Anais - Fundação Araucária - Estado do Paraná
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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Mesmo assim, é certo, as afirmações racistas são brutais. Em que medida, porém, interferem elas na elaboração da filosofia kantiana? Haveria alguma influência das observações antropológicas racistas na elaboração conceitual? Segundo Vinícius Figueiredo, tradutor para o português das Observações sobre o sentimento do belo e do sublime, ―na descrição dos comportamentos humanos, o ideal de elegância, formulado conforme os parâmetros do refinamento, prefigura com nitidez a figura do homem esclarecido que, mais tarde como aqui, caracteriza-se por uma conduta norteada pela crítica. Guardadas as diferenças, as Observações, como aponta seu desfecho, já delineiam a antropologia do Esclarecimento, apropriando-se de duas idéias centrais do século XVIII, a educação e o cosmopolitismo: ambas se encontram aí articuladas pela aposta de Kant na consolidação, tanto nas artes como nas ciências, do gosto do jovem cidadão do mundo, o Weltbürger.‖ 1 Podemos perfeitamente considerar, assim, que as observações antropológicas empíricas não condicionam necessariamente a elaboração da visão kantiana em relação à educação, à Aufklärung e ao universalismo de sua perspectiva. Como contraprova, procuremos observar a formação do pensamento político jurídico kantiano nas Notas sobre as Observações e Reflexões, dos anos 1760 e 1770. O estado de natureza é visto por Kant em pelo menos três perspectivas: uma ―antropológica‖, baseada em observações sobre os selvagens; outra político-jurídica, em que o estado de natureza aparece como idéia; e, finalmente, uma terceira - que não será aqui analisada -, vinculada à filosofia da historia, em que a passagem de uma situação primitiva para o estado civil será pensada de maneira diferente, desempenhando o antagonismo um papel fundamental. Em relação à perspectiva antropológica, pode-se ler em Les Sources françaises de la philosophie de Kant, de Jean Ferrari, que, ―quando Kant procura um equivalente 1 FIGUEIREDO, Vinícius. « Introdução » a Kant Observação sobre o sentimento do belo e do sublime. Campinas, Papirus, 1993, p. 12, ver também Figueiredo, V. 1762-1772 Estudo sobre a relação entre método, teoria e pratica na gênese da critica kantiana. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, 1998. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página11
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 do homem da natureza no selvagem ou no primitivo, não pode esconder sua decepção. (...) Em geral, Kant não partilha o entusiasmo de seu século pelo bom selvagem e descreve o homem primitivo como um ser próximo da animalidade‖. 1 Bem diversa, como vimos insistindo, é a perspectiva ―político-jurídica‖, em que o estado de natureza é considerado uma ideia. Veja-se, por exemplo, a Reflexão 6593 (1764-1768): ―O estado de natureza: um ideal de Hobbes. Considera-se aqui o direito no estado de natureza e não o factum. Prova-se que seria arbitrário deixar o estado de natureza, mas necessário segundo as regras do direito‖. Assim, o contrato social também será considerado uma idéia, e não um fato histórico: ―O contractus originarius não é o principio de explicação da origem do status civilis, mas de como deveria ser‖ (Refl. 7740 (1773-5 ?, 1778-9 ?, 1776-8 ?)). O estado civil é um estado jurídico e o contrato é um principio regulador, uma norma para o direito político (Refl. 7416 e 7738). Como contrato, é apenas um direito ideal (Refl. 7737). Ora, ―o contrato social não é o principium do estabelecimento do Estado, mas aquele de sua administração, e compreende o ideal da legislação, do governo e da justiça pública‖ (Refl. 7434). A Reflexão 7416 (1766/8, 1790??), por seu turno, é bastante clara: ―Non est pacto reali sed ideali, weil der Zwang voran geht‖. 2 Há uma separação completa entre a perspectiva antropológica e a político-jurídico, o conceito de estado de natureza e contrato social são ideias que participarão do sistema jurídico universalista. O estado de natureza, portanto, é caracterizado como um estado de ausência do direito, vindo daí a obrigação de realizar o contrato. Na concepção dos anos 1790, o estado de natureza é uma ideia: ―prescindimos da experiência e não descrevemos um fato, como não é algum fato que torna necessária a saída do estado de natureza, o qual não é apresentado como 1 FERRARI, Jean, Les sources françaises de la philosophie de Kant. Paris, Librairie Klincksieck, 1979, p.186. 2 Cf. TERRA, R. A Política tensa. Ideia e Realidade na Filosofia da História de Kant. São Paulo, Iluminuras, 1995, 26 e seguintes. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página12
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I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059<br />
<strong>do</strong> homem da natureza no selvagem ou no primitivo, não pode esconder sua<br />
decepção. (...) Em geral, Kant não partilha o entusiasmo de seu século pelo bom<br />
selvagem e descreve o homem primitivo como um ser próximo da animalidade‖. 1<br />
Bem diversa, como vimos insistin<strong>do</strong>, é a perspectiva ―político-jurídica‖, em que o<br />
esta<strong>do</strong> de natureza é considera<strong>do</strong> uma ideia. Veja-se, por exemplo, a Reflexão 6593<br />
(1764-1768): ―O esta<strong>do</strong> de natureza: um ideal de Hobbes. Considera-se aqui o<br />
direito no esta<strong>do</strong> de natureza e não o factum. Prova-se que seria arbitrário deixar o<br />
esta<strong>do</strong> de natureza, mas necessário segun<strong>do</strong> as regras <strong>do</strong> direito‖. Assim, o contrato<br />
social também será considera<strong>do</strong> uma idéia, e não um fato histórico: ―O contractus<br />
originarius não é o principio de explicação da origem <strong>do</strong> status civilis, mas de como<br />
deveria ser‖ (Refl. 7740 (1773-5 ?, 1778-9 ?, 1776-8 ?)).<br />
O esta<strong>do</strong> civil é um esta<strong>do</strong> jurídico e o contrato é um principio regula<strong>do</strong>r, uma norma<br />
para o direito político (Refl. 7416 e 7738). Como contrato, é apenas um direito ideal<br />
(Refl. 7737). Ora, ―o contrato social não é o principium <strong>do</strong> estabelecimento <strong>do</strong><br />
<strong>Esta<strong>do</strong></strong>, mas aquele de sua administração, e compreende o ideal da legislação, <strong>do</strong><br />
governo e da justiça pública‖ (Refl. 7434). A Reflexão 7416 (1766/8, 1790??), por<br />
seu turno, é bastante clara: ―Non est pacto reali sed ideali, weil der Zwang voran<br />
geht‖. 2<br />
Há uma separação completa entre a perspectiva antropológica e a político-jurídico, o<br />
conceito de esta<strong>do</strong> de natureza e contrato social são ideias que participarão <strong>do</strong><br />
sistema jurídico universalista. O esta<strong>do</strong> de natureza, portanto, é caracteriza<strong>do</strong> como<br />
um esta<strong>do</strong> de ausência <strong>do</strong> direito, vin<strong>do</strong> daí a obrigação de realizar o contrato.<br />
Na concepção <strong>do</strong>s anos 1790, o esta<strong>do</strong> de natureza é uma ideia: ―prescindimos da<br />
experiência e não descrevemos um fato, como não é algum fato que torna<br />
necessária a saída <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de natureza, o qual não é apresenta<strong>do</strong> como<br />
1<br />
FERRARI, Jean, Les sources françaises de la philosophie de Kant. Paris, Librairie Klincksieck, 1979,<br />
p.186.<br />
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Cf. TERRA, R. A Política tensa. Ideia e Realidade na Filosofia da História de Kant. São Paulo,<br />
Iluminuras, 1995, 26 e seguintes.<br />
I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR<br />
II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção <strong>Paraná</strong> – SKB/PR<br />
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