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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 CRÍTICA E ANTROPOLOGIA EM KANT Vinicius Berlendis de Figueiredo Depto de Filosofia - UFPR/CNPq 1. Introdução: Projeto crítico e antropologia – uma hipótese de leitura Como Kant faz questão de destacar em vários textos, a Crítica da razão pura, ao limitar o conhecimento especulativo ao âmbito dos fenômenos, possibilitou pôr fim ao dogmatismo. É sabido que essa operação limitativa já foi interpretada como tendo sido pautada por uma orientação de cunho positivista, a pergunta pela validade objetiva enunciada na ―Dedução transcendental‖ aparecendo como crivo da significação de nossos conceitos e ideias a serviço da formulação filosófica de uma ciência rigorosa da natureza, conforme aos princípios da ciência newtoniana e, por isso, desembaraçada das pretensões descabidas do racionalismo clássico. Segundo essa interpretação, Kant seria – com a licença da simplificação – o correspondente filosófico de Newton. Como também é sabido, essa interpretação da Crítica se sujeitou há tempos à objeção de unilateralidade. Dificilmente se compreenderia por que a Crítica, se realmente estivesse comprometida com a assimilação entre significação e objetividade, não tenha se resumido a uma Analítica do entendimento, a qual, como diz Kant, deve tomar doravante o lugar da ontologia (KrV B 303) 1 . Se é preciso transpôr o âmbito da Analítica do entendimento, é porque há questões que a ―razão humana‖ não pode evitar, impostas que são pela ―natureza da razão‖ , mas às quais também ―não pode dar resposta por 1 As referências a Kant seguem a 1 a (A) ou 2 a (B) edição das obras, abreviadas como de costume: KrV = Crítica da razão pura; KpV = Crítica da razão prática; Gdlg. = Fundamentação da metafísica dos costumes; Antropologie = Antropologia de um ponto de vista pragmático; EE = 1 a Introdução à Crítica do Juízo; Log. = Lógica. As traduções utilizadas constam na bibliografia. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página1

ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 ultrapassarem completamente as suas possibilidades‖ (KrV A VII) 1 . Tais questões, como anuncia Kant no Prefácio de 1781 e revela na Dialética transcendental, têm origem na progressão da razão de partir do condicionado ―para condições mais remotas‖ (ibid.). em um movimento de totalização que produz uma ilusão ―que de modo algum pode ser evitada‖ (KrV A 297 - B 353), restando-nos, quando muito, a alternativa de não sermos mais enganados por ela. Por isso, a ―lógica da verdade‖ trazida pela Analítica do entendimento é seguida da ―crítica da ilusão‖, efetuada na Dialética: somente aí, as significações para as quais não se pode oferecer qualquer correspondente na experiência – significações que, portanto, não são ―objetivas‖ nem capazes de determinação – são justificadas como exigências da razão concernindo ao conhecimento empírico 2 . Poder-se-ia legitimamente retorquir que isso apenas significa que a teoria da experiência kantiana incorpora remissões àquela totalidade sistemática trazida pela razão ao refletir sobre as determinações que o entendimento estabelece na sensibilidade, e daí concluir que, feitas as contas, Kant permanece preso à epistemologia. Mas a melhor prova contra a interpretação de que o idealismo transcendental promove sua ruptura com a metafísica clássica tendo por intuito principal justificar a ciência newtoniana está no fato de que a própria epistemologia, aqui, abriga a metafísica especial, cujos temas (alma, mundo, Deus), adquirindo o estatuto de princípios regulativos sem os quais a razão não poderia conhecer a natureza, recobram a validade que haviam perdido em outras filosofias que, ao longo do século 18, também sofreram o influxo de Newton. A 1 Como se verá adiante, o presente texto resume-se, grosso modo, a comentar a redação de Kant nessas primeiras linhas da Crítica, através das quais introduz em 1781 o leitor no idealismo transcendental. O passo pode ser parafraseado assim: a natureza da razão impõe à razão humana... Conceitualmente, porém, como explicar que a razão figure ao mesmo tempo como sujeito e objeto indireto de um mesmo período, senão conjecturando que ela é tomada em acepções distintas conforme seja qualificada pelo adjetivo ―menschlich‖ ? 2 ―Ora, o conceito transcendental da razão sempre se refere apenas à totalidade absoluta na síntese das condições e jamais termina senão no absolutamente incondicionado – isto é, o incondicionado em toda relação. Com efeito, a razão pura deixa tudo ao encargo do entendimento, que se refere imediatamente aos objetos da intuição, ou antes, à sua síntese na capacidade da imaginação. A razão reserva para si somente a totalidade absoluta no uso dos conceitos do entendimento e procura conduzir a unidade sintética, que é pensada na categoria, até o absolutamente incondicionado. Por isso se pode denominar essa unidade da razão com respeito aos fenômenos, assim como aquela que é expressa pela categoria, unidade do entendimento‖ (KrV A 326 - B 382/3). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página2

ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO<br />

I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059<br />

ultrapassarem completamente as suas possibilidades‖ (KrV A VII) 1 . Tais questões,<br />

como anuncia Kant no Prefácio de 1781 e revela na Dialética transcendental, têm<br />

origem na progressão da razão de partir <strong>do</strong> condiciona<strong>do</strong> ―para condições mais remotas‖ (ibid.). em um movimento de totalização que produz uma ilusão<br />

―que de mo<strong>do</strong> algum pode ser evitada‖ (KrV A 297 - B 353), restan<strong>do</strong>-nos, quan<strong>do</strong><br />

muito, a alternativa de não sermos mais engana<strong>do</strong>s por ela. Por isso, a ―lógica da<br />

verdade‖ trazida pela Analítica <strong>do</strong> entendimento é seguida da ―crítica da ilusão‖,<br />

efetuada na Dialética: somente aí, as significações para as quais não se pode<br />

oferecer qualquer correspondente na experiência – significações que, portanto, não<br />

são ―objetivas‖ nem capazes de determinação – são justificadas como exigências da<br />

razão concernin<strong>do</strong> ao conhecimento empírico 2 . Poder-se-ia legitimamente retorquir<br />

que isso apenas significa que a teoria da experiência kantiana incorpora remissões<br />

àquela totalidade sistemática trazida pela razão ao refletir sobre as determinações<br />

que o entendimento estabelece na sensibilidade, e daí concluir que, feitas as contas,<br />

Kant permanece preso à epistemologia. Mas a melhor prova contra a interpretação<br />

de que o idealismo transcendental promove sua ruptura com a metafísica clássica<br />

ten<strong>do</strong> por intuito principal justificar a ciência newtoniana está no fato de que a<br />

própria epistemologia, aqui, abriga a metafísica especial, cujos temas (alma, mun<strong>do</strong>,<br />

Deus), adquirin<strong>do</strong> o estatuto de princípios regulativos sem os quais a razão não<br />

poderia conhecer a natureza, recobram a validade que haviam perdi<strong>do</strong> em outras<br />

filosofias que, ao longo <strong>do</strong> século 18, também sofreram o influxo de Newton. A<br />

1 Como se verá adiante, o presente texto resume-se, grosso mo<strong>do</strong>, a comentar a redação de Kant<br />

nessas primeiras linhas da Crítica, através das quais introduz em 1781 o leitor no idealismo<br />

transcendental. O passo pode ser parafrasea<strong>do</strong> assim: a natureza da razão impõe à razão humana...<br />

Conceitualmente, porém, como explicar que a razão figure ao mesmo tempo como sujeito e objeto<br />

indireto de um mesmo perío<strong>do</strong>, senão conjecturan<strong>do</strong> que ela é tomada em acepções distintas<br />

conforme seja qualificada pelo adjetivo ―menschlich‖ ?<br />

2 ―Ora, o conceito transcendental da razão sempre se refere apenas à totalidade absoluta na síntese<br />

das condições e jamais termina senão no absolutamente incondiciona<strong>do</strong> – isto é, o incondiciona<strong>do</strong><br />

em toda relação. Com efeito, a razão pura deixa tu<strong>do</strong> ao encargo <strong>do</strong> entendimento, que se refere<br />

imediatamente aos objetos da intuição, ou antes, à sua síntese na capacidade da imaginação. A<br />

razão reserva para si somente a totalidade absoluta no uso <strong>do</strong>s conceitos <strong>do</strong> entendimento e procura<br />

conduzir a unidade sintética, que é pensada na categoria, até o absolutamente incondiciona<strong>do</strong>. Por<br />

isso se pode denominar essa unidade da razão com respeito aos fenômenos, assim como aquela que<br />

é expressa pela categoria, unidade <strong>do</strong> entendimento‖ (KrV A 326 - B 382/3).<br />

I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR<br />

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