Anais - Fundação Araucária - Estado do Paraná
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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 comparação com Hume (a quem Kant conhecia bem) é elucidativa: enquanto, para o autor da Investigação sobre o entendimento humano, ―todas as nossas conclusões experimentais decorrem da suposição que o futuro estará em conformidade com o passado‖ (HUME, 1972, 39), sendo isso o que basta para, sem deixar de mostrar que tal suposição não procede da razão, acolher leis como instanciação de regularidades contingentes que apoiam alguma espécie de necessidade nas conexões figuradas por elas (ROSENBERG, 1993, p. 78), para Kant, em contrapartida, o conhecimento empírico requer a referência ao plano da razão, cuja normatividade, exatamente por conta de ter passado pelo crivo da crítica, ganha estatuto transcendental 1 . Mas se, para afastar a ideia de que o objetivo fundamental da Crítica tenha sido justificar a ciência newtoniana, já não bastasse atentar para a complementaridade que lógica da verdade e crítica da ilusão exibem no interior da ―Lógica transcendental‖ da razão pura, conviria então retomar as palavras do ―2 o Prefácio‖ (1787), no qual Kant, provavelmente tendo em vista a polêmica do panteísmo que eclodiu em 1784 (cf. FIGUEIREDO, 2004), é taxativo em relação à utilidade do exame a que submete a razão dogmática. Só através da limitação do saber especulativo ao âmbito da experiência, diz-nos aí Kant, o interesse prático da razão pode ser assegurado. A ―utilidade positiva‖ da Crítica, portanto, reside em preparar o terreno para a recuperação prática das idéias especulativas, consideradas na ―Dialética transcendental‖. Com efeito, a Crítica da razão prática (1788) retira o princípio de sua estrutura da reabilitação transcendental da metafísica especial, operada por Kant na 1 a Crítica. Na passagem de uma a outra obra, Kant procede a um realinhamento dos elementos da doutrina transcendental possível apenas com base na afirmação de 1 Na acepção inicial da Crítica: ―Denomino transcendental todo conhecimento que se ocupa não tanto com objetos em geral, mas com nosso modo de conhecer objetos na medida em que este deve ser possível a priori. Um sistema de tais conceitos denominar-se-ia filosofia transcendental‖ (KrV A 11 - B 25; trad. modificada). Poder-se-ia dizer, com base nisso, que Kant deslocou os temas da metaphysica specialis para o âmbito da filosofia transcendental promovida pela revolução copernicana em filosofia (ver Progressos da metafísica, A 11). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página3
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 que se trata, sempre, de uma mesma e única razão. Sem levar isso em conta, com efeito, não se pode explicar que a liberdade – conceito cuja significação originária, vale lembrar, é cosmológica – não só passe a figurar, na Crítica da razão prática, como elemento da Analítica, como também que constitua, a partir do momento em que tem sua realidade provada pela lei moral, o fecho da abóbada de todo o edifício de um sistema da razão pura, mesmo da razão especulativa, e todos os demais conceitos (os de Deus e de imortalidade), que permanecem sem sustentação nesta como simples idéias, seguem- se agora a ele e obtêm com ele e através dele consistência e realidade objetiva, isto é, a possibilidade dos mesmos é provada pelo fato de que a liberdade efetivamente existe (KpV, A 4/5). Apenas através desse realinhamento dos elementos da doutrina transcendental, verificado na transição da primeira para a segunda Crítica, a unidade da razão na diversidade de seus usos, já subjacente à crítica da razão teórica e graças à qual são diferenciadas no seu âmbito determinação e reflexão, adquire o estatuto de um princípio demonstrado. Pois a rigor, à anunciada divisão da filosofia em ―Teoria da natureza‖ e ―Teoria dos costumes‖, de que já nos falava Kant no Prefácio da Fundamentação da metafísica dos costumes (1785), faltava ainda a demonstração da unidade da razão prática ―com a razão especulativa num princípio comum‖ (Gdlg. trad. 106) – o que se dá apenas em 1788, quando o incondicionado posto pela razão a título de princípio de inteligibilidade do conhecimento empírico se revela fundamento de determinação da ação moral e postulado sem o qual a moralidade seria incompatível com a felicidade 1 . Essa reorganização temática vai de par com o princípio de exposição dos textos: somente tendo em conta a unidade da razão, compreende-se que a doutrina dos elementos da 2 a Crítica seja a perfeita 1 Com a prova de que a razão pura é prática, ―fica doravante estabelecida também a liberdade transcendental‖ e, por meio disso, adquirem ―realidade objetiva os conceitos de Deus e imortalidade‖ (KpV A 5). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página4
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I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059<br />
comparação com Hume (a quem Kant conhecia bem) é elucidativa: enquanto, para<br />
o autor da Investigação sobre o entendimento humano, ―todas as nossas conclusões<br />
experimentais decorrem da suposição que o futuro estará em conformidade com o<br />
passa<strong>do</strong>‖ (HUME, 1972, 39), sen<strong>do</strong> isso o que basta para, sem deixar de mostrar<br />
que tal suposição não procede da razão, acolher leis como instanciação de<br />
regularidades contingentes que apoiam alguma espécie de necessidade nas<br />
conexões figuradas por elas (ROSENBERG, 1993, p. 78), para Kant, em<br />
contrapartida, o conhecimento empírico requer a referência ao plano da razão, cuja<br />
normatividade, exatamente por conta de ter passa<strong>do</strong> pelo crivo da crítica, ganha<br />
estatuto transcendental 1 .<br />
Mas se, para afastar a ideia de que o objetivo fundamental da Crítica tenha si<strong>do</strong><br />
justificar a ciência newtoniana, já não bastasse atentar para a complementaridade<br />
que lógica da verdade e crítica da ilusão exibem no interior da ―Lógica<br />
transcendental‖ da razão pura, conviria então retomar as palavras <strong>do</strong> ―2 o Prefácio‖<br />
(1787), no qual Kant, provavelmente ten<strong>do</strong> em vista a polêmica <strong>do</strong> panteísmo que<br />
eclodiu em 1784 (cf. FIGUEIREDO, 2004), é taxativo em relação à utilidade <strong>do</strong><br />
exame a que submete a razão <strong>do</strong>gmática. Só através da limitação <strong>do</strong> saber<br />
especulativo ao âmbito da experiência, diz-nos aí Kant, o interesse prático da razão<br />
pode ser assegura<strong>do</strong>. A ―utilidade positiva‖ da Crítica, portanto, reside em preparar o<br />
terreno para a recuperação prática das idéias especulativas, consideradas na<br />
―Dialética transcendental‖.<br />
Com efeito, a Crítica da razão prática (1788) retira o princípio de sua estrutura da<br />
reabilitação transcendental da metafísica especial, operada por Kant na 1 a Crítica.<br />
Na passagem de uma a outra obra, Kant procede a um realinhamento <strong>do</strong>s<br />
elementos da <strong>do</strong>utrina transcendental possível apenas com base na afirmação de<br />
1 Na acepção inicial da Crítica: ―Denomino transcendental to<strong>do</strong> conhecimento que se ocupa não tanto<br />
com objetos em geral, mas com nosso mo<strong>do</strong> de conhecer objetos na medida em que este deve ser<br />
possível a priori. Um sistema de tais conceitos denominar-se-ia filosofia transcendental‖ (KrV A 11 - B<br />
25; trad. modificada). Poder-se-ia dizer, com base nisso, que Kant deslocou os temas da metaphysica<br />
specialis para o âmbito da filosofia transcendental promovida pela revolução copernicana em filosofia<br />
(ver Progressos da metafísica, A 11).<br />
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II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção <strong>Paraná</strong> – SKB/PR<br />
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