial pela descrição do vivido, e a transferir a metafísica especial para o campo da antropologia, investido de uma dignidade transcendental inesperada‖ (LEBRUN, 1993, p. 687/688). 1 Para ficarmos com um exemplo célebre, veja-se o apelo de Cassirer à ideia de disposição de época e que o faz reaver, nos diversos setores do pensamento esclarecido, uma mesma orientação antropológica: ―Assim se elucida, através da estética de Baumgarten, nos vínculos estreitos com a filosofia acadêmica alemã, essa mesma ideia que já encontramos por toda a parte agindo na constituição da ética, da filosofia da religião, da filosofia do direito e da filosofia política do Iluminismo. Cada vez mais, a época iluminista aprende a renunciar ao ‗absoluto‘, no sentido estritamente metafísico, ao ideal de um conhecimento ‗à imagem do conhecimento divino‘, para substituí-lo por um ideal puramente humano, que ela procura constantemente definir com maior exatidão e preencher com maior perfeição‖ (CASSIRER, 1992, p.459). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página11

ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Portanto, se Kant ―inicia o movimento‖ rumo à descrição do vivido, ele, contudo, ainda não toma parte nele. Ao metamorfosear a finalidade teológica ―em sentimentos e em atitudes‖ e converter o belo, o sublime e o organismo vivo em pretextos para a descrição de uma experiência puramente subjetiva (LEBRUN, 1993, 688) 1 , a Crítica teria aberto o espaço no qual a condição de determinação do sensível pelo inteligível poderá passar a ser ―vivenciada‖ – o passo seguinte consistindo em fazer dessa vivência a experiência de um sujeito que, a um só tempo, é fundamento e objeto do conhecer. Kant situar-se-ia, assim, no limiar daquela modernidade, cuja episteme Foucault descreveu como refém do paradoxo constituído pelo fato de que agora é o ser finito, compreendido como ser determinado, quem ―dá a toda determinação a possibilidade de aparecer na sua verdade positiva‖ (FOUCAULT, 1987, p. 354). Entenda-se: ao contrário do que, com o abono de Lebrun, acreditamos valer para a Crítica, nesta vertente da modernidade que se segue a ela e da qual a fenomenologia será o aprofundamento, a determinação já não será mais efetuada através da sua referência à totalidade posta pela razão, uma vez que, agora, o limite procede da finitude na qual o homem passou a reconhecer sua essência. E eis-nos assim frente à dificuldade incontornável para a qual a fenomenologia, conforme os partidários da reconstrução arqueológica, não teria atinado: como, feitas as contas, o finito pode operar como fundamento de qualquer limitação? 2 Feita tamanha violação à ―ciência dos limites‖ (expressão pela qual Kant define a investigação crítica), a 1 Valemo-nos outra vez de Cassirer – cuja simpatia pela fenomenologia é sabida, e que, como atestará Merleau-Ponty na Fenomenologia da percepção, nada tem de casual – para ilustrar, por contraste, o ponto em sobre o qual insiste Foucault e, na trilha aberta por ele, Lebrun. Cassirer comenta nestes termos a passagem do espírito cartesiano vigente na estética do século 17 para a nova disposição do Iluminismo: ―Trata-se de libertar-se do despotismo absoluto da dedução, trata-se de dar lugar, ao lado dela e não contra ela (...) aos fatos simples, aos fenômenos, à observação direta. (...) Assim, o método de explicação e de dedução tende cada vez mais, também nesse domínio. a ceder o lugar à pura descrição. E essa descrição não parte mais das obras de arte mas da consciência estética cuja natureza ela quer, em primeiro lugar, reconhecer e definir‖ (CASSIRER- 1992, p. 394). 2 Ou ainda, pelas palavras do autor: ―a análise da finitude explica como o ser do homem se acha determinado por positividades que lhe são exteriores e que o ligam à espessura das coisas, e como, em troca, é o ser finito que dá a toda determinação a possibilidade de aparecer na sua verdade positiva‖ (FOUCAULT, 1987, p. 352). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página12

ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO<br />

I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059<br />

disso que se chamou ―a filosofia <strong>do</strong> Iluminismo‖ 1 , interpretação essa que se pode<br />

perfeitamente subscrever, desde que se estabeleça no seu âmbito diferenças por<br />

referência às quais se possa avançar uma hipótese sobre a singularidade <strong>do</strong><br />

discurso sobre o homem no interior da filosofia kantiana. Com esse intuito, sigamos<br />

um momento as conclusões de Kant e o fim da metafísica, livro no qual G. Lebrun,<br />

inspira<strong>do</strong> na arqueologia das ciências humanas empreendida por M. Foucault,<br />

comenta o significa<strong>do</strong> que a filosofia crítica, por conta de sua referência ao homem,<br />

possui na constituição de nossa modernidade.<br />

A crer em Lebrun, a antropologia é nada menos <strong>do</strong> que o des<strong>do</strong>bramento necessário<br />

da interdição da metafísica <strong>do</strong>gmática levada a cabo na Crítica da razão pura. Isso<br />

seria especialmente o caso da teologia racional, cujo princípio finalístico, uma vez<br />

priva<strong>do</strong> de qualquer alcance especulativo na ―Dialética transcendental‖, é<br />

apresenta<strong>do</strong> na 3 a Crítica como elemento apriorístico da faculdade de julgar:<br />

―(...) ao mesmo tempo em que é definitivamente compreendida a possibilidade da<br />

última disciplina da metafísica especial, a finidade encontra, enfim, um rosto e o<br />

‗homem transcendental‘ substitui o sujeito anônimo e puramente funcional da<br />

crítica teórica. No nível desta investigação a-teórica, a autocrítica da metafísica<br />

assume necessariamente a forma de uma antropologia; a demonstração da<br />

finidade coincide com a descrição de regiões da existência e de experiência.<br />

Dessa forma, Kant inicia o movimento que conduzirá a aban<strong>do</strong>nar a análise<br />

categorial pela descrição <strong>do</strong> vivi<strong>do</strong>, e a transferir a metafísica especial para o<br />

campo da antropologia, investi<strong>do</strong> de uma dignidade transcendental inesperada‖<br />

(LEBRUN, 1993, p. 687/688).<br />

1 Para ficarmos com um exemplo célebre, veja-se o apelo de Cassirer à ideia de disposição de época<br />

e que o faz reaver, nos diversos setores <strong>do</strong> pensamento esclareci<strong>do</strong>, uma mesma orientação<br />

antropológica: ―Assim se elucida, através da estética de Baumgarten, nos vínculos estreitos com a<br />

filosofia acadêmica alemã, essa mesma ideia que já encontramos por toda a parte agin<strong>do</strong> na<br />

constituição da ética, da filosofia da religião, da filosofia <strong>do</strong> direito e da filosofia política <strong>do</strong> Iluminismo.<br />

Cada vez mais, a época iluminista aprende a renunciar ao ‗absoluto‘, no senti<strong>do</strong> estritamente<br />

metafísico, ao ideal de um conhecimento ‗à imagem <strong>do</strong> conhecimento divino‘, para substituí-lo por um<br />

ideal puramente humano, que ela procura constantemente definir com maior exatidão e preencher<br />

com maior perfeição‖ (CASSIRER, 1992, p.459).<br />

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