Anais - Fundação Araucária - Estado do Paraná
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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 composto por fases; a mudança não seria forçada pelo agravamento da situação de guerra. A exigência de sair do estado de natureza será caracterizada como a priori, como uma exigência puramente racional, e não como um misto de razão e paixão.‖ 1 Dessa maneira, pode-se dizer, contra a leitura de Bernasconi, que as observações racistas de Kant não têm nenhuma influência no universalismo da doutrina político- jurídica então em construção. As descrições dos diferentes povos, baseadas em relatos de viagem, e mesmo as tentativas de classificar as raças, têm um estatuto teórico diferente tanto da ciência propriamente dita como da filosofia prática. V - “Das diferentes raças humanas” Antes de entrar na análise do texto sobre as raças de 1775, convém lembrar que Kant ministrou cursos de Geografia Física de 1756 a 1796. Segundo Michele Cohen- Halimi, ―o curso de Geografia Física acompanhou, por assim dizer clandestinamente, todo o percurso filosófico de Kant, já que só foi editado tardiamente, em 1802: nos 268 ciclos de cursos que o filósofo de Königsberg assegurou durante toda sua atividade acadêmica, iniciada em 1755 e terminada em 1796, 54 foram consagrados à lógica e à metafísica, 49 à geografia física, 46 à ética, 28 à antropologia, 24 à física teórica, 20 às matemáticas, 16 ao direito, 12 à enciclopédia das ciências filosóficas, 11 à pedagogia, 4 à mecânica, 2 à mineralogia e apenas 1 à teologia‖. 2 Kant era um leitor assíduo de relatos de viagens e dependia de tais textos como fonte de informações. ―Kant diz, em mais de uma ocasião, que esperava os resultados de tal ou qual viagem de exploração em curso, e esperava notadamente as informações de Humboldt‖. 3 É importante lembrar que a qualidade e a veracidade desse tipo de informação variavam muito, pois, além de Humboldt, havia muitos aventureiros, comerciantes e padres cujos relatos eram lidos na época. 1 TERRA, R. op. cit. P. 34 2 COHEN-HALIMI, M. ―Introduction‖ à tradução de Kant Géographie. Paris, Aubier, 1999, p. 10. 3 Idem, ibidem. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página13
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Diferentemente do que vimos nas Observações e das Notas sobre as observações, no entanto, a preocupação maior de Kant nas ―Diferentes raças‖ está na caracterização do que é uma raça e nos critérios de classificação. Ainda assim, encontramos afirmações racistas semelhantes às daqueles textos. Por exemplo: ―aos indígenas desse continente faltam em geral as faculdades e a resistência‖ (Racem. Ak, II, 438). E também: ―o negro é bem adaptado a seu clima, a saber é forte, carnudo, ágil; mas, pelo fato da abundância material de que se beneficia seu pais natal, é ainda preguiçoso, mole e frívolo‖ (Racem. Ak, II, 438). No sentido de verificar como podemos lidar com isso, detenhamo-nos esquematicamente em alguns aspectos do texto: (1) a distinção entre classificação escolástica e historia natural; (2) a definição de raça; (3) a polêmica relativa às várias criações do homem (ou uma só); e a questão da posição kantiana contra Maupertuis, que propunha um melhoramento da humanidade, Tais são, segundo entendo, os elementos necessários para discutir a tese de Bernasconi. Com vistas a isso, demos a palavra a Gérard Lebrun em Kant sans kantisme, uma recém publicada coletânea de artigos em que ele procura mostrar como Kant distingue a descrição da natureza e a história natural. A descrição preocupa-se apenas com a classificação, quando, por exemplo, alinhamos o cachorro e o gato como animais quadrúpedes. já o historiador da natureza vai mais longe, buscando nas espécies filiações ou formações derivadas, como as raças. 1 ―Entendemos por raças grupos caracterizados por traços ‗infalivelmente hereditários‘ sem formar, entretanto, espécies, pois a fecundidade dos cruzamentos entre esses grupos torna mais verossimilhante sua derivação de um mesmo tronco comum. Essa noção de raça, à qual as descrições da natureza permanecem indiferentes, é ao contrário indispensável ao historiador da natureza, que, ele, tem em vista prioritariamente a regra enunciada por Buffon: ‗todos os animais suscetíveis de procriar filhos também 1 Cf. LEBRUN, G. Kant sans kantisme. Paris, fayard, 2009, p. 264. ―A divisão escolástica se faz por classes, reparte os animais segundo a semelhança; a divisão da natureza se faz pelo tronco (Stamm), ela reparte segundo o parentesco, do ponto de vista da geração‖ (Ak. II, 429). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página14
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I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059<br />
composto por fases; a mudança não seria forçada pelo agravamento da situação de<br />
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teórico diferente tanto da ciência propriamente dita como da filosofia prática.<br />
V - “Das diferentes raças humanas”<br />
Antes de entrar na análise <strong>do</strong> texto sobre as raças de 1775, convém lembrar que<br />
Kant ministrou cursos de Geografia Física de 1756 a 1796. Segun<strong>do</strong> Michele Cohen-<br />
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atividade acadêmica, iniciada em 1755 e terminada em 1796, 54 foram consagra<strong>do</strong>s<br />
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Kant era um leitor assíduo de relatos de viagens e dependia de tais textos como<br />
fonte de informações. ―Kant diz, em mais de uma ocasião, que esperava os<br />
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desse tipo de informação variavam muito, pois, além de Humboldt, havia muitos<br />
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1 TERRA, R. op. cit. P. 34<br />
2 COHEN-HALIMI, M. ―Introduction‖ à tradução de Kant Géographie. Paris, Aubier, 1999, p. 10.<br />
3 Idem, ibidem.<br />
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