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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 A RELAÇÃO ENTRE PODER E SUBJETIVIDADE NA OBRA DE FOUCAULT 1. Introdução Augusto Bach DEFIL – UNICENTRO/PR augustobach@yahoo.com.br Raros são os autores no rol da intelectualidade contemporânea que tenham atravessado uma multiplicidade de questões, à primeira vista díspares, como Michel Foucault. Por se tratar de um personagem oriundo do panorama filosófico francês, egrégio pela assídua e frequente recepção das novidades trazidas do pensamento alemão, surpreende sua capacidade de transitar sem maior embaraço por tantas áreas do saber. Da epistemologia das ciências humanas à ética de si, passando pela literatura, loucura, psicanálise e outras tantas disciplinas, o estudo do poder parece ter sido o causador da maior publicidade. Na esteira de tanta repercussão, assistimos hoje ao seu mais ―novo‖ conceito sair dos bastidores e figurar como protagonista principal no cenário das ideias: a bio-política. Antes, porém, de se projetar na cultura ocidental ganhando status de paradigma de inteligibilidade para pesquisas sociais em diversos campos do saber, o vocábulo ―bio-política‖ aparecia em primeira mão numa palestra de Michel Foucault no ano de 1974, intitulada ―O nascimento da medicina social‖. Entre outros assuntos, nela se discutia o fenômeno de medicalização nas sociedades modernas, o desvio de seu objeto que teria deixado de ser a doença para se deslocar ao tema da saúde e dos procedimentos em torno dos sistemas de saneamento público contemporâneos. Em tais políticas sociais, conforme suas análises, o reconhecimento da doença apareceria ao mesmo tempo como manifestação individual e coletiva. Implicando todo um novo aparato de discursos, cálculo do seu crescimento no interior de uma I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página1

ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 população, previsão dos seus riscos de contágio, era toda uma parafernália técnica de inoculação e vacinação que vinha a ser administrada em defesa da sociedade. Contra seus próprios perigos internos, um conjunto de mecanismos de proteção e controle social esboçava desde já aquilo que viria a ser nossa preocupação maior: o alerta em nome da segurança e vida da população. Proferida curiosamente na cidade do Rio de Janeiro – palco setenta anos antes de um trágico conflito social de amotinados contra as primeiras práticas bio-políticas na história do Estado brasileiro, cuja medicina encontrava-se, aliás, sob os auspícios do Dr. Oswaldo Cruz – essa conferência dava sequencia a um longo ciclo de inquietações em seu itinerário intelectual. 1 E apenas dois anos depois, podemos reencontrar a mesma expressão já inserida num contexto filosófico mais amplo. Tanto no último capítulo de A vontade de saber, intitulado ―Direito de morte e poder sobre a vida‖, publicado em 76, como na última aula deste mesmo ano ministrada no Collège de France, publicada mais tarde como Em defesa da sociedade, Foucault começava a situar a bio-política no interior de uma estratégia que foge ao simples escopo de suas pesquisas sobre medicina social. 2 Se em Vigiar e Punir (1975) e na conferência sobre medicina pública suas indagações se debruçavam sobre o corpo – objeto de investimento político da sociedade sobre o indivíduo em seu pequeno dia a dia – doravante será o aspecto do corpo como coletividade que passará a ser ressaltado. Em resumo, o tema da ―população‖ como unidade portadora de sentido em função de processos biológicos começa lentamente a ganhar forma em seus estudos. Novas técnicas como a 1 ―Minha hipótese é que com o capitalismo não se deu a passagem de uma medicina coletiva para uma medicina privada, mas justamente o contrário; que o capitalismo, desenvolvendo-se em fins do século XVIII e início do século XIX, socializou um primeiro objeto que foi o corpo enquanto força de produção, força de trabalho. O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade bio-política. A medicina é uma estratégia bio-política.‖ (FOUCAULT, M. O nascimento da medicina social em Microfísica do poder, p.80). 2 Sabe-se, por exemplo, que desde História da Loucura (1961) Foucault esteve às voltas com os procedimentos de domesticação que a sociedade inventara a fim de se equilibrar diante de figuras inassimiláveis como a do louco e do leproso, que já nos indicavam o amplo espectro de seu olhar para além do questionamento específico da medicina social. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página2

ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO<br />

I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059<br />

população, previsão <strong>do</strong>s seus riscos de contágio, era toda uma parafernália técnica<br />

de inoculação e vacinação que vinha a ser administrada em defesa da sociedade.<br />

Contra seus próprios perigos internos, um conjunto de mecanismos de proteção e<br />

controle social esboçava desde já aquilo que viria a ser nossa preocupação maior: o<br />

alerta em nome da segurança e vida da população. Proferida curiosamente na<br />

cidade <strong>do</strong> Rio de Janeiro – palco setenta anos antes de um trágico conflito social de<br />

amotina<strong>do</strong>s contra as primeiras práticas bio-políticas na história <strong>do</strong> <strong>Esta<strong>do</strong></strong> brasileiro,<br />

cuja medicina encontrava-se, aliás, sob os auspícios <strong>do</strong> Dr. Oswal<strong>do</strong> Cruz – essa<br />

conferência dava sequencia a um longo ciclo de inquietações em seu itinerário<br />

intelectual. 1<br />

E apenas <strong>do</strong>is anos depois, podemos reencontrar a mesma expressão já inserida<br />

num contexto filosófico mais amplo. Tanto no último capítulo de A vontade de saber,<br />

intitula<strong>do</strong> ―Direito de morte e poder sobre a vida‖, publica<strong>do</strong> em 76, como na última<br />

aula deste mesmo ano ministrada no Collège de France, publicada mais tarde como<br />

Em defesa da sociedade, Foucault começava a situar a bio-política no interior de<br />

uma estratégia que foge ao simples escopo de suas pesquisas sobre medicina<br />

social. 2 Se em Vigiar e Punir (1975) e na conferência sobre medicina pública suas<br />

indagações se debruçavam sobre o corpo – objeto de investimento político da<br />

sociedade sobre o indivíduo em seu pequeno dia a dia – <strong>do</strong>ravante será o aspecto<br />

<strong>do</strong> corpo como coletividade que passará a ser ressalta<strong>do</strong>. Em resumo, o tema da<br />

―população‖ como unidade porta<strong>do</strong>ra de senti<strong>do</strong> em função de processos biológicos<br />

começa lentamente a ganhar forma em seus estu<strong>do</strong>s. Novas técnicas como a<br />

1 ―Minha hipótese é que com o capitalismo não se deu a passagem de uma medicina coletiva para<br />

uma medicina privada, mas justamente o contrário; que o capitalismo, desenvolven<strong>do</strong>-se em fins <strong>do</strong><br />

século XVIII e início <strong>do</strong> século XIX, socializou um primeiro objeto que foi o corpo enquanto força de<br />

produção, força de trabalho. O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente<br />

pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no<br />

somático, no corporal que, antes de tu<strong>do</strong>, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade<br />

bio-política. A medicina é uma estratégia bio-política.‖ (FOUCAULT, M. O nascimento da medicina<br />

social em Microfísica <strong>do</strong> poder, p.80).<br />

2 Sabe-se, por exemplo, que desde História da Loucura (1961) Foucault esteve às voltas com os<br />

procedimentos de <strong>do</strong>mesticação que a sociedade inventara a fim de se equilibrar diante de figuras<br />

inassimiláveis como a <strong>do</strong> louco e <strong>do</strong> leproso, que já nos indicavam o amplo espectro de seu olhar<br />

para além <strong>do</strong> questionamento específico da medicina social.<br />

I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR<br />

II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção <strong>Paraná</strong> – SKB/PR<br />

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