Anais - Fundação Araucária - Estado do Paraná
Anais - Fundação Araucária - Estado do Paraná Anais - Fundação Araucária - Estado do Paraná
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 estratégico de poder pensado em termos de batalha, luta e guerra continuada, contraposta à astúcia pacificadora da dialética estatal (juridicamente codificadora e neutralizadora dessa lutas), Foucault subitamente passará ao estudo de um poder de Estado que consiste em ―conduzir condutas‖. O poder, enfim, deixaria de ser interpretado em sua obra como sendo da ordem do enfrentamento múltiplo de adversários para se tornar problema de governo. Questão, diga-se de passagem, só formulada por aqueles que estão ou ao menos pretendem estar sob ―posse‖ 1 do governo de si e dos outros, e não por aqueles que meramente se opõem ou fazem resistência a ele. Pois bem, essa espécie de salto que abandona um referente de legitimidade crítico à ratio ocidental, e que desde o início de seu pensamento até então vinha sendo protagonizado pela sofística, conduziu Foucault a um tipo de questionamento que à primeira vista parece perder muito de seu caráter crítico. 2 Nada obstante, a colocação da hipótese do bio-poder em detrimento de uma sexualidade reprimida exigiu a reacomodação de suas indagações em um marco mais amplo que o sugerido pelo esboço de uma ―história das tecnologias da segurança‖, anunciadas desde sua conferência sobre medicina social no Rio de representado por personagens que participaram das batalhas e enfrentamentos do poder; em suma, aqui ainda a inversão de Clausewitz e a matriz guerreira antes da política. 1 Bem que poderíamos substituir a expressão não muito feliz e em aspas ―posse‖ pelo termo grego paraskeuê, que designará para Foucault em A hermenêutica do sujeito, curso de 82, todo um aparato técnico de saber que um indivíduo formula acerca de si mesmo. Mas o que desejamos ressaltar é a incipiente tentativa de Foucault em construir uma nova ética na relação do eu com o outro, ou seja, um governo de si que escape à regulação bio-política de seu tempo. Nada obstante, por mais que o conceito de governo marque uma ruptura com o discurso da batalha, assinalando um primeiro deslizamento da analítica do poder em direção à ética do sujeito, é bem verdade dizer também que tudo isso não passou de um enorme e grande equívoco para Foucault. 2 À primeira vista soa no mínimo estranho a dedicação de Foucault ao estudo da governamentalização das res publica aparecer sob as mãos de aristocratas do poder tais como o marquês de Mirabeu ou o duque de Richelieu. Mas como historiadores da filosofia, devemos alertar academicamente ao leitor que o estudo anunciado em 1976, dos mecanismos pelos quais a espécie humana adentrou no século XVIII numa estratégia geral de poder, cede espaço nas análises de Foucault a uma ―história da governamentalidade‖ aparentemente sem nenhuma contrapartida crítica. Embora não deixe de figurar como horizonte dos cursos de 78 e 79, a noção de bio-política (ou de ―história das tecnologias de segurança‖) será sucedida de outra acepção em benefício das análises em 1979 sobre a governamentalidade liberal em O nascimento da bio-política. Nestes dois cursos, já se poderia entrever também a bio-política não apenas como ponto de articulação das disciplinas com os dispositivos de regulação estatais, mas como o fio condutor de sua futura reflexão ética acerca do cuidado de si. Imbróglio a ser objeto de nossas reflexões ulteriores. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página15
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Janeiro. No intervalo de 77, ano de sua licença sabática no Collège de France, as análises das condições de formação da bio-política moderna se apagam em benefício do exame da governamentalidade clássica durante os séculos XVII e XVIII. ―Talvez a filosofia possa cumprir ainda um papel pelo lado do contra-poder, com a condição de que esse papel já não consista em fazer valer, frente ao poder, a lei mesma da filosofia. De que este deixe de ser pensado enquanto profecia, deixe de ser pensado como pedagogia ou legislação e se dedique à tarefa de analisar, elucidar, fazer visíveis e portanto intensificar as lutas que se dão em torno do poder, as estratégias em torno dos adversários no seio das relações de poder, as táticas utilizadas, os focos de resistência; com a condição, em suma, de que a filosofia deixe de colocar a questão do poder em termos de bem ou mal e o faça em temos de existência.‖ 1 Explicita, dessa mesma maneira e nesse mesmo ano, sua reinterpretação da questão kantiana acerca do presente – ―O que são as Luzes?” – sob termos bastante novos quando comparados com seus escritos anteriores. Em não existindo mais um sublime ideal que faça as vezes de função transgressiva, judicativa ou de tribunal à razão europeia, é o primeiro termo que deixa de prevalecer sobre o segundo. A razão, não mais se entendendo como repressora, portanto carente de crítica, passaria a exercer o papel de investigar aquilo que tem legitimidade em nosso tempo; sem mais contestação em qualquer contravenção ou resistência ao poder. Mutação da pena do próprio intérprete de nossa civilização a ser objeto de estudos ulteriores. 2 1 FOUCAULT, M. A filosofia analítica do poder (27 de abril de 1978), p. 540. 2 Em seu artigo já clássico Um novo cartógrafo (Vigiar e Punir), Deleuze, logo de início, frisava que o novo questionamento do problema do poder introduzido por Foucault não deixava de caracterizar ―o novo esquerdismo [...] voltado tanto contra o marxismo quanto contra as concepções burguesas‖ (Cf. DELEUZE, G. Um novo cartógrafo, p. 34). Na esteira dessa interpretação e de outras entrevistas concedidas por Foucault, Michel Senellart, em seu comentário Situação dos Cursos, atribuirá a razão de ser dessa mutação de pensamento de nosso autor a uma vinculação àquilo que na França então se chamava de ―novo pensamento de esquerda‖. Ora, ainda que Foucault tenha dado asas a esse I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página16
- Page 7 and 8: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 9 and 10: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 11 and 12: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 13 and 14: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 15 and 16: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 17 and 18: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 19 and 20: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 21 and 22: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 23 and 24: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 25 and 26: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 27 and 28: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 29 and 30: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 31 and 32: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 33 and 34: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 35 and 36: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 37 and 38: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 39 and 40: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 41 and 42: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 43 and 44: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 45 and 46: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 47 and 48: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 49 and 50: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 51 and 52: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 53 and 54: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 55 and 56: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 57: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 61 and 62: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 63 and 64: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 65 and 66: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 67 and 68: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 69 and 70: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 71 and 72: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 73 and 74: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 75 and 76: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 77 and 78: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 79 and 80: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 81 and 82: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 83 and 84: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 85 and 86: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 87 and 88: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 89 and 90: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 91 and 92: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 93 and 94: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 95 and 96: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 97 and 98: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 99 and 100: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 101 and 102: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 103 and 104: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 105 and 106: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
- Page 107 and 108: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FI
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO<br />
I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059<br />
estratégico de poder pensa<strong>do</strong> em termos de batalha, luta e guerra continuada,<br />
contraposta à astúcia pacifica<strong>do</strong>ra da dialética estatal (juridicamente codifica<strong>do</strong>ra e<br />
neutraliza<strong>do</strong>ra dessa lutas), Foucault subitamente passará ao estu<strong>do</strong> de um poder<br />
de <strong>Esta<strong>do</strong></strong> que consiste em ―conduzir condutas‖. O poder, enfim, deixaria de ser<br />
interpreta<strong>do</strong> em sua obra como sen<strong>do</strong> da ordem <strong>do</strong> enfrentamento múltiplo de<br />
adversários para se tornar problema de governo. Questão, diga-se de passagem, só<br />
formulada por aqueles que estão ou ao menos pretendem estar sob ―posse‖ 1 <strong>do</strong><br />
governo de si e <strong>do</strong>s outros, e não por aqueles que meramente se opõem ou fazem<br />
resistência a ele. Pois bem, essa espécie de salto que aban<strong>do</strong>na um referente de<br />
legitimidade crítico à ratio ocidental, e que desde o início de seu pensamento até<br />
então vinha sen<strong>do</strong> protagoniza<strong>do</strong> pela sofística, conduziu Foucault a um tipo de<br />
questionamento que à primeira vista parece perder muito de seu caráter crítico. 2<br />
Nada obstante, a colocação da hipótese <strong>do</strong> bio-poder em detrimento de uma<br />
sexualidade reprimida exigiu a reacomodação de suas indagações em um marco<br />
mais amplo que o sugeri<strong>do</strong> pelo esboço de uma ―história das tecnologias da<br />
segurança‖, anunciadas desde sua conferência sobre medicina social no Rio de<br />
representa<strong>do</strong> por personagens que participaram das batalhas e enfrentamentos <strong>do</strong> poder; em suma,<br />
aqui ainda a inversão de Clausewitz e a matriz guerreira antes da política.<br />
1 Bem que poderíamos substituir a expressão não muito feliz e em aspas ―posse‖ pelo termo grego<br />
paraskeuê, que designará para Foucault em A hermenêutica <strong>do</strong> sujeito, curso de 82, to<strong>do</strong> um aparato<br />
técnico de saber que um indivíduo formula acerca de si mesmo. Mas o que desejamos ressaltar é a<br />
incipiente tentativa de Foucault em construir uma nova ética na relação <strong>do</strong> eu com o outro, ou seja,<br />
um governo de si que escape à regulação bio-política de seu tempo. Nada obstante, por mais que o<br />
conceito de governo marque uma ruptura com o discurso da batalha, assinalan<strong>do</strong> um primeiro<br />
deslizamento da analítica <strong>do</strong> poder em direção à ética <strong>do</strong> sujeito, é bem verdade dizer também que<br />
tu<strong>do</strong> isso não passou de um enorme e grande equívoco para Foucault.<br />
2 À primeira vista soa no mínimo estranho a dedicação de Foucault ao estu<strong>do</strong> da<br />
governamentalização das res publica aparecer sob as mãos de aristocratas <strong>do</strong> poder tais como o<br />
marquês de Mirabeu ou o duque de Richelieu. Mas como historia<strong>do</strong>res da filosofia, devemos alertar<br />
academicamente ao leitor que o estu<strong>do</strong> anuncia<strong>do</strong> em 1976, <strong>do</strong>s mecanismos pelos quais a espécie<br />
humana adentrou no século XVIII numa estratégia geral de poder, cede espaço nas análises de<br />
Foucault a uma ―história da governamentalidade‖ aparentemente sem nenhuma contrapartida crítica.<br />
Embora não deixe de figurar como horizonte <strong>do</strong>s cursos de 78 e 79, a noção de bio-política (ou de<br />
―história das tecnologias de segurança‖) será sucedida de outra acepção em benefício das análises<br />
em 1979 sobre a governamentalidade liberal em O nascimento da bio-política. Nestes <strong>do</strong>is cursos, já<br />
se poderia entrever também a bio-política não apenas como ponto de articulação das disciplinas com<br />
os dispositivos de regulação estatais, mas como o fio condutor de sua futura reflexão ética acerca <strong>do</strong><br />
cuida<strong>do</strong> de si. Imbróglio a ser objeto de nossas reflexões ulteriores.<br />
I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR<br />
II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção <strong>Paraná</strong> – SKB/PR<br />
Página15