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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 que faz Frazer. Ele busca entender os ritos religiosos, buscando encontrar neles sempre uma teoria que legitime tal mito. O pressuposto parece errado e fica mais errado ainda quando o antropólogo em questão coloca teorias iguais ou muito próximas a teorias das ciências naturais. Por exemplo, será que realmente podemos dizer que a dança da chuva é dançada para que chova ou é um rito de agradecimento? Frazer parece entender tais ritos através de uma lei natural de causa e efeito e por isso simplifica tal rito, dizendo que ele é ingênuo por não ter resultados e que as pessoas que a praticam não percebem que sempre dançam em épocas que antecedem a chuva e não em outras. A pergunta que se colocaria aqui é até que ponto no desenvolvimento de tal rito se pensou que realmente haveria uma relação de causa e efeito entre a chuva e a dança ou não é simplesmente um rito de agradecimento ou espera pela chuva que está chegando. Uma tal constatação de Frazer talvez seja mais ingênua do que a própria dança da chuva, pois é como se um homem que nunca tivesse visto uma casa com janelas e ao ver que logo depois que as pessoas fecham as janelas começa a chover, concluísse que acreditamos que fechamos as janelas para que chova. O erro de Frazer é reduzir tudo a algo plausível a homens que têm a mesma visão que ele. 1 Ao fazer isso, simplifica a religiosidade antiga. E esse é um dos principais problemas de não entendermos a linguagem e a variedade de saberes. Quando estamos presos a uma única ideia de linguagem, procuramos a todo custo recusar outros tipos de linguagens e atividades ou reduzi-las às nossas concepções de mundo. É isso que faz Wittgenstein exclamar uma espécie de desabafo diante da leitura que Frazer faz das religiões primitivas: ―Que estreita é a vida do espírito para Frazer! E consequentemente: Que incapacidade para compreender uma vida que não seja a de um inglês de seu tempo! Frazer não pode imaginar um sacerdote que não seja, no fundo, como um pároco inglês de nossos dias com toda a sua imbecilidade e mediocridade.‖ 2 Tal desabafo de Wittgenstein se explica por Frazer 1 ORDF, p. 51. 2 ORDF, p. 57. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página3

ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 estar totalmente envolvido numa forma de ver o mundo que é a forma de sua época. O antropólogo em questão está dogmaticamente envolvido na linguagem científica ocidental do século XX e não consegue sair dela e, ao não conseguir ir para além dela, generaliza-a a todas as linguagens possíveis. Como bem expressa Moreno: Frazer não estaria cometendo apenas um erro teórico; seu erro foi principalmente incorrer na generalização de determinada visão de mundo, ou melhor, estaria atribuindo, de maneira dogmática, ainda que inadvertidamente, o modelo de explicação científica do século XX, explicação através de hipóteses e causas, aos indivíduos das comunidades cujos rituais descreve e pretende explicar. O erro teórico consiste apenas em supor que explicações causais possam esclarecer o sentido de comportamentos ritualístico, quando, na verdade, esse tipo de explicação fornece somente ligações empíricas. Erro mais grave e profundo consiste em atribuir uma falsa ciência a comunidades em que hábitos ritualísticos não visam, segundo Wittgenstein, explicar processos naturais através de causas, mas exprimir valores de sua cultura. Erro profundo, porque atribui valores e hábitos de uma sociedade aos indivíduos de outra sociedade, cujos valores e hábitos pretende compreender. Confusão gramatical que tem consequências teóricas e éticas no trabalho do antropólogo. 1 O que Frazer precisa e nós também é fazermos uma terapia gramatical que nos cure desta busca por generalidade que nos torna dogmáticos e atrapalha nossa visão correta dos fenômenos humanos e naturais. Não podemos sobrepor a nossa linguagem a todas as linguagens possíveis. Isso é um erro grave que tem como resultado principal um entendimento totalmente errôneo daquilo que buscamos compreender. O erro do filósofo que faz isso é o erro de superficialidade, ou seja, ele não vai ao fundo das questões linguísticas, mas fica na superfície onde se reflete a imagem dele mesmo. Frazer fica na superficialidade, ele projeta sua cultura na cultura alheia e assim chega a conclusões que podem ser totalmente equivocadas. Ora, entender que ritos têm a mesma natureza linguística que a ciência do século XX ou que todos eles têm a mesma natureza é, na visão de Wittgenstein, 1 MORENO, A. R. Introdução a uma pragmática filosófica: de uma concepção de filosofia como atividade terapêutica a uma filosofia da linguagem. Campinas: Editora da Unicamp, 2005. p. 275-276. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página4

ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO<br />

I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059<br />

estar totalmente envolvi<strong>do</strong> numa forma de ver o mun<strong>do</strong> que é a forma de sua época.<br />

O antropólogo em questão está <strong>do</strong>gmaticamente envolvi<strong>do</strong> na linguagem científica<br />

ocidental <strong>do</strong> século XX e não consegue sair dela e, ao não conseguir ir para além<br />

dela, generaliza-a a todas as linguagens possíveis. Como bem expressa Moreno:<br />

Frazer não estaria cometen<strong>do</strong> apenas um erro teórico; seu erro foi principalmente<br />

incorrer na generalização de determinada visão de mun<strong>do</strong>, ou melhor, estaria<br />

atribuin<strong>do</strong>, de maneira <strong>do</strong>gmática, ainda que inadvertidamente, o modelo de<br />

explicação científica <strong>do</strong> século XX, explicação através de hipóteses e causas, aos<br />

indivíduos das comunidades cujos rituais descreve e pretende explicar. O erro<br />

teórico consiste apenas em supor que explicações causais possam esclarecer o<br />

senti<strong>do</strong> de comportamentos ritualístico, quan<strong>do</strong>, na verdade, esse tipo de<br />

explicação fornece somente ligações empíricas. Erro mais grave e profun<strong>do</strong><br />

consiste em atribuir uma falsa ciência a comunidades em que hábitos ritualísticos<br />

não visam, segun<strong>do</strong> Wittgenstein, explicar processos naturais através de causas,<br />

mas exprimir valores de sua cultura. Erro profun<strong>do</strong>, porque atribui valores e<br />

hábitos de uma sociedade aos indivíduos de outra sociedade, cujos valores e<br />

hábitos pretende compreender. Confusão gramatical que tem consequências<br />

teóricas e éticas no trabalho <strong>do</strong> antropólogo. 1<br />

O que Frazer precisa e nós também é fazermos uma terapia gramatical que nos cure<br />

desta busca por generalidade que nos torna <strong>do</strong>gmáticos e atrapalha nossa visão<br />

correta <strong>do</strong>s fenômenos humanos e naturais. Não podemos sobrepor a nossa<br />

linguagem a todas as linguagens possíveis. Isso é um erro grave que tem como<br />

resulta<strong>do</strong> principal um entendimento totalmente errôneo daquilo que buscamos<br />

compreender. O erro <strong>do</strong> filósofo que faz isso é o erro de superficialidade, ou seja, ele<br />

não vai ao fun<strong>do</strong> das questões linguísticas, mas fica na superfície onde se reflete a<br />

imagem dele mesmo. Frazer fica na superficialidade, ele projeta sua cultura na<br />

cultura alheia e assim chega a conclusões que podem ser totalmente equivocadas.<br />

Ora, entender que ritos têm a mesma natureza linguística que a ciência <strong>do</strong> século<br />

XX ou que to<strong>do</strong>s eles têm a mesma natureza é, na visão de Wittgenstein,<br />

1 MORENO, A. R. Introdução a uma pragmática filosófica: de uma concepção de filosofia como<br />

atividade terapêutica a uma filosofia da linguagem. Campinas: Editora da Unicamp, 2005. p. 275-276.<br />

I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR<br />

II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção <strong>Paraná</strong> – SKB/PR<br />

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