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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 deu leis semelhantes a selvagens e, se um legislador surgisse entre as seis nações, veríamos elevar-se uma republica espartana no Novo Mundo‖. 1 Os selvagens da América do Sul, por outro lado, seriam diferentes daqueles da América do Norte: ―Os Sul-Americanos são indiferentes e fleumáticos, os negros são muito levianos e vaidosos, os europeus são vivazes e impetuosos‖. 2 (Bem. Ak, XX, 166). Em relação aos negros, as afirmações racistas são mais pronunciadas ainda. Kant escreve: ―Os negros da África não possuem, por natureza, nenhum sentimento que se eleve acima do ridículo. O senhor Hume desafia qualquer um a citar um único exemplo em que um negro tenha demonstrado talentos, e afirma: dentre os milhões de pretos que foram deportados de seus países, não obstante muitos deles terem sido postos em liberdade, não se encontrou um único sequer que apresentasse algo grandioso na arte ou na ciência, ou em qualquer outra aptidão; já entre os brancos, constantemente arrojam-se aqueles que, saídos da plebe mais baixa, adquirem no mundo certo prestígio, por força e dons excelentes‖. (Beob. Ak, II, 253) 3 Argumentos semelhantes às vezes são usados em relação às mulheres, por exemplo quando se pergunta por que tão poucas mulheres se tornaram grandes filósofas ou cientistas. 1 Idem, Ak.II, 253; 76. 2 Bemerkungen zu den Beobachtungen über das Gefühl des Schönen und Erhabenen, Ak. XX, 166. 3 Vejamos o texto do próprio Hume: ―Eu me inclino a suspeitar que os negros são naturalmente inferiores aos brancos. Praticamente nunca existiu uma nação civilizada com aquela compleição, nem sequer um individuo eminente seja na ação seja na especulação. Não existem manufaturas engenhosas entre eles, nem artes nem ciências. Em contrapartida, mesmo os mais rudes e bárbaros dos brancos, como as antigos Alemães ou os Tártaros no presente, apresentam algo de eminente entre eles (...) Semelhante diferença uniforme e constante, não poderia acontecer em tantos países e épocas se a natureza não tivesse feito uma distinção original entre essas raças de homens. Sem mencionar nossas colônias, existem escravos negros dispersos por toda a Europa, e nunca se descobriu em qualquer um deles algum sinal de engenhosidade, enquanto membros brancos da classe baixa, sem educação, são capazes de progredir e se destacar em qualquer profissão‖. HUME, David. ―Do caráter nacional‖. In: Ensaios Políticos & Literários. Rio de Janeiro, Topbooks Editora, 2004, p. 344. Outras passagens de Kant: ―nas terras dos negros o que esperar de melhor do que ordinariamente lá se encontra, ou seja, o sexo feminino na mais profunda escravidão? (Beob. II, 254; 77); ―esse sujeito era preto da cabeça aos pés, argumento suficiente para considerar irrelevante o que disse‖. (Beob. II, 255; 78). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página9

ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 O próprio Kant, no entanto, esclarece sua perspectiva. Depois de constatar que alguns homens podem gostar de algo que outros detestam, que o que é repugnante para uma pessoa pode ser indiferente para outra, diz ele: ―O campo de observações dessas particularidades da natureza humana estende-se a perder de vista, e oculta ainda descobertas tão agradáveis quanto instrutivas. Aqui lanço meu olhar, mais de observador do que de filósofo, apenas sobre alguns pontos que parecem apresentar-se como relevantes nessa área.‖ (Beob. Ak, II, 207; 19). E, mais adiante, prossegue: ―Minha intenção não é descrever minuciosamente os caracteres das nações, mas apenas esboçar traços que neles exprimem os sentimentos do sublime e do belo. É fácil supor que tal esboço apenas seja capaz de limitada exatidão, que os modelos não possam surgir senão do grande acervo daqueles que almejam a um sentimento refinado, e que nenhuma nação encontre-se privada das disposições de espírito que reúnem as qualidades eminentes desse tipo. A censura que eventualmente possa recair sobre um povo não pode, por isso, ofender a ninguém, pois é de tal ordem que cada um pode lançá-la ao vizinho como lança uma bola. Se essas diferenças nacionais devem-se ao acaso, se dependem de época e forma de governo ou se são necessariamente ligadas ao clima, isso não investigo aqui‖. (Beob. Ak, II, 243; 65). Essas últimas passagens devem ser lidas com cuidado, de modo que possamos diferenciar os estatutos dos textos: o que é observação empírica e o que é reflexão filosófica. Kant depende para a sua observação de relatos de viagens, já que só conhecia pessoalmente os arredores de Königsberg. Além disso, a perspectiva empírica tem de ser considerada no quadro de suas limitações. A censura que um povo faz a outro pode ser feita de volta ao primeiro. E devemos levar em conta a afirmação de que se pode supor que ―nenhuma nação encontre-se privada das disposições de espírito que reúnem as qualidades eminentes desse tipo‖. Kant incluiria entre as nações os selvagens e os negros da África? I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página10

ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO<br />

I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059<br />

O próprio Kant, no entanto, esclarece sua perspectiva. Depois de constatar que<br />

alguns homens podem gostar de algo que outros detestam, que o que é repugnante<br />

para uma pessoa pode ser indiferente para outra, diz ele: ―O campo de observações<br />

dessas particularidades da natureza humana estende-se a perder de vista, e oculta<br />

ainda descobertas tão agradáveis quanto instrutivas. Aqui lanço meu olhar, mais de<br />

observa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> que de filósofo, apenas sobre alguns pontos que parecem<br />

apresentar-se como relevantes nessa área.‖ (Beob. Ak, II, 207; 19).<br />

E, mais adiante, prossegue: ―Minha intenção não é descrever minuciosamente os<br />

caracteres das nações, mas apenas esboçar traços que neles exprimem os<br />

sentimentos <strong>do</strong> sublime e <strong>do</strong> belo. É fácil supor que tal esboço apenas seja capaz de<br />

limitada exatidão, que os modelos não possam surgir senão <strong>do</strong> grande acervo<br />

daqueles que almejam a um sentimento refina<strong>do</strong>, e que nenhuma nação encontre-se<br />

privada das disposições de espírito que reúnem as qualidades eminentes desse tipo.<br />

A censura que eventualmente possa recair sobre um povo não pode, por isso,<br />

ofender a ninguém, pois é de tal ordem que cada um pode lançá-la ao vizinho como<br />

lança uma bola. Se essas diferenças nacionais devem-se ao acaso, se dependem<br />

de época e forma de governo ou se são necessariamente ligadas ao clima, isso não<br />

investigo aqui‖. (Beob. Ak, II, 243; 65).<br />

Essas últimas passagens devem ser lidas com cuida<strong>do</strong>, de mo<strong>do</strong> que possamos<br />

diferenciar os estatutos <strong>do</strong>s textos: o que é observação empírica e o que é reflexão<br />

filosófica. Kant depende para a sua observação de relatos de viagens, já que só<br />

conhecia pessoalmente os arre<strong>do</strong>res de Königsberg. Além disso, a perspectiva<br />

empírica tem de ser considerada no quadro de suas limitações. A censura que um<br />

povo faz a outro pode ser feita de volta ao primeiro. E devemos levar em conta a<br />

afirmação de que se pode supor que ―nenhuma nação encontre-se privada das<br />

disposições de espírito que reúnem as qualidades eminentes desse tipo‖. Kant<br />

incluiria entre as nações os selvagens e os negros da África?<br />

I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR<br />

II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção <strong>Paraná</strong> – SKB/PR<br />

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