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Anais - Fundação Araucária - Estado do Paraná

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I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR<br />

II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção <strong>Paraná</strong> – SKB/PR


ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO<br />

I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059<br />

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE<br />

UNICENTRO<br />

Diretora <strong>do</strong> SEHLA<br />

Maria Aparecida Crissi Knüppel<br />

Chefe <strong>do</strong> DEFIL<br />

Manuel Moreira da Silva<br />

COORTI / Midia<br />

Felipe Collares Rodrigues<br />

Mauricio Adriano Teixeira<br />

Revisora de Língua portuguesa<br />

Ana Lúcia Trevisan Bittencourt<br />

Coordenação<br />

Manuel Moreira da Silva<br />

Comissão Organiza<strong>do</strong>ra<br />

Manuel Moreira da Silva<br />

Marciano Adilio Spica<br />

Evandro Bilibio<br />

Ernesto Maria Giusti<br />

Jussara T. M. Bezeruska<br />

Gilberto Luiz de Araújo Malheiros<br />

Reitor<br />

Vitor Hugo Zanette<br />

Vice-Reitor<br />

Al<strong>do</strong> Nelson Bona<br />

Comissão Científica<br />

Prof. Dra. Andréa Faggion (UEM)<br />

Prof. Dr. Augusto Bach (UNICENTRO)<br />

Prof. Dr. Daniel Omar Perez (PUCPR)<br />

Prof. Dt. Ernesto Maria Giusti<br />

(UNICENTRO)<br />

Prof. Dt. Evandro Bilibio<br />

(UNICENTRO)<br />

Prof. Dr. Horacio Luján Martínez<br />

(UNIOESTE/Tole<strong>do</strong>)<br />

Prof. Jussara T. M. Bezeruska<br />

(UNICENTRO)<br />

Prof. Ms. Luiz Yanzer Portela<br />

(UNIOESTE/Tole<strong>do</strong>)<br />

Prof. Dt. Manuel Moreira da Silva<br />

(UNICENTRO)<br />

Prof. Dt. Marciano Adilio Spica<br />

(UNICENTRO)<br />

Prof. Dr. Paulo Vieira Neto (UFPR)<br />

Prof. Dr. Ubirajara Rancan<br />

(UNESP/Marília)<br />

Prof. Dr. Valério Rohden<br />

(PUCPR/UFSC)<br />

Apoio<br />

Governo <strong>do</strong> <strong>Esta<strong>do</strong></strong> <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong><br />

Secretaria de <strong>Esta<strong>do</strong></strong> de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, SETI<br />

<strong>Fundação</strong> <strong>Araucária</strong><br />

Caixa Econômica Federal<br />

Banco <strong>do</strong> Brasil<br />

Faculdades Campo Real<br />

I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR<br />

II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção <strong>Paraná</strong> – SKB/PR


ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO<br />

I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059<br />

22/06/2009 - Segunda-feira<br />

19h às 20h<br />

Abertura Oficial<br />

20h às 23h<br />

PROGRAMAÇÃO GERAL<br />

Conferência de abertura: "As observações de Kant sobre as raças atingem o universalismo de<br />

sua filosofia?"<br />

Prof. Dr. Ricar<strong>do</strong> Terra (USP)<br />

23/06/2009 - Terça-feira<br />

13h 30min às 15h<br />

Apresentação de trabalhos científicos seleciona<strong>do</strong>s para o Evento, em forma de comunicação.<br />

15h 30min às 18h<br />

Mesa Re<strong>do</strong>nda - "Filosofia Prática e Antropologia" com as seguintes palestras:<br />

A Relação entre poder e subjetividade na obra de Michel Foucault<br />

Prof. Dr. Augusto Bach (UNICENTRO).<br />

Kant e Foucault: Uma aproximação<br />

Prof. Dr. Vinicius Berlendis de Figueire<strong>do</strong> (UFPR).<br />

O significa<strong>do</strong> prático da natureza humana em Kant<br />

Prof. Dr. Daniel Omar Perez (PUCPR),<br />

19h às 19h 30min<br />

Intervenções Artísticas<br />

Espetáculo: "Declaração <strong>do</strong>s Direitos Humanos" com Rossana Campello Manfredini e equipe.<br />

19h 30min às 21h 30 min.<br />

Conferência seguida de debate: "A faculdade prática de apetição nas reflexões antropológicas<br />

de Kant". Prof. Dr. Valério Rohden (PUCPR/UFSC).<br />

I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR<br />

II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção <strong>Paraná</strong> – SKB/PR


ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO<br />

I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059<br />

21h 30min às 23h<br />

Reunião oficial da SKB-PR.<br />

24.06.2009 – Quarta-Feira<br />

13h 30min às 15h:<br />

Apresentação de trabalhos científicos seleciona<strong>do</strong>s para o evento, em forma de comunicação.<br />

15h 30min às 18h:<br />

Mesa re<strong>do</strong>nda – “O Empírico e o Transcendental no Idealismo kantiano” com as seguintes<br />

palestras:<br />

Caráter inteligível e caráter empírico na Crítica da Razão Pura<br />

Prof. Dr. Aguinal<strong>do</strong> Pavão (UEL).<br />

Dogmatismo e Criticismo na encruzilhada da Doutrina <strong>do</strong> idealismo transcendental kantiano<br />

Prof. Dr. Luciano Carlos Utteich (UNIOESTE/Tole<strong>do</strong>).<br />

Sobre o Especulativo em Kant: Ou <strong>do</strong> reconhecimento de uma região intermediária entre o<br />

empírico e o transcendental<br />

Prof. Dt. Manuel Moreira da Silva (UNICENTRO).<br />

19h às 19h 45min<br />

Intervenções Artísticas<br />

Espetáculo: Mousike, com Daiane Stoerbel.<br />

19h 45min às 23 h<br />

Conferência seguida de debate:“Kant e um certo vocabulário musical” Prof. Dr. Ubirajara<br />

Rancan (UNESP/Marília)<br />

25.06.2009 – Quinta-feira<br />

13h 30min às 15h<br />

Apresentação de trabalhos científicos seleciona<strong>do</strong>s para o evento, em forma de comunicação.<br />

15h 30min às 18h<br />

Mesa re<strong>do</strong>nda – “Filosofia Transcendental e Metafísica” com as seguintes palestras:<br />

Filosofia transcendental e Metafísica<br />

Prof. Ms. Luis Yanzer Portela (UNIOESTE/Tole<strong>do</strong>)<br />

A Concepção kantiana de existência: posição da coisa ou categoria <strong>do</strong> entendimento?<br />

Prof. Dr. Marco Antônio Valentim (UFPR).<br />

I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR<br />

II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção <strong>Paraná</strong> – SKB/PR


ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO<br />

I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059<br />

Cognição e Predicação em Kant<br />

Prof. Dr. Tiago Fonseca Falkenbach (UFPR),<br />

Metaphysica sunt, non leguntur: Matemática e Filosofia de Kant a Gauss<br />

Prof. Dt. Ernesto Maria Giusti (UNICENTRO)<br />

19h às 19h 30min<br />

Lançamento <strong>do</strong> livro: Percursos de Leitura da Relação entre Homem e Cultura - autora: Ruth<br />

Rieth Leonhardt.<br />

Local: Espaço de Convivência da Faculdade Campo Real (Contíguo ao Salão Nobre).<br />

19h 30min às 23 h<br />

Conferência seguida de debate: "A motivação moral em Kant", Profa. Dra. Maria de Lourdes<br />

Borges (UFSC)<br />

26.06.2009 - Sexta-Feira<br />

13h 30min às 15h<br />

Apresentação de trabalhos científicos seleciona<strong>do</strong>s para o evento, em forma de comunicação.<br />

15h 30min às 18h<br />

Mesa re<strong>do</strong>nda – “Perspectivas wittgensteinianas na Filosofia contemporânea” com as<br />

seguintes palestras:<br />

A possibilidade de um pressuposto ético em Heidegger e Wittgenstein<br />

Prof. Dt. Evandro Bilibio (UNICENTRO)<br />

Wittgenstein e a variedade de saberes<br />

Dt. Marciano Adilio Spica (UNICENTRO),<br />

Uma leitura wittgensteiniana da vontade política<br />

Prof. Dr. Horacio Luján Martínez (UNIOESTE/Tole<strong>do</strong>)<br />

19h às 19h 30min<br />

Intervenções Artísticas<br />

Espetáculo: Mulheres de Klint, com Marisa Ults<br />

19h 30min às 23 h<br />

Conferência seguida de debate: "O sublime matemático de Kant e o expressionismo abstrato<br />

na pintura norte-americana" Prof. Dr. Jair Barboza (PUCPR)<br />

Encerramento Oficial <strong>do</strong> I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/II Colóquio da<br />

SKB-PR<br />

I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR<br />

II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção <strong>Paraná</strong> – SKB/PR


ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO<br />

I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059<br />

APRESENTAÇÃO<br />

SUMÁRIO<br />

KANT, HERANÇA E INTERPRETAÇÃO: APRESENTAÇÃO<br />

Manuel Moreira da Silva...................................................................12<br />

TEXTOS COMPLETOS<br />

AS OBSERVAÇÕES DE KANT SOBRE AS RAÇAS ATINGEM O UNIVERSALISMO<br />

DE SUA FILOSOFIA?<br />

Ricar<strong>do</strong> Terra.................................................................................16<br />

REPRESENTAÇÕES NÃO-CONSCIENTES EM KANT<br />

Valério Rohden...............................................................................32<br />

A RELAÇÃO ENTRE PODER E SUBJETIVIDADE NA OBRA DE FOUCAULT<br />

Augusto Bach.................................................................................44<br />

CRÍTICA E ANTROPOLOGIA EM KANT<br />

Vinicius Berlendis de Figueire<strong>do</strong>........................................................62<br />

CARÁTER INTELIGÍVEL E CARÁTER EMPÍRICO NA CRÍTICA DA RAZÃO<br />

PURA<br />

Aguinal<strong>do</strong> Pavão.............................................................................78<br />

SOBRE O ESPECULATIVO EM KANT, OU DO RECONHECIMENTO DE UMA<br />

REGIÃO INTERMEDIÁRIA ENTRE O EMPÍRICO E O TRANSCENDENTAL<br />

Manuel Moreira da Silva...................................................................95<br />

UMA LEITURA WITTGENSTEINIANA DA VONTADE POLÍTICA<br />

Horacio Luján Martìnez..................................................................112<br />

A DIVERSIDADE DE SABERES A PARTIR DE WITTGENSTEIN<br />

Marciano Adilio Spica.....................................................................122<br />

RESUMO DE PALESTRA<br />

DOGMATISMO E CRITICISMO NA ENCRUZILHADA DA DOUTRINA DO<br />

IDEALISMO TRANSCENDENTAL EM KANT<br />

Luciano Carlos Utteich...................................................................138<br />

I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR<br />

II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção <strong>Paraná</strong> – SKB/PR


ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO<br />

I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059<br />

RESUMOS DE COMINUCAÇÕES<br />

O CONCEITO DE INTUIÇÃO: DISTINÇÕES ENTRE DESCARTES, KANT E<br />

BERGSON<br />

Luiz Ricar<strong>do</strong> Rech..........................................................................144<br />

O CONCEITO DE DIREITO NATURAL EM HOBBES: LIBERDADE E<br />

OBRIGAÇÃO<br />

Gerson Vasconcelos Luz..................................................................148<br />

A LIBERDADE GENIAL<br />

Luiz Carlos de Souza Filho...............................................................152<br />

A TEORIA NEURONAL DO PROJETO DE UMA PSICOLOGIA (1895) E SUAS<br />

IMPLICAÇÕES: UMA INTRODUÇÃO AO MATERIALISMO FREUDIANO<br />

Gleisson Roberto Schmidt...............................................................156<br />

O TEMPO COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE NA CONSTITUIÇÃO DO<br />

OBJETO EM MERLEAU-PONTY<br />

Jeovane Camargo..........................................................................160<br />

O SUMO BEM LEIBNIZIANO DE IMMANUEL KANT<br />

Rafael da Silva Cortes....................................................................164<br />

CARÁTER, DETERMINISMO E LIBERDADE EM KANT E SCHOPENHAUER<br />

Vilmar Debona..............................................................................168<br />

A GLOBALIZAÇÃO COMO IDEOLOGIA<br />

Guilherme Benette Jeronymo..........................................................172<br />

A CARACTERIZAÇÃO DOS ‘SONHOS DE UM VISIONÁRIO’ COMO UM<br />

ESCRITO DE CUNHO CRÍTICO<br />

Marcio Tadeu Girotti.......................................................................177<br />

DESMISTIFICANDO A TECNOLATRIA – UMA ANÁLISE CRÍTICA DA<br />

SOCIEDADE TECNOLOGICAMENTE CENTRALIZADA<br />

Vitor Ogiboski...............................................................................182<br />

A FORMAÇÃO POLÍTICA EM ROUSSEAU<br />

Darlan Faccin Weide.......................................................................185<br />

UMA DEONTOLOGIA HOBBESIANA? A TESE TAYLOR E A TEORIA DA<br />

OBRIGAÇÃO EM HOBBES<br />

Clóvis Brondani.............................................................................19’<br />

A INTERSUBJETIVIDADE NO FUNDAMENTO DO DIREITO NATURAL DE<br />

FICHTE<br />

João Geral<strong>do</strong> Martins da Cunha........................................................195<br />

I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR<br />

II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção <strong>Paraná</strong> – SKB/PR


ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO<br />

I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059<br />

ESTUDO COMPARATIVO ENTRE O EPICURISMO E O UTILITARISMO<br />

Karina Mikuska..............................................................................199<br />

UMA LEITURA DOS PRECEITOS ÉTICOS NAS MEDITAÇÕES DE MARCO<br />

AURÉLIO<br />

Marcio Fraga de Oliveira.................................................................203<br />

CRÍTICA DE KARL POPPER À UTILIZAÇÃO DO MÉTODO INDUTIVO NA<br />

CONSTITUIÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO<br />

Alexandre Klock Ernzen..................................................................207<br />

O NEO-ARISTOTELISMO BRENTANIANO E O CONCEITO DE OBJETIVIDADE<br />

IMANENTE<br />

Lauro de Matos Nunes Filho............................................................211<br />

VIOLÊNCIA E DEMOCRACIA EM HANNAH ARENDT<br />

Paulo Eduar<strong>do</strong> Bodziak Junior..........................................................215<br />

SOBRE O CONCEITO DE VIRTUDE E REMINISCÊNCIA NA OBRA MÊNON DE<br />

PLATÃO<br />

Felipe Car<strong>do</strong>so Martins Lima............................................................219<br />

A RELAÇÃO SUJEITO-OBJETO NA PESQUISA E CONSTRUÇÃO DO<br />

CONHECIMENTO<br />

Lucia Helena Barros <strong>do</strong> Valle...........................................................223<br />

O POSITIVISMO COMTIANO E O DISCURSO PROGRESSISTA DE GETÚLIO<br />

VARGAS NO ESTADO NOVO (1937-1945)<br />

João Henrique <strong>do</strong>s Santos...............................................................227<br />

RAZÃO E MORAL EM BERGSON<br />

Marcelo Prates de Souza.................................................................231<br />

OS FUNDAMENTOS DO GOSTO, DA ARTE E DO GÊNIO NA ESTÉTICA DE<br />

IMMANUEL KANT<br />

Edy Klévia Fraga de Souza..............................................................235<br />

LINGUAGEM E MENTE ORNAMENTAL<br />

Felipe <strong>do</strong>s Santos Millani.................................................................239<br />

RELAÇÃODE FOUCAULT E KANT: A AUFKLÄRUNG E A ATITUDE CRÍTICA<br />

Marcelo da Rocha..........................................................................242<br />

SCHILLER E O IMPULSO ESTÉTICO<br />

Filipi Silva de Oliveira.....................................................................246<br />

SIMBOLOGIA NO ESPAÇO FUNERÁRIO: TRANSMISSÕES CULTURAIS E<br />

RELAÇÕES SOCIAIS<br />

Maristela Carneiro..........................................................................251<br />

I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR<br />

II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção <strong>Paraná</strong> – SKB/PR


ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO<br />

I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059<br />

A DISTINÇÃO ENTRE O CORPO E ALMA EM DESCARTES<br />

Geder Paulo Friedrich Cominetti.......................................................254<br />

UMA LEITURA DE GÓRGIAS<br />

Patrícia <strong>do</strong>s Santos Pinto, Maristela Carneiro.....................................258<br />

A PÓS-HUMANIDADE NO CINEMA DE CRONENBERG<br />

Wyllian Eduar<strong>do</strong> de Souza Correa....................................................262<br />

CARÁTER EMPÍRICO E CARÁTER INTELIGÍVEL NA PRIMEIRA CRÍTICA<br />

Fabiano Queiroz da Silva................................................................266<br />

APONTAMENTOS EM TORNO DO CONCEITO DE LIBERDADE EM HANNAH<br />

ARENDT<br />

Willian Bento Barbosa....................................................................271<br />

EDUCAÇÃO/DISCIPLINA MODERNA NO PENSAMENTO FOUCAULTIANO<br />

Eduar<strong>do</strong> Alexandre Santos de Oliveira..............................................275<br />

ASPECTOS DA REFUTAÇÃO DO IDEALISMO MATERIAL SOB A PERSPECTIVA<br />

APRESENTADA NA CRÍTICA DA RAZÃO PURA<br />

Marco Aurélio Fabretti....................................................................279<br />

FOUCAULT COM KANT<br />

Fernan<strong>do</strong> Padrão de Figueire<strong>do</strong>........................................................282<br />

DA POSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO DO CARÁTER MORAL EM KANT<br />

Carlos Eduar<strong>do</strong> Neres Lourenço.......................................................286<br />

O PROBLEMA DA INTUIÇÃO EM KANT<br />

Christian Carlos Kuhn.....................................................................291<br />

O CONCEITO DE ALMA DO MUNDO NO TIMEU DE PLATÃO<br />

André Wowk Nunes........................................................................295<br />

TRANS-MODERNIDADE E GEOPOLÍTICA DA HISTÓRIA EM DUSSEL<br />

Elias Dallabrida.............................................................................299<br />

NARRATIVA E IDENTIDADE EM PAUL RICOEUR<br />

Ruth Rieth Leonhardt.....................................................................303<br />

A REFUTAÇÃO KANTIANA DO IDEALISMO<br />

Adriel José Macha<strong>do</strong>.......................................................................307<br />

HOMEM EM ROUSSEAU: EDUCAÇÃO POLÍTICA<br />

Roberto Valim De Almeida..............................................................311<br />

LIBERDADE EM PLATÃO<br />

Leandro A. Xitiuk Wesan.................................................................315<br />

I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR<br />

II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção <strong>Paraná</strong> – SKB/PR


ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO<br />

I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059<br />

SOCIEDADE E O PROBLEMA DA MORAL EM HUME<br />

Ricar<strong>do</strong> Zolinger Zanin...................................................................318<br />

DISCUSSÃO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES A PARTIR DA OBRA ÉDIPO REI<br />

DE SÓFOCLES<br />

Julio Cezar de Lima........................................................................321<br />

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CIÊNCIAS HUMANAS E A ANTROPOLOGIA<br />

FILOSÓFICA EM HENRIQUE CLÁUDIO DE LIMA VAZ<br />

Hugo José Rhoden.........................................................................325<br />

O ESTADO DE DIREITO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA<br />

Italo Biancardi Neto.......................................................................330<br />

FOUCAULT E A VERDADE<br />

Jussara Tossin Martins Bezeruska....................................................334<br />

A D V E R T Ê N C I A<br />

Os números de página acima indica<strong>do</strong>s referem-se apenas à<br />

paginação contínua <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento presente, em formato PDF,<br />

elabora<strong>do</strong> conforme exigência formal de prestação de contas<br />

junto à <strong>Fundação</strong> <strong>Araucária</strong>, vinculada à Secretaria de <strong>Esta<strong>do</strong></strong><br />

de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, SETI, <strong>do</strong> <strong>Esta<strong>do</strong></strong> <strong>do</strong><br />

<strong>Paraná</strong>, sem cujo apoio o evento em questão dificilmente teria<br />

se realiza<strong>do</strong>. Os textos a seguir mantem a paginação original<br />

(descontínua) resultante de sua publicação oficial nos <strong>Anais</strong> <strong>do</strong><br />

I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO – I CONAFIL –<br />

em meio digital, sob a forma de CD-ROM. Devi<strong>do</strong> a essa nova<br />

formatação (em um único <strong>do</strong>cumento), alguns textos podem<br />

apresentar pequenas variações quanto ao lugar físico (no editor<br />

de texto) de uma ou mais linhas em relação à formatação<br />

indivudual de cada um <strong>do</strong>s textos presentes no CD-ROM.<br />

I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR<br />

II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção <strong>Paraná</strong> – SKB/PR


ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO<br />

I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059<br />

APRESENTAÇÃO<br />

I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR<br />

II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção <strong>Paraná</strong> – SKB/PR


ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO<br />

I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059<br />

KANT, HERANÇA E INTERPRETAÇÃO: APRESENTAÇÃO<br />

Manuel Moreira da Silva<br />

DEFIL – UNICENTRO/PR<br />

mmdsilva@yahoo.com.br<br />

Estes ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO e <strong>do</strong><br />

II COLÓQUIO KANT DA SOCIEDADE KANT BRASILEIRA, SEÇÃO PARANÁ –<br />

SKB/PR – marcam uma virada no mo<strong>do</strong> de se fazer congressos científicos no<br />

<strong>Paraná</strong> e, talvez, no Brasil. Pela primeira vez na História das instituições envolvidas,<br />

um evento de filosofia, cujo cerne constituiu-se na discussão e no debate de temas e<br />

problemas os mais eleva<strong>do</strong>s e com alto grau de especificidade, foi transmiti<strong>do</strong> on-<br />

line – na completude de suas palestras, conferências e intervenções artísticas – para<br />

diversos pólos de outro curso que não filosofia, a saber, o Curso de História a<br />

Distância da UNICENTRO. Isso com a devida participação e a efetiva intervenção<br />

<strong>do</strong>s especta<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Curso de História a partir de seus respectivos pólos; o que, de<br />

um mo<strong>do</strong> ou de outro, direta ou indiretamente, deixa sua marca também nestes<br />

ANAIS.<br />

O Congresso discutiu o tema Kant: Herança e Interpretação, constituin<strong>do</strong>-se a partir<br />

de um arco que pôs em questão desde o problema das raças na filosofia de Kant até<br />

heranças e interpretações quase sempre ou ainda em contestação, por exemplo, a<br />

de Hegel e a de Wittgenstein. Isso, não obstante, jamais seria possível se, desde a<br />

primeira hora, os organiza<strong>do</strong>res <strong>do</strong> evento não tivéssemos o apoio sincero e<br />

decidi<strong>do</strong> da Sociedade Kant Brasileira e, sobretu<strong>do</strong>, de sua Seção <strong>Paraná</strong>; assim<br />

como o apoio de colegas <strong>do</strong>s departamentos de filosofia de praticamente todas as<br />

universidades <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong>, em especial da UNIOESTE/Tole<strong>do</strong>, da PUC/PR<br />

e da UFPR, mas também de outros esta<strong>do</strong>s, como São Paulo (UNESP/Marília e<br />

USP) e Santa Catarina (UFSC), que ou nos prestigiaram, na medida <strong>do</strong> possível,<br />

I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR<br />

II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção <strong>Paraná</strong> – SKB/PR<br />

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO<br />

I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059<br />

praticamente durante to<strong>do</strong> o evento, ou se esforçaram para a liberação de colegas e<br />

alunos para que os mesmos pudessem permanecer em Guarapuava durante to<strong>do</strong>s<br />

os dias <strong>do</strong> Congresso. Da mesma forma, nosso evento não teria si<strong>do</strong> possível em<br />

sua plenitude caso também não tivéssemos o apoio da Reitoria e <strong>do</strong>s cursos de<br />

Filosofia, Arte-Educação e História à Distância da UNICENTRO; os quais, cada um<br />

ao mo<strong>do</strong> e segun<strong>do</strong> suas possibilidades e capacidades – o mesmo valen<strong>do</strong> para a<br />

Academia Romany, de Guarapuava –, nos brindaram institucional, logística e<br />

politicamente (a Reitoria, bem como o SEHLA – Setor de Ciências Humanas, Letras<br />

e Artes), tecnológica, institucional e didático-pedagogicamente (O Curso de História<br />

a Distância) e, enfim, artisticamente (o Curso de Arte-Educação e a Academia<br />

Romany, suas professoras, alunas e alunos, que nos prestigiaram com belíssimos<br />

espetáculos), em prol de uma Universidade aberta, laica, gratuita e de qualidade.<br />

Capítulo à parte deve ser concedi<strong>do</strong> à <strong>Fundação</strong> <strong>Araucária</strong>, pelo apoio financeiro e<br />

pela compreensão em relação às contingências que ocorrem em to<strong>do</strong> grande<br />

evento; mas, principalmente, por ter acredita<strong>do</strong> na proposta de evento, para muitos<br />

audaciosa, então submetida à apreciação da mesma no início de maio de 2009.<br />

Outro capítulo à parte deve ser concedi<strong>do</strong> aos alunos e alunas <strong>do</strong> Curso de Filosofia<br />

da UNICENTRO, que, à primeira hora, abraçaram a causa pela realização de um<br />

Congresso de Filosofia propriamente científico e, como bons anfitriões, estiveram<br />

presentes em todas as ocasiões importantes, bem como <strong>do</strong> primeiro ao último<br />

minuto deste I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO; o que<br />

deve ser estendi<strong>do</strong> às estagiárias e aos professores <strong>do</strong> DEFIL, especialmente aos<br />

que compuseram a Comissão Organiza<strong>do</strong>ra e as equipes de apoio. Por fim, mas<br />

não menos importante, este Congresso não teria a projeção e o alcance que teve<br />

não fosse o grande número de submissões de trabalhos e de inscrições de ouvintes;<br />

os quais percorreram distâncias consideráveis, vin<strong>do</strong>s de vários esta<strong>do</strong>s brasileiros,<br />

em especial <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, São Paulo e Rio de Janeiro – além, é claro, de<br />

to<strong>do</strong> o <strong>Paraná</strong> – entre outros lugares.<br />

I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR<br />

II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção <strong>Paraná</strong> – SKB/PR<br />

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO<br />

I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059<br />

Nossos ANAIS estão assim organiza<strong>do</strong>s: 1. Apresentação; 2. Trabalhos completos;<br />

3. Resumos de Palestras e 4. Resumos de Comunicações. Ainda que esses textos<br />

não constituam a totalidade <strong>do</strong> material apresenta<strong>do</strong> e discuti<strong>do</strong> durante o evento,<br />

esperamos que to<strong>do</strong>s apreciem o que aí está escrito e, na medida <strong>do</strong> possível,<br />

possa ter uma imagem mais ou menos aproximada disso que no mesmo foi o caso.<br />

Mais uma vez agradecemos a to<strong>do</strong>s que, de um mo<strong>do</strong> ou de outro, colaboraram<br />

conosco nesse empreendimento e renovamos o convite para que também se façam<br />

presentes nos próximos eventos que poderemos então organizar.<br />

Coordena<strong>do</strong>r <strong>do</strong> I Congresso Nacional de<br />

Filosofia da UNICENTRO/II Colóquio Kant<br />

da SKB/PR;<br />

Chefe <strong>do</strong> Departamento de Filosofia da<br />

UNICENTRO<br />

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AS OBSERVAÇÕES DE KANT SOBRE AS RAÇAS ATINGEM O<br />

UNIVERSALISMO DE SUA FILOSOFIA?1<br />

I<br />

Ricar<strong>do</strong> Terra<br />

USP/CEBRAP<br />

Antes de tu<strong>do</strong>, eu gostaria de agradecer aos organiza<strong>do</strong>res <strong>do</strong> I Congresso Nacional<br />

de Filosofia da Universidade Estadual <strong>do</strong> Centro-Oeste e <strong>do</strong> II Colóquio da seção<br />

<strong>Paraná</strong> da Sociedade Kant Brasileira pelo convite para proferir a conferência de<br />

abertura destes eventos.<br />

Em nome da diretoria da Sociedade Kant Brasileira gostaria de cumprimentar os<br />

organiza<strong>do</strong>res pela programação <strong>do</strong> encontro. Graças aos temas e aos nomes <strong>do</strong>s<br />

participantes está garantida a grande densidade filosófica das conferências e <strong>do</strong>s<br />

debates, articula<strong>do</strong>s sob o tema geral: ―Kant, Herança e Interpretação‖.<br />

É bom lembrar que há pouco mais de vinte anos Zeliko Lopáric, Valério Rohden,<br />

Gui<strong>do</strong> de Almeida, Balthazar Barbosa e eu nos reunimos para elaborar a minuta de<br />

uma nova associação, que foi finalmente fundada por ocasião <strong>do</strong> I Congresso Kant<br />

Brasileiro, realiza<strong>do</strong> no Rio de Janeiro em 1988: a Sociedade Kant Brasileira. Na<br />

ocasião foi eleito como primeiro presidente o Prof. Zeliko Loparic. No regimento<br />

estava prevista a criação de regionais da Sociedade e foram fundadas as regionais<br />

<strong>do</strong> Rio de Janeiro, Campinas e Porto Alegre.<br />

A Seção Regional Rio de Janeiro organizou em Itatiaia, em 1997, o II Congresso<br />

Kant, ocasião em que decidimos fundar a revista Studia Kantiana, cujo primeiro<br />

número foi publica<strong>do</strong> em 1998. Na época o Prof. Valério Rohden era presidente da<br />

entidade.<br />

1 O texto que se segue é o resulta<strong>do</strong> inicial de um trabalho em andamento.<br />

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Desde então tivemos um extraordinário crescimento <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s kantianos no<br />

Brasil. Na saudação que pronunciei por ocasião da abertura <strong>do</strong> X Congresso Kant<br />

Internacional, em 1995, afirmei: ―A realização <strong>do</strong> X Congresso Kant no Brasil é o<br />

reconhecimento de nossos esforços e ao mesmo tempo um grande estímulo para<br />

prosseguir nosso projeto nas próximas décadas‖. 1 E é justamente o que podemos<br />

constatar aqui hoje: a consolidação de mais uma seção da SKB, a seção <strong>Paraná</strong>,<br />

que já surgiu com um conjunto de pesquisa<strong>do</strong>res da melhor qualidade. Meus votos<br />

de congratulação a to<strong>do</strong>s os membros da regional e à sua diretoria, os Professores<br />

Daniel Peres, Vinícius Figueire<strong>do</strong> e Ernesto Giusti.<br />

Esperamos que também a regional Nordeste se consolide, e temos a boa notícia da<br />

fundação da regional ―Gérard Lebrun‖ – Marília, São Carlos, São Paulo –, graças<br />

aos esforços <strong>do</strong> Prof. Ubirajara Rancan, que também é responsável por uma<br />

significativa ampliação da relação com nossos colegas italianos e portugueses. É da<br />

maior importância a troca de experiências com pesquisa<strong>do</strong>res da filosofia kantiana<br />

que se expressam em outras línguas latinas, já que procuramos não só traduzir Kant<br />

para o português, mas também <strong>do</strong>tar nossa língua <strong>do</strong>s instrumentos necessário ao<br />

pensamento filosófico.<br />

II<br />

É notável o mo<strong>do</strong> como os movimentos feminista e anti-racista provocaram revisões<br />

na história <strong>do</strong> pensamento, levan<strong>do</strong> à releitura <strong>do</strong>s textos clássicos ten<strong>do</strong> em vista a<br />

posição que a mulher e as diferentes raças ocupam nessas filosofias. O silêncio<br />

sobre esses temas em grande parte de estu<strong>do</strong>s históricos da filosofia, mesmo os<br />

referentes à filosofia política, não deixa de ser bastante significativo. Questões como<br />

a da escravidão no pensamento de Aristóteles são lembradas, mas a situação <strong>do</strong><br />

feminino no pensamento aristotélico dificilmente é tematizada.<br />

1 TERRA, Ricar<strong>do</strong> ―Begrüssungsansprach anlässlich der Eröffnung des X. Internationalen Kant-<br />

Kongresses―, in Rohden, Terra, Almeida, Ruffing (editores) Recht und Frieden in der Philosophie<br />

Kants. Berlin, de Gruyter, 2008.<br />

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Em épocas distintas, asserções sobre essas questões certamente têm significa<strong>do</strong>s<br />

muito diferentes. A situação é bastante diversa se certa filosofia apenas repercute as<br />

concepções presentes em uma sociedade (como no caso de Aristóteles), ou se está<br />

reagin<strong>do</strong> a mudanças que começam a ser perceptíveis na sociedade (como no caso<br />

de Nietzsche, que reage a movimentos por direitos iguais). A reconstrução ou crítica<br />

das filosofias deveria levar essas diferenças em conta.<br />

Quan<strong>do</strong> se pensa na história <strong>do</strong>s efeitos ou na atualização das filosofias, certos<br />

temas passam a ter uma importância muito maior ou menor <strong>do</strong> que tinham na época<br />

em que as obras foram escritas. Ora, a vitalidade <strong>do</strong> pensamento está justamente na<br />

possibilidade de ser atualiza<strong>do</strong>, ou seja, de nos ajudar a pensar criticamente as<br />

questões <strong>do</strong> presente.<br />

Ao la<strong>do</strong> das tentativas de atualização, há outro movimento, em certo senti<strong>do</strong> a elas<br />

oposto, que é a perspectiva de culpabilização <strong>do</strong>s clássicos e de certas posições<br />

filosóficas. Culpa-se Marx pelo Gulag, culpa-se a razão por Auschwitz. Há uma<br />

espécie de estratégia da suspeita generalizada, que pretende ser radical mas acaba<br />

se autodestruin<strong>do</strong> em contradições performativas. Usa-se a razão para criticar<br />

radicalmente a razão, a democracia contra a democracia, a tolerância contra a<br />

tolerância.<br />

III<br />

Levan<strong>do</strong> em conta esta reflexão esquemática sobre a atualização das filosofias, eu<br />

gostaria de formular a seguinte questão: ―As observações de Kant sobre as raças<br />

atingem o universalismo de sua filosofia?‖. Trata-se de um tema em que venho<br />

trabalhan<strong>do</strong> ultimamente, e cujos resulta<strong>do</strong>s, ainda parciais, exponho a seguir.<br />

Os principais textos kantianos em que a questão das raças aparece são os<br />

seguintes:<br />

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1. Observações sobre o sentimento <strong>do</strong> belo e <strong>do</strong> sublime. (1764)<br />

2. Notas sobre as Observações sobre o sentimento <strong>do</strong> belo e <strong>do</strong> sublime.<br />

(Ak, XX)<br />

3. ―Das diferentes raças humanas.‖ (Texto publica<strong>do</strong> para o anúncio das<br />

aulas de geografia física <strong>do</strong> semestre de verão de 1775. Outra versão<br />

foi publicada em 1777, na obra de J. J. Engel Philosoph für die Welt.<br />

Cf. Ak, II, 518.)<br />

4. ―Definição <strong>do</strong> conceito de raça humana.‖ (Berlinische Monatschriften,<br />

novembro de 1785. Texto aparentemente suscita<strong>do</strong> por juízos sobre o<br />

artigo anterior de Kant sobre as raças. Cf. Ak, VIII, 479.)<br />

5. ―Sobre o emprego <strong>do</strong>s princípios teleológicos na filosofia.‖ (Der<br />

teutsche Merkur, janeiro-fevereiro de 1788. Duplo propósito: 1.<br />

Responder às objeções de Georg Forster dirigidas à ―Definição <strong>do</strong><br />

conceito de raça humana‖ e também ao ―Começo conjectural da<br />

historia humana‖; 2. Afirmar a concordância com as Cartas sobre a<br />

filosofia kantiana, de Reinhold. Cf. Ak, VIII, 487.)<br />

6. Antropologia de um ponto de vista pragmático. (1798)<br />

7. Geografia Física. (1802)<br />

8. Lições de antropologia.<br />

Como dito, o que apresentarei aqui é um trabalho em andamento e que será<br />

articula<strong>do</strong> em três partes:<br />

1. Na primeira, retomarei algumas análises críticas a respeito da questão<br />

das raças no pensamento kantiano.<br />

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2. Na segunda, abordarei rapidamente as Observações sobre o<br />

sentimento <strong>do</strong> belo e <strong>do</strong> sublime, juntamente com as Notas sobre as<br />

Observações.<br />

3. Finalmente, abordarei o texto de 1775 acerca ―das diferentes raças<br />

humanas‖.<br />

Como se vê, minha análise se restringirá a textos pré-críticos. Mas acredito que os<br />

argumentos valem, com força ainda maior, para os textos críticos.<br />

Não se trata de minimizar a importância daquelas afirmações de Kant que saltam<br />

aos nossos olhos como etnocêntricas e racistas. Trata-se apenas de distinguir com<br />

clareza o estatuto teórico da antropologia, de um la<strong>do</strong>, e aquele da filosofia política e<br />

da <strong>do</strong>utrina <strong>do</strong> direito, de outro. A desconsideração dessa distinção pode levar a<br />

grandes equívocos, relativos aos preconceitos eurocêntricos presentes em algumas<br />

passagens e que, segun<strong>do</strong> certos autores, deveriam levar–nos a questionar o<br />

universalismo da moral kantiana.<br />

Como exemplo desses equívocos, vale mencionar os artigos de Robert Bernasconi<br />

―Who Invented the Concept of Race? Kant´s Role in the Enlightenment Construction<br />

of Race‖ 1 e ―Kant as an Unfamiliar Source of Racism‖, 2 e também o artigo de<br />

Emmanuel Chukwudi Eze, ―The Color of Reason: The Idea of ´Race´ in Kant´s<br />

Anthropology‖. 3<br />

1 BERNASCONI, Robert, ―Who Invented the Concept of Race? Kant´s Role in the Enlightenment<br />

Construction of Race‖, in: BERNASCONI, R (ed) Race. Blackwell, 2001.<br />

2 BERNASCONI, Robert, ―Kant as an Unfamiliar Source of Racism‖, in: Ward, J. e Lott, T. ed.<br />

Philosophers on Race. Critical Essays. Blackwell, 2002.<br />

3 EZE, Emmanuel Chukwudi, ―The Color of Reason: The Idea of ´Race´ in Kant´s Anthropology‖, in:<br />

EZE, E.C. (ed) Postcolonial African Philosophy. Cambridge, Blackwell, 1997. Devi<strong>do</strong> à limitação de<br />

espaço, não será possível comentar esse artigo, mas pode-se dizer que violenta o texto kantiano, por<br />

exemplo, em relação ao conceito de transcendental, e também que se utiliza da mesma retórica da<br />

suspeição presente em Bernasconi.<br />

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No primeiro artigo em questão, Bernasconi examina os candidatos ―à honra<br />

duvi<strong>do</strong>sa de ser o inventor <strong>do</strong> conceito de raça‖. 1 Nesse contexto, a referência ao<br />

texto de 1775, ―Das diferentes raças humanas‖, torna-se central. A questão da<br />

diferença na aparência e nos costumes <strong>do</strong>s homens ganhou vulto na época de Kant,<br />

principalmente devi<strong>do</strong> aos relatos de viagens. E é nesse quadro que o conceito de<br />

raça se torna uma questão importante para o conhecimento. O que Kant busca são<br />

critérios para a classificação de raças. Em vez de reconstruir esse debate de época,<br />

no entanto, Bernasconi exercita apenas uma retórica da suspeição, o que já se<br />

mostra no próprio título <strong>do</strong> artigo. Ele sugere que na gênese <strong>do</strong> conceito já estão<br />

presentes, em grande medida, as suas utilizações posteriores.<br />

Esse esta<strong>do</strong> de coisas se agrava ainda mais no caso <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> artigo.<br />

Parafrasean<strong>do</strong> o título de um artigo de Isaiah Berlin, ―Kant as an Unfamiliar Source<br />

of Nationalism‖, mas diferentemente dele, cuja intenção é estudar como certas idéias<br />

são transformadas em seu contrário, Bernasconi toma o título literalmente. Sua tese<br />

é a de que, ―apesar <strong>do</strong> cosmopolitismo confesso, que é evidente em certos ensaios<br />

como a ‗Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita‘,<br />

encontram-se também em sua filosofia expressões de um racismo virulento e<br />

funda<strong>do</strong> teoricamente em um tempo em que o racismo científico estava ainda em<br />

sua infância‖. 2<br />

Para Bernasconi, o humanismo, o igualitarismo e o cosmopolitismo seriam limita<strong>do</strong>s<br />

e eurocêntricos. A acomodação histórica desses movimentos com o racismo<br />

perpassaria toda a modernidade e Kant não escaparia desse quadro, já que<br />

―caracteriza os negros, os americanos nativos e em certa medida também outras<br />

raças de tal maneira que sugere que lhes falta a autonomia para contarem como<br />

agentes morais plenos. Em outras palavras, não é apenas uma questão de como<br />

negros e americanos nativos são vistos na teoria moral de Kant, mas também uma<br />

1 BERNASCONI, Robert, ―Who Invented the Concept of Race?‖, p. 15<br />

2 BERNASCONI, Robert, ―Kant as an Unfamiliar Source of Racism‖, in: Ward, J. e Lott, T. ed.,<br />

Philosophers on Race. Critical Essays. Blackwell, 2002, p. 145.<br />

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questão de saber se Kant pensou sobre eles de tal maneira que comprometeu a<br />

universalidade de sua teoria moral universal‖. 1<br />

Bernasconi não para por aí. Refere-se ao livro de Horkheimer e A<strong>do</strong>rno, Dialética <strong>do</strong><br />

esclarecimento, no senti<strong>do</strong> de indicar a vinculação <strong>do</strong> seu humanismo, igualitarismo<br />

e cosmopolitismo com o racismo. Cito: ―Se alguém aceita a sugestão de Horkheimer<br />

e A<strong>do</strong>rno na Dialética <strong>do</strong> Esclarecimento, segun<strong>do</strong> a qual o humanismo, o<br />

igualitarismo e o cosmopolitismo não contradizem tanto o racismo, mas prestam-se<br />

a ele, afirman<strong>do</strong>-o enquanto tentam negá-lo, mais questões <strong>do</strong> que respostas são<br />

criadas e, então, [tal sugestão] pode ser tomada apenas como ponto de partida. Por<br />

que tantos pensa<strong>do</strong>res esclareci<strong>do</strong>s foram aparentemente incapazes de articular o<br />

novo senti<strong>do</strong> de humanidade sem ao mesmo tempo desenhar-lhe os limites mais<br />

rígida e explicitamente que antes? O registro histórico não mostra que o<br />

cosmopolitismo não apenas não foi introduzi<strong>do</strong> para combater o racismo, mas<br />

também que prontamente o acomo<strong>do</strong>u?‖. 2<br />

Convém dizer, de saída, que concor<strong>do</strong> com Thomas McCarthy (―Die politische<br />

Philosophie und das Problem der Rasse‖ 3 ) quan<strong>do</strong> ele diz que Bernasconi exagera<br />

ao pretender que as afirmações de Kant sobre as raças comprometam suas<br />

pretensões universalistas. Nesse senti<strong>do</strong>, é necessário distinguir uma perspectiva,<br />

digamos, antropológica, baseada em relatos de viagens, da perspectiva de uma<br />

1 Idem p. 161. Thomas McCarthy depois de reconhecer a relevância <strong>do</strong>s artigos de Bernasconi e Eze<br />

para sua própria análise da relação da filosofia política com o problema da raça no que diz respeito<br />

ao pensamento kantiano, escreve: ―não obstante, penso que Bernasconi e Eze exageram a medida<br />

em que o pensamento de Kant relativo às raças aniquila seu projeto filosófico como um to<strong>do</strong>‖, ―Die<br />

politische Philosophie und das Problem der Rasse‖, in: WINGERT, L. e GÜNTHER, K. eds., Die<br />

Öffentlichkeit der Vernunft und die Vernunft der Öffentlichkeit. Frankfurt, Suhrkamp, 2001, p. 631<br />

2 BERNASCONI, Robert. ―Kant as an Unfamiliar Source of Racism‖, in: WARD, J. e LOTT, T. ed.<br />

Philosophers on Race. Critical Essays. Blackwell, 2002, p 146. Ver também a passagem: ―Kant<br />

caracteriza negros e americanos nativos e em certa medida outras raças de maneira que sugere que<br />

lhes falta a autonomia para contar como plenos agentes morais. Em outras palavras, não é somente<br />

uma questão de como negros e americanos nativos são vistos dentro da teoria moral de Kant, mas<br />

também uma questão de saber se ele pensou sobre aqueles de tal mo<strong>do</strong> que comprometeu a<br />

universalidade da sua teoria moral universal‖, idem pag. 161<br />

3 MCCARTHY, Thomas. ―Die politische Philosophie und das Problem der Rasse‖, in: WINGERT, L. e<br />

GÜNTHER, K. eds. Die Öffentlichkeit der Vernunft und die Vernunft der Öffentlichkeit. Frankfurt,<br />

Suhrkamp, 2001, p. 631.<br />

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filosofia da história e, por fim, da perspectiva político-jurídica. Ao contrário de Ritter, 1<br />

acredito que haja uma distinção entre uma <strong>do</strong>utrina <strong>do</strong> direito pré-crítica e outra<br />

crítica, mas no plano da antropologia, pelo menos na maneira de tratar os da<strong>do</strong>s<br />

empíricos, há certa continuidade no pensamento kantiano sobre os diversos povos.<br />

Mas tratemos agora dessa questão na década de 1760 e 1770, Nas Observações e<br />

Notas e, depois, no texto sobre as raças.<br />

IV<br />

Para a defesa de sua tese, Bernasconi se utiliza de algumas passagens desses<br />

textos que são ―racistas‖ em relação aos índios americanos e aos negros. Como já<br />

disse, preten<strong>do</strong> chamar a atenção para o estatuto específico <strong>do</strong> discurso<br />

antropológico relativamente à filosofia da história e à perspectiva político-jurídica,<br />

que estão em formação nesse perío<strong>do</strong>, de mo<strong>do</strong> a desfazer as suspeitas contra o<br />

universalismo nascente. 2<br />

Podemos ler, nas Observações, que ―entre to<strong>do</strong>s os selvagens, nenhum outro povo<br />

demonstra um caráter espiritual tão sublime como o da América <strong>do</strong> Norte. Possuem<br />

um forte sentimento de honra e, para alcançá-la, buscam selvagens aventuras por<br />

centenas de milhas e são extremamente atentos em preservá-las <strong>do</strong> menor prejuízo,<br />

mesmo quan<strong>do</strong> um inimigo feroz, depois de tê-los feito prisioneiros, procura forçá-lo<br />

a um gemi<strong>do</strong> covarde por meio de terríveis torturas. O selvagem canadense é, aliás,<br />

sincero e honesto‖. 3 Um pouco adiante, lemos o seguinte: ―Licurgo provavelmente<br />

1 RITTER, C. Der Rechtsgedanke Kants nach den frühen Quellen. Frankfurt, V. Klostermann, 1961.<br />

2 Para uma ampla análise da concepção de raça no pensamento kantiano, que leva em conta os<br />

diferentes estatutos epistemológicos e práticos <strong>do</strong>s textos de Kant, ver de LAGIER, Raphaël, Les<br />

races humaines selon Kant. Paris, PUF, 2004.<br />

3 KANT, I. Observações sobre o sentimento <strong>do</strong> belo e <strong>do</strong> sublime, Ak. II, 253 ; Trad. Vinicius de<br />

Figueire<strong>do</strong>. Campinas, Papirus, 1993, p. 76.<br />

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deu leis semelhantes a selvagens e, se um legisla<strong>do</strong>r surgisse entre as seis nações,<br />

veríamos elevar-se uma republica espartana no Novo Mun<strong>do</strong>‖. 1<br />

Os selvagens da América <strong>do</strong> Sul, por outro la<strong>do</strong>, seriam diferentes daqueles da<br />

América <strong>do</strong> Norte: ―Os Sul-Americanos são indiferentes e fleumáticos, os negros são<br />

muito levianos e vai<strong>do</strong>sos, os europeus são vivazes e impetuosos‖. 2 (Bem. Ak, XX,<br />

166).<br />

Em relação aos negros, as afirmações racistas são mais pronunciadas ainda. Kant<br />

escreve: ―Os negros da África não possuem, por natureza, nenhum sentimento que<br />

se eleve acima <strong>do</strong> ridículo. O senhor Hume desafia qualquer um a citar um único<br />

exemplo em que um negro tenha demonstra<strong>do</strong> talentos, e afirma: dentre os milhões<br />

de pretos que foram deporta<strong>do</strong>s de seus países, não obstante muitos deles terem<br />

si<strong>do</strong> postos em liberdade, não se encontrou um único sequer que apresentasse algo<br />

grandioso na arte ou na ciência, ou em qualquer outra aptidão; já entre os brancos,<br />

constantemente arrojam-se aqueles que, saí<strong>do</strong>s da plebe mais baixa, adquirem no<br />

mun<strong>do</strong> certo prestígio, por força e <strong>do</strong>ns excelentes‖. (Beob. Ak, II, 253) 3 Argumentos<br />

semelhantes às vezes são usa<strong>do</strong>s em relação às mulheres, por exemplo quan<strong>do</strong> se<br />

pergunta por que tão poucas mulheres se tornaram grandes filósofas ou cientistas.<br />

1 Idem, Ak.II, 253; 76.<br />

2 Bemerkungen zu den Beobachtungen über das Gefühl des Schönen und Erhabenen, Ak. XX, 166.<br />

3 Vejamos o texto <strong>do</strong> próprio Hume: ―Eu me inclino a suspeitar que os negros são naturalmente<br />

inferiores aos brancos. Praticamente nunca existiu uma nação civilizada com aquela compleição, nem<br />

sequer um individuo eminente seja na ação seja na especulação. Não existem manufaturas<br />

engenhosas entre eles, nem artes nem ciências. Em contrapartida, mesmo os mais rudes e bárbaros<br />

<strong>do</strong>s brancos, como as antigos Alemães ou os Tártaros no presente, apresentam algo de eminente<br />

entre eles (...) Semelhante diferença uniforme e constante, não poderia acontecer em tantos países e<br />

épocas se a natureza não tivesse feito uma distinção original entre essas raças de homens. Sem<br />

mencionar nossas colônias, existem escravos negros dispersos por toda a Europa, e nunca se<br />

descobriu em qualquer um deles algum sinal de engenhosidade, enquanto membros brancos da<br />

classe baixa, sem educação, são capazes de progredir e se destacar em qualquer profissão‖. HUME,<br />

David. ―Do caráter nacional‖. In: Ensaios Políticos & Literários. Rio de Janeiro, Topbooks Editora,<br />

2004, p. 344. Outras passagens de Kant: ―nas terras <strong>do</strong>s negros o que esperar de melhor <strong>do</strong> que<br />

ordinariamente lá se encontra, ou seja, o sexo feminino na mais profunda escravidão? (Beob. II, 254;<br />

77); ―esse sujeito era preto da cabeça aos pés, argumento suficiente para considerar irrelevante o<br />

que disse‖. (Beob. II, 255; 78).<br />

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O próprio Kant, no entanto, esclarece sua perspectiva. Depois de constatar que<br />

alguns homens podem gostar de algo que outros detestam, que o que é repugnante<br />

para uma pessoa pode ser indiferente para outra, diz ele: ―O campo de observações<br />

dessas particularidades da natureza humana estende-se a perder de vista, e oculta<br />

ainda descobertas tão agradáveis quanto instrutivas. Aqui lanço meu olhar, mais de<br />

observa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> que de filósofo, apenas sobre alguns pontos que parecem<br />

apresentar-se como relevantes nessa área.‖ (Beob. Ak, II, 207; 19).<br />

E, mais adiante, prossegue: ―Minha intenção não é descrever minuciosamente os<br />

caracteres das nações, mas apenas esboçar traços que neles exprimem os<br />

sentimentos <strong>do</strong> sublime e <strong>do</strong> belo. É fácil supor que tal esboço apenas seja capaz de<br />

limitada exatidão, que os modelos não possam surgir senão <strong>do</strong> grande acervo<br />

daqueles que almejam a um sentimento refina<strong>do</strong>, e que nenhuma nação encontre-se<br />

privada das disposições de espírito que reúnem as qualidades eminentes desse tipo.<br />

A censura que eventualmente possa recair sobre um povo não pode, por isso,<br />

ofender a ninguém, pois é de tal ordem que cada um pode lançá-la ao vizinho como<br />

lança uma bola. Se essas diferenças nacionais devem-se ao acaso, se dependem<br />

de época e forma de governo ou se são necessariamente ligadas ao clima, isso não<br />

investigo aqui‖. (Beob. Ak, II, 243; 65).<br />

Essas últimas passagens devem ser lidas com cuida<strong>do</strong>, de mo<strong>do</strong> que possamos<br />

diferenciar os estatutos <strong>do</strong>s textos: o que é observação empírica e o que é reflexão<br />

filosófica. Kant depende para a sua observação de relatos de viagens, já que só<br />

conhecia pessoalmente os arre<strong>do</strong>res de Königsberg. Além disso, a perspectiva<br />

empírica tem de ser considerada no quadro de suas limitações. A censura que um<br />

povo faz a outro pode ser feita de volta ao primeiro. E devemos levar em conta a<br />

afirmação de que se pode supor que ―nenhuma nação encontre-se privada das<br />

disposições de espírito que reúnem as qualidades eminentes desse tipo‖. Kant<br />

incluiria entre as nações os selvagens e os negros da África?<br />

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Mesmo assim, é certo, as afirmações racistas são brutais. Em que medida, porém,<br />

interferem elas na elaboração da filosofia kantiana? Haveria alguma influência das<br />

observações antropológicas racistas na elaboração conceitual? Segun<strong>do</strong> Vinícius<br />

Figueire<strong>do</strong>, tradutor para o português das Observações sobre o sentimento <strong>do</strong> belo<br />

e <strong>do</strong> sublime, ―na descrição <strong>do</strong>s comportamentos humanos, o ideal de elegância,<br />

formula<strong>do</strong> conforme os parâmetros <strong>do</strong> refinamento, prefigura com nitidez a figura <strong>do</strong><br />

homem esclareci<strong>do</strong> que, mais tarde como aqui, caracteriza-se por uma conduta<br />

norteada pela crítica. Guardadas as diferenças, as Observações, como aponta seu<br />

desfecho, já delineiam a antropologia <strong>do</strong> Esclarecimento, aproprian<strong>do</strong>-se de duas<br />

idéias centrais <strong>do</strong> século XVIII, a educação e o cosmopolitismo: ambas se<br />

encontram aí articuladas pela aposta de Kant na consolidação, tanto nas artes como<br />

nas ciências, <strong>do</strong> gosto <strong>do</strong> jovem cidadão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, o Weltbürger.‖ 1<br />

Podemos perfeitamente considerar, assim, que as observações antropológicas<br />

empíricas não condicionam necessariamente a elaboração da visão kantiana em<br />

relação à educação, à Aufklärung e ao universalismo de sua perspectiva.<br />

Como contraprova, procuremos observar a formação <strong>do</strong> pensamento político jurídico<br />

kantiano nas Notas sobre as Observações e Reflexões, <strong>do</strong>s anos 1760 e 1770. O<br />

esta<strong>do</strong> de natureza é visto por Kant em pelo menos três perspectivas: uma<br />

―antropológica‖, baseada em observações sobre os selvagens; outra político-jurídica,<br />

em que o esta<strong>do</strong> de natureza aparece como idéia; e, finalmente, uma terceira - que<br />

não será aqui analisada -, vinculada à filosofia da historia, em que a passagem de<br />

uma situação primitiva para o esta<strong>do</strong> civil será pensada de maneira diferente,<br />

desempenhan<strong>do</strong> o antagonismo um papel fundamental.<br />

Em relação à perspectiva antropológica, pode-se ler em Les Sources françaises de<br />

la philosophie de Kant, de Jean Ferrari, que, ―quan<strong>do</strong> Kant procura um equivalente<br />

1 FIGUEIREDO, Vinícius. « Introdução » a Kant Observação sobre o sentimento <strong>do</strong> belo e <strong>do</strong> sublime.<br />

Campinas, Papirus, 1993, p. 12, ver também Figueire<strong>do</strong>, V. 1762-1772 Estu<strong>do</strong> sobre a relação entre<br />

méto<strong>do</strong>, teoria e pratica na gênese da critica kantiana. Tese de Doutora<strong>do</strong>, Universidade de São<br />

Paulo, 1998.<br />

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<strong>do</strong> homem da natureza no selvagem ou no primitivo, não pode esconder sua<br />

decepção. (...) Em geral, Kant não partilha o entusiasmo de seu século pelo bom<br />

selvagem e descreve o homem primitivo como um ser próximo da animalidade‖. 1<br />

Bem diversa, como vimos insistin<strong>do</strong>, é a perspectiva ―político-jurídica‖, em que o<br />

esta<strong>do</strong> de natureza é considera<strong>do</strong> uma ideia. Veja-se, por exemplo, a Reflexão 6593<br />

(1764-1768): ―O esta<strong>do</strong> de natureza: um ideal de Hobbes. Considera-se aqui o<br />

direito no esta<strong>do</strong> de natureza e não o factum. Prova-se que seria arbitrário deixar o<br />

esta<strong>do</strong> de natureza, mas necessário segun<strong>do</strong> as regras <strong>do</strong> direito‖. Assim, o contrato<br />

social também será considera<strong>do</strong> uma idéia, e não um fato histórico: ―O contractus<br />

originarius não é o principio de explicação da origem <strong>do</strong> status civilis, mas de como<br />

deveria ser‖ (Refl. 7740 (1773-5 ?, 1778-9 ?, 1776-8 ?)).<br />

O esta<strong>do</strong> civil é um esta<strong>do</strong> jurídico e o contrato é um principio regula<strong>do</strong>r, uma norma<br />

para o direito político (Refl. 7416 e 7738). Como contrato, é apenas um direito ideal<br />

(Refl. 7737). Ora, ―o contrato social não é o principium <strong>do</strong> estabelecimento <strong>do</strong><br />

<strong>Esta<strong>do</strong></strong>, mas aquele de sua administração, e compreende o ideal da legislação, <strong>do</strong><br />

governo e da justiça pública‖ (Refl. 7434). A Reflexão 7416 (1766/8, 1790??), por<br />

seu turno, é bastante clara: ―Non est pacto reali sed ideali, weil der Zwang voran<br />

geht‖. 2<br />

Há uma separação completa entre a perspectiva antropológica e a político-jurídico, o<br />

conceito de esta<strong>do</strong> de natureza e contrato social são ideias que participarão <strong>do</strong><br />

sistema jurídico universalista. O esta<strong>do</strong> de natureza, portanto, é caracteriza<strong>do</strong> como<br />

um esta<strong>do</strong> de ausência <strong>do</strong> direito, vin<strong>do</strong> daí a obrigação de realizar o contrato.<br />

Na concepção <strong>do</strong>s anos 1790, o esta<strong>do</strong> de natureza é uma ideia: ―prescindimos da<br />

experiência e não descrevemos um fato, como não é algum fato que torna<br />

necessária a saída <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de natureza, o qual não é apresenta<strong>do</strong> como<br />

1<br />

FERRARI, Jean, Les sources françaises de la philosophie de Kant. Paris, Librairie Klincksieck, 1979,<br />

p.186.<br />

2<br />

Cf. TERRA, R. A Política tensa. Ideia e Realidade na Filosofia da História de Kant. São Paulo,<br />

Iluminuras, 1995, 26 e seguintes.<br />

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composto por fases; a mudança não seria forçada pelo agravamento da situação de<br />

guerra. A exigência de sair <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de natureza será caracterizada como a priori,<br />

como uma exigência puramente racional, e não como um misto de razão e paixão.‖ 1<br />

Dessa maneira, pode-se dizer, contra a leitura de Bernasconi, que as observações<br />

racistas de Kant não têm nenhuma influência no universalismo da <strong>do</strong>utrina político-<br />

jurídica então em construção. As descrições <strong>do</strong>s diferentes povos, baseadas em<br />

relatos de viagem, e mesmo as tentativas de classificar as raças, têm um estatuto<br />

teórico diferente tanto da ciência propriamente dita como da filosofia prática.<br />

V - “Das diferentes raças humanas”<br />

Antes de entrar na análise <strong>do</strong> texto sobre as raças de 1775, convém lembrar que<br />

Kant ministrou cursos de Geografia Física de 1756 a 1796. Segun<strong>do</strong> Michele Cohen-<br />

Halimi, ―o curso de Geografia Física acompanhou, por assim dizer clandestinamente,<br />

to<strong>do</strong> o percurso filosófico de Kant, já que só foi edita<strong>do</strong> tardiamente, em 1802: nos<br />

268 ciclos de cursos que o filósofo de Königsberg assegurou durante toda sua<br />

atividade acadêmica, iniciada em 1755 e terminada em 1796, 54 foram consagra<strong>do</strong>s<br />

à lógica e à metafísica, 49 à geografia física, 46 à ética, 28 à antropologia, 24 à<br />

física teórica, 20 às matemáticas, 16 ao direito, 12 à enciclopédia das ciências<br />

filosóficas, 11 à pedagogia, 4 à mecânica, 2 à mineralogia e apenas 1 à teologia‖. 2<br />

Kant era um leitor assíduo de relatos de viagens e dependia de tais textos como<br />

fonte de informações. ―Kant diz, em mais de uma ocasião, que esperava os<br />

resulta<strong>do</strong>s de tal ou qual viagem de exploração em curso, e esperava notadamente<br />

as informações de Humboldt‖. 3 É importante lembrar que a qualidade e a veracidade<br />

desse tipo de informação variavam muito, pois, além de Humboldt, havia muitos<br />

aventureiros, comerciantes e padres cujos relatos eram li<strong>do</strong>s na época.<br />

1 TERRA, R. op. cit. P. 34<br />

2 COHEN-HALIMI, M. ―Introduction‖ à tradução de Kant Géographie. Paris, Aubier, 1999, p. 10.<br />

3 Idem, ibidem.<br />

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Diferentemente <strong>do</strong> que vimos nas Observações e das Notas sobre as observações,<br />

no entanto, a preocupação maior de Kant nas ―Diferentes raças‖ está na<br />

caracterização <strong>do</strong> que é uma raça e nos critérios de classificação.<br />

Ainda assim, encontramos afirmações racistas semelhantes às daqueles textos. Por<br />

exemplo: ―aos indígenas desse continente faltam em geral as faculdades e a<br />

resistência‖ (Racem. Ak, II, 438). E também: ―o negro é bem adapta<strong>do</strong> a seu clima, a<br />

saber é forte, carnu<strong>do</strong>, ágil; mas, pelo fato da abundância material de que se<br />

beneficia seu pais natal, é ainda preguiçoso, mole e frívolo‖ (Racem. Ak, II, 438).<br />

No senti<strong>do</strong> de verificar como podemos lidar com isso, detenhamo-nos<br />

esquematicamente em alguns aspectos <strong>do</strong> texto: (1) a distinção entre classificação<br />

escolástica e historia natural; (2) a definição de raça; (3) a polêmica relativa às<br />

várias criações <strong>do</strong> homem (ou uma só); e a questão da posição kantiana contra<br />

Maupertuis, que propunha um melhoramento da humanidade, Tais são, segun<strong>do</strong><br />

enten<strong>do</strong>, os elementos necessários para discutir a tese de Bernasconi.<br />

Com vistas a isso, demos a palavra a Gérard Lebrun em Kant sans kantisme, uma<br />

recém publicada coletânea de artigos em que ele procura mostrar como Kant<br />

distingue a descrição da natureza e a história natural. A descrição preocupa-se<br />

apenas com a classificação, quan<strong>do</strong>, por exemplo, alinhamos o cachorro e o gato<br />

como animais quadrúpedes. já o historia<strong>do</strong>r da natureza vai mais longe, buscan<strong>do</strong><br />

nas espécies filiações ou formações derivadas, como as raças. 1 ―Entendemos por<br />

raças grupos caracteriza<strong>do</strong>s por traços ‗infalivelmente hereditários‘ sem formar,<br />

entretanto, espécies, pois a fecundidade <strong>do</strong>s cruzamentos entre esses grupos torna<br />

mais verossimilhante sua derivação de um mesmo tronco comum. Essa noção de<br />

raça, à qual as descrições da natureza permanecem indiferentes, é ao contrário<br />

indispensável ao historia<strong>do</strong>r da natureza, que, ele, tem em vista prioritariamente a<br />

regra enunciada por Buffon: ‗to<strong>do</strong>s os animais suscetíveis de procriar filhos também<br />

1 Cf. LEBRUN, G. Kant sans kantisme. Paris, fayard, 2009, p. 264. ―A divisão escolástica se faz por<br />

classes, reparte os animais segun<strong>do</strong> a semelhança; a divisão da natureza se faz pelo tronco<br />

(Stamm), ela reparte segun<strong>do</strong> o parentesco, <strong>do</strong> ponto de vista da geração‖ (Ak. II, 429).<br />

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fecun<strong>do</strong>s, qualquer que seja sua diversidade de forma, pertencem, entretanto, a um<br />

único e mesmo gênero físico‖. 1<br />

Essa caracterização de Bufon é, de fato, fundamental para Kant, já que aponta para<br />

o caráter único da humanidade. O tronco original teria ti<strong>do</strong> uma série de germes, que<br />

se desenvolveram em certas circunstâncias de clima, como temperatura e umidade.<br />

Depois que os germes se desenvolveram, eles passaram para as gerações<br />

seguintes sem retorno. Os descendentes de negros que nasceram na Europa,<br />

mesmo depois de muitas gerações, continuam a ser negros.<br />

Contra vários pensa<strong>do</strong>res da época, inclusive Voltaire, Kant afirma a descendência<br />

familiar única, e não a pluralidade de criações. Certos autores, ―estiman<strong>do</strong><br />

impossível unificar esta multiplicidade no seio <strong>do</strong> gênero humano, admitem para<br />

explicá-la uma multidão de criações locais. Dizer com Voltaire: ‗Deus criou a rena na<br />

Lapônia para comer o musgo dessas regiões glaciais, e também criou nesses<br />

lugares o lapão para comer essa rena‘ não é uma má invenção para o poeta; mas é<br />

um mau expediente para o filósofo, que não tem o direito de aban<strong>do</strong>nar a cadeia das<br />

causas naturais senão quan<strong>do</strong> a vê manifesta e imediatamente ligada ao acaso‖.<br />

(Racem. Ak, II, 440).<br />

Se os homens fossem semelhantes sem ser aparenta<strong>do</strong>s (ten<strong>do</strong> a mesma<br />

ascendência), ―seria preciso admitir um bom número de criações locais, teoria que<br />

multiplica sem necessidade o número das causas.‖ (Racem. Ak, II, 430) Kant não<br />

apenas afirma a origem comum de to<strong>do</strong>s os homens, como também recusa toda<br />

forma de eugenia: ―É sobre essa possibilidade de estabelecer, por uma triagem<br />

cuida<strong>do</strong>sa entre os recém nasci<strong>do</strong>s degenera<strong>do</strong>s e os recém nasci<strong>do</strong>s bem<br />

constituí<strong>do</strong>s, uma linhagem familiar durável, que repousava a idéia de M. de<br />

Maupertuis projetan<strong>do</strong> o desenvolvimento, em algum lugar, de certa linha humana<br />

em que a inteligência, a habilidade e a retidão seriam hereditárias. Projeto este que,<br />

em minha opinião, seria nele mesmo realizável, mas é evita<strong>do</strong> completamente pela<br />

1 Idem, p. 264.<br />

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sábia natureza; pois precisamente nessa mistura de bem e <strong>do</strong> mal residem os<br />

grandes impulsos que colocam em movimento as forças a<strong>do</strong>rmecidas da<br />

humanidade, obrigan<strong>do</strong>-a a desenvolver to<strong>do</strong>s os seus talentos e a tender em<br />

direção à perfeição de seu destino‖ (Racem. Ak, II, 431).<br />

À guisa de conclusão, eu gostaria de voltar ao texto de Gerard Lebrun para dele<br />

extrair a seguinte afirmação:―é a um duplo título, parece, que a ‗teoria das raças‘<br />

está em conexão com a Ideia de uma história universal. Em primeiro lugar, ela dá<br />

sua maior consistência à ideia de um gênero humano unitário: a ‘humanidade‘ não é<br />

certamente um agrega<strong>do</strong> de espécies que viriam de criações locais dispersas.<br />

‗Provenientes de um mesmo tronco, os homens pertencem não apenas ao mesmo<br />

gênero, mas a uma mesma família‘ (Racem. Ak II, 430). Daí a expressão ‗historia<br />

universal‘ toma to<strong>do</strong> o seu senti<strong>do</strong>. Em segun<strong>do</strong> lugar, esse reconhecimento da<br />

unidade humana é inseparável da investigação histórica, em um senti<strong>do</strong> desta<br />

palavra cuja novidade é revelada por Kant‖. 1<br />

É inegável que encontramos nos textos de Kant muitas passagens de caráter racista<br />

e eurocêntrico. Segun<strong>do</strong> procurei mostrar, no entanto, tais considerações não<br />

atingem o universalismo <strong>do</strong>s conceitos filosóficos, mesmo no perío<strong>do</strong> pré-critico. A<br />

elaboração <strong>do</strong> conceito de raça não contém, nela mesma, as conotações que lhe<br />

seriam atribuídas nos séculos XIX e XX. Com Lebrun e Monique Castillo, podemos<br />

relacionar a teoria das raças a uma perspectiva universalista, à história universal de<br />

um ponto de vista cosmopolita, e, assim, afastarmo-nos da leitura empobrece<strong>do</strong>ra<br />

de Bernasconi.<br />

1 Idem, p. 265. Ver também : CASTILLO, Monique Kant et l´avenir de la culture. Pars, PUF, 1990, p.<br />

79 e seguintes.<br />

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REPRESENTAÇÕES NÃO-CONSCIENTES EM KANT 1<br />

Versão introdutória<br />

Valerio Rohden<br />

PUCPR/UFSC<br />

valeriorohden@hotmail.com<br />

Procurarei abordar o tema da presença de atividades não-conscientes na<br />

elaboração <strong>do</strong> conhecimento em Kant a partir da afirmação em sua Reflexão 177:<br />

―To<strong>do</strong>s os atos <strong>do</strong> entendimento e da razão podem ocorrer na obscuridade.‖ 2 Para<br />

uma filosofia fundada na autoconsciência a frase surpreende.<br />

O título das Reflexões sobre Antropologia que despertou minha atenção chama-se:<br />

―Das representações que temos sem ser conscientes delas‖. Na verdade, se trata <strong>do</strong><br />

mesmo título <strong>do</strong> § 5 da Antropologia de um ponto de vista pragmático 3 , segun<strong>do</strong><br />

cujos critérios, também em relação com os demais parágrafos desta obra, aquelas<br />

Reflexões foram agrupadas. Essa classificação de reflexões avulsas de Kant,<br />

direcionadas aos seus cursos de antropologia ainda que não usadas em classe, foi<br />

procedida por Erich Adickes, segun<strong>do</strong> seu Prefácio de 1913 ao volume XV, tomos 1<br />

e 2, da Edição da Academia de Berlim. 4<br />

1<br />

O presente texto foi também publica<strong>do</strong> em AdVerbum, revista digital de filosofia da psicanálise, v. 4,<br />

nº 1, jan/jul 2009, pp. 3-9.<br />

2<br />

KANT, I. Reflexionen zur Anthropologie. Kant´s gesammelte Schriften. Akademie-Ausgabe = AA.<br />

Band XV/1. Berlin und Leipzig: Walter de Gruyter, 1923, p. 65. Tradução em andamento na PUCPR,<br />

com apoio da <strong>Fundação</strong> <strong>Araucária</strong>.<br />

3<br />

KANT, I. Anthropologie in pragmatischer Hinsicht. Akademie Textausgabe. Bd. VII. Berlin: Walter de<br />

Gruyter, 1968. (abrev.: Anth). Antropologia de um ponto de vista pragmático. Trad. Clélia Aparecida<br />

Martins. S. Paulo: Iluminuras, 2006; Antropologia em senti<strong>do</strong> pragmático. Traducción de Mario Caimi<br />

(no prelo).<br />

4<br />

A tradução dessas Reflexões sobre Antropologia encontra-se em andamento na PUCPR, com a<br />

participação <strong>do</strong>s professores Valerio Rohden e Daniel Omar Pérez e com o apoio da <strong>Fundação</strong><br />

<strong>Araucária</strong>.<br />

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O título sugere uma distinção entre <strong>do</strong>is grupos de representações: de<br />

representações das quais somos conscientes, e de representações das quais não<br />

somos conscientes. Quan<strong>do</strong> Kant, na Crítica da razão pura, ao final da primeira<br />

seção <strong>do</strong> livro I da Dialética transcendental, para situar a representação ―ideia‖,<br />

estabeleceu uma escala de denominação de diferentes espécies de representações,<br />

ele escreveu que o gênero, no caso, é a ―representação em geral‖, acrescentan<strong>do</strong>:<br />

―Sob ele está a representação com consciência (perceptio). 1 Todas as demais<br />

representações que se seguem são especificações dessa representação com<br />

consciência. Isso faz supor que sob as representações em geral poderia supor-se<br />

um segun<strong>do</strong> grupo, o das representações sem consciência, acerca das quais Kant<br />

não se ocupa senão fugidiamente, como quan<strong>do</strong> escreve na sua teoria <strong>do</strong><br />

esquematismo: ―Este esquematismo de nosso entendimento é uma arte oculta nas<br />

profundidades da alma humana, cujo verdadeiro manejo dificilmente arrebataremos<br />

algum dia à natureza de mo<strong>do</strong> a poder apresentá-lo sem véu.‖ 2 Aqui já se vê que o<br />

entendimento na produção de esquemas para fenômenos enreda-se em<br />

representações que, embora essenciais para a produção <strong>do</strong> conhecimento, fogem<br />

de seu controle.<br />

Outra forma de agrupar as representações é a apresentada no quadro geral das<br />

faculdades <strong>do</strong> ânimo 3 . Nele constam três grupos de faculdades de representação:<br />

primeiro, das faculdades de conhecimento, segun<strong>do</strong>, <strong>do</strong> sentimento de prazer e<br />

desprazer e, terceiro, da faculdade de apetição. Kant curiosamente diz que o<br />

parentesco ou a afinidade entre as faculdades de representação é maior que o que<br />

se encontra entre as faculdades de conhecimento superiores (entendimento, juízo e<br />

razão), e que aquelas têm como princípio comum – além <strong>do</strong> qual não se deve ir – a<br />

faculdade <strong>do</strong> juízo. É, pois, provável que no juízo de gosto, que propicia a passagem<br />

entre as faculdades teóricas e práticas, oculte-se um grande número de<br />

1<br />

KANT, I. Crítica da razão pura. Trad. Valerio Rohden e U<strong>do</strong> B. Moosburger. São Paulo: Abril<br />

Cultural, 1980, B 376 (abrev.: KrV).<br />

2<br />

KrV B 180<br />

3<br />

KANT, I. Crítica da faculdade <strong>do</strong> juízo. Trad. Valerio Rohden e António Marques. Rio de Janeiro:<br />

Forense Universitária, 1993, B LVIII (abrev.: KU).<br />

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representações não-conscientes. Esse em verdade é um âmbito que, por chamar-<br />

se de âmbito da faculdade de juízo reflexiva, nos surpreende que possa abrigar<br />

também representações não-conscientes.<br />

Kant determinou as representações não-conscientes como representações<br />

obscuras. Na Reflexão 176, escrita em latim, consta: Obscurarum perceptionum<br />

campus est amplissimus (o campo das percepções obscuras é amplíssimo). E<br />

elenca entre elas to<strong>do</strong>s os conhecimentos, todas as representações que<br />

conseguimos recordar e outras que não conseguimos perceber microscópica ou<br />

telescopicamente, as representações parciais <strong>do</strong> entendimento, as representações<br />

filosóficas que contribuem formalmente para o conhecimento, mais especificamente<br />

as representações morais e as <strong>do</strong> gosto. No mapa <strong>do</strong> conhecimento a maior parte<br />

das percepções carece de cor ou é fracamente iluminada em suas diferenças.<br />

Mas mais enfaticamente Kant se pronuncia a respeito das representações não-<br />

conscientes na Reflexão 177, da qual destaco:<br />

1. ―A maior parte <strong>do</strong> entendimento ocorre na obscuridade.‖<br />

2. ―Muito <strong>do</strong> que um juízo a partir de representações obscuras é vem a ser<br />

atribuí<strong>do</strong> à sensação.‖<br />

3. As representações obscuras encobrem qualidades ocultas, p. ex., a raiva<br />

no olhar de um homem.<br />

4. ―Representações obscuras são significantes de claras.‖ Clarear essas<br />

representações é uma atividade de parteira <strong>do</strong>s pensamentos.<br />

5. ―To<strong>do</strong>s os atos <strong>do</strong> entendimento e da razão podem ocorrer na<br />

obscuridade.‖<br />

6. ―Representações obscuras frequentemente resistem às claras (me<strong>do</strong> da<br />

morte, abismo da reflexão).‖<br />

7. ―Deleita-nos ceder algo às reflexões obscuras... A beleza é indizível‖. E ―o<br />

que pensamos nem sempre podemos expressar.‖<br />

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Esta última frase sugere-nos que o pensamento comporta uma significação maior <strong>do</strong><br />

que a sua expressão, e que há uma obscuridade no pensamento que pode ser<br />

fecunda, mas não é clara ou distinta. Ela parece, à primeira vista, contrariar a<br />

posição de Wittgenstein <strong>do</strong> Tractatus, de que sobre o que não se consegue falar ou<br />

que não se consegue dizer claramente se deve calar. Em tese, Kant concordaria em<br />

que só o pensamento claro pode ser formula<strong>do</strong>, mas ele não limita o pensamento à<br />

sua expressão linguística. Sobre o que se deve calar, diria Kant, nem por isso se<br />

deixaria de pensá-lo obscuramente.<br />

O que então podemos fazer é recorrer agora ao texto da própria Antropologia de um<br />

ponto de vista pragmático e a seus comentários por Reinhard Brandt, no que<br />

concerne aos conceitos de representações claras e distintas, para ver se<br />

encontramos aí mais luz para melhor compreensão da posição de Kant. Em<br />

oposição às representações obscuras, entendidas como não-conscientes, as<br />

representações claras dependem de nossa ação, de nossa força de alma, <strong>do</strong><br />

arbítrio, da atenção (cf. Reflexão 172). A clareza é voltada para a consciência <strong>do</strong>s<br />

objetos, e não para a consciência de si mesmo. Representações claras são todas as<br />

representações não-obscuras, que por sua vez são representações não<br />

imediatamente conscientes, que contu<strong>do</strong> podem vir a tornar-se mediatamente<br />

conscientes, por inferência. Nas representações claras diferenciamos um objeto de<br />

outro, mas ainda sem a diferenciação e ligação de suas partes, mediante cuja<br />

operação passam a chamar-se representações distintas. As representações distintas<br />

são representações claras que se estendem às partes e suas ligações, Por exemplo,<br />

nós distinguimos faculdades <strong>do</strong> ânimo: entendimento e razão, o lógico e o real, o<br />

material e o formal. A distinção é fruto da ordenação, da divisão em classes e<br />

especialidades e da própria sistematização. A consciência da composição<br />

pressupõe unidade, regra e ordem <strong>do</strong> múltiplo. A distinção é a clareza na<br />

composição das representações. Com o que só a representação distinta transforma<br />

uma soma de representações em conhecimento.<br />

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Segun<strong>do</strong> o § 5 <strong>do</strong> livro da Antropologia, parece contraditório ter representações e<br />

não ser consciente delas. Por isso Locke rejeitou esse tipo de representações. Kant,<br />

ao invés, contemplou no gênero das representações apenas a espécie consciente,<br />

porque só ela parecia interessar à fundamentação <strong>do</strong> conhecimento. Embora a<br />

leitura <strong>do</strong> § 16 da Crítica da razão pura possa apresentar a propósito alguma<br />

dificuldade a esse respeito, talvez ela permita sua reinterpretação à luz de uma<br />

reflexão sobre as representações não conscientes. Senão de que mo<strong>do</strong> as veríamos<br />

como compatíveis com a frase: ―O eu penso tem de poder acompanhar todas as<br />

minhas representações, pois <strong>do</strong> contrário seria representa<strong>do</strong> em mim algo que não<br />

pudesse ser pensa<strong>do</strong>, o que equivale a que a representação seria impossível, ou<br />

pelo menos para mim não seria nada‖ (KrV § 16, B 131-2)? Depois que tivermos<br />

mais adiante aprecia<strong>do</strong> a interpretação que Claudio La Rocca oferece dessa<br />

passagem, entenderemos que o acompanhamento da autoconsciência constituir-se-<br />

á como uma possibilidade estrutural, e que por isso Kant grifou a palavra pode. Ou<br />

seja, veremos ao nível da reflexão que a autoconsciência poderá acompanhar todas<br />

as reflexões, dan<strong>do</strong>-lhes uma unidade judicativa, sem exclusão prévia de<br />

representações não-conscientes. Por isso também Kant contesta a negação de<br />

Locke, dizen<strong>do</strong> que ―podemos ser mediatamente conscientes de ter uma<br />

representação, ainda que não sejamos imediatamente conscientes dela‖ (Anth AA<br />

135). Porque não podemos ser imediatamente conscientes de representações, elas<br />

chamam-se obscuras.<br />

Mas isso não exclui uma ambiguidade adicional no exemplo que Kant dá, de que se<br />

sou consciente de ver lá longe no campo um homem, mesmo sem ter a intuição de<br />

suas partes – cabeça, olhos, orelhas, nariz, boca etc. – com o posso ter certeza de<br />

ver lá um homem, se a representação total está composta de representações<br />

parciais? A proposta de Kant é de que não se trata de uma visão imediata, mas só<br />

de uma inferência de que aquele objeto visto indistintamente é um homem? De que<br />

mo<strong>do</strong> essa inferência pode processar-se fica omiti<strong>do</strong> no texto. Segun<strong>do</strong> ele, mesmo<br />

que as representações <strong>do</strong> campo das intuições sensíveis e das sensações sejam<br />

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obscuras, podemos inferir com certeza que as temos (cf. Anth AA 135). Do contrário<br />

nos moveríamos muito pouco, uma vez que o campo das representações obscuras<br />

no ser humano e nos animais é imenso, em contraste com os poucos pontos<br />

acessíveis das representações claras: ―No mapa der nossa mente... só poucos<br />

lugares estão ilumina<strong>do</strong>s‖ (ib.). Se fôssemos capazes de ver em ato o que se oculta<br />

em nossa memória, um mun<strong>do</strong> se abriria ao nosso olhar.<br />

Outro exemplo curioso é de que o nosso olho nu recebe a mesma quantidade de luz<br />

que um telescópio. O que nos leva a admitir que to<strong>do</strong>s os objetos ilumina<strong>do</strong>s em<br />

nosso campo de visão de algum mo<strong>do</strong> atingem nossa retina – mesmo que não<br />

sejamos conscientes disso – e que o telescópio não faz senão ampliar as imagens<br />

recebidas por nosso olho nu e assim transformar a presença de imagens não<br />

conscientes em imagens conscientes.<br />

Felizmente Kant recorre ainda a um exemplo que foge ao olhar e reclama a<br />

complementação <strong>do</strong> ouvi<strong>do</strong> pela reflexão, pelo juízo e pelo entendimento. O<br />

exemplo é o da improvisação <strong>do</strong> músico executan<strong>do</strong> uma fantasia ao órgão. Nessa<br />

fantasia não há nenhuma desafinação por qualquer golpe de de<strong>do</strong>, de mo<strong>do</strong> que a<br />

improvisação livre sai talvez mais primorosa que um trabalho diligentemente<br />

produzi<strong>do</strong>. Isso me faz recordar o que Daniel Barenboim escreveu num livro, cujo<br />

título já é a propósito significativo: La musica sveglia il tempo (a música desperta o<br />

tempo) 1 , – ou seja, a música é capaz de elevar à consciência um tempo que afora<br />

isso se encontraria a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong>. O que Barenboim, administra<strong>do</strong>r da Ópera de<br />

Berlin, nessas páginas <strong>do</strong> curso em Harvard sustenta é que a inteligência penetra<br />

profundamente o ouvi<strong>do</strong>: La sensibilità musicale tuttavia è insuficente, a meno che<br />

non sia già unità di pensiero (p. 21). Talvez as explicações de Kant e Barenboim<br />

bebam da própria fonte da vida, que de um la<strong>do</strong> inspira o improvisa<strong>do</strong>r de uma<br />

fantasia e de outro produz a própria unidade de ouvi<strong>do</strong> e entendimento nela. Nas<br />

palavras de Barenboim: Quindi tenterò l‟impossibile e cercherò diretto individuare<br />

1 BARENBOIM, D. La musica sveglia Il tempo. Milano: Feltrinelli, 3ª. ed. jan. 2008 (1ª. ed. nov, 2007).<br />

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alcuni collegamenti fra l‟inesprimibile contenuto della musica e l‟inesprimibile<br />

contenuto della vita (p. 11).<br />

De análogas ilustrações ulteriores Kant conclui que ―o campo das representações<br />

obscuras é o maior no ser humano‖: nós jogamos com representações obscuras,<br />

ante as quais o entendimento, mesmo perceben<strong>do</strong> que se trate de representações<br />

enganosas, não consegue defender-se, e as quais não desaparecem mesmo que o<br />

entendimento as ilumine. O amor sexual é um desses casos em que a imaginação<br />

prefere mover-se na obscuridade. De outro la<strong>do</strong>, a mística apela à obscuridade<br />

artificial para atrair os que buscam a sabe<strong>do</strong>ria através dela.<br />

Para fazer contrastar com essas representações obscuras as representações com<br />

consciência, Kant no § 6 da Antropologia trata da diferença entre ideias claras e<br />

distintas. Como vimos, a consciência das representações claras permite diferenciar<br />

um objeto de outro (cf. Anth AA 137). Ao invés disso, a consciência da clareza sobre<br />

a composição das representações chama-se distinção. Só a distinção produz<br />

conhecimento, porque nela é propiciada uma síntese de diferentes representações<br />

sob o pressuposto de uma unidade e de que ―só a distinção faz com que uma soma<br />

de representações se torne um conhecimento; no qual, visto que toda síntese com<br />

consciência pressupõe a unidade da consciência e uma representação para a<br />

síntese, pensa-se uma ordem na multiplicidade‖ (Anth AA 138). Desde esse ponto<br />

de vista, é o entendimento que, como faculdade de conhecer em senti<strong>do</strong> amplo,<br />

reúne a faculdade de apreensão das representações dadas, converten<strong>do</strong>-as em<br />

intuições; a faculdade de abstração para produzir o comum a diversas<br />

representações, o conceito; e a faculdade de reflexão, para produzir o conhecimento<br />

<strong>do</strong> objeto.<br />

A distinção estende-se à diferenciação entre duas faculdades cognoscitivas:<br />

primeiro, a <strong>do</strong> sensus communis, que conhece as regras nos casos de aplicação; e,<br />

segun<strong>do</strong>, a da ciência, que conhece as regras em si mesmas, antes da aplicação. A<br />

primeira chama-se também de são-entendimento, e é uma faculdade cognoscitiva<br />

prática; a segunda chama-se também de engenho inteligente ou perspicaz. Mas é o<br />

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primeiro que é elogia<strong>do</strong> por Kant como uma mina de tesouros ocultos escondi<strong>do</strong>s na<br />

profundidade <strong>do</strong> ânimo. Há casos em que, para a resolução de uma questão, é mais<br />

seguro seguir as regras universais inatas <strong>do</strong> entendimento, <strong>do</strong> que buscar princípios<br />

encontra<strong>do</strong>s num estu<strong>do</strong> força<strong>do</strong> e artificial <strong>do</strong> engenho escolástico – fazen<strong>do</strong>-se<br />

assim o resulta<strong>do</strong> depender de fundamentos determinantes <strong>do</strong> juízo que residem na<br />

obscuridade <strong>do</strong> ânimo (tato lógico). Neste caso, ―a reflexão se representa o objeto<br />

de vários la<strong>do</strong>s, e produz um resulta<strong>do</strong> correto sem tornar-se consciente <strong>do</strong>s atos<br />

que o precedem no interior <strong>do</strong> ânimo‖ (Anth AA 140). Essa cooperação inconsciente<br />

entre ciência e senso comum mereceria um estu<strong>do</strong> específico.<br />

Nosso passo seguinte será apreciar brevemente os comentários de Reinhard Brandt<br />

a esses §§ 5 e 6, em seu Comentário crítico à Antropologia de Kant 1 . De início, ele<br />

confessa com Beno Erdmann sua estranheza, de que as representações da razão<br />

prática, que detinham uma importância tão grande (―to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> sabe, só não está<br />

consciente‖), não tenham si<strong>do</strong> aí consideradas. Sabemo-lo nós mesmos, da<br />

Doutrina da virtude: ―Princípio da moral é uma metafísica obscuramente pensada‖. 2<br />

Interessante é a remissão de Brandt ao capítulo I da Física de Aristóteles, segun<strong>do</strong> a<br />

qual precisamos partir <strong>do</strong> geral, <strong>do</strong> to<strong>do</strong>, mais conheci<strong>do</strong> aos senti<strong>do</strong>s. Depois o<br />

entendimento com seus conceitos opera sobre esse universal simples, desmembra-<br />

o, torna-o objetivo e distinto. Para Kant, o objeto sensível é só um múltiplo, embora<br />

dê exemplos de percepção de uma casa, um homem, um navio, sem que vejamos<br />

algumas de suas partes.<br />

Brandt admite que a reflexão, embora reservada para atividades conscientes,<br />

comporta obscuridade. O entendimento é maximamente atuante nela, pois as<br />

reflexões claras em geral resultam de reflexões obscuras. Mas Kant não levanta a<br />

questão de que papel o Eu joga nas representações, atividades e reflexões<br />

obscuras.<br />

1<br />

BRANDT, R. Kritisches Kommentar zu Kants Anthropologie in pragmatischer Hinsicht (1798).<br />

Hamburg: Felix Meiner, 1999, pp. 142-174.<br />

2<br />

KANT, I. Metaphysik der Sitten / Tugendlehre. Kants Werke, VI, AA 376.<br />

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Mais controversa é a afirmação de Brandt de que Kant não usa o termo unbewusst<br />

(inconsciente), embora Ru<strong>do</strong>lf Eisler o tenha incluí<strong>do</strong> em seu Kant-Lexikon (1930). 1<br />

Enfim, para o comenta<strong>do</strong>r, Kant não investiga o inconsciente (cf. Kommentar 157).<br />

Para Brandt tampouco a Antropologia oferece alguma ponte das representações<br />

obscuras da consciência para o sentimento de prazer e a faculdade de apetição.<br />

Contu<strong>do</strong> enten<strong>do</strong> que outros autores referi<strong>do</strong>s – Leibniz/Locke, para os quais a alma<br />

está repleta de representações diminutas, e Herder: a nossa alma é uma força<br />

representativa <strong>do</strong> universo, cujo fun<strong>do</strong> total é constituí<strong>do</strong> de ideias obscuras (cf.<br />

Brandt 149) – oferecem suporte à concepção de Kant, de que o olho humano vê,<br />

ainda que obscuramente, o que o telescópio mostra. Mas, pensa Kant, se o homem<br />

pudesse ser consciente de todas as representações que ocupam a alma, seria uma<br />

espécie de divindade.<br />

Uma investigação acabada <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> das representações não-conscientes na<br />

teoria <strong>do</strong> conhecimento de Kant ainda está por ser feita. Claudio La Rocca, com seu<br />

texto Der dunkle Verstand. Unbewusste Vorstellungen und Selbstbewusstsein bei<br />

Kant (O entendimento obscuro. Representações inconscientes e autoconsciência em<br />

Kant), ofereceu uma relevante contribuição para o desenvolvimento da reflexão<br />

nessa direção, a partir da pergunta pelas ―condições de possibilidade de uma<br />

investigação <strong>do</strong> inconsciente como uma esfera independente e múltipla de eventos e<br />

processos mentais‖. 2 Sua resposta é de que Kant, para além das contribuições de<br />

Leibniz e Wolff a uma lógica <strong>do</strong> inconsciente, opera uma transformação radical da<br />

concepção das chamadas representações obscuras: ele, fundamentalmente, faz<br />

implodir essa concepção, dan<strong>do</strong>-lhe uma direção nova. Segun<strong>do</strong> ele, Kant deixa de<br />

ver as representações obscuras como um defeito da falta de reflexividade no fun<strong>do</strong><br />

da alma, que, ao invés, por meio delas realiza plenamente a sua função. Ou seja,<br />

1 EISLER, R. Kant-Lexikon. Hildesheim: Georg Olms, 1964, p.549-550.<br />

2 In: ROHDEN, V.; TERRA, R.; ALMEIDA, G.; RUFFING, M. (Hrsg.). Recht und Frieden in der<br />

Philosophie Kants. Akten des X. Internationalen Kanat Kongresses, v. II. Berlin / New York: Walter de<br />

Gruyter, 2008, p. 457.<br />

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Kant tem uma concepção positiva <strong>do</strong> inconsciente, que envolve uma variedade de<br />

operações:<br />

- percepções obscuras sensíveis de pequenas partes de um objeto só<br />

compreensível em sua totalidade (Via Láctea);<br />

- sentimentos obscuros, pressentimentos etc., que envolvem atos de reflexão<br />

realiza<strong>do</strong>s inconscientemente;<br />

- atividade reflexiva inconsciente de diferentes formas;<br />

- representações mais complexas metafísicas ou morais, a serem esclarecidas;<br />

- cursos de representações imaginativas: muitas vezes somos ―um jogo de<br />

representações obscuras‖;<br />

- o entendimento como um lugar de atividades espirituais parcialmente<br />

inconscientes. E é nessa atividade inconsciente que se operam as suas produções<br />

mais criativas: ―Talvez no mais profun<strong>do</strong> sono se exerça a máxima perfeição da alma<br />

no pensamento racional‖ (Refl 1764). Inferências secretas e obscuras geram<br />

conceitos ao ensejo da experiência, contribuin<strong>do</strong> corretamente para o conhecimento.<br />

―To<strong>do</strong>s os conhecimentos racionais (descobertas) são prepara<strong>do</strong>s na obscuridade‖<br />

(Refl 1482, XV/2, p. 665). Isso permite o desenvolvimento de uma teoria segun<strong>do</strong> a<br />

qual a operação inconsciente <strong>do</strong> entendimento constitui basicamente uma<br />

preparação <strong>do</strong> conhecimento consciente.<br />

Porem o ponto central da contribuição de La Rocca reside na fundamentação de sua<br />

tese, de que a teoria das representações inconscientes está presente já na posição<br />

transcendental da Crítica da razão pura. Aí a imaginação é uma cega operação da<br />

alma, sem a qual não há conhecimento. A ligação é uma ação <strong>do</strong> entendimento,<br />

―quer sejamos conscientes ou não dela‖ (KrV B 130). E, ao fundar a ação de julgar<br />

na apercepção transcendental, Kant não diz que to<strong>do</strong> ato de representação seja ao<br />

mesmo tempo um ato de pensamento autoconsciente, mas que to<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong><br />

representacional tem de ser um conteú<strong>do</strong> pensável. O que importa aqui não é um<br />

fato psicológico, e sim uma possibilidade estrutural. O que principalmente importa<br />

não é que uma consciência acompanhe toda representação, mas da consciência de<br />

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que eu acrescento uma representação a outra e sou autoconsciente de sua síntese.<br />

Ser consciente de uma síntese é diferente <strong>do</strong> ato de acompanhar com consciência<br />

as representações; é, antes que uma consciência psicológica, uma consciência<br />

lógica voltada para objetos, uma consciência objetiva. O componente reflexivo<br />

concerne à consciência de uma síntese, ou seja, de como ligo representações, uma<br />

consciência de condições e regras fundada em um poder ligar. O pensamento de<br />

que as representações me pertencem enquanto as unifico em uma autoconsciência<br />

pressupõe a consciência da síntese das representações. Que as representações me<br />

pertencem significa que tenho a capacidade de realizar sua síntese ou de<br />

compreender o múltiplo numa consciência mediante aquelas regras chamadas<br />

categorias. Assim a apercepção transcendental torna-se a estrutura universal de<br />

uma peculiar consciência que possibilita ao mesmo tempo a unidade de si mesmo e<br />

da formação da experiência.<br />

Sobre a equiparação da consciência empírica a um esta<strong>do</strong> de clareza, que leva a<br />

supor que a simples representação Eu ocorra obscuramente, La Rocca apresenta<br />

quatro posições, entre as quais destaco apenas a de Tuschling, segun<strong>do</strong> a qual a<br />

subjetividade transcendental constitui a unidade de consciente e inconsciente (cf. La<br />

Rocca 453), e explicito a <strong>do</strong> próprio La Rocca, ou seja, de que a apercepção<br />

transcendental é uma possibilidade indispensável: o campo <strong>do</strong> entendimento é o<br />

da possibilidade de algo tornar-se consciente. Se admitirmos a consciência<br />

transcendental como uma possibilidade estrutural, então a ideia de um entendimento<br />

obscuro não é nem contraditória nem prejudicial. Mas ela deve pelo menos permitir<br />

captar as regras e princípios <strong>do</strong> exercício de sua faculdade de conhecer:<br />

―Autoconsciente em um senti<strong>do</strong> cognitivo é aquilo que pode prestar contas sobre as<br />

razões <strong>do</strong> seu próprio juízo‖ (cf. 467). É isto que significa um bewusstes Erleben –<br />

um vivenciar consciente, aquele que em princípio e quan<strong>do</strong> necessitar pode dar<br />

razões. Com isso a autoconsciência transcendental pode ser ao mesmo tempo<br />

filosofia e ciência, a priori e empírica, porque consiste na estrutura universal de atos<br />

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concretos. Esta interpretação torna o Eu uma presença leve ―que tem de<br />

acompanhar toda a nossa vida espiritual‖.<br />

Para concluir provisoriamente 1 : a teoria de La Rocca, que demonstra a<br />

compatibilidade entre representações inconscientes e autoconscientes, faz ressaltar<br />

a presença positiva das representações inconscientes contribuin<strong>do</strong><br />

substancialmente para a produção <strong>do</strong> conhecimento e para a criação de soluções de<br />

problemas da razão em to<strong>do</strong>s os seus níveis. Consequentemente, falta reelaborar<br />

com mais ousadia a teoria <strong>do</strong> conhecimento de Kant desde a perspectiva da<br />

complementação mútua de representações obscuras e conscientes.<br />

Em recente reunião de físicos declarou-se que apenas o percentual de 4% da<br />

matéria era conheci<strong>do</strong> até agora. Isto faz supor que os físicos, independentemente<br />

das proezas que propiciaram (viagens interplanetárias), têm uma idéia obscura da<br />

quase totalidade da matéria, sem plena certeza <strong>do</strong> que nessas viagens os espera.<br />

Se a ciência da natureza, depois de tantos investimentos e sucessos, encontra-se<br />

apenas no seu início, ven<strong>do</strong> seu objeto como um páli<strong>do</strong> ponto luminoso dentro da<br />

noite <strong>do</strong> conhecimento, que dizer então da filosofia, bem mais antiga e mais difícil<br />

que a própria investigação física? Significa dizer, muito mais justificadamente, que a<br />

consciência <strong>do</strong> pre<strong>do</strong>mínio de representações inconscientes no exercício da razão a<br />

faz despertar para a consciência de que ela se encontrará para sempre em um<br />

eterno início; de que o enigma <strong>do</strong> ser humano no universo não vai ser decifra<strong>do</strong> por<br />

ela; que teremos de conviver obscuramente com ele, mas certamente com a<br />

autoconsciência de uma admiração crescente pelo nosso destino.<br />

Curitiba, 30 de junho de 2009<br />

1 Na apresentação deste texto na UFPR, foi-me pergunta<strong>do</strong> em que a concepção das representações<br />

claras e distintas de Kant se relacionaria ou diferenciava da equivalente concepção de Descartes.<br />

Relen<strong>do</strong> então as Meditações metafísicas, verifiquei que pelo menos nessa obra as diferenças seriam<br />

maiores que as semelhanças: Descartes não parece aí preocupa<strong>do</strong> em diferenciar clareza e<br />

distinção; funda ambos os conceitos teologicamente; não atribui clareza aos senti<strong>do</strong>s, que se<br />

enganam como se fossem sentimentos de pensamentos confusos.<br />

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A RELAÇÃO ENTRE PODER E SUBJETIVIDADE NA OBRA DE FOUCAULT<br />

1. Introdução<br />

Augusto Bach<br />

DEFIL – UNICENTRO/PR<br />

augustobach@yahoo.com.br<br />

Raros são os autores no rol da intelectualidade contemporânea que tenham<br />

atravessa<strong>do</strong> uma multiplicidade de questões, à primeira vista díspares, como Michel<br />

Foucault. Por se tratar de um personagem oriun<strong>do</strong> <strong>do</strong> panorama filosófico francês,<br />

egrégio pela assídua e frequente recepção das novidades trazidas <strong>do</strong> pensamento<br />

alemão, surpreende sua capacidade de transitar sem maior embaraço por tantas<br />

áreas <strong>do</strong> saber. Da epistemologia das ciências humanas à ética de si, passan<strong>do</strong><br />

pela literatura, loucura, psicanálise e outras tantas disciplinas, o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> poder<br />

parece ter si<strong>do</strong> o causa<strong>do</strong>r da maior publicidade. Na esteira de tanta repercussão,<br />

assistimos hoje ao seu mais ―novo‖ conceito sair <strong>do</strong>s basti<strong>do</strong>res e figurar como<br />

protagonista principal no cenário das ideias: a bio-política.<br />

Antes, porém, de se projetar na cultura ocidental ganhan<strong>do</strong> status de paradigma de<br />

inteligibilidade para pesquisas sociais em diversos campos <strong>do</strong> saber, o vocábulo<br />

―bio-política‖ aparecia em primeira mão numa palestra de Michel Foucault no ano de<br />

1974, intitulada ―O nascimento da medicina social‖. Entre outros assuntos, nela se<br />

discutia o fenômeno de medicalização nas sociedades modernas, o desvio de seu<br />

objeto que teria deixa<strong>do</strong> de ser a <strong>do</strong>ença para se deslocar ao tema da saúde e <strong>do</strong>s<br />

procedimentos em torno <strong>do</strong>s sistemas de saneamento público contemporâneos.<br />

Em tais políticas sociais, conforme suas análises, o reconhecimento da <strong>do</strong>ença<br />

apareceria ao mesmo tempo como manifestação individual e coletiva. Implican<strong>do</strong><br />

to<strong>do</strong> um novo aparato de discursos, cálculo <strong>do</strong> seu crescimento no interior de uma<br />

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população, previsão <strong>do</strong>s seus riscos de contágio, era toda uma parafernália técnica<br />

de inoculação e vacinação que vinha a ser administrada em defesa da sociedade.<br />

Contra seus próprios perigos internos, um conjunto de mecanismos de proteção e<br />

controle social esboçava desde já aquilo que viria a ser nossa preocupação maior: o<br />

alerta em nome da segurança e vida da população. Proferida curiosamente na<br />

cidade <strong>do</strong> Rio de Janeiro – palco setenta anos antes de um trágico conflito social de<br />

amotina<strong>do</strong>s contra as primeiras práticas bio-políticas na história <strong>do</strong> <strong>Esta<strong>do</strong></strong> brasileiro,<br />

cuja medicina encontrava-se, aliás, sob os auspícios <strong>do</strong> Dr. Oswal<strong>do</strong> Cruz – essa<br />

conferência dava sequencia a um longo ciclo de inquietações em seu itinerário<br />

intelectual. 1<br />

E apenas <strong>do</strong>is anos depois, podemos reencontrar a mesma expressão já inserida<br />

num contexto filosófico mais amplo. Tanto no último capítulo de A vontade de saber,<br />

intitula<strong>do</strong> ―Direito de morte e poder sobre a vida‖, publica<strong>do</strong> em 76, como na última<br />

aula deste mesmo ano ministrada no Collège de France, publicada mais tarde como<br />

Em defesa da sociedade, Foucault começava a situar a bio-política no interior de<br />

uma estratégia que foge ao simples escopo de suas pesquisas sobre medicina<br />

social. 2 Se em Vigiar e Punir (1975) e na conferência sobre medicina pública suas<br />

indagações se debruçavam sobre o corpo – objeto de investimento político da<br />

sociedade sobre o indivíduo em seu pequeno dia a dia – <strong>do</strong>ravante será o aspecto<br />

<strong>do</strong> corpo como coletividade que passará a ser ressalta<strong>do</strong>. Em resumo, o tema da<br />

―população‖ como unidade porta<strong>do</strong>ra de senti<strong>do</strong> em função de processos biológicos<br />

começa lentamente a ganhar forma em seus estu<strong>do</strong>s. Novas técnicas como a<br />

1 ―Minha hipótese é que com o capitalismo não se deu a passagem de uma medicina coletiva para<br />

uma medicina privada, mas justamente o contrário; que o capitalismo, desenvolven<strong>do</strong>-se em fins <strong>do</strong><br />

século XVIII e início <strong>do</strong> século XIX, socializou um primeiro objeto que foi o corpo enquanto força de<br />

produção, força de trabalho. O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente<br />

pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no<br />

somático, no corporal que, antes de tu<strong>do</strong>, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade<br />

bio-política. A medicina é uma estratégia bio-política.‖ (FOUCAULT, M. O nascimento da medicina<br />

social em Microfísica <strong>do</strong> poder, p.80).<br />

2 Sabe-se, por exemplo, que desde História da Loucura (1961) Foucault esteve às voltas com os<br />

procedimentos de <strong>do</strong>mesticação que a sociedade inventara a fim de se equilibrar diante de figuras<br />

inassimiláveis como a <strong>do</strong> louco e <strong>do</strong> leproso, que já nos indicavam o amplo espectro de seu olhar<br />

para além <strong>do</strong> questionamento específico da medicina social.<br />

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vacinação e o controle de epidemias passam a ser estudadas associadamente à<br />

questão da urbanização e circulação <strong>do</strong> capital nas grandes cidades. Todas elas,<br />

consoante Foucault, esboçam uma unidade de mecanismos de segurança que<br />

desde fins <strong>do</strong> século XVIII obedecem prioritariamente à preocupação com o governo<br />

<strong>do</strong>s vivos.<br />

As palavras de Foucault teriam de esperar sem embargo a publicação de suas<br />

futuras obras para começarem a revelar sua real fecundidade. Para que não sejam<br />

apressadamente identificadas com suas análises arqueológicas <strong>do</strong> saber e até<br />

mesmo com seus estu<strong>do</strong>s genealógicos sobre as disciplinas opera<strong>do</strong>s em Vigiar e<br />

Punir, faz-se mister recordarmos o viés ―ensaístico‖ de seu proceder, bem como o<br />

forte componente de aventura presente em sua escrita. Tal comportamento, ao<br />

valorizar o ensaio e o saber hauri<strong>do</strong> na experiência, como que aceitan<strong>do</strong> a máxima<br />

latina da ars longa, vita brevis, abre mão da busca de senti<strong>do</strong>s e regularidades<br />

objetivas no movimento histórico ao admitir o acaso e a indeterminação como<br />

qualidades intrínsecas de um ―real‖ sempre reconstruí<strong>do</strong> pela razão. Avesso a<br />

intuições intelectuais que o intérprete pudesse comprovar através de exemplos<br />

oriun<strong>do</strong>s de sua prévia leitura da história, Foucault escolhia operar um work in<br />

progress ao singrar, nas palavras de Camões em Os Lusíadas, por ―mares nunca<br />

dantes navega<strong>do</strong>s‖ (I,1). Preferia partir da positividade imposta pelo próprio da<strong>do</strong><br />

empírico, demandante de uma posterior conceitualização de senti<strong>do</strong> que<br />

acompanhasse post festum os avanços da pesquisa. Tanto foi que assim nascia,<br />

fortuitamente em meio às suas análises, a expressão bio-política. Tentemos agora<br />

compreender o caráter descontínuo de seu pensamento partin<strong>do</strong> de alguns de seus<br />

antecedentes.<br />

2. Poder, <strong>Esta<strong>do</strong></strong> e ideologia<br />

É notório como Foucault jamais se cansou de atribuir um aspecto fundamental e<br />

produtivo ao poder na formação de nossas almas. Às expensas de História da<br />

Loucura onde quiçá poderíamos encontrar operan<strong>do</strong> uma função repressiva <strong>do</strong><br />

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poder, em to<strong>do</strong>s os seus demais escritos somos convida<strong>do</strong>s a burlar nossos<br />

preconceitos e formas familiares de pensamento. ―Já repeti cem vezes que a história<br />

<strong>do</strong>s últimos séculos da sociedade não mostrava a atuação de um poder<br />

essencialmente repressivo‖. 1 Somada a esta declaração, encontramos uma outra<br />

não menos intrigante num ensaio intitula<strong>do</strong> Pourquoi étudier le pouvoir: La question<br />

du sujet, onde ele dizia que não era o poder, mas sim o sujeito que constituíra o<br />

tema geral de suas pesquisas. Ora, se de acor<strong>do</strong> com essas palavras o poder nunca<br />

foi o mais velho desafio proposto por suas análises, e sim o sujeito, é porque de<br />

alguma forma suas inquietações jamais deixaram de estar associadas com o ubíquo<br />

problema da subjetivação <strong>do</strong> homem e a constituição <strong>do</strong> indivíduo moderno. De uma<br />

escrita literária contrarrepresentativa que dissolvia o sujeito das ciências nos anos<br />

60 ao estu<strong>do</strong> das práticas estoicas e epicuristas <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> de si nos anos 80<br />

(contrapostas aos modernos mecanismos de sua captura em nossa sociedade),<br />

pode-se constatar um interregno em sua obra onde a questão <strong>do</strong> poder e <strong>do</strong><br />

governo <strong>do</strong>s vivos é tematizada conjuntamente. Presumimos que seja possível,<br />

destarte, determinar o lugar em que se encontra o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> poder na obra de<br />

Foucault em função de sua inserção na perspectiva da preocupação com a<br />

subjetividade. Muito embora essa vinculação não seja de toda explícita,<br />

principalmente nos anos 70 quan<strong>do</strong> a genealogia <strong>do</strong> poder parece se sobressair em<br />

relação à questão <strong>do</strong> sujeito, será preciso não ceder à tentação de determinarmos<br />

qual problemática se sobrepõe a outra, em se tratan<strong>do</strong> de <strong>do</strong>is la<strong>do</strong>s da mesma<br />

moeda.<br />

Sempre às voltas com a problematização <strong>do</strong> presente como acontecimento filosófico<br />

maior, Foucault elegeu na década de 70 o homem moderno com o fito de decifrar o<br />

atual mo<strong>do</strong> de subjetivação de nossa cultura. Marca<strong>do</strong> objetivamente pela <strong>do</strong>cilidade<br />

e utilidade que justificam seu processo de constituição dentro das novas formas de<br />

acumulação <strong>do</strong> capital, cada vez mais flexíveis, o indivíduo também é submeti<strong>do</strong> a<br />

uma série inúmera de discursos que procuram atribuí-lo de uma identificação<br />

1 FOUCAULT, M. A vontade de saber, p.79.<br />

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subjetiva. Distinguin<strong>do</strong> nas grandes mudanças de regime político a intervenção<br />

material de um poder imanente que perpassa o corpo social por inteiro, Foucault<br />

descobria as grandes transformações que o Ocidente atravessava desde a formação<br />

<strong>do</strong>s <strong>Esta<strong>do</strong></strong>s Nacionais com no encerramento da Idade Média. 1 Toman<strong>do</strong> corpo em<br />

técnicas de <strong>do</strong>minação refinadas e crian<strong>do</strong> novas instituições sociais, nossa cultura<br />

passa a formular saberes que estudam o indivíduo fazen<strong>do</strong> dele um sujeito passível<br />

de atribuições científicas.<br />

Temos antes que admitir que o poder produz saber, que poder e saber estão<br />

diretamente implica<strong>do</strong>s; que não há relação de poder sem constituição correlata<br />

de um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo<br />

tempo relações de poder. Essas relações de ‗poder-saber‘ não devem então ser<br />

analisadas a partir de um sujeito de conhecimento que seria ou não livre em<br />

relação ao sistema <strong>do</strong> poder; mas é preciso considerar ao contrário que o sujeito<br />

que conhece, os objetos a conhecer e as modalidades de conhecimentos são<br />

outros tantos efeitos dessas implicações fundamentais <strong>do</strong> poder-saber e de suas<br />

transformações históricas. 2<br />

Seja por erro, ignorância ou pura estupidez, temos sempre a tendência em acreditar<br />

que o saber seja resulta<strong>do</strong> de operações lógicas isentas de qualquer relação de<br />

força. Para Foucault, no entanto, nunca houve modelo de verdade que pairasse<br />

sobre os ares <strong>do</strong> convívio político humano nem ciência positiva que já não<br />

implicasse uma prática de poder se exercen<strong>do</strong> concomitantemente. Pois é<br />

precisamente no contato físico <strong>do</strong> eu com o outro, no intermédio de uma relação<br />

afetiva e resistente a abstrações, que ele localizou o funcionamento concreto de<br />

técnicas disciplinares, <strong>do</strong>mestica<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> comportamento humano. Na contramão<br />

da concepção moderna de <strong>Esta<strong>do</strong></strong> jurídico, o caráter prospectivo de uma rede difusa<br />

de poderes em nossa sociedade torna possível assegurar a coesão e a legitimidade<br />

<strong>do</strong>s governos mediante o consentimento tácito <strong>do</strong>s governa<strong>do</strong>s. As ciências <strong>do</strong><br />

1 Formação <strong>do</strong>s <strong>Esta<strong>do</strong></strong>s Nacionais; entenda-se, sob a forma das monarquias absolutistas.<br />

2 FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. p.30.<br />

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homem, dessa feita, encontrarão nesse mesmo mal-entendi<strong>do</strong> o solo fértil para sua<br />

multiplicação. Assim, em sua apreensão no interior de uma vasta teia discursiva,<br />

costumamos falar de um sujeito de sexualidade, de um sujeito de nacionalidade, um<br />

sujeito que fala, deseja, vive e trabalha; enfim, de um sujeito aliena<strong>do</strong> na <strong>do</strong>ença<br />

mental, no crime... Domínios específicos que remetem cada qual a experiências<br />

fundamentais que possibilitam uma assunção subjetiva, uma tomada de consciência<br />

qualquer <strong>do</strong> indivíduo sobre si mesmo e o proveniente ganho de uma identidade<br />

cultural. Seu estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> poder, sua incursão nas zonas cinzentas mais <strong>do</strong> que nas<br />

zonas iluminadas da teoria e da ciência, veio a calhar na tarefa de conhecer seus<br />

procedimentos e estratégias, a fim de esclarecer o la<strong>do</strong> sombrio <strong>do</strong> tratamento<br />

conferi<strong>do</strong> ao ser humano pelas hodiernas democracias ocidentais.<br />

* * *<br />

Com o fito de passarmos à descrição de seus estu<strong>do</strong>s, cabe destacarmos em linhas<br />

gerais alguns traços específicos de sua concepção de poder. Sobremaneira o desvio<br />

estabeleci<strong>do</strong> com a análise tradicional em ciência política. No trabalho de muitos<br />

teóricos modernos da política, o <strong>do</strong>mínio e a conservação de uma ordem social<br />

sempre foi questão jurídica, passível de ser resolvida por intermédio de uma<br />

elaboração contratual entre indivíduos ou classes sociais. Assim, boa parte da teoria<br />

contratualista moderna consistiu na tentativa de racionalização desses conflitos e na<br />

formulação de esquemas que terminavam por atribuir ao <strong>Esta<strong>do</strong></strong> importância<br />

fundamental. Para eles, o aparelho <strong>do</strong> <strong>Esta<strong>do</strong></strong> sempre se apresentou como o órgão<br />

central e único <strong>do</strong> poder. Ten<strong>do</strong> como instrumento clássico de legitimação de<br />

regimes políticos uma ideologia, isto é, a justificação racional da organização <strong>do</strong><br />

poder, a figura <strong>do</strong> <strong>Esta<strong>do</strong></strong> serviu como ponto de partida necessário para a explicação<br />

da relação entre os poderes e os saberes nas sociedades capitalistas.<br />

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No entanto o arranjo dessas concepções parece sofrer na pena <strong>do</strong> genealogista<br />

uma transposição bem como uma ligeira alteração de seus postula<strong>do</strong>s. Estudan<strong>do</strong> a<br />

formação histórica da sociedade capitalista em todas as suas ramificações, o que<br />

Foucault primeiramente vê se conforman<strong>do</strong> é uma não identidade entre <strong>Esta<strong>do</strong></strong> e<br />

poder. Conquanto a teoria clássica postule que o poder proceda por ideologia,<br />

estabelecen<strong>do</strong> uma versão <strong>do</strong>s fatos que conferisse senti<strong>do</strong> e legitimidade à<br />

conservação <strong>do</strong> status quo, a novidade da concepção genealógica consiste em dizer<br />

que o poder produza a verdade antes de disfarçá-la no discurso oficial da<br />

historiografia.<br />

Se, por conseguinte, Foucault ceticamente desconfia <strong>do</strong> poder enquanto mera<br />

artimanha ideológica, procedimento que nos impede de atribuir a um ente subjetivo a<br />

propriedade constituinte no uso de um poder verdadeiro, não estamos mais<br />

autoriza<strong>do</strong>s a dizer que por trás das ações de uma determinada classe social se<br />

esconda uma ideologia subjetiva que se disseminaria pelo corpo social. Lançan<strong>do</strong><br />

seu olhar para além <strong>do</strong> elemento teórico de justificação moral e racional, Foucault<br />

investiga (sképis) a utilização de táticas e estratégias que modificam as relações de<br />

poder bem como a colocação em jogo <strong>do</strong>s discursos ideológicos que permitem<br />

fundir de maneira racional essas táticas. Da suposição que o <strong>Esta<strong>do</strong></strong> moderno seria<br />

o responsável pela difusão de uma Weltanschauung oficial, transmitida de um ponto<br />

transcendente para toda a imanência <strong>do</strong> corpo social, passa-se à análise de<br />

pequenas batalhas que, curiosamente, teriam como corolário um resulta<strong>do</strong> mais<br />

abrangente e eficaz que as próprias ideologias. Longe de denegar a sua função,<br />

pois, o que está a se afirmar é o papel secundário delas na formação de nossas<br />

almas.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, a noção de liberdade a que ocidentalmente somos tão afeitos,<br />

herança cara das principais revoluções republicanas que abem o perío<strong>do</strong><br />

contemporâneo da história, não deixou de ser sem dúvida uma das condições <strong>do</strong><br />

desenvolvimento das formas modernas, leia-se capitalistas, da economia. Ipso facto,<br />

ela contribuiu não apenas como ideologia, mas também como técnica disciplinar<br />

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correlata à introdução <strong>do</strong>s novos dispositivos de segurança da sociedade. Pois<br />

aquilo que se investigará, segun<strong>do</strong> Foucault, como objeto de governo a partir <strong>do</strong><br />

século XVII em diante não será apenas a propriedade soberana de um território ou<br />

uma estrutura política, e sim coisas e pessoas que passam a viver, falar e trabalhar<br />

sob a nova égide de uma nação.<br />

Pode-se dizer [...] que esta ideologia da liberdade, essa reivindicação de liberdade<br />

foi sem dúvida uma das condições <strong>do</strong> desenvolvimento das formas modernas ou,<br />

se preferem, capitalistas da economia. É inegável. [...] Segun<strong>do</strong>: em algum lugar<br />

eu disse que não se podia compreender a introdução das ideologias e de uma<br />

política liberal no século XVIII sem se ter em conta que esse mesmo século, que<br />

havia reivindica<strong>do</strong> em tão altos clamores as liberdades, as tinham conduzi<strong>do</strong><br />

todavia com uma técnica disciplinar que, ao afetar as crianças, os solda<strong>do</strong>s e<br />

trabalha<strong>do</strong>res onde se encontravam, limitava de forma considerável a liberdade e<br />

dava de certo mo<strong>do</strong> garantias ao seu exercício. [...] Essa liberdade, ao mesmo<br />

tempo ideologia e técnica de governo, deve ser compreendida no interior das<br />

mutações e das técnicas de poder. E de um mo<strong>do</strong> mais preciso e particular, a<br />

liberdade não é outra coisa que o correlato da introdução <strong>do</strong>s dispositivos de<br />

segurança. 1<br />

À guisa de exemplo, leia-se a gaia alusão de Deleuze, ―como Nietzsche já havia<br />

visto, elas não constituem o combate das forças, são apenas a poeira levantada pelo<br />

combate.‖ 2 Outramente dito, debaixo <strong>do</strong> tapete discursivo e científico em que hoje<br />

gostaríamos de esconder tamanha poeira ideológica, podemos encontrar a miríade<br />

de combates de poder que nos configuram. Procedimentos que não poderiam ser<br />

descritos por meio <strong>do</strong> discurso das ideias, mas que podem ser pensa<strong>do</strong>s por sua<br />

ações físicas no interior de uma população; como sua regulação afetiva capaz de se<br />

produzir apenas através da liberdade de cada indivíduo e com o apoio dela. Daí a<br />

1 FOUCAULT, M. Segurança, território, população, p.70.<br />

2 DELEUZE, G. Foucault, p. 38-39.<br />

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insuficiência de qualquer abordagem tão somente voluntarista ou jurídica da<br />

questão.<br />

Com efeito, não deixam de ter razão os sociólogos ao dizerem que o poder se<br />

expressa modernamente por ideologias. Ocorre no entanto que ele se manifeste<br />

também por intermédio de símbolos e instituições, disciplinas no dizer de Foucault,<br />

mitos e ritos que garantam sua eficácia. Na medida em que tenham êxito na<br />

elaboração de uma Paidea geral para nossas almas, podem assim plasmar visões<br />

de mun<strong>do</strong> e modelar condutas de comportamento social. Para muitas revoluções de<br />

nossos tempos, a governamentalidade pública significava acima de tu<strong>do</strong> formas as<br />

nossas almas. Para Foucault, ao seu turno, isso tu<strong>do</strong> significava tão somente a<br />

prática de uma bio-política incipiente. Não à toa, ele permaneceu praticamente uma<br />

década de estu<strong>do</strong>s no Collège de France investigan<strong>do</strong> novas técnicas de poder;<br />

debruçan<strong>do</strong>-se sobre o esforço de educação, vigilância e punição que a sociedade<br />

moderna dispensa ao governo <strong>do</strong>s vivos em seu etéreo e incessante trabalho de<br />

esconjurar seus males de origem. Esta questão perpassa seus estu<strong>do</strong>s de 72 a 80<br />

<strong>do</strong> século passa<strong>do</strong>.<br />

De conceito universal que reúne sob sua égide a multiplicidade de eventos sociais, o<br />

<strong>Esta<strong>do</strong></strong> passa a conotar apenas a ―superestrutura em relação a toda uma série de<br />

redes de poder que investem o corpo, sexualidade, família, parentesco,<br />

conhecimento...‖. 1 Ou seja, todas as formas de relações que a ele se refiram e que,<br />

embora colocadas sob seu controle, não devem ser percebidas como meras<br />

projeções de seu poder constitutivo e soberano. Pois quan<strong>do</strong> a população começa a<br />

aparecer como objeto técnico-político de uma gestão governamental, o que se<br />

deverá gerir é justamente a sua naturalidade. O que há nela de espontâneo, físico e<br />

quase incontrolável passa a ser identifica<strong>do</strong> como a fonte de poderio <strong>do</strong> próprio<br />

<strong>Esta<strong>do</strong></strong>. E serão inúmeras as variáveis e contingências a servirem de estu<strong>do</strong> para as<br />

ciências humanas, fazen<strong>do</strong> com que a relação entre a população e a soberania <strong>do</strong><br />

<strong>Esta<strong>do</strong></strong> não se esgote mais na simplória esfera de obediência de um vassalo ao<br />

1 FOUCAULT, M. L´ impossible prison, p. 122.<br />

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suserano. Diante da imprevisibilidade <strong>do</strong> comportamento de uma população, o<br />

problema <strong>do</strong> governo como gestão das condutas humanas passará a ser objeto de<br />

diferentes formas de governamentalidade desde o fim <strong>do</strong> século XVI até os nossos<br />

dias.<br />

Isto posto, por afasta<strong>do</strong> que esteja de afirmar a primazia substancial <strong>do</strong> aparelho <strong>do</strong><br />

<strong>Esta<strong>do</strong></strong> na absorção <strong>do</strong>s poderes, o que se aponta como evidência é a existência de<br />

formas de exercício <strong>do</strong> poder diferentes e periféricas em relação a um órgão central;<br />

mas que a ele continuam articuladas organizan<strong>do</strong> um sistema, uma nova regulação<br />

cumprin<strong>do</strong> inclusive papel indispensável à sua legítima sustentação e à atuação<br />

eficaz de seu código legal.<br />

* * *<br />

Ao enfatizar o aspecto produtor e positivo <strong>do</strong> poder, percebemos a insurgência de<br />

Foucault contra toda uma tradição da filosofia política e sua ênfase na questão da<br />

representação. Seria mesmo possível caracterizarmos a genealogia como uma<br />

tática engajada de intervenção de Foucault em favor da insurreição de saberes<br />

assujeita<strong>do</strong>s. 1 Pois até o ano de 1976, em seu curso Em defesa da sociedade que<br />

encerra um ciclo de estu<strong>do</strong>s que vai da publicação de Vigiar e Punir ao primeiro<br />

volume de sua História da Sexualidade (a vontade de saber), é justamente a a<strong>do</strong>ção<br />

<strong>do</strong> modelo da guerra à inteligibilidade das relações de poder que vem justificar seu<br />

aban<strong>do</strong>no <strong>do</strong> Direito como modelo histórico das relações sociais; em suma, sua<br />

crítica às teorias contratualistas modernas. Assim, se a uma descrição microfísica<br />

<strong>do</strong>s poderes correspondia o simples aban<strong>do</strong>no <strong>do</strong> modelo legal, seria ―preciso<br />

1 Essa é uma interpretação bastante corrente na literatura de comenta<strong>do</strong>res. Conferir, por exemplo,<br />

as análises de François Ewald em Foucault, a norma e o direito.<br />

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construir uma analítica <strong>do</strong> poder que não tome o Direito como modelo.‖ 1<br />

Evidentemente que dessa perspectiva o <strong>Esta<strong>do</strong></strong> Nacional parece sair perden<strong>do</strong><br />

completamente de vista o privilégio que a análise política clássica desde outrora lhe<br />

vinha garantin<strong>do</strong>. 2 Já sabemos que conforme a teoria clássica da soberania ele<br />

sempre fora visto como a representação formal e estruturada da consolidação<br />

histórica <strong>do</strong>s <strong>Esta<strong>do</strong></strong>s Nacionais na Europa. E apesar das notórias diferenças de<br />

época e objetivos que nos separam <strong>do</strong>s séculos anteriores, a representação <strong>do</strong><br />

poder, dirá Foucault, permaneceu marcada deveras pela monarquia.<br />

No fun<strong>do</strong>, apesar das diferenças de época e objetivos, a representação <strong>do</strong> poder<br />

permaneceu marcada pela monarquia. No pensamento e na análise política, ainda<br />

não cortaram a cabeça <strong>do</strong> rei. Daí a importância que se dá, na teoria <strong>do</strong> poder, ao<br />

problema <strong>do</strong> direito e da violência, da lei e da ilegalidade, da vontade e da<br />

liberdade e, sobretu<strong>do</strong>, <strong>do</strong> <strong>Esta<strong>do</strong></strong> e da soberania (mesmo se esta é refletida, não<br />

mais na pessoa <strong>do</strong> soberano, mas num ser coletivo). Pensar o poder a partir<br />

destes problemas é pensá-los a partir de uma formação histórica bem particular às<br />

nossas sociedades: a monarquia jurídica. 3<br />

Digamos então, parafrasean<strong>do</strong> a fórmula de um defensor <strong>do</strong> equilíbrio de poder<br />

europeu (A<strong>do</strong>lphe Thiers) – a<strong>do</strong>tada até hoje por várias monarquias constitucionais –<br />

que se no teatro das idéias da filosofia política o rei de direito ainda reina (quid júris),<br />

no espaço das práticas de poder analisadas por Foucault não é mais ele quem de<br />

fato governa (quid fatis). 4 Na constatação de que o poder produza antes rituais de<br />

verdade e realidades fictícias em que jogamos nossas vidas, e nos quais somos<br />

1 FOUCAULT, M. História da sexualidade I ( vontade de saber), p.87.<br />

2 Análise política, diga-se de passagem, em sua maior parte de cunho ora weberiano ora marxista.<br />

3 FOUCAULT, M. História da sexualidade I (a vontade de saber) p.86.<br />

4 ―Quanto mais eu falava de população, mais deixava de dizer ‗soberano‘. Encontrava-me na<br />

necessidade de designar ou apontar algo que, parece, também é relativamente novo, não como<br />

denominação nem em certo nível de realidade, mas como técnica. Ou, melhor dito, o privilégio que o<br />

governo começa a exercer com respeito às regras – ao ponto de um dia poder-se dizer, para limitar o<br />

poder <strong>do</strong> rei: ‗o rei reina, mas não governa‘ – essa inversão <strong>do</strong> governo em relação com o reino e o<br />

fato de que aquele seja no fun<strong>do</strong> mais que a soberania, muito mais que o reina<strong>do</strong>, muito mais que o<br />

imperium, o problema político moderno, creio que esteja liga<strong>do</strong> absolutamente à população.‖<br />

(FOUCAULT, M. Segurança, território, população p.102).<br />

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objetos de campos políticos que nos ultrapassam, é o sujeito (soberano real) que<br />

deixa de ser filosoficamente o articula<strong>do</strong>r de seu destino para vir a ser assujeita<strong>do</strong> às<br />

técnicas que o determinam (população). Do poder visto como substância da qual se<br />

poderia extrair uma gênese e realizar sua dedução, Foucault herda até 1976 apenas<br />

a tarefa ―kantiana‖ de fazer uma analítica; o que quer dizer, a descrição minuciosa e<br />

paciente de seu caráter ramifica<strong>do</strong> e microscópico. Desse mo<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong> nos levaria a<br />

crer que suas análises <strong>do</strong> poder direcionar-se-iam progressivamente ao estu<strong>do</strong> da<br />

matriz representada pela idéia de enfrentamento de forças e de combates<br />

perpétuos. À primeira vista afasta<strong>do</strong> de querer formar uma teoria geral e<br />

globalizante, ele preferiu se ater a uma análise onde o enfrentamento e a batalha<br />

fazem dele mais uma ação física que se exerça entre outros <strong>do</strong> que uma substância<br />

ou predica<strong>do</strong> que se atribua a um nome real. Inusitada maneira, é verdade dizê-lo,<br />

de explicar a relativa tranquilidade <strong>do</strong> poder burguês ao nosso tempo de manter a<br />

ordem e a legitimidade <strong>do</strong> status quo, numa sociedade injusta e desigual na<br />

distribuição de suas riquezas.<br />

3. À Guisa de Conclusão<br />

Por essas e outras lições históricas, em contraste com a Antiguidade e a maior parte<br />

de Idade Média, a cultura ocidental passa a impor desde o classicismo limitações<br />

morais sobre a conduta de seu soberano em assuntos tanto externos quanto<br />

internos, porquanto novas práticas de poder atuem sobre o comportamento <strong>do</strong>s<br />

indivíduos e <strong>do</strong>s soberanos. De qualquer sorte, com o intuito de concluir nossa<br />

interrogação, a morte que até o século XVI era considerada o ponto de maior<br />

manifestação <strong>do</strong> poder soberano passa a ser justamente o ponto de fuga por onde<br />

as disciplinas e os mecanismos de segurança poderão capturar o corpo <strong>do</strong> indivíduo<br />

e da população como um novo eixo de articulação <strong>do</strong> poder. Marcada pelo estigma<br />

da imoralidade, as aspirações individuais de poder acabam sen<strong>do</strong> deslocadas para<br />

canais onde os referi<strong>do</strong>s impulsos não coloquem mais em perigo a sociedade. São<br />

muitos até hoje em dia os instrumentos disciplinares emprega<strong>do</strong>s com tal finalidade,<br />

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to<strong>do</strong>s eles de ordem econômica e jurídica: leis, costumes, desenvolvimento industrial<br />

e tecnológico, várias instituições estatais e formas de organização social tais como<br />

vestibulares, concursos para preenchimento de cargos públicos com o fito de<br />

amealhar a tão brasileira política de clientelismo, corridas eleitorais, associações<br />

empresariais, incentivo à prática de esportes, clubes recreativos, organizações não<br />

governamentais (ONGs), etc.<br />

Com essas transformações, o princípio de fazer viver vai se tornan<strong>do</strong> princípio de<br />

<strong>Esta<strong>do</strong></strong> devi<strong>do</strong> à intromissão de um novo direito na antiga legitimidade dinástica da<br />

soberania. A cultura ocidental demorará no mínimo <strong>do</strong>is séculos tentan<strong>do</strong> ocultar de<br />

seu horizonte o velho direito de espada. Decerto que, com isso, o princípio<br />

aristocrático da honra <strong>do</strong> príncipe tende gradativamente a se apagar diante de<br />

valores ―democráticos‖ como a prosperidade, a segurança, a democracia, a intenção<br />

subjetiva, o cálculo <strong>do</strong> recato ou da intimidade e sua exposição em público, a<br />

decência nos costumes e a proteção da vida que aparecem em substituição aos<br />

antigos e ―memoráveis‖ valores da conduta guerreira. Percebe-se também que, com<br />

a modificação nas formas de organização <strong>do</strong> convívio humano, o bio-poder não se<br />

constituirá numa forma totalmente nova e independente <strong>do</strong> poder soberano, mas vai<br />

integran<strong>do</strong> este último com a introdução de novas técnicas disciplinares que agem<br />

sobre os corpos individuais. Por essa razão, Foucault poderá deslocar em A vontade<br />

de saber a noção de uma sexualidade reprimida em prol <strong>do</strong> agenciamento político<br />

da vida realiza<strong>do</strong> em torno de seu próprio corpo. Ao contrário de uma vitoriana<br />

renúncia aos prazeres ou desqualificação da carne, deveríamos antes enxergar em<br />

nosso próprio sexo, nossa força e nossa saúde, o ponto de articulação entre o bio-<br />

poder e a elevação de uma nova classe social empenhada em afirmar sua diferença<br />

e sua hegemonia. 1 Em princípio separadas historicamente, a disciplinarização <strong>do</strong>s<br />

corpos e a regulação da população acabam confluin<strong>do</strong> numa só unidade. Duas<br />

1 ―É, sem dúvida, preciso admitir que uma das formas primordiais da consciência de classe, é a<br />

afirmação <strong>do</strong> corpo; pelo menos, foi esse o caso da burguesia no decorrer <strong>do</strong> século XVIII; ela<br />

converteu o sangue azul <strong>do</strong>s nobres em um organismo são e uma sexualidade sadia.‖ (FOUCAULT,<br />

M. História da Sexualidade I (a vontade de saber), p.119).<br />

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lógicas, duas concepções de poder que vigoraram diferentemente cada qual à sua<br />

época. E sobre as quais Foucault deverá estabelecer um continuum não sem antes<br />

demarcar suas profundas transformações. Na medida mesma em que no museu de<br />

nosso arcabouço jurídico ainda não terminamos de cortar a cabeça <strong>do</strong> rei, ele<br />

deverá ipso facto cuidar para não confundir o poder constitutivo <strong>do</strong> soberano na<br />

Idade Média com a função regulativa ocupada pela razão de <strong>Esta<strong>do</strong></strong> desde a época<br />

clássica.<br />

H.: Pode-se perguntar, tanto para fazer efeito quanto para lançar uma hipótese, se<br />

o saber geográfico não traz consigo o círculo da fronteira, seja nacional, provincial<br />

ou municipal. E portanto se às figuras de enclausuramento, que você assinalou –<br />

louco, delinquente, <strong>do</strong>ente, proletário – não se deve acrescentar a <strong>do</strong> cidadão<br />

solda<strong>do</strong>. O espaço <strong>do</strong> enclausuramento não seria então infinitamente mais vasto e<br />

menos estanque? M.F.: É uma ideia bastante sedutora. E este seria o homem das<br />

nacionalidades? Pois este discurso geográfico que justifica as fronteiras é o<br />

discurso <strong>do</strong> nacionalismo... 1<br />

Destarte, se em 1976, no seu famoso Em defesa da sociedade, Foucault partia da<br />

inversão <strong>do</strong> aforisma <strong>do</strong> teórico da guerra Von Clausewitz com o fito de acentuar o<br />

aspecto belicoso e contingente da guerra como matriz da formação político-histórica<br />

da nacionalidade francesa (da guerra como continuação da política por outros meios<br />

para a política como continuação da guerra por outros meios), ele irá curiosamente.<br />

em 1978. inserir este mesmo aforisma como exemplo de uma nova razão de <strong>Esta<strong>do</strong></strong><br />

que aparece, consoante suas análises, em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XVI ten<strong>do</strong> como<br />

preocupação maior a questão da governamentalidade política. 2 Do modelo<br />

1 FOUCAULT, M. Microfísica <strong>do</strong> poder, p.161.<br />

2 Em 1976, com o intuito de mostrar o viés diferencia<strong>do</strong>r de suas análises históricas em relação ao<br />

discurso tradicional da filosofia política, Foucault ainda se valia <strong>do</strong> discurso histórico e reacionário de<br />

um nobre francês como Boulainvilliers sobre as instituições políticas. Destina<strong>do</strong> a uma crítica à razão<br />

de <strong>Esta<strong>do</strong></strong> de Luis XIV, este estu<strong>do</strong> se constituiria para Foucault como uma espécie de saber <strong>do</strong><br />

<strong>Esta<strong>do</strong></strong> sobre o <strong>Esta<strong>do</strong></strong> mesmo. Boulainvilliers se posicionaria contrário então a esse ―saber <strong>do</strong> rei‘<br />

que procurava recuperar mitologicamente a memória de sua nobreza e a façanha de seus atos. A tal<br />

mitologia de reconstituição das origens <strong>do</strong> <strong>Esta<strong>do</strong></strong>, dever-se-ia opor justamente o saber da história<br />

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estratégico de poder pensa<strong>do</strong> em termos de batalha, luta e guerra continuada,<br />

contraposta à astúcia pacifica<strong>do</strong>ra da dialética estatal (juridicamente codifica<strong>do</strong>ra e<br />

neutraliza<strong>do</strong>ra dessa lutas), Foucault subitamente passará ao estu<strong>do</strong> de um poder<br />

de <strong>Esta<strong>do</strong></strong> que consiste em ―conduzir condutas‖. O poder, enfim, deixaria de ser<br />

interpreta<strong>do</strong> em sua obra como sen<strong>do</strong> da ordem <strong>do</strong> enfrentamento múltiplo de<br />

adversários para se tornar problema de governo. Questão, diga-se de passagem, só<br />

formulada por aqueles que estão ou ao menos pretendem estar sob ―posse‖ 1 <strong>do</strong><br />

governo de si e <strong>do</strong>s outros, e não por aqueles que meramente se opõem ou fazem<br />

resistência a ele. Pois bem, essa espécie de salto que aban<strong>do</strong>na um referente de<br />

legitimidade crítico à ratio ocidental, e que desde o início de seu pensamento até<br />

então vinha sen<strong>do</strong> protagoniza<strong>do</strong> pela sofística, conduziu Foucault a um tipo de<br />

questionamento que à primeira vista parece perder muito de seu caráter crítico. 2<br />

Nada obstante, a colocação da hipótese <strong>do</strong> bio-poder em detrimento de uma<br />

sexualidade reprimida exigiu a reacomodação de suas indagações em um marco<br />

mais amplo que o sugeri<strong>do</strong> pelo esboço de uma ―história das tecnologias da<br />

segurança‖, anunciadas desde sua conferência sobre medicina social no Rio de<br />

representa<strong>do</strong> por personagens que participaram das batalhas e enfrentamentos <strong>do</strong> poder; em suma,<br />

aqui ainda a inversão de Clausewitz e a matriz guerreira antes da política.<br />

1 Bem que poderíamos substituir a expressão não muito feliz e em aspas ―posse‖ pelo termo grego<br />

paraskeuê, que designará para Foucault em A hermenêutica <strong>do</strong> sujeito, curso de 82, to<strong>do</strong> um aparato<br />

técnico de saber que um indivíduo formula acerca de si mesmo. Mas o que desejamos ressaltar é a<br />

incipiente tentativa de Foucault em construir uma nova ética na relação <strong>do</strong> eu com o outro, ou seja,<br />

um governo de si que escape à regulação bio-política de seu tempo. Nada obstante, por mais que o<br />

conceito de governo marque uma ruptura com o discurso da batalha, assinalan<strong>do</strong> um primeiro<br />

deslizamento da analítica <strong>do</strong> poder em direção à ética <strong>do</strong> sujeito, é bem verdade dizer também que<br />

tu<strong>do</strong> isso não passou de um enorme e grande equívoco para Foucault.<br />

2 À primeira vista soa no mínimo estranho a dedicação de Foucault ao estu<strong>do</strong> da<br />

governamentalização das res publica aparecer sob as mãos de aristocratas <strong>do</strong> poder tais como o<br />

marquês de Mirabeu ou o duque de Richelieu. Mas como historia<strong>do</strong>res da filosofia, devemos alertar<br />

academicamente ao leitor que o estu<strong>do</strong> anuncia<strong>do</strong> em 1976, <strong>do</strong>s mecanismos pelos quais a espécie<br />

humana adentrou no século XVIII numa estratégia geral de poder, cede espaço nas análises de<br />

Foucault a uma ―história da governamentalidade‖ aparentemente sem nenhuma contrapartida crítica.<br />

Embora não deixe de figurar como horizonte <strong>do</strong>s cursos de 78 e 79, a noção de bio-política (ou de<br />

―história das tecnologias de segurança‖) será sucedida de outra acepção em benefício das análises<br />

em 1979 sobre a governamentalidade liberal em O nascimento da bio-política. Nestes <strong>do</strong>is cursos, já<br />

se poderia entrever também a bio-política não apenas como ponto de articulação das disciplinas com<br />

os dispositivos de regulação estatais, mas como o fio condutor de sua futura reflexão ética acerca <strong>do</strong><br />

cuida<strong>do</strong> de si. Imbróglio a ser objeto de nossas reflexões ulteriores.<br />

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Janeiro. No intervalo de 77, ano de sua licença sabática no Collège de France, as<br />

análises das condições de formação da bio-política moderna se apagam em<br />

benefício <strong>do</strong> exame da governamentalidade clássica durante os séculos XVII e XVIII.<br />

―Talvez a filosofia possa cumprir ainda um papel pelo la<strong>do</strong> <strong>do</strong> contra-poder, com a<br />

condição de que esse papel já não consista em fazer valer, frente ao poder, a lei<br />

mesma da filosofia. De que este deixe de ser pensa<strong>do</strong> enquanto profecia, deixe de<br />

ser pensa<strong>do</strong> como pedagogia ou legislação e se dedique à tarefa de analisar,<br />

elucidar, fazer visíveis e portanto intensificar as lutas que se dão em torno <strong>do</strong> poder,<br />

as estratégias em torno <strong>do</strong>s adversários no seio das relações de poder, as táticas<br />

utilizadas, os focos de resistência; com a condição, em suma, de que a filosofia<br />

deixe de colocar a questão <strong>do</strong> poder em termos de bem ou mal e o faça em temos<br />

de existência.‖ 1<br />

Explicita, dessa mesma maneira e nesse mesmo ano, sua reinterpretação da<br />

questão kantiana acerca <strong>do</strong> presente – ―O que são as Luzes?” – sob termos<br />

bastante novos quan<strong>do</strong> compara<strong>do</strong>s com seus escritos anteriores. Em não existin<strong>do</strong><br />

mais um sublime ideal que faça as vezes de função transgressiva, judicativa ou de<br />

tribunal à razão europeia, é o primeiro termo que deixa de prevalecer sobre o<br />

segun<strong>do</strong>. A razão, não mais se entenden<strong>do</strong> como repressora, portanto carente de<br />

crítica, passaria a exercer o papel de investigar aquilo que tem legitimidade em<br />

nosso tempo; sem mais contestação em qualquer contravenção ou resistência ao<br />

poder. Mutação da pena <strong>do</strong> próprio intérprete de nossa civilização a ser objeto de<br />

estu<strong>do</strong>s ulteriores. 2<br />

1 FOUCAULT, M. A filosofia analítica <strong>do</strong> poder (27 de abril de 1978), p. 540.<br />

2 Em seu artigo já clássico Um novo cartógrafo (Vigiar e Punir), Deleuze, logo de início, frisava que o<br />

novo questionamento <strong>do</strong> problema <strong>do</strong> poder introduzi<strong>do</strong> por Foucault não deixava de caracterizar ―o<br />

novo esquerdismo [...] volta<strong>do</strong> tanto contra o marxismo quanto contra as concepções burguesas‖ (Cf.<br />

DELEUZE, G. Um novo cartógrafo, p. 34). Na esteira dessa interpretação e de outras entrevistas<br />

concedidas por Foucault, Michel Senellart, em seu comentário Situação <strong>do</strong>s Cursos, atribuirá a razão<br />

de ser dessa mutação de pensamento de nosso autor a uma vinculação àquilo que na França então<br />

se chamava de ―novo pensamento de esquerda‖. Ora, ainda que Foucault tenha da<strong>do</strong> asas a esse<br />

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4. Bibliografia<br />

AGAMBEM, Giorgio. <strong>Esta<strong>do</strong></strong> de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.<br />

CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas. São Paulo: Companhia das<br />

Letras<br />

--------------------, Os Bestializa<strong>do</strong>s. São Paulo: Companhia das Letras<br />

DELEUZE, Gilles. Foucault. São Paulo, Brasiliense, 1988.<br />

EWALD, François. Foucault, A norma e o direito. Lisboa: Vega Comunicação &<br />

Linguagens, 1993.<br />

FOUCAULT, Michel. Dits et Écrits. Paris: Gallimard, 1994<br />

--------------------. Vigiar e Punir. Petrópolis: Editora Vozes, 1977.<br />

-------------------. Microfísica <strong>do</strong> poder. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1979.<br />

-------------------. História da sexualidade I (a vontade de saber). Rio de Janeiro, Ed.<br />

Graal, 1979.<br />

-------------------. La philosophie analytique du pouvoir (27 de abril de 1978), DE, vol III,<br />

num. 232, pp. 548-550.<br />

------------------. L´ impossible prison, recherche sur lê systeme pénitentiaire au XIX<br />

siècle. Paris: Éd. du Seuil, 1980.<br />

------------------. Naissance de la biopolitique<br />

------------------. Securité, territoire, population<br />

tipo de imaginação declaran<strong>do</strong> que seria para tanto preciso inventar uma governamentalidade<br />

adequada ao socialismo (cf. classe de 31 de janeiro de 79), preferimos não esquematizar nossa<br />

imaginação em regras previamente fornecidas. Já que to<strong>do</strong> o seu questionamento futuro residirá na<br />

questão em como saber se conduzir sem dispor de uma lei previamente dada que forneça o conceito<br />

esquematiza<strong>do</strong>r para a conduta pública <strong>do</strong> indivíduo. Pena a morte ter ceifa<strong>do</strong> tão ce<strong>do</strong> o seu caráter<br />

quase inesgotável de invenção de novas formas de governo de si. Em outras palavras, é preciso que<br />

inventemos cotidianamente a regra que não nos é dada pela cultura a fim de que harmonizemos a<br />

relação entre, mais <strong>do</strong> que o entendimento, nossa razão com os outros. A coragem de dizer a<br />

verdade, acreditamos nela, virá cumprir aqui sua função na legítima defesa <strong>do</strong>s governa<strong>do</strong>s e no<br />

direito da dissidência.<br />

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HARDT, Michael e Antonio Negri; Império. Rio de Janeiro: Record, 2005.<br />

Kissinger, Henry; Diplomacia. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2001.<br />

LEBRUN, G. O microscópio de Michel Foucault in Passeios ao Léu. São Paulo:<br />

Brasiliense, 1994.<br />

MAGNOLI, Demétrio. O Corpo da Pátria: imaginação geográfica e política externa no<br />

Brasil. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista: Moderna, 1997.<br />

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo:<br />

Editora Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 2006.<br />

MORAES, Antonio Carlos Robert, Ratzel. São Paulo: Ática, 1990.<br />

--------------------, Território e História no Brasil. São Paulo: Annablume, 2005.<br />

RIBEIRO, Renato Janine. A sociedade contra o social: o alto custo da vida pública<br />

no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.<br />

SCHWARZ, Roberto. As ideias fora <strong>do</strong> lugar em Ao vence<strong>do</strong>r as batatas. São Paulo:<br />

Duas Cidades, 1981.<br />

SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina. São Paulo: Brasiliense, 1984.<br />

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CRÍTICA E ANTROPOLOGIA EM KANT<br />

Vinicius Berlendis de Figueire<strong>do</strong><br />

Depto de Filosofia - UFPR/CNPq<br />

1. Introdução: Projeto crítico e antropologia – uma hipótese de leitura<br />

Como Kant faz questão de destacar em vários textos, a Crítica da razão pura, ao<br />

limitar o conhecimento especulativo ao âmbito <strong>do</strong>s fenômenos, possibilitou pôr fim<br />

ao <strong>do</strong>gmatismo. É sabi<strong>do</strong> que essa operação limitativa já foi interpretada como ten<strong>do</strong><br />

si<strong>do</strong> pautada por uma orientação de cunho positivista, a pergunta pela validade<br />

objetiva enunciada na ―Dedução transcendental‖ aparecen<strong>do</strong> como crivo da<br />

significação de nossos conceitos e ideias a serviço da formulação filosófica de uma<br />

ciência rigorosa da natureza, conforme aos princípios da ciência newtoniana e, por<br />

isso, desembaraçada das pretensões descabidas <strong>do</strong> racionalismo clássico. Segun<strong>do</strong><br />

essa interpretação, Kant seria – com a licença da simplificação – o correspondente<br />

filosófico de Newton.<br />

Como também é sabi<strong>do</strong>, essa interpretação da Crítica se sujeitou há tempos à<br />

objeção de unilateralidade. Dificilmente se compreenderia por que a Crítica, se<br />

realmente estivesse comprometida com a assimilação entre significação e<br />

objetividade, não tenha se resumi<strong>do</strong> a uma Analítica <strong>do</strong> entendimento, a qual, como<br />

diz Kant, deve tomar <strong>do</strong>ravante o lugar da ontologia (KrV B 303) 1 . Se é preciso<br />

transpôr o âmbito da Analítica <strong>do</strong> entendimento, é porque há questões que a ―razão<br />

humana‖ não pode evitar, impostas que são pela ―natureza<br />

da razão‖ , mas às quais também ―não pode dar resposta por<br />

1 As referências a Kant seguem a 1 a (A) ou 2 a (B) edição das obras, abreviadas como de costume:<br />

KrV = Crítica da razão pura; KpV = Crítica da razão prática; Gdlg. = Fundamentação da metafísica<br />

<strong>do</strong>s costumes; Antropologie = Antropologia de um ponto de vista pragmático; EE = 1 a Introdução à<br />

Crítica <strong>do</strong> Juízo; Log. = Lógica. As traduções utilizadas constam na bibliografia.<br />

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ultrapassarem completamente as suas possibilidades‖ (KrV A VII) 1 . Tais questões,<br />

como anuncia Kant no Prefácio de 1781 e revela na Dialética transcendental, têm<br />

origem na progressão da razão de partir <strong>do</strong> condiciona<strong>do</strong> ―para condições mais remotas‖ (ibid.). em um movimento de totalização que produz uma ilusão<br />

―que de mo<strong>do</strong> algum pode ser evitada‖ (KrV A 297 - B 353), restan<strong>do</strong>-nos, quan<strong>do</strong><br />

muito, a alternativa de não sermos mais engana<strong>do</strong>s por ela. Por isso, a ―lógica da<br />

verdade‖ trazida pela Analítica <strong>do</strong> entendimento é seguida da ―crítica da ilusão‖,<br />

efetuada na Dialética: somente aí, as significações para as quais não se pode<br />

oferecer qualquer correspondente na experiência – significações que, portanto, não<br />

são ―objetivas‖ nem capazes de determinação – são justificadas como exigências da<br />

razão concernin<strong>do</strong> ao conhecimento empírico 2 . Poder-se-ia legitimamente retorquir<br />

que isso apenas significa que a teoria da experiência kantiana incorpora remissões<br />

àquela totalidade sistemática trazida pela razão ao refletir sobre as determinações<br />

que o entendimento estabelece na sensibilidade, e daí concluir que, feitas as contas,<br />

Kant permanece preso à epistemologia. Mas a melhor prova contra a interpretação<br />

de que o idealismo transcendental promove sua ruptura com a metafísica clássica<br />

ten<strong>do</strong> por intuito principal justificar a ciência newtoniana está no fato de que a<br />

própria epistemologia, aqui, abriga a metafísica especial, cujos temas (alma, mun<strong>do</strong>,<br />

Deus), adquirin<strong>do</strong> o estatuto de princípios regulativos sem os quais a razão não<br />

poderia conhecer a natureza, recobram a validade que haviam perdi<strong>do</strong> em outras<br />

filosofias que, ao longo <strong>do</strong> século 18, também sofreram o influxo de Newton. A<br />

1 Como se verá adiante, o presente texto resume-se, grosso mo<strong>do</strong>, a comentar a redação de Kant<br />

nessas primeiras linhas da Crítica, através das quais introduz em 1781 o leitor no idealismo<br />

transcendental. O passo pode ser parafrasea<strong>do</strong> assim: a natureza da razão impõe à razão humana...<br />

Conceitualmente, porém, como explicar que a razão figure ao mesmo tempo como sujeito e objeto<br />

indireto de um mesmo perío<strong>do</strong>, senão conjecturan<strong>do</strong> que ela é tomada em acepções distintas<br />

conforme seja qualificada pelo adjetivo ―menschlich‖ ?<br />

2 ―Ora, o conceito transcendental da razão sempre se refere apenas à totalidade absoluta na síntese<br />

das condições e jamais termina senão no absolutamente incondiciona<strong>do</strong> – isto é, o incondiciona<strong>do</strong><br />

em toda relação. Com efeito, a razão pura deixa tu<strong>do</strong> ao encargo <strong>do</strong> entendimento, que se refere<br />

imediatamente aos objetos da intuição, ou antes, à sua síntese na capacidade da imaginação. A<br />

razão reserva para si somente a totalidade absoluta no uso <strong>do</strong>s conceitos <strong>do</strong> entendimento e procura<br />

conduzir a unidade sintética, que é pensada na categoria, até o absolutamente incondiciona<strong>do</strong>. Por<br />

isso se pode denominar essa unidade da razão com respeito aos fenômenos, assim como aquela que<br />

é expressa pela categoria, unidade <strong>do</strong> entendimento‖ (KrV A 326 - B 382/3).<br />

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comparação com Hume (a quem Kant conhecia bem) é elucidativa: enquanto, para<br />

o autor da Investigação sobre o entendimento humano, ―todas as nossas conclusões<br />

experimentais decorrem da suposição que o futuro estará em conformidade com o<br />

passa<strong>do</strong>‖ (HUME, 1972, 39), sen<strong>do</strong> isso o que basta para, sem deixar de mostrar<br />

que tal suposição não procede da razão, acolher leis como instanciação de<br />

regularidades contingentes que apoiam alguma espécie de necessidade nas<br />

conexões figuradas por elas (ROSENBERG, 1993, p. 78), para Kant, em<br />

contrapartida, o conhecimento empírico requer a referência ao plano da razão, cuja<br />

normatividade, exatamente por conta de ter passa<strong>do</strong> pelo crivo da crítica, ganha<br />

estatuto transcendental 1 .<br />

Mas se, para afastar a ideia de que o objetivo fundamental da Crítica tenha si<strong>do</strong><br />

justificar a ciência newtoniana, já não bastasse atentar para a complementaridade<br />

que lógica da verdade e crítica da ilusão exibem no interior da ―Lógica<br />

transcendental‖ da razão pura, conviria então retomar as palavras <strong>do</strong> ―2 o Prefácio‖<br />

(1787), no qual Kant, provavelmente ten<strong>do</strong> em vista a polêmica <strong>do</strong> panteísmo que<br />

eclodiu em 1784 (cf. FIGUEIREDO, 2004), é taxativo em relação à utilidade <strong>do</strong><br />

exame a que submete a razão <strong>do</strong>gmática. Só através da limitação <strong>do</strong> saber<br />

especulativo ao âmbito da experiência, diz-nos aí Kant, o interesse prático da razão<br />

pode ser assegura<strong>do</strong>. A ―utilidade positiva‖ da Crítica, portanto, reside em preparar o<br />

terreno para a recuperação prática das idéias especulativas, consideradas na<br />

―Dialética transcendental‖.<br />

Com efeito, a Crítica da razão prática (1788) retira o princípio de sua estrutura da<br />

reabilitação transcendental da metafísica especial, operada por Kant na 1 a Crítica.<br />

Na passagem de uma a outra obra, Kant procede a um realinhamento <strong>do</strong>s<br />

elementos da <strong>do</strong>utrina transcendental possível apenas com base na afirmação de<br />

1 Na acepção inicial da Crítica: ―Denomino transcendental to<strong>do</strong> conhecimento que se ocupa não tanto<br />

com objetos em geral, mas com nosso mo<strong>do</strong> de conhecer objetos na medida em que este deve ser<br />

possível a priori. Um sistema de tais conceitos denominar-se-ia filosofia transcendental‖ (KrV A 11 - B<br />

25; trad. modificada). Poder-se-ia dizer, com base nisso, que Kant deslocou os temas da metaphysica<br />

specialis para o âmbito da filosofia transcendental promovida pela revolução copernicana em filosofia<br />

(ver Progressos da metafísica, A 11).<br />

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que se trata, sempre, de uma mesma e única razão. Sem levar isso em conta, com<br />

efeito, não se pode explicar que a liberdade – conceito cuja significação originária,<br />

vale lembrar, é cosmológica – não só passe a figurar, na Crítica da razão prática,<br />

como elemento da Analítica, como também que constitua, a partir <strong>do</strong> momento em<br />

que tem sua realidade provada pela lei moral,<br />

o fecho da abóbada de to<strong>do</strong> o edifício de um sistema da razão pura, mesmo da<br />

razão especulativa, e to<strong>do</strong>s os demais conceitos (os de Deus e de imortalidade),<br />

que permanecem sem sustentação nesta como simples idéias, seguem-<br />

se agora a ele e obtêm com ele e através dele consistência e realidade objetiva,<br />

isto é, a possibilidade <strong>do</strong>s mesmos é provada pelo fato de que a liberdade<br />

efetivamente existe (KpV, A 4/5).<br />

Apenas através desse realinhamento <strong>do</strong>s elementos da <strong>do</strong>utrina transcendental,<br />

verifica<strong>do</strong> na transição da primeira para a segunda Crítica, a unidade da razão na<br />

diversidade de seus usos, já subjacente à crítica da razão teórica e graças à qual<br />

são diferenciadas no seu âmbito determinação e reflexão, adquire o estatuto de um<br />

princípio demonstra<strong>do</strong>. Pois a rigor, à anunciada divisão da filosofia em ―Teoria da<br />

natureza‖ e ―Teoria <strong>do</strong>s costumes‖, de que já nos falava Kant no Prefácio da<br />

Fundamentação da metafísica <strong>do</strong>s costumes (1785), faltava ainda a demonstração<br />

da unidade da razão prática ―com a razão especulativa num princípio comum‖ (Gdlg.<br />

trad. 106) – o que se dá apenas em 1788, quan<strong>do</strong> o incondiciona<strong>do</strong> posto pela razão<br />

a título de princípio de inteligibilidade <strong>do</strong> conhecimento empírico se revela<br />

fundamento de determinação da ação moral e postula<strong>do</strong> sem o qual a moralidade<br />

seria incompatível com a felicidade 1 . Essa reorganização temática vai de par com o<br />

princípio de exposição <strong>do</strong>s textos: somente ten<strong>do</strong> em conta a unidade da razão,<br />

compreende-se que a <strong>do</strong>utrina <strong>do</strong>s elementos da 2 a Crítica seja a perfeita<br />

1 Com a prova de que a razão pura é prática, ―fica <strong>do</strong>ravante estabelecida também a liberdade<br />

transcendental‖ e, por meio disso, adquirem ―realidade objetiva os conceitos de Deus e imortalidade‖<br />

(KpV A 5).<br />

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acomodação <strong>do</strong>s temas da metafísica especial (liberdade, alma e Deus), cuja<br />

pretensão teórica, contestada por Kant na Crítica da razão pura, dá lugar à vocação<br />

última da razão para a moral e a religião.<br />

Observe-se, a propósito, que esta transição da primeira para a segunda Crítica traz<br />

implicações significativas para a ordem elementar comum a ambas. Com efeito, com<br />

o uso prático da razão, o problema cosmológico adquire prerrogativas inéditas frente<br />

à psicologia e a cosmologia racionais. Enquanto, na 1 a Crítica, em comparação com<br />

elas a cosmologia somente dispunha de uma prerrogativa fenomenológica – as<br />

antinomias, afinal, constituíam o terreno privilegia<strong>do</strong> de manifestação da aparência<br />

transcendental –, agora, é a partir da liberdade que as ideias psicológica e teológica<br />

―obtêm consistência... e realidade objetiva‖ (KpV A 5). Digamos que, na passagem<br />

da teoria à prática, um princípio regula<strong>do</strong>r, através <strong>do</strong> qual a razão exigia a<br />

ampliação <strong>do</strong> uso <strong>do</strong> entendimento no conhecimento empírico, se torna constitutivo<br />

– ou, por outra: o princípio de reflexão sobre a natureza inflete em fundamento de<br />

determinação da ação moral.<br />

E aqui começamos a nos aproximar de nosso ponto: não faltam indícios de que a<br />

reformulação <strong>do</strong>s elementos, operada na transição da 1 a para a 2 a Crítica e possível<br />

graças à unidade da razão na diversidade de seus usos, é balizada por uma dupla<br />

referência à finitude <strong>do</strong> homem. De um la<strong>do</strong>, a limitação <strong>do</strong> conhecimento<br />

especulativo ao âmbito <strong>do</strong>s fenômenos, a partir da qual o incondiciona<strong>do</strong> ganha o<br />

estatuto transcendental de ―simples ideia‖ na Dialética transcendental, mobiliza<br />

como fator decisivo a natureza sensível de nossa intuição (Estética transcendental).<br />

É ten<strong>do</strong> em vista os resulta<strong>do</strong>s desta última em sua articulação com a Lógica<br />

transcendental que Kant irá decretar que o incondiciona<strong>do</strong> é incognoscível, embora<br />

permaneça sen<strong>do</strong> pensável para nós. De outro la<strong>do</strong>, a moralidade é definida na<br />

Crítica da razão prática como a<strong>do</strong>ção de uma máxima baseada no mandamento da<br />

razão em oposição direta aos móbiles patológicos 1 , o que configura um conflito que<br />

1 ―A virtude é a força da máxima <strong>do</strong> homem no cumprimento de seu dever. – Toda força se reconhece<br />

apernas pelos obstáculos que é capaz de superar; no caso da virtude, os obstáculos são as<br />

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(além de ensejar a <strong>do</strong>utrina <strong>do</strong> livre arbítrio) só faz senti<strong>do</strong> ten<strong>do</strong> em vista o estatuto<br />

singular da vontade de um ser racional e sensível. Em suma, não bastasse o fato de<br />

que, num e noutro caso, a experiência seja concebida sob exigências normativas da<br />

razão cujos resulta<strong>do</strong>s são media<strong>do</strong>s por considerações sobre a ―nossa natureza‖,<br />

parece que a própria transição da teoria à prática – a qual, como vimos, traz consigo<br />

o reordenamento elementar da crítica e que articula as duas partes <strong>do</strong> inteiro<br />

sistema <strong>do</strong>s conhecimentos racionais – exibe um compromisso de fun<strong>do</strong>, mas talvez<br />

não menos essencial, com premissas de cunho antropológico. Dito de outro mo<strong>do</strong>,<br />

tu<strong>do</strong> indica que a referência à ―nossa natureza‖ aparece não apenas a título de<br />

elemento decisivo operante quer na teoria, quer na prática, mas também, e mais<br />

essencialmente, como ponto de fuga sob o qual Kant articula a passagem de uma a<br />

outra parte da filosofia.<br />

Porém, de que estatuto goza, no interior <strong>do</strong> kantismo, essa natureza humana, que é<br />

referência constitutiva da epistemologia transcendental, da <strong>do</strong>utrina moralidade e da<br />

articulação entre elas? Responder a essa questão nos impõe examinar mais de<br />

perto os objetivos persegui<strong>do</strong>s na Crítica <strong>do</strong> Juízo (1790), obra com a qual Kant diz<br />

pôr termo ao ―kritisches Geschäft‖. Com efeito, a tarefa crítica só cessa com a<br />

localização <strong>do</strong> princípio transcendental da faculdade de julgar, que, embora não<br />

forneça qualquer novidade <strong>do</strong>utrinal, dispõe, contu<strong>do</strong>, de um princípio a priori<br />

―puramente subjetivo‖ – o da finalidade. Para nossos propósitos, importa destacar<br />

que, como revelam <strong>do</strong>is textos decisivos para a compreensão global <strong>do</strong> projeto<br />

kantiano – a ―1 a Introdução‖ e a ―Introdução‖ definitiva da Crítica <strong>do</strong> Juízo (cf.<br />

ANCESCHI, 1966, p. 60) –, o acolhimento <strong>do</strong> princípio da finalidade no idealismo<br />

transcendental conduz Kant a explicitar a distinção entre <strong>do</strong>is planos de<br />

sistematização distintos, o primeiro relativo ao já menciona<strong>do</strong> sistema <strong>do</strong>s<br />

conhecimentos racionais por conceitos e ordena<strong>do</strong> conforme a divisão entre teoria e<br />

prática, e o segun<strong>do</strong>, concernin<strong>do</strong> ao sistema da crítica, unicamente no interior <strong>do</strong><br />

inclinações naturais que podem entrar em conflito com o propósito moral‖ (MC Ak 394). Sem as<br />

inclinações naturais próprias à vontade <strong>do</strong> homem, portanto, não há sequer como definir a virtude.<br />

Daí Kant ter afirma<strong>do</strong> desde muito ce<strong>do</strong> que uma vontade santa é incapaz de moralidade.<br />

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qual transcorre a investigação suplementar atinente ao Juízo. ―Aquilo que não pode<br />

aparecer na divisão da filosofia, pode todavia aparecer na crítica da faculdade de<br />

conhecimento pura em geral, a saber no caso de conter princípios que por si não<br />

são úteis, nem para o uso teórico, nem para o uso prático‖ (KU B XXI, trad. p.<br />

20/21)‖ 1 . Nem por isso tal princípio é secundário; ao contrário, em 1790, Kant deixa<br />

claro que somente graças à faculdade de julgar podemos conceber uma passagem<br />

―<strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> conceito de natureza para o de liberdade‖ (KU, B LVI, trad. 40). Ora,<br />

ten<strong>do</strong> em vista que, com a faculdade de julgar, ―a crítica toma o lugar da teoria‖ (KU<br />

B X, trad. p. 14), nela a distinção operante entre natureza e liberdade se mantém<br />

recuada em relação a to<strong>do</strong> tipo de objetividade e revela que o ponto em torno <strong>do</strong><br />

qual gravitam epistemologia, crítica da ilusão e moralidade, originan<strong>do</strong>-se da<br />

referência da filosofia à ―menschliche Vernunft‖, não corresponde a positividade<br />

alguma. Tu<strong>do</strong> parece indicar, portanto, que, por decisiva que seja para o projeto<br />

crítico e sua substituição ao <strong>do</strong>gmatismo, a referência ao homem não acolhe nem<br />

suscita qualquer teoria <strong>do</strong> homem. A subjetividade kantiana, parece-nos possível<br />

mostrar, situa-se entre a tematização <strong>do</strong> cogito no quadro de uma ontologia da<br />

substância (Descartes, Leibniz) e o enquadramento <strong>do</strong> homem no âmbito das<br />

ciências <strong>do</strong> espírito (neokantismos), constituin<strong>do</strong>-se, por isso, em uma ocasião<br />

privilegiada para investigarmos as relações existentes entre crítica e antropologia no<br />

limiar da filosofia contemporânea.<br />

2. O problema antropológico na literatura: duas referências<br />

O compromisso da filosofia crítica com a antropologia foi objeto da atenção de<br />

muitos intérpretes. Sem qualquer intuito exaustivo, relacionamos aqui somente duas<br />

1 No mesmo senti<strong>do</strong>, lê-se, na Primeira Introdução: ―Se se trata não da divisão de uma filosofia, mas<br />

de nossa faculdade-de-conhecimento a priori por conceitos (da superior), isto é, de uma crítica da<br />

razão pura , a representação sistemática da faculdade-de-conhecimento resulta tripartida, ou<br />

seja, primeiramente a faculdade de conhecimento <strong>do</strong> universal (das regras), o entendimento, em<br />

segun<strong>do</strong> lugar a faculdade da subsunção <strong>do</strong> particular sob o universal, o Juízo, e em terceiro lugar a<br />

faculdade da determinação <strong>do</strong> particular pelo universal (da derivação a partir de princípios), isto é, a<br />

razão‖ (EE, trad. p. 170/1).<br />

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interpretações, com o intuito único de esclarecer melhor nossa própria hipótese de<br />

trabalho.<br />

1) Comecemos por A. Philonenko, cuja análise da obra kantiana se filia<br />

expressamente a Hermann Cohen, menciona<strong>do</strong> anteriormente. A sinuosa trajetória<br />

de Kant rumo à filosofia crítica, afirma Philonenko, tem seu momento decisivo<br />

quan<strong>do</strong> o autor da Dissertação de 70 se dá conta de que nesta obra ele<br />

permanecera assimilan<strong>do</strong>, erroneamente, o conceito <strong>do</strong> a priori com o conceito <strong>do</strong><br />

inato (PHILONENKO, 1983, I, p. 76) . ―Percebe-se que unin<strong>do</strong> psicologia e filosofia<br />

transcendental, Kant confunde o fato com o direito e se<br />

encontra, em 1770, incapaz de enunciar a questão que define o criticismo: quid<br />

juris?‖ (PHILONENKO, 1983, I, p. 77). Sem recusar essa assimilação, prossegue<br />

Philonenko, ―o problema da unidade <strong>do</strong> conhecimento científico, como fonte <strong>do</strong> real<br />

que se exprime nas leis, princípios de determinação <strong>do</strong>s fenômenos <br />

na investigação da possibilidade de o homem aceder ao existente e ao mesmo<br />

tempo desanda na antropologia e na psicologia‖ (PHILONENKO, 1983, I, p. 93). –<br />

Como é fácil notar, em sua reconstrução da trajetória de Kant rumo a Crítica da<br />

razão pura Philonenko assimila entre si psicologia, antropologia e subjetividade,<br />

todas tidas como resíduos de uma perspectiva não crítica – ou melhor, pré-crítica –,<br />

que só fez adiar o idealismo transcendental e a revolução que viria romper a clássica<br />

dependência <strong>do</strong> conhecimento em relação ao ser.<br />

Sem entrar no mérito <strong>do</strong>s marcos gerais da interpretação de Philonenko, vale servir-<br />

se dela para precisar que, quan<strong>do</strong> sinalizamos a referência que a filosofia crítica<br />

contém a premissas de fun<strong>do</strong> antropológico, de mo<strong>do</strong> algum pretendemos relativizar<br />

o corte que a separa das formas de <strong>do</strong>gmatismo em polêmica com as quais teve sua<br />

origem. Pensamos, ao contrário, ser possível mostrar que o projeto crítico, no que<br />

possui de mais característico, possui uma orientação antropológica decisiva. Dois<br />

textos são bastante esclarece<strong>do</strong>res a esse respeito. O primeiro deles é o conheci<strong>do</strong><br />

passo da Lógica de Jäsche em que Kant reduz a filosofia em senti<strong>do</strong> cosmopolita a<br />

quatro perguntas fundamentais, quais sejam: ―1) o que posso saber? 2) o que devo<br />

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fazer? O que me é lícito esperar? 4) o que é o homem?‖ – e, em seguida, esclarece:<br />

―À primeira questão responde a Metafísica; à segunda, a Moral; à terceira, a<br />

Religião; e a quarta, a Antropologia. Mas, no fun<strong>do</strong>, poderíamos atribuir todas essas<br />

à Antropologia, porque as três primeiras questões remetem à última‖ (Log. A 25;<br />

trad. p. 42). Como deixa clara essa passagem, Kant admite um senti<strong>do</strong> para<br />

―antropologia‖ muito diverso daquele circunscrito no Prefácio da Fundamentação da<br />

metafísica <strong>do</strong>s costumes (1785), quan<strong>do</strong> o termo em pauta é introduzi<strong>do</strong> através da<br />

oposição entre a normatividade da razão e a positividade empírica, isto é, entre a<br />

análise conceitual das significações racionais – dentre as quais figura o dever, a cuja<br />

análise o leitor é primeiramente apresenta<strong>do</strong> neste texto – e a simples descrição das<br />

condutas humanas 1 . No senti<strong>do</strong> convoca<strong>do</strong> pela acepção cosmopolita da filosofia,<br />

evoca<strong>do</strong> na Lógica, a questão antropológica abarca sob si a questão pelo que devo<br />

fazer, atinente à moral, o que basta como argumento para recusarmos toda<br />

assimilação imediata e definitiva entre antropologia e empiricidade 2 .<br />

O outro texto que temos em mente ajuda a esclarecer em que medida admitir a<br />

validade da antropologia lato sensu, ao invés de mitigar o caráter normativo da<br />

moralidade kantiana, ajuda a esclarecê-lo. Como adverte Kant no Prefácio da<br />

Antropologia de um ponto de vista pragmático, de 1798, há duas pespectivas<br />

alternativas no que concerne ao conhecimento sistemático <strong>do</strong> homem , a fisiológica e a pragmática:<br />

1 ―As leis morais com seus princípios, em to<strong>do</strong> conhecimento prático, distinguem-se portanto de tu<strong>do</strong><br />

o mais em que exista qualquer coisa de empírico, e não só se distinguem essencialmente, como<br />

também toda Filosofia moral assenta inteiramente na sua parte pura, e, aplicada ao homem, não<br />

recebe um mínimo que seja <strong>do</strong> conhecimento <strong>do</strong> homem (Antropologia), mas fornece-lhe como ser<br />

racional leis a priori‖ (Gdlg., A trad. p. 104/105). Registre-se, de passagem, ser nesta oposição,<br />

retomada na 2 a Crítica, que encontram sua origem as prerrogativas que a ―Analítica da razão prática‖<br />

assumiu diante da "parte impura da ética" (LOUDEN, 2000) na literatura secundária mais recente – a<br />

ponto de a inteira filosofia prática kantiana ter si<strong>do</strong> resumida por alguns comenta<strong>do</strong>res à explicitação<br />

<strong>do</strong>s procedimentos e formulações requeri<strong>do</strong>s por uma ética prescritiva.<br />

2 Evidentemente, isso não desabona a vasta literatura dedicada a investigar as relações, no interior<br />

da razão prática kantiana, entre moral propriamente dita e antropologia. Um autor cuja discussão a<br />

respeito mobiliza a literatura corrente é LOUDEN, 2000.<br />

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O conhecimento fisiológico <strong>do</strong> homem reporta-se à investigação daquilo que a<br />

natureza faz <strong>do</strong> homem; o pragmático, àquilo que ele, enquanto ser que age<br />

livremente , faz ou pode e deve fazer de si mesmo.<br />

(Anthropologie, A IV).<br />

Neste senti<strong>do</strong>, a antropologia corresponde a uma consideração na qual os aspectos<br />

efetivo e normativo – em cuja separação reside a novidade inicial da crítica kantiana<br />

– subjacentes ao ―Menschenkenntnis‖, sem que se confundam um com o outro,<br />

exibem novamente, e talvez de mo<strong>do</strong> privilegia<strong>do</strong>, sua complementaridade. Diante<br />

das reticências expressas por Philonenko, diríamos que a investigação<br />

antropológica, nesse senti<strong>do</strong> preciso, nada tem que ver com as fisiologias que, de<br />

Locke até Kant, animaram várias análises <strong>do</strong> entendimento no curso <strong>do</strong> século 18.<br />

Com efeito, o texto de 1798 não está comprometi<strong>do</strong> com qualquer metafísica das<br />

faculdades da mente humana, nem, tampouco, com qualquer forma de inatismo ou<br />

psicologismo. Antes, ele decorre da crítica da razão, cujos resulta<strong>do</strong>s, como<br />

sugerimos, retiran<strong>do</strong> seu alcance transcendental da referência que possuem ao que<br />

podemos conhecer, ao que devemos fazer e ao que podemos esperar 1 , são agora<br />

mobiliza<strong>do</strong>s pela atividade que reúne, sem qualquer prerrogativa <strong>do</strong>utrinal, a sua<br />

condição de possibilidade – essa atividade que designaremos, na falta de nome<br />

melhor, pela reflexão ou subjetividade em nome da qual se promoveu a revolução<br />

copernicana em filosofia.<br />

2. Mas em que exatamente consiste o teor desse novo discurso, que, não<br />

renuncian<strong>do</strong> às prerrogativas da filosofia transcendental, evoca o Menschenkenntis<br />

sem pretender fazer <strong>do</strong>utrina? E quais, afinal de contas, seriam suas implicações? É<br />

comum a ideia de que a antropologia progressivamente se tornou foco privilegia<strong>do</strong><br />

1 Mesmo Philonenko parece admitir tacitamente esse senti<strong>do</strong> amplo de antropologia, ao declarar de<br />

partida que a filosofia kantiana ―é uma investigação, tão ordenada quanto possível, que se aplica a<br />

to<strong>do</strong>s os momentos fundamentais da condição humana‖ (PHILONENKO, 1983, I, p. 14).<br />

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disso que se chamou ―a filosofia <strong>do</strong> Iluminismo‖ 1 , interpretação essa que se pode<br />

perfeitamente subscrever, desde que se estabeleça no seu âmbito diferenças por<br />

referência às quais se possa avançar uma hipótese sobre a singularidade <strong>do</strong><br />

discurso sobre o homem no interior da filosofia kantiana. Com esse intuito, sigamos<br />

um momento as conclusões de Kant e o fim da metafísica, livro no qual G. Lebrun,<br />

inspira<strong>do</strong> na arqueologia das ciências humanas empreendida por M. Foucault,<br />

comenta o significa<strong>do</strong> que a filosofia crítica, por conta de sua referência ao homem,<br />

possui na constituição de nossa modernidade.<br />

A crer em Lebrun, a antropologia é nada menos <strong>do</strong> que o des<strong>do</strong>bramento necessário<br />

da interdição da metafísica <strong>do</strong>gmática levada a cabo na Crítica da razão pura. Isso<br />

seria especialmente o caso da teologia racional, cujo princípio finalístico, uma vez<br />

priva<strong>do</strong> de qualquer alcance especulativo na ―Dialética transcendental‖, é<br />

apresenta<strong>do</strong> na 3 a Crítica como elemento apriorístico da faculdade de julgar:<br />

―(...) ao mesmo tempo em que é definitivamente compreendida a possibilidade da<br />

última disciplina da metafísica especial, a finidade encontra, enfim, um rosto e o<br />

‗homem transcendental‘ substitui o sujeito anônimo e puramente funcional da<br />

crítica teórica. No nível desta investigação a-teórica, a autocrítica da metafísica<br />

assume necessariamente a forma de uma antropologia; a demonstração da<br />

finidade coincide com a descrição de regiões da existência e de experiência.<br />

Dessa forma, Kant inicia o movimento que conduzirá a aban<strong>do</strong>nar a análise<br />

categorial pela descrição <strong>do</strong> vivi<strong>do</strong>, e a transferir a metafísica especial para o<br />

campo da antropologia, investi<strong>do</strong> de uma dignidade transcendental inesperada‖<br />

(LEBRUN, 1993, p. 687/688).<br />

1 Para ficarmos com um exemplo célebre, veja-se o apelo de Cassirer à ideia de disposição de época<br />

e que o faz reaver, nos diversos setores <strong>do</strong> pensamento esclareci<strong>do</strong>, uma mesma orientação<br />

antropológica: ―Assim se elucida, através da estética de Baumgarten, nos vínculos estreitos com a<br />

filosofia acadêmica alemã, essa mesma ideia que já encontramos por toda a parte agin<strong>do</strong> na<br />

constituição da ética, da filosofia da religião, da filosofia <strong>do</strong> direito e da filosofia política <strong>do</strong> Iluminismo.<br />

Cada vez mais, a época iluminista aprende a renunciar ao ‗absoluto‘, no senti<strong>do</strong> estritamente<br />

metafísico, ao ideal de um conhecimento ‗à imagem <strong>do</strong> conhecimento divino‘, para substituí-lo por um<br />

ideal puramente humano, que ela procura constantemente definir com maior exatidão e preencher<br />

com maior perfeição‖ (CASSIRER, 1992, p.459).<br />

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Portanto, se Kant ―inicia o movimento‖ rumo à descrição <strong>do</strong> vivi<strong>do</strong>, ele, contu<strong>do</strong>,<br />

ainda não toma parte nele. Ao metamorfosear a finalidade teológica ―em sentimentos<br />

e em atitudes‖ e converter o belo, o sublime e o organismo vivo em pretextos para a<br />

descrição de uma experiência puramente subjetiva (LEBRUN, 1993, 688) 1 , a Crítica<br />

teria aberto o espaço no qual a condição de determinação <strong>do</strong> sensível pelo inteligível<br />

poderá passar a ser ―vivenciada‖ – o passo seguinte consistin<strong>do</strong> em fazer dessa<br />

vivência a experiência de um sujeito que, a um só tempo, é fundamento e objeto <strong>do</strong><br />

conhecer. Kant situar-se-ia, assim, no limiar daquela modernidade, cuja episteme<br />

Foucault descreveu como refém <strong>do</strong> para<strong>do</strong>xo constituí<strong>do</strong> pelo fato de que agora é o<br />

ser finito, compreendi<strong>do</strong> como ser determina<strong>do</strong>, quem ―dá a toda determinação a<br />

possibilidade de aparecer na sua verdade positiva‖ (FOUCAULT, 1987, p. 354).<br />

Entenda-se: ao contrário <strong>do</strong> que, com o abono de Lebrun, acreditamos valer para a<br />

Crítica, nesta vertente da modernidade que se segue a ela e da qual a<br />

fenomenologia será o aprofundamento, a determinação já não será mais efetuada<br />

através da sua referência à totalidade posta pela razão, uma vez que, agora, o limite<br />

procede da finitude na qual o homem passou a reconhecer sua essência. E eis-nos<br />

assim frente à dificuldade incontornável para a qual a fenomenologia, conforme os<br />

partidários da reconstrução arqueológica, não teria atina<strong>do</strong>: como, feitas as contas, o<br />

finito pode operar como fundamento de qualquer limitação? 2 Feita tamanha violação<br />

à ―ciência <strong>do</strong>s limites‖ (expressão pela qual Kant define a investigação crítica), a<br />

1 Valemo-nos outra vez de Cassirer – cuja simpatia pela fenomenologia é sabida, e que, como<br />

atestará Merleau-Ponty na Fenomenologia da percepção, nada tem de casual – para ilustrar, por<br />

contraste, o ponto em sobre o qual insiste Foucault e, na trilha aberta por ele, Lebrun. Cassirer<br />

comenta nestes termos a passagem <strong>do</strong> espírito cartesiano vigente na estética <strong>do</strong> século 17 para a<br />

nova disposição <strong>do</strong> Iluminismo: ―Trata-se de libertar-se <strong>do</strong> despotismo absoluto da dedução, trata-se<br />

de dar lugar, ao la<strong>do</strong> dela e não contra ela (...) aos fatos simples, aos fenômenos, à observação<br />

direta. (...) Assim, o méto<strong>do</strong> de explicação e de dedução tende cada vez mais, também nesse<br />

<strong>do</strong>mínio. a ceder o lugar à pura descrição. E essa descrição não parte mais das obras de arte mas da<br />

consciência estética cuja natureza ela quer, em primeiro lugar, reconhecer e definir‖ (CASSIRER-<br />

1992, p. 394).<br />

2 Ou ainda, pelas palavras <strong>do</strong> autor: ―a análise da finitude explica como o ser <strong>do</strong> homem se acha<br />

determina<strong>do</strong> por positividades que lhe são exteriores e que o ligam à espessura das coisas, e como,<br />

em troca, é o ser finito que dá a toda determinação a possibilidade de aparecer na sua verdade<br />

positiva‖ (FOUCAULT, 1987, p. 352).<br />

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fenomenologia, embora herdeira da interdição da metafísica especulativa, estaria<br />

desde o início imersa no ―sono antropológico‖, cuja noite se anunciava no instante<br />

em que saberes supostamente concretos se alojaram no lugar da velha metafísica<br />

racional, como se eles dispusessem <strong>do</strong> mesmo grau de evidência de que gozavam<br />

os objetos supra-sensíveis aos olhos <strong>do</strong> <strong>do</strong>gmático, antes da instituição <strong>do</strong> tribunal<br />

da razão.<br />

Embora muito sumárias, essas observações bastam para, à guisa de conclusão,<br />

retomarmos o fio investigativo aqui apresenta<strong>do</strong>. Argumentamos acima que, no<br />

kantismo, a antropologia não requer investir de positividade o seu objeto. É<br />

significativo, a esse respeito, que a ―Analítica <strong>do</strong> juízo estético‖, paradigma da<br />

reflexão, não forneça acréscimo algum à filosofia como sistema de conhecimentos<br />

racionais (ver supra p. 6). E é isso o que, gostaríamos de mostrar através da análise<br />

pormenorizada <strong>do</strong>s textos, impede que o homem figura<strong>do</strong> no sistema kantiano não<br />

seja nem possa ser fundamento de determinação de qualquer experiência. O que,<br />

no homem, é puramente determina<strong>do</strong>, corresponde à natureza. Mas, conforme a<br />

clivagem de perspectivas trazida pela solução da terceira antinomia da Crítica da<br />

razão pura, Kant poderá argumentar que o elemento característico <strong>do</strong> homem não<br />

reside na pura determinação, através da qual ele não se distingue de to<strong>do</strong>s os<br />

fenômenos (e de que irá tratar a antropologia em senti<strong>do</strong> fisiológico). No que possui<br />

de próprio, o homem só admite um discurso reflexionante, cujo princípio, examina<strong>do</strong><br />

na Crítica <strong>do</strong> Juízo, torna possível os enuncia<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s opúsculos sobre a história e<br />

da antropologia pragmática. Em suma: para Kant, ao que tu<strong>do</strong> indica, a diferença<br />

entre natureza da razão e razão humana não conduz à investigação da essência <strong>do</strong><br />

homem, mas ao recenseamento das condições de possibilidade <strong>do</strong> conhecimento da<br />

experiência e <strong>do</strong> juízo moral e, por fim, ao exame da passagem da liberdade à<br />

natureza nos termos de uma filosofia da história capaz unicamente de juízos<br />

heurísticos.<br />

Se tal orientação corrobora a avaliação de Lebrun e de Foucault acerca da<br />

singularidade <strong>do</strong> Menschenkenntnis kantiano em relação àqueles herdeiros da<br />

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revolução copernicana que, por própria conta e sem a licença de Kant (LEBRUN,<br />

1993, p. 691) irão assimilar o empírico e o transcendental, convém, todavia,<br />

assinalar que nem por isso visamos, nesse texto, os mesmos fins da análise<br />

arqueológica. Simplesmente nosso objetivo de fun<strong>do</strong> foi diverso. Ao invés de<br />

promover o acerto de contas com a fenomenologia, gostaríamos apenas de terminar<br />

sugerin<strong>do</strong> a seguinte hipótese de trabalho. Caso seja correto retroceder da Crítica<br />

<strong>do</strong> Juízo, <strong>do</strong>s textos sobre a história e da antropologia à interdição da metafísica<br />

especial na 1 a Crítica, comentan<strong>do</strong>, com base nisso, os deslocamentos internos da<br />

trajetória de Kant, a questão a examinar reside em determinar até que ponto o<br />

Menschenkenntnis não representa a secularização da ideia teológica de finalidade.<br />

Apenas através da resposta a essa suspeita estaremos aptos a avaliar se,<br />

exatamente por ser não comportar qualquer correspondência positiva, o homem<br />

evoca<strong>do</strong> pelo kantismo não enseja um discurso crítico por definição aporético,<br />

parasitário de um movimento no qual toda determinação é objeto de uma reflexão<br />

ulterior que a cogita em um plano cujo senti<strong>do</strong> é a um só tempo essencial e<br />

irrealizável ao sujeito.<br />

.<br />

Bibliografia:<br />

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CARÁTER INTELIGÍVEL E CARÁTER EMPÍRICO NA CRÍTICA DA RAZÃO PURA<br />

Aguinal<strong>do</strong> Pavão<br />

Depto de Filosofia – UEL<br />

Minha intenção nesse texto é discutir como Kant concebe ou conceberia na Primeira<br />

Crítica a imputabilidade moral, levan<strong>do</strong> em consideração a distinção entre caráter<br />

inteligível e caráter empírico. Para tanto, dividirei minha exposição em três partes.<br />

Primeiro, procuro reconstruir a distinção entre caráter inteligível e caráter empírico e<br />

entender o papel que tal distinção desempenha na argumentação de Kant. Em<br />

seguida, busco esclarecer como é possível, ten<strong>do</strong> como base tal distinção,<br />

entendermos a responsabilidade moral das ações. Nesta altura, discuto e critico a<br />

interpretação oferecida por Schopenhauer à noção kantiana de caráter inteligível.<br />

Tentarei mostrar que Schopenhauer erra ao pensar que o caráter inteligível é o ―ser‖<br />

<strong>do</strong> homem, ou seja, algo que teríamos assumi<strong>do</strong> por uma espécie de escolha única,<br />

a qual determinaria para sempre o agir humano. Depois, discutirei o famoso exemplo<br />

da mentira mal<strong>do</strong>sa. Este exemplo impõe a necessidade de se pensar sobre a<br />

existência de uma linha demarcatória entre ações livres e não livres. Não obstante a<br />

falta de clareza <strong>do</strong> texto kantiano, defenderei a possibilidade de traçarmos as<br />

fronteiras <strong>do</strong> imputável e <strong>do</strong> inimputável. Com efeito, não agride o espírito <strong>do</strong> texto<br />

de Kant pensarmos que determinadas condições empíricas, como a primeira<br />

infância e a loucura, não reclamam uma compreensão a partir da noção de caráter<br />

inteligível.<br />

Na III parte <strong>do</strong> capítulo II <strong>do</strong> livro segun<strong>do</strong> da Dialética Transcendental, denomina<strong>do</strong><br />

―Solução das ideias cosmológicas da totalidade da divisão <strong>do</strong>s eventos a partir das<br />

suas causas‖, Kant expõe a distinção entre caráter empírico e caráter inteligível e<br />

atribui ambos ao mesmo sujeito agente. Kant argumenta que, para um sujeito<br />

<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de uma causalidade livre, tem de se atribuir um ―caráter inteligível‖, que é o<br />

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caráter de uma causalidade por liberdade 1 , visto que os efeitos (ações) deste sujeito,<br />

conquanto repercutam no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s, possuem causas que independem<br />

de qualquer condição empírica. Contu<strong>do</strong>, este mesmo sujeito, como membro <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s, possui um caráter empírico e suas ações têm de ser<br />

consideradas na interconexão necessária <strong>do</strong>s fenômenos conforme a causalidade<br />

natural.<br />

Esse argumento parece ser um tanto obscuro e realça as dificuldades da resolução<br />

da terceira antinomia. Como é possível a atribuição ao mesmo sujeito de um duplo<br />

caráter? Como compreender que uma mesma ação, como fenômeno, seja tanto o<br />

resulta<strong>do</strong> de determinações causais naturais como o efeito de uma causalidade<br />

inteligível, independente de qualquer condição temporal?<br />

Com relação a estas questões, a resposta kantiana parece se dirigir para uma<br />

necessária dupla consideração <strong>do</strong> sujeito agente, à medida que o ser humano é<br />

compreendi<strong>do</strong> como algo radicalmente distinto <strong>do</strong> resto da natureza. Diz Kant:<br />

Exclusivamente o homem que de outra maneira conhece toda a<br />

natureza somente através <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s, se conhece a si mesmo<br />

mediante uma pura apercepção ... para si mesmo, ele certamente é, de<br />

uma parte fenômeno, mas de outra, ou seja no que se refere a certas<br />

faculdades um objeto puramente inteligível porque a sua ação de mo<strong>do</strong><br />

algum pode ser computada na receptividade da sensibilidade.<br />

Denominamos estas faculdades de entendimento e razão (CRP, B 574-<br />

575) 2 .<br />

1 A liberdade, como causa eficiente, tem um caráter. E caráter, conforme Kant define, é uma lei da<br />

causalidade da causa eficiente. (Cf. Crítica da Razão Pura. Tradução de Valério Rohden e U<strong>do</strong><br />

Baldur Moosburguer. São Paulo, Abril Cultural, 1980. p. 274, B 567 / Kritik der reinen Vernunft.<br />

Werkausgabe III/IV. Ed. W. Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991 - Doravante CRP). Sobre a<br />

variação <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> de ―caráter‖ (Charakter) em Kant, veja nota 11).<br />

2 Ver também em: Fundamentação da Metafísica <strong>do</strong>s Costumes BA 108 e<br />

Tugendlehre, § 3 Ak 418.<br />

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Ora, o idealismo transcendental, conforme assinala corretamente Henry E. Allison 1 ,<br />

considera o espaço, tempo e as categorias <strong>do</strong> entendimento como condições<br />

epistêmicas e não ontológicas, abrin<strong>do</strong>-se , assim, um ―conceptual space‖ para o<br />

pensamento de objetos não empíricos, dentre os quais estão os agentes humanos<br />

como agentes racionais, que podem ser considera<strong>do</strong>s como coisas em si mesmas.<br />

Dessa forma, os seres humanos podem atribuir-se a si mesmos um caráter<br />

inteligível, já que as condições epistêmicas mencionadas não representam a<br />

propriedade de todas as coisas em geral.<br />

Pode-se dizer que Kant pretende, com a dupla maneira de consideração <strong>do</strong> sujeito<br />

agente, destacar que o determinismo causal natural é o ponto de vista legítimo e<br />

necessário para a explicação das ações humanas, dada a condição destas de<br />

eventos empíricos e de produtos de seres sensíveis como são os seres humanos.<br />

To<strong>do</strong>s os eventos empíricos caem dentro das condições espaço-temporais e<br />

categoriais, unicamente mediante as quais nós podemos conhecê-los. Ora, sen<strong>do</strong> as<br />

ações humanas eventos empíricos, é forçoso que as consideremos dentro <strong>do</strong>s<br />

quadros epistêmicos apresenta<strong>do</strong>s por Kant na Estética e na Analítica.<br />

Se o determinismo causal natural é o ponto de vista legítimo e necessário para a<br />

explicação de to<strong>do</strong>s os eventos empíricos, nos quais se incluem as ações humanas,<br />

parece não haver razões para que tal ponto de vista impeça compreensões<br />

alternativas caso estas não levantem as mesmas pretensões que aquela assegura<br />

para si com exclusividade. Ora, as ações humanas, dada a singularidade <strong>do</strong>s seres<br />

humanos, seres <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de razão e entendimento (sobretu<strong>do</strong> de razão), requerem<br />

um outro ponto de vista possível, um ponto de vista que seja capaz de justificar<br />

praticamente as ações 2 . Assim, se faz necessário considerar o caráter empírico <strong>do</strong><br />

1 Cf. Kant‟s Theory of Free<strong>do</strong>m, p. 44.<br />

2 I. KANT. CRP B 577-578: ―Todas as ações <strong>do</strong> homem no fenômeno estão determinadas segun<strong>do</strong> a<br />

ordem da natureza, por seu caráter empírico... Mas se ponderarmos justamente estas mesmas ações<br />

com relação à razão, e não à especulativa a fim de explicar aquelas segun<strong>do</strong> a sua origem, mas<br />

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sujeito agente como uma sinalização sensível, por meio das ações, de seu caráter<br />

inteligível como causas destes enquanto fenômenos (CRP, B 567 e B 574).<br />

II<br />

Todavia, uma questão aqui parece se impor. Dada a ―natureza‖ numênica da<br />

liberdade e supon<strong>do</strong>, como é razoável supor, que nem todas as ações são livres,<br />

como podemos nos certificar que determinadas ações, isto é, certos eventos<br />

empíricos, expressem a presença ou a ausência da liberdade? Trata-se de saber<br />

como podemos imputar moralmente - ato que pressupõe a atribuição de liberdade<br />

ao agente - se o caráter inteligível <strong>do</strong> ser humano, unicamente mediante o qual nós<br />

podemos considerá-lo livre, nos é inacessível? Diz Kant:<br />

... a moralidade própria das ações (mérito e culpa), mesmo a de nosso próprio<br />

comportamento, permanece-nos totalmente oculta. As nossas responsabilidades só<br />

podem ser referidas ao caráter empírico. Mas quanto disto se deve imputar ao efeito<br />

puro da liberdade, quanto à simples natureza e quanto ao defeito de temperamento<br />

<strong>do</strong> qual não se é culpa<strong>do</strong>, ou à natureza feliz (merito fortunae) <strong>do</strong> mesmo, eis algo<br />

que ninguém pode perscrutar e consequentemente, também não julgar (richten) com<br />

toda a justiça (CRP, B 579, nota).<br />

Dessa citação interessa-me reter <strong>do</strong>is pontos. Um conduz novamente à questão<br />

sobre a responsabilidade de nossas ações, pois, uma vez que não sabemos se as<br />

ações são efeito da liberdade ou da natureza, convém entender como é possível<br />

ainda falar em imputabilidade moral. O segun<strong>do</strong> ponto consiste na necessidade de<br />

compreender o que Kant quer significar com a frase ―As nossas responsabilidades<br />

só podem ser referidas ao caráter empírico‖. Tomo inicialmente a segunda questão.<br />

exclusivamente na medida em que a razão é a causa de sua produção, numa palavra, se<br />

compararmos estas ações com a razão ten<strong>do</strong> em vista um propósito prático, então encontraremos<br />

uma regra ou uma ordem que são totalmente diversas da ordem da natureza‖ (grifos de Kant).<br />

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Parece-me que o que Kant quer dizer com a frase acima é que as<br />

responsabilizações que fazemos partem <strong>do</strong> caráter empírico <strong>do</strong> agente - pois nesta<br />

esfera é que nos deparamos com ações, ―sinais sensíveis‖, que julgamos dignas de<br />

louvor ou de censura -, mas são referidas (atribuídas) ao caráter inteligível, uma vez<br />

que é em referência a esta ―lei da causalidade‖ que estamos autoriza<strong>do</strong>s a imputar.<br />

Na discussão <strong>do</strong> exemplo da mentira mal<strong>do</strong>sa (que veremos na sequencia), a<br />

atribuição de responsabilidade será dirigida ao caráter inteligível <strong>do</strong> homem. Diz<br />

Kant: ―A ação é atribuída ao caráter inteligível <strong>do</strong> homem e agora, no momento em<br />

que mente, ele é totalmente culpa<strong>do</strong>‖ (CRP, B 583). Pode-se, pois, dizer que a<br />

afirmação:<br />

As nossas responsabilidades, ainda que só possam ser referidas ao caráter empírico,<br />

têm de ser, contu<strong>do</strong>, atribuídas/imputadas ao caráter inteligível<br />

expressaria corretamente a relação que caráter empírico e inteligível mantém com<br />

os juízos de imputabilidade. Assim, embora aparentemente possa ser considerada<br />

ambígua a frase ―As nossas responsabilidades só podem ser referidas ao caráter<br />

empírico‖ - seria ambígua porque a frase ―as nossas responsabilidades só podem<br />

ser atribuídas ao caráter empírico‖, devi<strong>do</strong> à proximidade semântica de ―referir‖ e<br />

―atribuir‖, pode ser considerada sinônimo daquela, ou ainda a frase ―as nossas<br />

responsabilidades só podem ser referidas ao caráter inteligível‖ pode ser válida<br />

desde que pondera<strong>do</strong> o senti<strong>do</strong> de ―referir‖ - ela se mantém coerentemente ao la<strong>do</strong><br />

da atribuição das ações ao caráter inteligível.<br />

II.1<br />

Na linha dessas reflexões, alguém poderia interpretar Kant como o fez<br />

Schopenhauer, dizen<strong>do</strong> que ―a responsabilidade moral <strong>do</strong> homem refere-se, em<br />

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primeiro lugar e ostensivamente, àquilo que ele faz, mas no fundamento, àquilo que<br />

ele é‖ 1 . Ora, aquilo que o homem faz, sen<strong>do</strong> para nós acessível pela experiência, é<br />

expressão <strong>do</strong> seu caráter empírico. Assim, o operari humano, sujeito à lei da<br />

natureza, é o alvo inicialmente visa<strong>do</strong> por nossos juízos de imputabilidade - poder-<br />

se-ia dizer que é nesse senti<strong>do</strong> que ―as nossas responsabilidades só podem ser<br />

referidas ao caráter empírico‖. Porém, de acor<strong>do</strong> com a leitura de Schopenhauer, a<br />

incidência precisa de um juízo de imputabilidade deve recair sobre o que o homem<br />

é, ou seja, sobre o que o homem pode ser de acor<strong>do</strong> com a sua essência. Ora, se o<br />

caráter inteligível, ―presente (...) em to<strong>do</strong>s os atos <strong>do</strong> indivíduo e impresso em to<strong>do</strong>s<br />

eles, como o carimbo em mil selos (...) determina o caráter empírico deste fenômeno<br />

[as ações exteriorizadas pela lei da causalidade - AP] que se manifesta no tempo e<br />

na sucessão <strong>do</strong>s atos‖ 2 , então deve ser a ele propriamente imputada a ação<br />

humana. Assim, Schopenhauer poderia compatibilizar facilmente as duas frases de<br />

Kant acima consideradas, afirman<strong>do</strong>: ―as nossas responsabilidades só podem ser<br />

referidas ao operari mas têm de ser atribuídas ao esse‖.<br />

A questão está em que, para Schopenhauer, a conclusão que se segue a partir<br />

disso é que a liberdade não pode mais ser entendida como um poder que o agente<br />

possui de agir de outro mo<strong>do</strong>. O meu agir é determina<strong>do</strong> necessariamente, seja <strong>do</strong><br />

ponto de vista exterior por motivos (isto é, uma espécie de causalidade empírica),<br />

seja <strong>do</strong> ponto de vista interno pelo caráter inteligível. Como a liberdade só pertence<br />

ao caráter inteligível, e o caráter inteligível apenas diz respeito ao “esse” e não ao<br />

“operari”, ela só pode ser entendida como um poder de ser de outro mo<strong>do</strong>, ou<br />

melhor, um poder que homem possui de ter si<strong>do</strong> outro. 3<br />

1 A. SCHOPENHAUER. Sobre o fundamento da moral, p. 92.<br />

2 Cf. Sobre o fundamento da moral, p. 91. Sobre a ―interpretação‖ de Schopenhauer acerca da<br />

distinção kantiana entre caráter inteligível e caráter empírico, veja também O Mun<strong>do</strong> como Vontade e<br />

Representação II, § 20, p. 142, § 28, p. 203-207, IV, § 55, p. 379-385 e Essai sur le libre arbitre, p.<br />

117ss., e p. 191-195.<br />

3 Sobre o fundamento da moral, p. 91: ―... tu<strong>do</strong> o que [o homem] faz acontece necessariamente. Mas<br />

no seu ‗esse‘, aí está a liberdade. Ele poderia ter si<strong>do</strong> outro: e naquilo que ele é estão culpa e mérito‖.<br />

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Ora, essa limitação da liberdade a uma escolha, mediante um ato inteligível, <strong>do</strong><br />

nosso ser parece chocar-se com o pensamento de Kant. De fato, Kant afirma que a<br />

―ação (Handlung) é atribuída ao caráter inteligível <strong>do</strong> homem‖ e, na sequencia,<br />

parece tornar-se mais difícil o acor<strong>do</strong> com Schopenhauer quan<strong>do</strong> lemos: ―e agora,<br />

no momento em que mente, ele é totalmente culpa<strong>do</strong>; portanto, desconsideran<strong>do</strong><br />

todas as condições empíricas <strong>do</strong> ato, a razão era integralmente livre, e a mentira é<br />

de to<strong>do</strong> imputável à sua omissão‖ (CRP B 583). Para o meu interesse nessa<br />

discussão importa sublinhar, nessa passagem, as partes ―no momento em que ele<br />

mente‖ e ―a razão era inteiramente livre‖. Parece ser clara a sugestão de Kant de<br />

que a ação particular (no exemplo, a mentira mal<strong>do</strong>sa) resultou de uma razão que<br />

era livre para mentir ou não mentir. 1<br />

No parágrafo seguinte ao da citação acima, Kant argumenta que a razão, embora<br />

estan<strong>do</strong> presente e sen<strong>do</strong> ―sempre a mesma em todas as ações <strong>do</strong> homem em<br />

todas as circunstâncias temporais‖, não é, contu<strong>do</strong>, ―no tempo nem atinge um novo<br />

esta<strong>do</strong> no qual não estava‖ 2 , uma vez que, em relação a este novo esta<strong>do</strong>, ―ela é<br />

determinante, mas não determinável‖. Assim sen<strong>do</strong>, não cabe perguntar por que a<br />

razão não se determinou de outro mo<strong>do</strong>. Poder-se-ia indagar por que a razão<br />

―mediante a sua causalidade (...) não determinou diversamente os fenômenos‖.<br />

Porém, em relação a isto, ―qualquer resposta é impossível. Com efeito, um outro<br />

caráter inteligível teria da<strong>do</strong> um outro caráter empírico‖ (CRP B 584). Se esta última<br />

frase de Kant é isolada, pode-se tomá-la como significan<strong>do</strong> que se um homem que<br />

mente mal<strong>do</strong>samente tivesse um outro caráter moral, isto é, tivesse um outro ―sinal<br />

distintivo ... enquanto ser racional <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de liberdade" 3 que comportasse princípios<br />

1 Na Crítica da Razão Prática Kant afirma que ―satisfazer ao mandamento categórico da moralidade<br />

está em poder de cada um em to<strong>do</strong> tempo‖ (A 64).<br />

2 Veja nota anterior.<br />

3 I. KANT. Anthropologie du point de vue pragmatique, p. 135. É digna de registro a mudança de<br />

senti<strong>do</strong> que o termo ―caráter‖ (Charakter) sofre no pensamento de Kant. Se na Crítica da Razão Pura,<br />

como vemos, caráter é a ―lei da causalidade‖, na Fundamentação da Metafísica <strong>do</strong>s Costumes,<br />

embora sem definição clara, o termo já é toma<strong>do</strong> em outro senti<strong>do</strong> (por exemplo; seção I, §§ 1 e 11,<br />

onde Kant o contrasta com o temperamento, sugerin<strong>do</strong>, no § 1, que caráter seria o mo<strong>do</strong> como a<br />

vontade usa os talentos <strong>do</strong> espírito, as qualidades <strong>do</strong> temperamento e os <strong>do</strong>ns da fortuna). Na<br />

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práticos proibitivos <strong>do</strong> mentir, teria então um caráter empírico, isto é, um<br />

comportamento diverso, sempre dizen<strong>do</strong> a verdade. Embora isso até possa ser<br />

considera<strong>do</strong> verdadeiro, o que Kant quer dizer é que um outro caráter inteligível<br />

daria um outro caráter empírico porque de uma outra lei da causalidade não-<br />

empírica resultaria, como efeito, um outro fenômeno. Schopenhauer interpreta a<br />

frase em pauta no primeiro senti<strong>do</strong> com a agravante de compreender o caráter<br />

inteligível como caráter moral imutável (no senti<strong>do</strong> antropológico) 1 .<br />

No entanto, Schopenhauer poderia resistir a essa leitura. A base textual mais forte<br />

contra a sua tese parece estar em outro lugar, a saber, na seguinte advertência de<br />

Kant:<br />

Mas porque o caráter inteligível resulta nas circunstâncias existentes, exatamente<br />

nestes fenômenos e neste caráter empírico é uma questão que ultrapassa tão de<br />

longe a faculdade de nossa razão para responder, e até to<strong>do</strong> o direito de ela sequer<br />

Antropologia de um ponto de vista pragmático, o caráter é a ―propriedade da vontade pela qual o<br />

próprio sujeito se liga a princípios práticos determina<strong>do</strong>s que são indefectivamente prescritos por si<br />

mesmo através de sua própria razão‖ (p. 139-140 da edição francesa citada). Segun<strong>do</strong> H. Allison, a<br />

ênfase no senti<strong>do</strong> antropológico de caráter, que ao seu ver surge implicitamente a partir da segunda<br />

Crítica, marca uma mudança que deve ser entendida como ―concomitantes às mudanças na teoria<br />

moral de Kant produzidas pela introdução <strong>do</strong> princípio da autonomia‖ (Kant‟s Theory of Free<strong>do</strong>m, p.<br />

140).<br />

1 Cf. A. SCHOPENHAUER. Sobre o Fundamento da Moral, p. 89. Segun<strong>do</strong> o ponto de vista de V.<br />

Delbos (Op. Cit., 365-367), Schopenhauer retém o substancialismo ―plus ou moins explicite‖ da teoria<br />

kantiana <strong>do</strong> caráter inteligível. Este substancialismo se verificaria na consideração de que a ação<br />

resultaria de uma ―determination essencialle de la chose en soi comme chose‖ (p.367). Para Delbos,<br />

Kant se inclinaria, na Crítica da Razão Prática a eliminar este pen<strong>do</strong>r substancialista , toman<strong>do</strong> como<br />

origem <strong>do</strong> caráter uma ação intemporal em sua relação direta com a lei moral‖ (Ibid.). De acor<strong>do</strong> com<br />

Henry E Allison, o contraste entre caráter inteligível e empírico na Crítica da Razão Pura não tem<br />

senti<strong>do</strong> psicológico ou antropológico, mas sim a função de distinguir os mo<strong>do</strong>s de operar da<br />

causalidade, na medida em que esta pode ser duplamente considerada como causalidade empírica e<br />

inteligível (Cf. HENRY ALLISON. ―Entre la cosmología y la autonomía: La teoría kantiana de la<br />

libertad en la Crítica de la razón pura‖. p.484-485). H. Allison assinala que Kant também aplica a<br />

distinção entre caráter empírico e inteligível ao agente causal, isto é, o sujeito da causalidade, porém,<br />

segun<strong>do</strong> ele, ―não há indicação, ao menos na exposição inicial, de que este sujeito se deva conceber<br />

em termos psicológicos, i.é, como pessoa‖ (p.485). Não obstante, Kant, ao afirmar que é pelo caráter<br />

empírico ―que podemos considerar o homem quan<strong>do</strong> simplesmente o observamos e quan<strong>do</strong>, tal qual<br />

ocorre na Antropologia, pretendemos investigar fisiologicamente as causas de suas ações‖ (CRP B<br />

578) parece sugerir uma aproximação de senti<strong>do</strong> entre a lei da causalidade empírica e caráter<br />

antropologicamente considera<strong>do</strong>.<br />

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perguntar, como se se indagasse porque o objeto transcendental de nossa intuição<br />

sensível externa só dá uma intuição no espaço e não em qualquer outro tipo de<br />

intuição (CRP B 585).<br />

Assim, quan<strong>do</strong> se quer defender a tese de que o caráter inteligível, entendi<strong>do</strong> como<br />

o “esse” <strong>do</strong> homem, se está tentan<strong>do</strong> sustentar, senão exatamente o porquê de o<br />

caráter inteligível resultar num determina<strong>do</strong> caráter empírico (teria de se responder<br />

porque o homem é o que é), algo que ultrapassa os limites legítimos <strong>do</strong> poder de<br />

nossa razão para responder. Afirmar que Kant, com a distinção entre caráter<br />

empírico e inteligível, nos retirou ―<strong>do</strong> erro fundamental que deslocava a necessidade<br />

para o ‗esse‘ e a liberdade para o ‗operari‘ 1 e nos fez perceber que a relação é<br />

inversa, isto é, “operari sequitur esse”, é supor-se autoriza<strong>do</strong> a perscrutar o<br />

imperscrutável. Na verdade, Kant, ao distinguir caráter empírico <strong>do</strong> caráter inteligível,<br />

nos retirou <strong>do</strong> seguinte erro fundamental: considerar o operari como o faz<br />

Schopenhauer, ou seja, como suscetível de uma única leitura, não sen<strong>do</strong> possível<br />

de ser considera<strong>do</strong> senão sob o ponto de vista da causalidade natural.<br />

Deve-se notar, ainda, que o não ter direito de indagar sobre por que o caráter<br />

inteligível resulta num determina<strong>do</strong> caráter empírico está vincula<strong>do</strong> à não<br />

autorização de perguntar sobre de onde surge a ação livre e quan<strong>do</strong> ela é iniciada.<br />

De fato, visto que condições espaço-temporais só podem ser referidas ao caráter<br />

empírico, a causalidade livre da razão ―em seu caráter inteligível não surge, nem<br />

começa por volta de um certo tempo a fim de produzir um efeito. Pois, <strong>do</strong> contrário<br />

ela mesma ficaria submetida a lei natural <strong>do</strong>s fenômenos‖ (CRP B 579-580) 2 .<br />

1 A. SCHOPENHAUER. Sobre o fundamento da moral, p. 92.<br />

2 Na Religião, Kant apresenta uma distinção que tem uma incidência esclarece<strong>do</strong>ra neste ponto.<br />

Trata-se da distinção <strong>do</strong> conceito de ―Origem primeira‖ - Ursprung (der erste) , que significa ―a<br />

derivação de um efeito da sua primeira causa, i.é, daquela que, por seu turno, não é efeito de outra<br />

causa da mesma espécie (p.45) . Esta pode se distinguir em ―origem racional‖ e ―origem temporal‖. A<br />

―origem racional‖ toma ―em conta apenas a existência <strong>do</strong> efeito‖, ja a ―origem temporal‖ ―o acontecer<br />

<strong>do</strong> mesmo, por conseguinte, o efeito como ocorrência é referi<strong>do</strong> a uma a uma causa no tempo. Se o<br />

efeito é referi<strong>do</strong> a uma causa que a ele está ligada segun<strong>do</strong> leis da liberdade ... então a determinação<br />

<strong>do</strong> arbítrio à sua produção é pensada ... como ligada ... somente na representação da razão, e não<br />

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Voltemos a questão sobre a responsabilidade de nossas ações. Somente pode<br />

haver imputabilidade (Zurechnungskeit) onde há liberdade. Ora, se não há<br />

condições de saber (kennen) da existência ou não da liberdade, temos de enfrentar<br />

a seguinte dificuldade: ou nós abdicamos qualquer juízo de imputabilidade ou<br />

expomo-nos ao risco da injustiça nos julgamentos que fazemos. Pareceria que o não<br />

poder ―julgar com toda a justiça‖ neste caso significaria não poder julgar com<br />

nenhuma justiça, visto que sugeriria um julgamento cego. Nesta perspectiva, diz<br />

Jonathan Bennett, comentan<strong>do</strong> a citação de Kant em pauta:<br />

Dizer que não se pode ‗julgar com plena justiça‘ é pouco. De fato, não temos a menor<br />

base para crer que qualquer juízo de imputabilidade tenha a mínima justiça (...).<br />

Visan<strong>do</strong> apoiar a noção ordinária de responsabilidade moral, a teoria de Kant a<br />

aniquila 1 .<br />

Convém, ten<strong>do</strong> presente tais questionamentos e leituras, retornar à Crítica da Razão<br />

Pura na busca de uma possível resposta de Kant, seja explícita ou não, ao problema<br />

levanta<strong>do</strong>. Examinan<strong>do</strong> bem a nota da CRP B 579, talvez se consiga dissipar um<br />

pouco as dificuldades apresentadas. Na verdade, Kant não diz que nós não<br />

sabemos se as ações são efeitos da liberdade ou da natureza. Kant afirma que nós<br />

não sabemos o quanto deve ser imputa<strong>do</strong> à liberdade ou à natureza 2 . Desse mo<strong>do</strong>,<br />

seria possível uma interpretação favorável a Kant. De fato, a afirmação de Kant não<br />

impede totalmente o juízo moral, ela apenas restringe a sua acribia. Neste senti<strong>do</strong>,<br />

pode-se admitir que ninguém julga com toda a justiça, o que não significa eliminar<br />

to<strong>do</strong> o julgamento. A tese simplesmente introduziria cláusulas de reservas quanto ao<br />

seu caráter peremptório.<br />

pode ser derivada de qualquer esta<strong>do</strong> precedente‖ (A Religião nos limites da simples razão, p. 45.<br />

Portanto, a pergunta pela ―origem temporal das ações livres como tais (como se fossem efeitos da<br />

natureza) é, pois, uma contradição‖ (p.45-46).<br />

1 J. BENNETT. La „Crítica de la razón pura‟, 2, La Dialética. p. 223.<br />

2 No original: ―Wie viel aber davon reine Wirkung der Freiheit, wie viel der blossen Natur ...‖ (grifei).<br />

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III<br />

Todavia, para se conceder validade à compreensão de Kant sobre a imputabilidade<br />

moral na CRP deve-se cuidar ainda de um outro ponto. Tenho em mente o exemplo,<br />

apresenta<strong>do</strong> por Kant, da mentira mal<strong>do</strong>sa, causa<strong>do</strong>ra de uma certa confusão para a<br />

sociedade. Em primeiro lugar, segun<strong>do</strong> Kant, esta ação deve ser examinada ―quanto<br />

às motivações a partir das quais emergiu‖ para em seguida a julgarmos ―como ela<br />

pode ser imputada ao agente juntamente com as suas consequências‖ (CRP B 582).<br />

A primeira questão diz respeito ao caráter empírico da ação, exigin<strong>do</strong> que<br />

compreendamos a mentira mal<strong>do</strong>sa dentro de uma série de causas que a<br />

determinam naturalmente. Assim, encontramos como fatores determinantes uma<br />

―educação defeituosa, [...] más companhias, [...] ín<strong>do</strong>le insensível à vergonha, [...]<br />

leviandade, [...] irreflexão‖, bem como ―causas ocasionais que a tal ato deram azo‖<br />

(CRP B 582). Tais fatores, que expressam tanto traços de caráter (senti<strong>do</strong><br />

antropológico) quanto determinações <strong>do</strong> ambiente, apenas explicam como a ação<br />

ocorreu, não permitin<strong>do</strong>, portanto, julgá-la moralmente. Ora, a imputação é garantida<br />

pelo segun<strong>do</strong> procedimento de exame. Neste procedimento, ―apesar de se crer que<br />

a ação esteja determinada mediante tal [série de causas que determinam um efeito<br />

natural da<strong>do</strong> - AP], nem por isso admoesta-se menos o agente‖ (CRP B 582-583).<br />

Mas como podemos justificar uma censura a um agente se consideramos que sua<br />

ação resulta de uma causalidade natural? Conforme Kant, esta censura está<br />

baseada numa ―lei da razão por meio da qual se encara esta última como uma<br />

causa que, sem levar em conta todas as condições empíricas mencionadas, poderia<br />

e deveria determinar diversamente o comportamento <strong>do</strong> homem‖ (CRP B 583). Para<br />

Kant, ainda que adversidades empíricas se coloquem, a causalidade da razão é<br />

completa. Nesse senti<strong>do</strong>, entende-se a afirmação já referida segun<strong>do</strong> a qual ―a ação<br />

é atribuída ao caráter inteligível <strong>do</strong> homem, e agora, no momento em que mente, ele<br />

é totalmente culpa<strong>do</strong>‖ (CRP B 583).<br />

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Assim sen<strong>do</strong>, a responsabilidade moral de um homem que mente mal<strong>do</strong>samente<br />

requer um desprezo pelas condições empíricas, sejam estas internas ou externas.<br />

Kant diz ainda, no mesmo parágrafo, que nós temos de considerar tal ato, na<br />

perspectiva de censura <strong>do</strong> agente, de um la<strong>do</strong>, como se a série decorrida das<br />

condições não tivesse ocorri<strong>do</strong> 1 e, de outro la<strong>do</strong>, como se se tratasse de início<br />

espontâneo, por parte <strong>do</strong> agente, de uma série de consequências. Parece um tanto<br />

difícil aceitar que, quan<strong>do</strong> se propõe a avaliar moralmente a responsabilidade ou não<br />

de um ser humano, seja necessário desconsiderar condições empíricas passadas.<br />

Se uma pessoa teve uma educação defeituosa, más companhias e cometeu uma<br />

ação censurável por leviandade, parece que, nestes casos, seria plausível a<br />

possibilidade de que esta pessoa agisse, mediante a causalidade de sua razão, de<br />

um mo<strong>do</strong> diverso. Sen<strong>do</strong> assim, nos veríamos obriga<strong>do</strong>s a sustentar que tais<br />

condições não são relevantes, visto que não determinam necessariamente a ação.<br />

Mas tal irrelevância das condições empíricas deve resultar da avaliação que<br />

fizermos, não de uma desconsideração prévia delas. Considere-se o caso,<br />

menciona<strong>do</strong> por Kant, de que se verifique no agente, conjugadamente a outros<br />

fatores, a ―malignidade de uma ín<strong>do</strong>le insensível à vergonha‖. Neste caso, se estaria<br />

diante de algo que poderíamos chamar de um grave distúrbio de personalidade, fato<br />

que tornaria insustentável qualquer expectativa de comportamento moral <strong>do</strong> agente.<br />

A ideia de uma pessoa ―insensível à vergonha‖ parece nos conduzir à compreensão<br />

da existência de uma falha estrutural na formação de sua consciência moral, o que<br />

nos permitiria considerá-la moralmente incivilizada. Nesse contexto, parece intervir<br />

uma condição empírica relevante. Assim, o agente não estaria sujeito à<br />

imputabilidade, uma vez que a causalidade determinante não foi a causalidade da<br />

razão (livre e de mo<strong>do</strong> algum afetada pela sensibilidade), mas a causalidade natural<br />

que subtrai to<strong>do</strong> juízo de responsabilização moral. Dessa forma, a argumentação de<br />

1 Para Allison, a pretensão de Kant seria a de que ―a disponibilidade de uma explicação empíricocausal<br />

de uma ação por si mesma não excluí a possibilidade de supor que o agente poderia ter agi<strong>do</strong><br />

de outro mo<strong>do</strong> e, portanto, de sustentar que o agente é responsável‖ (Kant‟s Theory of Free<strong>do</strong>m, p.<br />

42).<br />

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Kant em torno <strong>do</strong> exemplo da mentira mal<strong>do</strong>sa se revela também problemática,<br />

sobretu<strong>do</strong> em função de ele sugerir, pelo desprezo das condições empíricas, que<br />

todas as ações humanas seriam livres 1 .<br />

De qualquer forma é importante enfatizar que a pretensão de Kant é mostrar que<br />

liberdade e necessidade natural podem, numa mesma ação, ―ocorrer<br />

independentemente uma da outra e sem interferências recíprocas‖ (CRP B 585).<br />

Logo, o argumento principal em favor desta tese é, de fato, a distinção entre<br />

fenômeno e númeno com a consequente abertura <strong>do</strong> já referi<strong>do</strong> espaço conceitual<br />

que nos permite pensar a possibilidade das ações humanas fora das condições<br />

epistêmicas (espaço-temporais e categoriais). Todavia, o recurso a este espaço<br />

conceitual, em que se justifica a compreensão das ações humanas como resulta<strong>do</strong><br />

de uma causalidade por liberdade, isto é, numênica, deve ser valida<strong>do</strong> apenas ―onde<br />

há alguma razão para ir além da causalidade fenomênica, e estas são encontradas<br />

apenas na volição humana‖ 2 . Com efeito, na natureza inanimada ou meramente<br />

animal não existem razões para o recurso a uma compreensão diferente da que nos<br />

é oferecida pelo determinismo natural (Cf. CRP B 574). Ora, se o recurso a uma<br />

causalidade numênica somente se justifica quan<strong>do</strong> existe alguma razão para irmos<br />

além da causalidade fenomênica, e mesmo que este apelo à causalidade numênica<br />

só seja justifica<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> se tratar de volições humanas, poder-se-ia considerar<br />

que, nas ações humanas, ten<strong>do</strong> em vista a avaliação de responsabilidade das<br />

mesmas, o apelo à causalidade numênica pode ser impugna<strong>do</strong> à medida que<br />

1 Esta questão é assinalada por Jonathan Bennett (Op. Cit , p. 233) e Lewis White Beck que, embora<br />

numa perspectiva de argumentação diferente da de Bennett, afirma: ―To<strong>do</strong>s os fenômenos têm duas<br />

dimensões de relações, uma para o fenômeno anterior, uma para o númeno. A segunda dimensão ou<br />

relação não é o que se quer significar por liberdade num senti<strong>do</strong> interessante, porque ela é<br />

indiscriminadamente universal. Liberdade como um predica<strong>do</strong> universal é destituída de interesse‖ (A<br />

Commentary on Kant‟s Critique of pratical reason, p.188). Embora Beck não esteja se referin<strong>do</strong> a<br />

universalidade indiscriminada quanto às ações humanas (o que faz Bennett), a sua ponderação ao<br />

meu ver pode valer também nesse senti<strong>do</strong>, uma vez que o conceito de liberdade como predica<strong>do</strong> de<br />

toda e qualquer ação humana, ao desconsiderar a possibilidade <strong>do</strong> arbítrio humano ser necessita<strong>do</strong><br />

patologicamente, apresenta-se com interesse reduzi<strong>do</strong>, dada a sua miopia quanto às ocorrências<br />

patológicas suscetíveis ao agir humano.<br />

2 L. W. BECK. Commentary, p. 189.<br />

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inexistam razões para se ir além da causalidade fenomênica. Tome-se novamente o<br />

exemplo da mentira mal<strong>do</strong>sa. É razoável supor que um tal ato resulte de certas<br />

condições empíricas que afetam completamente (necessitariamente) a volição<br />

humana (consideremos, mais uma vez, o fator da ―malignidade de uma ín<strong>do</strong>le<br />

insensível à vergonha‖ no senti<strong>do</strong> mais forte). Assim, em casos semelhantes a este,<br />

não existiria razão para irmos além da causalidade fenomênica. Convém que se<br />

atente que o que está em questão aqui não é em primeiro lugar a precisão <strong>do</strong>s<br />

exemplos, mas sim a de perceber que a liberdade não está sempre presente nas<br />

ações humanas, não se justifican<strong>do</strong>, portanto, por princípio um desprezo das<br />

condições empíricas <strong>do</strong> agente quan<strong>do</strong> visamos juízos de imputabilidade. O que se<br />

questiona em Kant é a tese de que, independentemente de qualquer afeto, a razão é<br />

moralmente soberana (e não que ela deva ser moralmente soberana). Ora, um<br />

sujeito destituí<strong>do</strong> <strong>do</strong> sentimento de vergonha seria um caso empírico de uma<br />

patologia 1 diante da qual a razão não teria soberania.<br />

IV<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, pode-se buscar um apoio nos textos kantianos. Com efeito, Kant<br />

considera que a primeira infância e a loucura, incluin<strong>do</strong> nesta última esta<strong>do</strong>s<br />

psicológicos como uma melancolia extrema ou depressão, representam condições<br />

empíricas que nos levam a considerar um agente como não livre 2 . A discriminação<br />

de atos livres de atos não livres se deixa perceber também no texto Resposta à<br />

pergunta: que é o Iluminismo? em que Kant fala da ―menoridade‖ de que o próprio<br />

homem é culpa<strong>do</strong>, a qual se distingue da menoridade que reside na falta de<br />

entendimento ou que se baseia no fato da natureza não nos ter ainda ―liberta<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

controle alheio‖ 3 . A menoridade imputável é a menoridade a qual o Iluminismo<br />

1<br />

Bem entendi<strong>do</strong>, patologia no senti<strong>do</strong> moderno (e não kantiano) <strong>do</strong> termo.<br />

2<br />

Cf. I. KANT. Metaphisik L., edição da Academia, vol, XXVIII, p. 254-257, cita<strong>do</strong> por H. Allison, Kant‟s<br />

Theory of Free<strong>do</strong>m, p. 59 e 74.<br />

3<br />

I. KANT. ―Resposta à pergunta: que é o Iluminismo?‖, p. 11.<br />

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(Aufklärung) empenha-se na crítica, responsabilizan<strong>do</strong> o homem que não saiu deste<br />

esta<strong>do</strong> precisamente em função de que o mesmo poderia não mais continuar menor,<br />

ou seja, responsabiliza-se uma menoridade que resulta da liberdade.<br />

Contrastivamente a esse caso de menoridade imputável, temos uma menoridade<br />

não imputável, isto é, atos de menoridade não livres, empiricamente destaca<strong>do</strong>s, e,<br />

assim, insuscetíveis de responsabilização (menoridade no senti<strong>do</strong> comum, relativo à<br />

infância, e uma menoridade por alguma deficiência <strong>do</strong> entendimento). Ainda, na<br />

Crítica da Faculdade <strong>do</strong> Juízo, vemos Kant, ao distinguir afetos (Affekten) de<br />

paixões (Leidenschaften) 1 ,, sinalizar a possibilidade de um impedimento empírico da<br />

liberdade 2 , ao afirmar que as paixões ―são inclinações que dificultam ou tornam<br />

impossível toda determinabilidade <strong>do</strong> arbítrio por princípios‖ 3 . Logo, as paixões<br />

podem limitar e inclusive suprimir a liberdade 4 .<br />

1<br />

Diz Kant: ―Afetos são especificamente distintos de paixões. Aqueles referem-se meramente ao<br />

sentimento; estas pertencem à faculdade de apetição e são inclinações que dificultam ou tornam<br />

impossível toda determinabilidade <strong>do</strong> arbítrio (Willkür) por princípios. Aqueles são impetuosos e<br />

impremedita<strong>do</strong>s; estas, dura<strong>do</strong>ras e refletidas‖ (Crítica da Faculdade <strong>do</strong> Juízo. B 121, nota 128). O<br />

exemplo forneci<strong>do</strong> por Kant nesta nota é o da indignação (Unwille) que, sen<strong>do</strong> um afeto, é cólera<br />

(Zorn) e, sen<strong>do</strong> paixão, é ódio (Hass), sede de vingança. Na Tugendlehre Kant também apresenta<br />

esta distinção. O exemplo é o mesmo. A cólera ou ira, como sentimento repentino e brusco, é uma<br />

propensão a um afeto. O ódio - inclinação permanente - é uma paixão. A diferença está nas<br />

definições. Os afectos ―pertencem ao sentimento, na medida em que este, preceden<strong>do</strong> à reflexão<br />

(Überlegung), a impossibilita ou a dificulta‖ (Ak 407). A paixão ―é o apetite sensível converti<strong>do</strong> em<br />

inclinação permanente‖ (Ak 408). Assim, temos ao la<strong>do</strong> da já conhecida vítima da paixão ( o arbítrio),<br />

a vítima <strong>do</strong> afeto (a reflexão, ou raciocínio). A questão que se coloca, num caso extremo, é até que<br />

ponto pode arbítrio se determinar livremente consideran<strong>do</strong>-se a impossibilidade da reflexão? Por<br />

certo, isso dificulta somente o que é uma tese mais moderada de Kant.<br />

2<br />

Referência no mesmo senti<strong>do</strong> à Crítica da Faculdade <strong>do</strong> Juízo é feita por Henry Allison, Kant‟s<br />

Theory of Free<strong>do</strong>m, 260, n.12.<br />

3<br />

Cf. nota 35.<br />

4<br />

Também nas Lecciones de Ética (De Imputatione): "Podemos atribuir algo a uma pessoa sem<br />

chegar a imputar-lhe; por exemplo, podemos atribuir suas ações a um louco ou a um ébrio, mas não<br />

imputar-lhes. Na imputação, a ação tem de ter sua origem na liberdade. Certamente, não se podem<br />

imputar suas ações ao ébrio, senão à própria embriaguez" (p.97; veja também p. 101). A referência<br />

ao ébrio lembra Aristóteles: "O homem embriaga<strong>do</strong> ou enfureci<strong>do</strong> age na ignorância, mas não por<br />

ignorância, sen<strong>do</strong> portanto responsável" (Ética a Nicômaco, III, 1, 1110 b25ss.). Aristóteles também<br />

afirma que "sucede até que um homem seja puni<strong>do</strong> pela sua própria ignorância quan<strong>do</strong> o julgam<br />

responsável por ela, como no caso das penas <strong>do</strong>bradas para os ébrios; pois o princípio motor está no<br />

próprio indivíduo, visto que ele tinha o poder de não se embriagar, e o fato de se haver embriaga<strong>do</strong><br />

foi causa de sua ignorância" (EN, III, 5, 1113 b30ss).<br />

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Assim sen<strong>do</strong>, pode-se retornar com outros olhos à afirmação de Kant segun<strong>do</strong> a<br />

qual a ação <strong>do</strong> homem "de mo<strong>do</strong> algum pode ser computada na receptividade da<br />

sensibilidade" (CRP B 575). Ao que parece, certas ações podem ser computadas na<br />

receptividade da sensibilidade, demarcan<strong>do</strong>-se assim alguma fronteira entre o<br />

imputável e o não imputável, entre as ações livres e as não livres.<br />

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Paulo Quintela. São Paulo, Abril Cultural, 1980.<br />

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13. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática. Tradução de Artur Morão. Lisboa,<br />

Ed. 70, 1986.<br />

14. KANT, Immanuel. Kritik der praktischen Vernunft. Werkausgabe VII. Ed. W.<br />

Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991.<br />

15. KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade <strong>do</strong> Juízo. Tradução de Valério Rohden e<br />

Antonio Marques. Rio de Janeiro, Forense, 1993.<br />

16. KANT, Immanuel. Kritik der Urteilskraft. Werkausgabe X. Ed. W. Weischedel.<br />

Frankfurt, Surkamp, 1991.<br />

17. KANT, Immanuel. A Religião nos limites da simples razão. Tradução de Artur<br />

Morão. Lisboa, Ed. 70, 1992.<br />

18. KANT, Immanuel. Die Religion innerhalb der Grenzen der blossen Vernunft.<br />

Werkausgabe VIII. Ed. W. Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991.<br />

19. KANT, Immanuel. La Metafísica de las Costumbres. Tradução de Adela Cortina<br />

Orts e Jesus Conill Sancho. Madrid, Tecnos, 1994.<br />

20. KANT, Immanuel. Die Metaphysik der Sitten. Werkausgabe VIII. Ed. W.<br />

Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991.<br />

21. KANT, Immanuel. Anthropologie du point de vue pragmatique. Tradução de<br />

Michel Foucault, Paris, J. Vrin, 1964.<br />

22. SCHOPENHAUER, Artur. O mun<strong>do</strong> como vontade e representação. Tradução de<br />

M. Filosofia Sá Correia. Porto: Rés, s/d.<br />

23. SCHOPENHAUER, Artur. Sobre o fundamento da moral. Tradução de Maria<br />

Lúcia Cacciola. São Paulo, Marins Fontes, 1995.<br />

24. SCHOPENHAUER, Artur. Essai sur le libre arbitre. 13 a . ed. Tradução de<br />

Salomon Reinhach. Paris: Fálix Alcan, 1925.<br />

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SOBRE O ESPECULATIVO EM KANT, OU DO RECONHECIMENTO DE UMA<br />

REGIÃO INTERMEDIÁRIA ENTRE O EMPÍRICO E O TRANSCENDENTAL<br />

1. Considerações preliminares<br />

Manuel Moreira da Silva<br />

DEFIL – UNICENTRO/PR<br />

O presente trabalho visa explicitar em que senti<strong>do</strong> Hegel retoma e desenvolve o que<br />

para ele consiste no ponto o mais interessante <strong>do</strong> Sistema kantiano 1 e em que<br />

medida o funda<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Idealismo especulativo se apresenta como um legítimo<br />

intérprete deste; vale dizer, como o herdeiro que leva a termo o projeto de seu<br />

antecessor, não só pacifican<strong>do</strong> províncias reciprocamente hostis, mas também<br />

assumin<strong>do</strong> e manten<strong>do</strong> de cada uma e para cada uma seus limites e seu alcance,<br />

i.é, sua jurisdição, no contexto de uma nova ordem <strong>do</strong> Saber. Essa cuja<br />

consolidação, em 1812, quan<strong>do</strong> o tempo de sua fermentação parecia haver se<br />

dissipa<strong>do</strong>, ainda não se mostrava aos olhos de Hegel plenamente consumada;<br />

sen<strong>do</strong> esta, portanto, a pretensão <strong>do</strong> filósofo: transformar em ciência o princípio<br />

desta nova ordem <strong>do</strong> Saber, o qual embora já adquiri<strong>do</strong> e afirma<strong>do</strong> desde<br />

aproximadamente 1787, permanecia até então em sua intensidade não-<br />

desenvolvida 2 – e isso justamente pelo fato da completa mudança que o mo<strong>do</strong> de<br />

pensar filosófico sofrera neste perío<strong>do</strong> de tempo não ter ti<strong>do</strong> ainda influxo sobre a<br />

configuração da Lógica. 3 Neste caso, de mo<strong>do</strong> mais rigoroso, da Lógica entendida<br />

1 Ver, G. W. F. HEGEL, Glauben und Wissen (1802), in: G. W. F. HEGEL, Jenaer Schriften (1801-<br />

1807). Auf der Grundlage der Werke von 1832-1845 neu edierte Ausgabe. Redaktion Eva<br />

Moldenhauer und Karl Markus Michel. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970 [TWA 2], p. 322 (= GW,<br />

TWA 2, p. 322).<br />

2 Ver, G. W. F. HEGEL, Wissenschaft der Logik, I. Auf der Grundlage der Werke von 1832-1845 neu<br />

edierte Ausgabe. Redaktion Eva Moldenhauer und Karl Markus Michel. Frankfurt am Main: Suhrkamp,<br />

1970 [TWA 5], p. 16 (= WdL I, TWA 5, p. 16). Quan<strong>do</strong> for o caso, seguiremos este mesmo<br />

procedimento também para a Wissenschaft der Logik, II [TWA 6].<br />

3 WdL I, TWA 5, p. 13.<br />

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como a verdadeira Metafísica ou a Filosofia especulativa pura; 1 para o que se<br />

deveria levar em conta a sistematização expandida <strong>do</strong> princípio anterior, tarefa essa<br />

em relação à qual, nas palavras de Hegel, o princípio presente – quan<strong>do</strong> ainda em<br />

fermentação – costuma comportar-se com fanática hostilidade. 2<br />

Trata-se, pois, em certo senti<strong>do</strong>, de um balanço histórico-crítico e de uma<br />

reconsideração sistemático-especulativa das linhas de força que, ao mesmo tempo,<br />

entre a segunda edição da Kritik der reinen Vernunft (1787) e a primeira edição da<br />

Wissenschaft der Logik (1812), mas que já se apresentam de mo<strong>do</strong> programático<br />

em 1802, mais precisamente em Glauben und Wissen, unem e separam o Idealismo<br />

crítico e o Idealismo absoluto. Linhas de força essas que, nos limites da filosofia<br />

kantiana interpretada de mo<strong>do</strong> não meramente exotérico, emergem de pontos<br />

nodais perfeitamente determina<strong>do</strong>s, os quais se mostram passíveis de constatação<br />

e verificação segun<strong>do</strong> o espírito e a letra <strong>do</strong> Idealismo crítico ele mesmo em seu<br />

desenvolvimento imanente – portanto, sem fazer-lhe violência, mas nele discernin<strong>do</strong><br />

as linhas de força que, rigorosamente determinadas, o conduzem para a<br />

suprassunção daquilo que nele se opõe. Neste senti<strong>do</strong>, por ‗interpretação não<br />

meramente exotérica‘ entende-se aqui aquela que não se fixa no aspecto popular da<br />

<strong>do</strong>utrina kantiana, este segun<strong>do</strong> o qual o Entendimento não pode pura e<br />

simplesmente ir além da experiência sensível, 3 mas busca compreender em que<br />

senti<strong>do</strong>, por exemplo, a exigência de uma mediação entre Natureza e Liberdade no<br />

Idealismo crítico, não pode dispensar o Entendimento, ten<strong>do</strong> antes que já nele<br />

pressupor um caráter ativo e, por isso, apreender a espontaneidade <strong>do</strong> mesmo nos<br />

quadros de um Entendimento intuitivo que, independente <strong>do</strong> fato de nós mesmos<br />

(enquanto simples representação) não possuí-lo, se impõe como princípio de nossas<br />

representações, juízos e de nós mesmos (ou <strong>do</strong> Eu como simples representação),<br />

1 WdL I, TWA 5, p. 16.<br />

2 WdL I, TWA 5, p. 15.<br />

3 Esse o de boa parte <strong>do</strong>s kantianos, anti-kantianos e pós-kantianos imediatos, uma lista<br />

razoavelmente longa de filósofos mais ou menos influentes cujos nomes mais proeminentes neste<br />

perío<strong>do</strong> seriam Reinhold, Jacobi, Bardili, Fries, Herbart, etc., aos quais Hegel alude em WdL, I, TWA<br />

5, p. 13ss, p. 45ss.<br />

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assim como produz o múltiplo da sensibilidade, na medida em que se produz a si<br />

mesmo sob a forma de Autoconsciência. 1 O que, enfim, se deixa pelo menos<br />

entrever em algumas das mais importantes obras de Kant, das quais, de mo<strong>do</strong> mais<br />

privilegia<strong>do</strong>, em Glauben und Wissen, Hegel irá tomar em questão apenas a Kritik<br />

der reinen Vernunft e a Kritik der Urteilskraft; razão pela qual, no presente trabalho,<br />

discutir-se apenas o que se impõe a partir da consideração hegeliana delineada na<br />

obra juvenil de 1802, acima referida.<br />

Assim, nossa discussão versará sobre o problema a um tempo ontológico e<br />

epistemológico da relação <strong>do</strong> Transcendental e <strong>do</strong> Empírico em Kant e sua<br />

resolução hegeliana mediante a instauração <strong>do</strong> Especulativo, este reconheci<strong>do</strong><br />

como aquela região intermediária entre o Empírico e o Transcendental de certo<br />

mo<strong>do</strong> antevista por Kant. 2 Desse mo<strong>do</strong>, procuraremos mostrar o que há de<br />

especifico na exposição kantiana e na exposição hegeliana dessa região – a<br />

primeira constituin<strong>do</strong>-se como transcendental e a segunda como especulativa, essas<br />

cujas diferenças tornar-se-ão cada vez mais claras em função <strong>do</strong> desenvolvimento<br />

de seus respectivos pontos de vista acerca de tal região ou <strong>do</strong> Especulativo<br />

propriamente dito. Em vista disso, ao contrário da interpretação tradicional, tanto das<br />

instâncias kantianas, quanto das hegelianas, a tematização aqui levada a cabo parte<br />

da constatação que o Transcendental e o Especulativo: (1) embora inicialmente se<br />

identifiquem, não constituem uma e a mesma coisa, não poden<strong>do</strong>, pois, o<br />

Especulativo constituir-se como uma espécie de radicalização ou de dialetização <strong>do</strong><br />

1 Sobre este ponto já então desenvolvi<strong>do</strong> na obra madura de Hegel, veja-se: G. W. F. HEGEL,<br />

Encyklopädie der philosophischen Wissenschaften im Grundrisse. Erster Teil. Die Wissenschaft der<br />

Logik. Mit den mündlichen Zusätzen. Auf der Grundlage der Werke von 1832-1845 neu edierte<br />

Ausgabe. Redaktion Eva Moldenhauer und Karl Markus Michel. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970<br />

[TWA 8], p. 71ss. Versão brasileira: Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio (1830). I. A<br />

Ciência da Lógica. Trad. Paulo Meneses e Pe. José Macha<strong>do</strong>, São Paulo: Loyola, 1995, p. 69ss.<br />

Texto cita<strong>do</strong>, de ora avante e sempre que possível, pela inicial ‗E‘, seguida de ‗1830‘, para o ano de<br />

sua publicação, ‗I‘ para a indicação <strong>do</strong> presente volume, ‗§‘ para os parágrafos correspondentes e,<br />

quan<strong>do</strong> for o caso, de ‗A.‘, para as Anotações de Hegel, e de ‗Ad.‘, para os Aden<strong>do</strong>s orais recolhi<strong>do</strong>s<br />

por seus discípulos; no caso: E., 1830, I, § 20ss. Veja-se também: WdL, I, TWA 5, p. 43ss; WdL, II,<br />

TWA 6, p. 253.<br />

2 GW, TWA 2, p. 322.<br />

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Transcendental; 1 (2) da mesma forma, ainda que possam ao fim e ao cabo<br />

distinguir-se profunda e radicalmente, isso não implica uma oposição intransponível<br />

entre ambos, sem que haja passagem de um ao outro. 2 O ponto aqui em jogo<br />

decide-se em três momentos chave, delinea<strong>do</strong>s justamente em Glauben und<br />

Wissen, os quais demonstram não só a consistência de uma interpretação não<br />

tradicional de Kant e de Hegel, mas também a da que Hegel assume enquanto<br />

ponto de partida de sua retomada e desenvolvimento da região entre o<br />

Transcendental e o Empírico, a qual, em Kant, se apresenta de mo<strong>do</strong> pura e<br />

simplesmente inconsciente. Em suma: (a) aquilo que tornam possíveis os juízos<br />

sintéticos a priori, (b) o termo-médio entre o conceito de natureza e o de liberdade e<br />

(c) a conformação deste termo-médio como o Especulativo propriamente dito.<br />

A seguir, discutiremos cada um desses momentos em seu aspecto histórico-crítico e<br />

em seu caráter sistemático-especulativo. Primeiro, o tratamento hegeliano da<br />

pergunta ―como são possíveis os juízos sintéticos a priori?‖, buscan<strong>do</strong> explicitar o<br />

que Hegel entende como o la<strong>do</strong> <strong>do</strong> Eu absoluto enquanto Identidade sintética<br />

originária e o la<strong>do</strong> <strong>do</strong> juízo como sua separação e seu aparecer. 3 Logo após,<br />

algumas observações de Hegel relativas à concepção kantiana <strong>do</strong> termo-médio<br />

entre o conceito de natureza e o de liberdade e à determinação <strong>do</strong> mesmo enquanto<br />

Entendimento intuitivo, esse que conformaria em seu automovimento o próprio<br />

momento especulativo tal como Hegel o compreende. 4 A título de conclusão, em que<br />

medida os resulta<strong>do</strong>s então alcança<strong>do</strong>s por Hegel representariam um mero desvio<br />

ou uma simples rejeição da perspectiva kantiana ou, antes, a sua consumação.<br />

1 Sobre este ponto, veja-se, por exemplo, J.-M. LARDIC, Hegel classique, ou spéculation et<br />

dialectique du transcendantal. In: J.-Ch. GODDARD (Ed.). Le transcendantal et le spéculatif dans<br />

l‟idéalisme allemand. Paris: Vrin, 1999, p. 115-116ss, p. 135.<br />

2 Veja-se, igualmente, J.-M. LARDIC, Hegel classique..., in: op. cit., p. 123ss, p. 135.<br />

3 GW, TWA 2, p. 304-309.<br />

4 GW, TWA 2, p. 322-330.<br />

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2. Do Eu absoluto enquanto Identidade sintética originária e <strong>do</strong> juízo<br />

como sua separação e seu aparecer<br />

Em sua Introdução a Glauben und Wissen, 1 Hegel apresenta o problema imposto<br />

pelo fato de a essência da filosofia kantiana consistir em um idealismo crítico, i.é,<br />

permanecer pura e simplesmente na oposição e, a um tempo, fazer da identidade<br />

<strong>do</strong>s opostos (nela presentes) o fim absoluto da filosofia. 2 Assim, de um la<strong>do</strong>, a<br />

filosofia kantiana teria o mérito de ser idealismo, na medida em que demonstra que<br />

nem o conceito apenas por si, nem a intuição somente por si são algo,<br />

reconhecen<strong>do</strong> pois que a intuição por si é cega e o conceito por si é vazio; de outro,<br />

contu<strong>do</strong>, ela teria o demérito de não sê-lo, pois, para ela, o conhecimento finito se<br />

apresenta como o único possível. 3 Já em sua Conclusão, 4 o autor de Glauben und<br />

Wissen atém-se às conseqüências de tal procedimento, apresentan<strong>do</strong> por um la<strong>do</strong> o<br />

aspecto especulativo da fé prática afirmada pelo Criticismo, i.é, a Ideia de que,<br />

simultaneamente, a Razão teria realidade absoluta e, nesta Ideia, os contrários da<br />

liberdade e da necessidade seriam suprassumi<strong>do</strong>s, assim como, da mesma forma,<br />

que o pensar infinito é ao mesmo tempo realidade absoluta ou a identidade absoluta<br />

<strong>do</strong> pensar e <strong>do</strong> ser; algo que, por outro la<strong>do</strong>, ao ser verti<strong>do</strong> na forma humana, exige<br />

por seu turno que a Razão não possa atingir nada de mais eleva<strong>do</strong> que esta fé<br />

prática, a qual, ao fim e ao cabo, implica em nosso ser-submergi<strong>do</strong> absoluto na<br />

empiria, aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong> a esta tanto a finitude de seu pensamento e de sua ação<br />

quanto a de seu deleite. 5 Enfim, na parte principal de Glauben und Wissen, Hegel<br />

deixa de la<strong>do</strong>, ao que parece de mo<strong>do</strong> proposital, a Kritik der praktischen Vernunft,<br />

concentran<strong>do</strong>-se na Kritik der reinen Vernunft e na Kritik der Urteilskraft, essa na<br />

1 GW, TWA 2, p. 301-304.<br />

2 GW, TWA 2, p. 302.<br />

3 GW, TWA 2, p. 303.<br />

4 GW, TWA 2, p. 330-333.<br />

5 GW, TWA 2, p. 330-331.<br />

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qual se encontraria o ponto o mais interessante <strong>do</strong> Sistema kantiano, a saber, o<br />

termo-médio entre o conceito de natureza e o de liberdade. 1<br />

No que tange à Kritik der reinen Vernunft, Hegel inicia seu comentário passan<strong>do</strong> em<br />

revista o estabelecimento kantiano da possibilidade <strong>do</strong>s juízos sintéticos a priori,<br />

quan<strong>do</strong> então assume e mantém a tese segun<strong>do</strong> a qual ―pelo Eu vazio, enquanto<br />

simples representação, [não] é da<strong>do</strong> nada de múltiplo‖ 2 , bem como a de que ―a<br />

verdadeira unidade sintética ou identidade racional é apenas aquela que é a<br />

referência <strong>do</strong> múltiplo à identidade vazia, o Eu a partir <strong>do</strong> qual, como síntese<br />

originária, primeiramente se separam o Eu enquanto sujeito pensante e o múltiplo<br />

enquanto corpo e mun<strong>do</strong>‖. 3 Na primeira tese, com a diferença <strong>do</strong> acréscimo <strong>do</strong><br />

termo ‗vazio‘ para qualificar ―o Eu enquanto simples representação‖, Hegel cita<br />

expressamente a Kritik der reinen Vernunft, B 135; passagem em que, nos quadros<br />

<strong>do</strong> § 16 da segunda edição (1787), 4 Kant pretende dar conta não só da possibilidade<br />

<strong>do</strong>s juízos sintéticos a priori, mas também justificar o ato da espontaneidade <strong>do</strong><br />

Entendimento ou antes <strong>do</strong> próprio sujeito, a qual, como representação que tem de<br />

ser dada antes de qualquer pensamento determina<strong>do</strong>, tem de ser uma intuição –<br />

essa, porém, de um la<strong>do</strong> não pode ser considerada como pertencente à<br />

sensibilidade mas sim ao próprio Entendimento e, de outro, não pode ser tomada<br />

como uma operação ou uma capacidade <strong>do</strong> Entendimento humano enquanto tal,<br />

pois este só pode pensar e, por isso, necessita procurar a intuição nos senti<strong>do</strong>s, nos<br />

quais esta ocorre sem aquela espontaneidade. 5 Na segunda tese, que se apresenta<br />

mais como uma interpretação <strong>do</strong> que como uma citação de Kant por Hegel, estaria<br />

em jogo o mo<strong>do</strong> como a ―referência <strong>do</strong> múltiplo à identidade vazia‖ ou a síntese<br />

originária da qual ―primeiramente se separam o Eu enquanto sujeito pensante e o<br />

1 GW, TWA 2, p. 322ss.<br />

2 GW, TWA 2, p. 306. Confronte-se: I. KANT, Kritik der reinen Vernunft (1787). Stuttgart: Reclam,<br />

1980, p. 178 (= KrV, B 135). Quan<strong>do</strong> das citações desta obra utilizaremos a edição portuguesa da<br />

mesma: I. KANT, Crítica da Razão Pura. Tradução de Manuel Pinto <strong>do</strong>s Santos e Alexandre Fradique<br />

Morujão, introdução e notas de Alexandre Fradique Morujão. – 5. Ed. –, Lisboa: FCG, 2001.<br />

3 GW, TWA 2, p. 306-307.<br />

4 KrV, B 131-136.<br />

5 KrV, B 135, B 68.<br />

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múltiplo enquanto corpo e mun<strong>do</strong>‖; 1 o que, nas palavras <strong>do</strong> filósofo de Königsberg,<br />

não significa senão ―que tenho consciência de uma síntese necessária a priori<br />

dessas representações, a que se chama unidade sintética originária da apercepção,<br />

à qual se encontram submetidas todas as representações que me são dadas, mas à<br />

qual também deverão ser reduzidas mediante uma síntese‖. 2 Essas teses exprimem<br />

a emergência <strong>do</strong> Transcendental e <strong>do</strong> Especulativo em relação ao Empírico, assim<br />

como a das respectivas regiões destes então designadas pela separação (1) da<br />

―verdadeira unidade sintética‖ ou <strong>do</strong> Eu como síntese originária, (2) dessa mesma<br />

unidade sintética enquanto ―referência <strong>do</strong> múltiplo à identidade vazia‖ ou das<br />

determinações categoriais e <strong>do</strong> juízo como aparência 3 <strong>do</strong> princípio supremo e (3) <strong>do</strong><br />

―Eu enquanto sujeito pensante e o múltiplo enquanto corpo e mun<strong>do</strong>‖. 4 Emergência<br />

essa na qual as regiões <strong>do</strong> Transcendental e <strong>do</strong> Especulativo se distinguem,<br />

precisamente, pela opção <strong>do</strong> primeiro em ocupar-se das determinações categoriais<br />

e <strong>do</strong> juízo como aparência <strong>do</strong> princípio supremo e pela opção <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> em tomar<br />

por objeto a própria Identidade absoluta, como o princípio supremo, em seu<br />

desenvolvimento imanente.<br />

Neste senti<strong>do</strong>, para o filósofo de Iena, tem-se já aqui a distinção entre a abstração<br />

<strong>do</strong> Eu ou a Identidade intelectiva e o Eu verdadeiro, enquanto princípio, como<br />

Identidade sintética originária, absoluta; distinção essa com a qual, segun<strong>do</strong> Hegel,<br />

Kant resolve o problema de como são possíveis os juízos sintéticos a priori; vale<br />

dizer, nos quadros da interpretação hegeliana, ―eles são possíveis pela Identidade<br />

absoluta originária <strong>do</strong> heterogêneo, da qual, como <strong>do</strong> Incondiciona<strong>do</strong>, primeiramente<br />

[esta identidade] ela mesma se separa, quan<strong>do</strong> sujeito e predica<strong>do</strong>, particular e<br />

1 GW, TWA 2, p. 306-307.<br />

2 KrV, B 136-137.<br />

3 O termo ‗aparência‘ traduz aqui ‗Erscheinung‘. Porém, a Erscheinung em questão, para Hegel (GW,<br />

TWA 2, p. 307-314), não é a mera aparência ou o chama<strong>do</strong> aparecer sensível (o fenômeno em<br />

senti<strong>do</strong> vulgar) da Essência, mas o próprio conhecer enquanto o mostrar-se em si mesmo <strong>do</strong><br />

Absoluto ou <strong>do</strong> Incondiciona<strong>do</strong> (GW, TWA 2, p. 311-312); vale dizer: o conhecer concebi<strong>do</strong> como o<br />

aparecer daquilo que não aparece. Esse um <strong>do</strong>s temas os mais caros à tradição neoplatônica, então<br />

em franca retomada nos fins <strong>do</strong> século XVIII e inícios <strong>do</strong> século XIX na Alemanha. Confronte-se com:<br />

KrV B 349-351, A 293-294.<br />

4 GW, TWA 2, p. 306-307ss.<br />

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universal, aparecem separa<strong>do</strong>s na forma de um juízo‖. 1 Assim, não obstante o valor<br />

especulativo desta solução, o racional ou o que há de a priori no juízo sintético a<br />

priori, a Identidade absoluta como conceito médio [Mittelbegriff], não se apresenta no<br />

juízo propriamente dito, mas apenas na conclusão [im Schluss]; 2 situação que talvez<br />

se explique pelo fato de, segun<strong>do</strong> Kant, embora em to<strong>do</strong> silogismo [Schlusse], haja<br />

uma proposição que serve de princípio (a premissa maior) e outra que dela é<br />

extraída, a saber: a conclusão [Folgerung], e, por fim, a dedução [Schlussfolge]<br />

(consequência), pela qual a verdade da última está indissoluvelmente ligada à<br />

verdade da primeira: 3 quan<strong>do</strong> ―o juízo inferi<strong>do</strong> encontra-se já no primeiro de mo<strong>do</strong> a<br />

poder ser deduzi<strong>do</strong> dele sem mediação de uma terceira representação‖, o silogismo<br />

é designa<strong>do</strong> imediato ou <strong>do</strong> Entendimento; quan<strong>do</strong>, entretanto, além <strong>do</strong> primeiro é<br />

necessário outro juízo para produzir a conclusão [die Folge], o silogismo é o da<br />

Razão [Vernunftschlusse]. Esse o silogismo no qual, nos termos de Kant: ―penso em<br />

primeiro lugar uma regra (maior) pelo Entendimento; em segun<strong>do</strong> lugar, subsumo<br />

um conhecimento sob a condição da regra (minor) mediante a Faculdade <strong>do</strong> juízo<br />

[Urteilskraft]; finalmente, determino o meu conhecimento pelo predica<strong>do</strong> da regra<br />

(conclusio), por conseguinte a priori pela Razão‖ – o que implica, ao fim e ao cabo,<br />

em ser pela conclusão que a Razão procura alcançar a unidade suprema <strong>do</strong>s<br />

conhecimentos <strong>do</strong> Entendimento. 4 Por isso, de acor<strong>do</strong> com Hegel, no juízo (segun<strong>do</strong><br />

a concepção kantiana), a identidade absoluta (ou a unidade suprema) consiste<br />

apenas na cópula ‗é‘, restringin<strong>do</strong>-se, pois, a algo inconsciente, sen<strong>do</strong> o juízo tão só<br />

1 GW, TWA 2, p. 307.<br />

2 Sigo aqui as versões de Glauben und Wissen de Alexis Philonenko e Claude Lecouteux (Foi et<br />

Savoir, Paris: Vrin, 1988) e de Oliver Tolle (Fé e Saber, São Paulo: Hedra, 2007), as quais vertem<br />

‗Schluss‘ por ‗conclusão‘; o que parece justificar-se em parte pelo contexto da discussão hegeliana,<br />

bem como, em parte, pela concepção kantiana <strong>do</strong> Schluss e pela própria tese de Hegel <strong>do</strong> Silogismo<br />

como princípio <strong>do</strong> idealismo, essa apresentada em 1801 como a segunda de suas Teses de<br />

Habilitação (G W, TWA 2, p. 533), em vista da qual se exigirá cada vez mais que o princípio absoluto<br />

se apresente no Juízo ele mesmo (ver, por exemplo, E., 1830, I, § 165ss). Para o caso presente,<br />

veja-se: GW, TWA 2, p. 307, p. 313; KrV B 359-361, A 303-305.<br />

3 KrV B 359-360, A 303.<br />

4 KrV B 360-361; A 304-305.<br />

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―o fenômeno pre<strong>do</strong>minante da diferença‖ 1 – este o motivo pelo qual, ao que tu<strong>do</strong><br />

indica, Kant afirmar que o ―princípio da unidade necessária da apercepção é, na<br />

verdade, em si mesmo, idêntico, portanto uma proposição analítica, mas declara<br />

como necessária uma síntese <strong>do</strong> diverso da<strong>do</strong> na intuição, síntese sem a qual essa<br />

identidade completa da Autoconsciência não pode ser pensada‖. 2 Disso resulta que<br />

tal síntese seja necessária apenas a título de hipótese; pois, já que o diverso não<br />

pode ser da<strong>do</strong> pelo ―Eu enquanto simples representação‖, mas tem de ser da<strong>do</strong> pela<br />

Autoconsciência, essa, ao dá-lo ao Entendimento, faz deste um Entendimento<br />

intuitivo, algo que o ―Eu enquanto simples representação‖ não possuí, este necessita<br />

então procurar a intuição (na qual o diverso é da<strong>do</strong>) tão só nos senti<strong>do</strong>s, para enfim<br />

subsumi-las aos conceitos na Imaginação transcendental. 3<br />

No dizer de Hegel, aquele algo inconsciente que na cópula então se exprime não é<br />

senão o não-ser-conheci<strong>do</strong> <strong>do</strong> racional, vin<strong>do</strong>, portanto, à luz e sen<strong>do</strong> na<br />

consciência apenas o seu produto enquanto membro da oposição de sujeito e<br />

predica<strong>do</strong>, os únicos que, como tais, para Kant, se apresentariam na forma <strong>do</strong> juízo,<br />

mas não seu ser-um enquanto objeto <strong>do</strong> Pensar; por isso, a identidade racional da<br />

identidade enquanto identidade <strong>do</strong> universal e <strong>do</strong> particular é o inconsciente no juízo<br />

e o juízo mesmo apenas a sua aparência. 4 Desse mo<strong>do</strong>, o juízo, ou a aparência<br />

daquela identidade racional, não apresenta unicamente um la<strong>do</strong> subjetivo – que se<br />

impõe como o <strong>do</strong> Eu subjetivo ou particular e que, como tal, se mostra na exposição<br />

levada a cabo na Kritik der reinen Vernunft, 5 resultan<strong>do</strong>, em última instância, nas<br />

chamadas antinomias da Razão, sobretu<strong>do</strong> a <strong>do</strong>s conceitos da natureza e da<br />

liberdade, e na concepção das Ideias, em especial as cosmológicas, enquanto<br />

meramente regulativas 6 –, mas apresenta, especialmente, um la<strong>do</strong> objetivo, este o<br />

1<br />

GW, TWA 2, p. 307.<br />

2<br />

KrV B 135.<br />

3<br />

KrV B 33ss, 176-187; A 137-147. Confronte-se: GW, TWA 2, p. 309-314.<br />

4<br />

GW, TWA 2, p. 307.<br />

5<br />

KrV B 169ss, A 130ss; B 187ss, A 148ss.<br />

6<br />

Devi<strong>do</strong> às dimensões e aos propósitos deste trabalho e embora a exposição hegeliana das<br />

antinomias e das Ideias da Razão (GW, TWA 2, p. 316-322) seja fundamental para uma<br />

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la<strong>do</strong> <strong>do</strong> Eu objetivo ou universal, mais precisamente, o da experiência propriamente<br />

dita e não apenas o de sua possibilidade; la<strong>do</strong> esse que, por seu turno, constitui o<br />

Sistema <strong>do</strong>s princípios da Faculdade <strong>do</strong> Juízo e que, neste senti<strong>do</strong>, se mostra<br />

exposto na Kritik der Urteilskraft. 1 É justamente aqui, enfim, que o conceito médio<br />

delinea<strong>do</strong>, i.é, a Identidade absoluta originária <strong>do</strong> heterogêneo, se apresenta de<br />

mo<strong>do</strong> mais explícito; ainda que, no dizer de Hegel, como sempre é o caso em Kant,<br />

reconheci<strong>do</strong> não como uma região para o conhecimento, mas apenas como o la<strong>do</strong><br />

de sua aparência, não o de seu fundamento, a Razão. 2<br />

3. A concepção kantiana <strong>do</strong> termo-médio entre o conceito de natureza e o<br />

de liberdade, a determinação <strong>do</strong> mesmo enquanto Entendimento intuitivo e<br />

sua configuração propriamente especulativa<br />

Enquanto em sua exposição da pergunta ―como são possíveis os juízos sintéticos a<br />

priori?‖ Hegel faz apenas uma citação expressa da Kritik der reinen Vernunft, na<br />

exposição <strong>do</strong> que, segun<strong>do</strong> ele, para Kant, constituiria o termo-médio entre a<br />

multiplicidade empírica e a unidade abstrata absoluta, nosso filósofo se utiliza de<br />

pelo menos 6 (seis) passagens chave da Kritik der Urteilskraft; mais precisamente,<br />

compreensão adequada <strong>do</strong> problema <strong>do</strong> termo-médio entre os conceitos da natureza e da liberdade,<br />

não a discutiremos aqui. Além disso, como essa parte <strong>do</strong> comentário de Hegel a Kant guarda certa<br />

dificuldade adicional, passada despercebida por muitos de seus críticos, a qual, por um la<strong>do</strong>, se<br />

configura como a não consideração da Kritik der praktischen Vernunft, à qual a discussão das<br />

antinomias e das Ideias da Razão deveriam necessariamente levar, e, por outro la<strong>do</strong>, se apresenta<br />

sob a forma como se articulam os diversos temas e problemas concernentes à filosofia kantiana nos<br />

quadros da exposição de Hegel, a tematização de tal comentário, aqui, ultrapassaria em muito os<br />

limites da questão principal da qual ora nos ocupamos. Em to<strong>do</strong> caso, sobre este ponto, confronte-se:<br />

KrV B 368ss, A 312; B 472ss, A 444; B 536ss, A 508ss; B 560ss, A 532; B 670, A 642; GW, TWA 2,<br />

p. 316ss, p. 320ss.<br />

1 GW, TWA 2, p. 311ss. Confronte-se: I. KANT, Kritik der Urteilskraft. In: I. KANT, Werke in sechs<br />

Bänders, V. Kritik der Urteilskraft und Schriften zur Naturphilosophie. Herausgegeben von Wilhelm<br />

Weischedel. Wissenschaftliche Buchgesellschaft Darmstadt, 1975, p. 248ss; versão luso-brasileira: I.<br />

KANT. Crítica da Faculdade <strong>do</strong> Juízo. Tradução de Valerio Rohden e António Marques. – 2. Ed. – Rio<br />

de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 20ss. (= KU B XXIss, A XXIss). Para uma discussão mais<br />

recente <strong>do</strong> conceito de experiência (propriamente dita) na Kritik der Urteilskraft, segun<strong>do</strong> o espírito e<br />

a letra de Kant ele mesmo, veja-se: A. MARQUES, Organismo e sistema em Kant, Lisboa: Presença,<br />

1987, p. 143-200.<br />

2 GW, TWA 2, p. 322ss.<br />

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de sua segunda edição (1793). 1 As três primeiras referem-se ao juízo reflexionante,<br />

Hegel as discute negativamente, mostran<strong>do</strong> que nelas, malgra<strong>do</strong> Kant, exprimem-se<br />

justamente o <strong>do</strong>mínio da Razão, a determinação da Ideia <strong>do</strong> supra-sensível como<br />

identidade da natureza e da liberdade e, por conseguinte, a exposição da Ideia da<br />

Razão, i.é, sua demonstração; a quarta passagem, relativamente longa, refere-se ao<br />

chama<strong>do</strong> Entendimento intuitivo, o qual, por um caminho distinto <strong>do</strong> de Fichte e <strong>do</strong><br />

de Schelling, Hegel irá explicitar como não sen<strong>do</strong> outra coisa que a Ideia da<br />

Imaginação transcendental, já discutida por ele anteriormente. 2 Enfim, nas últimas<br />

duas passagens, sen<strong>do</strong> a quinta de razoável extensão, Hegel discute o que se<br />

poderia denominar o momento especulativo em Kant, no qual estará em questão a<br />

unidade <strong>do</strong> conceito e da intuição, da possibilidade e da realidade.<br />

As três primeiras passagens, por sua brevidade, devem ser tratadas em conjunto.<br />

Ainda que nelas Kant não tenha em vista os mesmos objetivos de Hegel, este<br />

mostra justamente o ponto em que, malgra<strong>do</strong> Kant, o que por ele é enuncia<strong>do</strong><br />

negativamente não só ultrapassa os limites <strong>do</strong> que então é dito, mas põe<br />

precisamente aquilo que no enuncia<strong>do</strong> fora nega<strong>do</strong>. É o que ocorre, por exemplo, na<br />

discussão sobre a forma ideal da beleza, quan<strong>do</strong>, citan<strong>do</strong> Kant, a ―Ideia de uma<br />

‗imaginação que se dá suas próprias leis, de uma legalidade sem lei e de uma livre<br />

harmonia da imaginação e <strong>do</strong> entendimento‘‖, 3 bem como quan<strong>do</strong> se refere à<br />

explicação kantiana em torno da Ideia estética, ―queren<strong>do</strong> que ‗ela seja a<br />

representação da imaginação que dá muito a pensar sem que nenhum conceito<br />

possa lhe ser adequa<strong>do</strong> e que ela não possa, portanto, tornar-se inteligível nem<br />

totalmente atingida pela linguagem‘‖, 4 Hegel irá dizer que, por sua ressonância<br />

soberanamente empírica, nada deixaria pressentir que já nos encontraríamos aí no<br />

<strong>do</strong>mínio da Razão. 5 De um la<strong>do</strong>, isso se explica pelo fato de ambas as passagens<br />

1<br />

A saber: KU B 69, B 192-193, B 240, B 339-354, B 324-327, B 367.<br />

2<br />

GW, TWA 2, p. 309-312.<br />

3<br />

GW, TWA 2, p. 322; KU B 69.<br />

4<br />

GW, TWA 2, p. 322-323; KU B 192-193.<br />

5<br />

GW, TWA 2, p. 323.<br />

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ocuparem-se, respectivamente, da Ideia <strong>do</strong> Belo como aquilo que é conheci<strong>do</strong> sem<br />

conceito, fundan<strong>do</strong>-se, pois, na forma da livre conformidade a fins, 1 e da Ideia<br />

mesma <strong>do</strong> espírito, em senti<strong>do</strong> estético, como ―o princípio vivificante no ânimo‖ e a<br />

faculdade da apresentação das Ideias estéticas, sen<strong>do</strong> justamente essas Ideias<br />

estéticas o que ―põe em movimento as forças <strong>do</strong> ânimo, i.é, em um jogo tal que se<br />

mantém por si mesmo e ainda fortalece as forças para ele‖, 2 fazen<strong>do</strong> com que, ao<br />

fim e ao cabo, as Ideias estéticas (às quais, como representações da imaginação,<br />

nenhum conceito é adequa<strong>do</strong>) se distingam das Ideias da Razão, i.é, <strong>do</strong>s conceitos<br />

aos quais ―nenhuma intuição (representação da faculdade da imaginação) pode ser<br />

adequada‖. 3 O que, de outro la<strong>do</strong>, pressupõe e mesmo implica que, para Kant, a<br />

Razão não seja senão ―a Ideia indeterminada <strong>do</strong> supra-sensível em nós que não<br />

pode ser tornada mais compreensível‖. 4<br />

Neste caso, com o qual entramos na terceira passagem citada e discutida por Hegel,<br />

a saber: que a Ideia estética seja ―uma intuição da imaginação, para a qual não<br />

podemos jamais encontrar um conceito que lhe seja adequa<strong>do</strong>‖, pois ―uma Ideia<br />

racional não pode tornar-se um conhecimento porque ela contém um conceito <strong>do</strong><br />

supra-sensível ao qual não podemos jamais dar uma intuição que lhe seja conforme<br />

– aquela a representação inexponible da imaginação, este o indemonstrable<br />

conceito da Razão‖. 5 Quanto a este ponto, ainda que a expensas de Kant, Hegel<br />

parece tirar as consequências as mais interessantes e, não obstante, as que Kant,<br />

pelos limites aos quais havia se imposto, de mo<strong>do</strong> algum poderia tirar; a saber: que<br />

a Ideia estética já tem sua exposição na Ideia mesma da Razão e esta sua intuição<br />

na Ideia da beleza, o que, no dizer de Hegel, não seria mais que aquilo que o próprio<br />

Kant chama demonstração, a exposição <strong>do</strong> conceito na intuição – com o que, ao fim<br />

e ao cabo, na beleza como Ideia experimentada ou intuída, a forma da oposição<br />

1 KU B 68-69.<br />

2 KU B 192.<br />

3 KU B 192-193.<br />

4 GW, TWA 2, p. 323.<br />

5 GW, TWA 2, p. 323; KU B 240,<br />

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entre a intuição e o conceito se esvanece. 1 Não obstante extrapolarem os limites<br />

aceitos pelo kantismo, essas consequências são pelo menos em parte reconhecidas<br />

pelo próprio Kant; o qual, no dizer de Hegel, reconhece a desaparição da oposição<br />

enquanto momento negativo no conceito de um supra-sensível em geral – este que<br />

não se apresenta senão enquanto a beleza é intuída positivamente ou, segun<strong>do</strong> as<br />

palavras de Kant, seja dada pela experiência (aqui, mais precisamente, a<br />

experiência estética), sen<strong>do</strong> esta justamente a exposição <strong>do</strong> princípio da beleza<br />

como identidade <strong>do</strong>s conceitos da natureza e da liberdade, isto é, o supra-sensível<br />

enquanto substrato inteligível da natureza fora de nós e em nós, a coisa em si, como<br />

a define o próprio Kant. 2 O que se constitui precisamente como o termo-médio entre<br />

o conceito da natureza e o da liberdade, entre a multiplicidade objetiva determinada<br />

pelos conceitos e a pura abstração <strong>do</strong> Entendimento, ou a região da identidade <strong>do</strong><br />

que é sujeito e predica<strong>do</strong> no juízo absoluto acima <strong>do</strong> qual a filosofia teórica não é<br />

mais elevada que a filosofia prática. 3<br />

Esta identidade, que segun<strong>do</strong> Hegel é a verdadeira e única Razão, apresenta-se a<br />

Kant não como uma identidade para a própria Razão, mas tão somente para a<br />

Faculdade <strong>do</strong> Juízo reflexionante; por isso, na medida em que Kant reflete sobre a<br />

Razão em sua realidade, de um la<strong>do</strong>, como intuição consciente (sobre a beleza, que<br />

se mostra como o la<strong>do</strong> subjetivo da mesma) e, de outro, como intuição inconsciente<br />

(sobre a organização, o la<strong>do</strong> objetivo), a Ideia da Razão é aí expressa de um mo<strong>do</strong><br />

mais ou menos formal. Não obstante, em se reconhecen<strong>do</strong> que o supra-sensível em<br />

geral seja o princípio da beleza como identidade <strong>do</strong>s conceitos da natureza e da<br />

liberdade e que sua exposição (no senti<strong>do</strong> acima aludi<strong>do</strong>) ocorra na Ideia da Razão<br />

e, desse mo<strong>do</strong>, constitua-se como uma intuição da Razão mesma; há que se<br />

reconhecer também que, precisamente aqui, adentramos à esfera de um<br />

Entendimento intuitivo – que embora não seja o nosso, da<strong>do</strong> que não o possuímos,<br />

1 GW, TWA 2, p. 323.<br />

2 GW, TWA 2, p. 323-324.<br />

3 GW, TWA 2, p. 323.<br />

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pode ser tematiza<strong>do</strong> e alcança<strong>do</strong> (como reconheceria o próprio Kant) 1 na medida em<br />

que sejamos capazes de ir além <strong>do</strong> nosso mero entendimento, dissolven<strong>do</strong> a<br />

oposição entre intuição e conceito ou entre realidade e possibilidade. Na esfera <strong>do</strong><br />

Entendimento intuitivo, que é tematizada por Hegel a partir de sua apresentação<br />

como o la<strong>do</strong> objetivo da Razão em sua realidade, esse que porta sobre a intuição<br />

inconsciente da realidade da Razão, possibilidade e realidade são um; aí, nas<br />

palavras de Hegel, citan<strong>do</strong> Kant, ―os conceitos (que indicam simplesmente a<br />

possibilidade de um objeto) e as intuições sensíveis (pelas quais alguma coisa nos é<br />

dada, sem por isto permitir que a conheçamos como objeto) desaparecem<br />

igualmente‖ 2 – com isso, para o filósofo de Iena, Kant não só reconhece a Ideia de<br />

um Entendimento intuitivo, mas reconhece também que somos necessariamente<br />

possuí<strong>do</strong>s por ela – sen<strong>do</strong> esta Ideia, em última instância, nada mais que a Ideia da<br />

imaginação transcendental. 3 Assim, deve-se ainda necessariamente reconhecer que<br />

a imaginação transcendental não é senão ela mesma um Entendimento intuitivo,<br />

ainda que um entendimento intuitivo capta<strong>do</strong> tão só ao nível de sua aparência (ou<br />

melhor, para nós), permanecen<strong>do</strong> para si mesmo inconsciente.<br />

Esse o cerne da quarta passagem chave então citada por Hegel, a qual, na verdade,<br />

não é senão um resumo <strong>do</strong>s parágrafos 76-77 da Kritik der Urteilskraft, os quais, por<br />

seu turno, se constituem como o phulchrum <strong>do</strong>s parágrafos 72-80, que serão<br />

considera<strong>do</strong>s pelo autor de Glauben und Wissen nas duas últimas das seis citações<br />

acima elencadas. Quer dizer, não obstante Hegel citar de mo<strong>do</strong> mais explícito, mas<br />

resumidamente, apenas as passagens de B 324 a B 327, sua discussão <strong>do</strong> que aí<br />

está em jogo abarca necessariamente a totalidade <strong>do</strong>s parágrafos aqui aludi<strong>do</strong>s; 4<br />

conforman<strong>do</strong>, pois, a partir de uma consideração <strong>do</strong> problema <strong>do</strong> idealismo das<br />

causas finais na natureza segun<strong>do</strong> a concepção de Espinosa e sua crítica por Kant,<br />

o material indispensável da concepção hegeliana de uma Filosofia especulativa<br />

1 KU B 340ss; 345ss.<br />

2 Confronte-se: GW, TWA 2, p. 324; KU B 340.<br />

3 Confronte-se: GW, TWA 2, p. 325; KU B 350-351.<br />

4 GW, TWA 2, p. 327.<br />

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pura, na qual, em se assumin<strong>do</strong> a Ideia de um Entendimento intuitivo se fazen<strong>do</strong><br />

presente ao espírito, bem como, ao mesmo tempo, as exigências que Kant dirige ao<br />

espinosismo, a unidade <strong>do</strong> mecanismo da natureza, a relação de causalidade, e<br />

tecnicismo teleológico não só seria possível, como o reconhece Kant, mas se<br />

apresentaria como o próprio Organismo, enquanto Razão efetiva, o princípio<br />

supremo da natureza e a identidade <strong>do</strong> universal e <strong>do</strong> particular, de mo<strong>do</strong><br />

perfeitamente imanente. 1 Eis aí, pois, o lugar exato em que Hegel pode então<br />

afirmar a noção de um momento especulativo em Kant; o qual, embora reconheci<strong>do</strong><br />

apenas como possível pelo filósofo de Königsberg, tem que ser denomina<strong>do</strong> como<br />

em si e para si justamente pelo fato de nele: (1) a natureza não ser determinada por<br />

uma Ideia que lhe seja oposta e (2) o que aparece, segun<strong>do</strong> o mecanismo como<br />

absolutamente separa<strong>do</strong> (de um la<strong>do</strong> como causa, de outro como efeito) em uma<br />

conexão empírica da necessidade, ser absolutamente liga<strong>do</strong> em uma identidade<br />

originária enquanto coisa primeira. 2<br />

Ao fim e ao cabo, pelo fato de Kant afirmar tal identidade apenas como possível, isto<br />

é, em si, já que para nós ela permanece impossível, 3 em sua última citação, Hegel<br />

dirá que isso se mostra precisamente assim devi<strong>do</strong> à decisão de Kant em favor da<br />

fenomenalidade. 4 Por conseguinte, mesmo em reconhecen<strong>do</strong> uma outra intuição<br />

que a sensível e em definin<strong>do</strong> o substrato da natureza como inteligível, Kant irá<br />

optar pela limitação à esfera da separação entre conceito e intuição e, por isso, ater-<br />

se de mo<strong>do</strong> absoluto a este conhecimento finito. 5 Neste senti<strong>do</strong>, de um la<strong>do</strong>, a<br />

Razão ela mesma será também considerada tão só enquanto é para nós, portanto,<br />

como pura e simplesmente regulativa, e, de outro, ainda que o poder de conhecer<br />

seja capaz de elevar-se à Ideia e ao racional, objetar-se-á que não se deve pura e<br />

simplesmente conhecer segun<strong>do</strong> os mesmos, mas conhecer o Orgânico apenas<br />

1 GW, TWA 2, p. 326-327.<br />

2 GW, TWA 2, p. 326.<br />

3 Confronte-se: Confronte-se: GW, TWA 2, p. 328; KU B 367.<br />

4 GW, TWA 2, p. 326.<br />

5 GW, TWA 2, p. 328.<br />

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segun<strong>do</strong> o fenômeno e a si mesmo de mo<strong>do</strong> finito. 1 Não obstante, isso ocorre em<br />

função da própria natureza da filosofia de Kant; o que o leva a deixar de la<strong>do</strong> a<br />

necessidade de pensar a necessidade ela mesma, o racional ou a espontaneidade<br />

intuinte – tarefa essa que, de certo mo<strong>do</strong>, Hegel fará a sua.<br />

4. Considerações finais<br />

Embora a exposição levada a cabo em Glauben und Wissen, em torno da filosofia<br />

de Kant, possa se apresentar suscetível das mais diversas objeções – seja no<br />

tangente à consideração <strong>do</strong>s problemas aí em jogo, seja no que diz respeito ao<br />

desenvolvimento ulterior da própria filosofia hegeliana –, o que importa nessa<br />

exposição é justamente a constatação pioneira de Hegel em relação ao lugar e à<br />

função <strong>do</strong> Entendimento intuitivo na filosofia transcendental. O reconhecimento disso<br />

por parte de um crítico explícito da filosofia hegeliana, como é o caso de A.<br />

Philonenko, que reconhece não só o acerto, a originalidade e a originariedade de<br />

Hegel quanto a este ponto, mas também, e principalmente, a falta ou o despercebi<strong>do</strong><br />

mesmo de Kant no concernente ao afloramento sem cessar <strong>do</strong> Especulativo ou <strong>do</strong><br />

Racional nos quadros da Imaginação transcendental, 2 esse reconhecimento, por si<br />

só, demonstra a não-violência e, portanto, justeza da interpretação hegeliana da<br />

filosofia de Kant em 1802. Algo que, ao fim e ao cabo, permite a abertura de um<br />

novo campo de investigação no interior <strong>do</strong> Idealismo crítico; por conseguinte,<br />

também de um desenvolvimento de uma interpretação não exotérica da filosofia<br />

kantiana.<br />

Isso porque, como ainda nos lembra Philonenko ele mesmo, 3 sobretu<strong>do</strong> no que<br />

tange à natureza orgânica e à teoria <strong>do</strong> nexus finalis em Kant ou em seu<br />

desenvolvimento imanente, Hegel não aprofunda suas investigações; essas que<br />

também não parecem ter recebi<strong>do</strong> uma atenção mais exclusiva por parte <strong>do</strong>s<br />

1 GW, TWA 2, p. 328.<br />

2 A. PHILONENKO, Introduction [a la Foi et Savoir]. In: G. W. HEGEL, Foi et Savoir, op. cit., p. 42ss.<br />

3 A. PHILONENKO, Introduction [a la Foi et Savoir]. In: G. W. HEGEL, Foi et Savoir, op. cit., p. 45.<br />

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kantianos de estrita observância. Da mesma forma, a tese <strong>do</strong> afloramento sem<br />

cessar <strong>do</strong> Especulativo ou <strong>do</strong> Racional, seja nos limites <strong>do</strong> Juízo estético, seja nos<br />

limites <strong>do</strong> Juízo teleológico, e o seu tratamento enquanto tal – no caso de Kant,<br />

como o aparecer ou o fenômeno <strong>do</strong> Incondiciona<strong>do</strong> – ainda permanece uma tarefa<br />

em aberto nos quadros <strong>do</strong> pensamento kantiano, em especial no tangente à rigorosa<br />

delimitação <strong>do</strong> Empírico, <strong>do</strong> Transcendental e <strong>do</strong> Especulativo (ainda que tão só em<br />

sua aparência) no âmbito <strong>do</strong> Sistema crítico em geral e <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> Sistema <strong>do</strong>s<br />

princípios da Faculdade <strong>do</strong> Juízo em particular. Na medida em que tais estu<strong>do</strong>s<br />

puderem efetivamente realizar-se, seus resulta<strong>do</strong>s mostrarão que também aqueles<br />

alcança<strong>do</strong>s por Hegel não constituem um mero desvio nem uma simples rejeição da<br />

perspectiva kantiana, mas antes, se mostra ou pode mostrar-se como a sua<br />

consumação.<br />

O que, enfim, não significa uma sorte qualquer de retorno às interpretações<br />

tradicionais de Kant e o Idealismo alemão. Antes disso, poderá significar a exata<br />

apreciação, não exotérica, <strong>do</strong>s temas e problemas concernentes ao Incondiciona<strong>do</strong><br />

e que então se apresentam no limite entre o Moisés e, de certo mo<strong>do</strong>, o Josué <strong>do</strong><br />

Idealismo alemão. De fato, entre aquele que aponta o caminho para a Terra<br />

prometida e aquele que, em adentran<strong>do</strong>-a tanto quanto lhe é possível, torna efetiva<br />

a partilha da herança divina.<br />

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UMA LEITURA WITTGENSTEINIANA DA VONTADE POLÍTICA<br />

Lista de abreviações:<br />

DC Da Certeza<br />

GF Gramática Filosófica<br />

IF Investigações Filosóficas<br />

Z Zettel<br />

Horacio Luján Martinez<br />

Depto de Filosofia, UNIOESTE/Tole<strong>do</strong><br />

(As abreviações serão acompanhadas <strong>do</strong> número <strong>do</strong> parágrafo segun<strong>do</strong> ordenação<br />

<strong>do</strong> próprio Wittgenstein ou de seus herdeiros literários)<br />

(....) Não se poderia pensar até que várias pessoas tenham ti<strong>do</strong> um<br />

propósito (Absicht) e o tenham realiza<strong>do</strong>, sem que nenhuma delas o<br />

tivesse? Deste mo<strong>do</strong>, um governo pode ter um propósito que nenhum<br />

homem tenha. (Z 48).<br />

Esta epígrafe é um fragmento de uma série de anotações nas que Wittgenstein<br />

revisa a noção de intencionalidade entendida classicamente (isto é, de mo<strong>do</strong><br />

agostiniano) como uma exteriorização da vontade interior. A intenção, pensada<br />

deste mo<strong>do</strong> como pensamento que fica ontologicamente ligada ao efeito, ao<br />

acontecimento resultante, é criticada por Wittgenstein quan<strong>do</strong> é considerada como<br />

um pensamento incompleto à espera da sua realidade. O filósofo da o seguinte<br />

exemplo: um mecanismo que faz funcionar o freio de uma máquina às vezes<br />

funciona, às vezes não. Imaginemos que, quan<strong>do</strong> não funciona, o operário da<br />

máquina fique bravo: qual julgaríamos ser a intenção <strong>do</strong> mecanismo? ―Às vezes<br />

acionar o freio, às vezes a raiva <strong>do</strong> operário.‖ (GF VII, 95) Responder que um<br />

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mecanismo não pode pensar e, portanto, não pode ter intenção é já um início.<br />

Precisamente, a questão é que ―(...) a intenção está inserida na situação, nos<br />

hábitos humanos e nas instituições. Se não existisse a técnica de jogar xadrez, eu<br />

não poderia ter a intenção de jogar uma partida de xadrez.‖ (IF 337). Encontrar não<br />

mostra o que estávamos procuran<strong>do</strong>, nem a realização <strong>do</strong> desejo o que estávamos<br />

desejan<strong>do</strong>: ―(...) Os sintomas da expectativa não são a expressão dela.‖ (GF VII, 92)<br />

A expectativa, a intenção e o desejo não são esta<strong>do</strong>s mentais persistentes e<br />

incompletos que esperam sua concretização para ter realidade.<br />

Se o jovem Wittgenstein seguiu Schopenhauer na ideia de eliminar o ―desejo‖, já que<br />

este nos conduzia a contra-sensos lógicos e infelicidade na vida, isto se reverterá<br />

nos escritos posteriores. O querer será também uma experiência, a vontade também<br />

somente representação. O ―querer‖ perderá a sua aura ―mágica‖, aquela que havia<br />

ganho pelo fato de ser involuntário: ―(...) Não posso produzi-lo? –Como o quê? O<br />

que é que posso produzir? Com o que estou comparan<strong>do</strong> o querer quan<strong>do</strong> digo<br />

isto?‖ (IF 611)<br />

Quan<strong>do</strong> eu disse: ―isso significaria não considerar a intenção como um fenômeno‖,<br />

a intenção recordaria aqui a concepção schopenhaueriana da vontade. To<strong>do</strong><br />

fenômeno nos parece inerte em contraste com o pensamento vivo. (GF VII, 97).<br />

O querer é um fenômeno, e não somente um meio para a produção de um<br />

acontecimento, uma ponte para o fenômeno. O querer é um agir, como o falar, o<br />

caminhar ou o comer. Se levantarmos um braço é porque queremos (falamos de<br />

casos normais, sem coerção externa ou embriaguez por uso de alguma droga). Isto<br />

é, na gramática das ações voluntárias, querer e agir são sinônimos. O curioso é que<br />

no caso da ação bem sucedida não pensamos na intenção.<br />

Neste senti<strong>do</strong>, da intenção constituída por práticas externas, é que podemos entrar<br />

numa leitura menos racionalista da política.<br />

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Vamos por partes. Sabemos que, na ―segunda‖ filosofia de Wittgenstein, o<br />

significa<strong>do</strong> de uma palavra é da<strong>do</strong> pelo uso no contexto <strong>do</strong>s ―jogos de linguagem‖<br />

(Sprachspielen). Ora, o uso é evidente para nós, nos é prescrito, de certo mo<strong>do</strong>,<br />

pela ―normalidade‖ <strong>do</strong> acontecimento.<br />

Ao falar de ―jogos de linguagem‖, talvez Wittgenstein pensasse em seu exemplo<br />

predileto: o de crianças começan<strong>do</strong> a utilizar palavras. Tem-se aponta<strong>do</strong> o parágrafo<br />

26 da Gramática filosófica como o local da primeira aparição da expressão. A<br />

situação apresentada nesse fragmento é a de uma criança à qual se mostram<br />

objetos ao mesmo tempo em que se pronunciam palavras. A partir destas<br />

explicações ostensivas (hinweisende Erklärungen), a criança compreenderia as<br />

palavras, mas o critério de aferição de tal compreensão será sua habilidade em<br />

aplicar, depois, corretamente as palavras. Se ele usa as palavras <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> certo,<br />

que seria ―o mo<strong>do</strong> espera<strong>do</strong>‖, é porque compreendeu as regras?<br />

Wittgenstein nos adverte que compreender o jogo é saber jogá-lo, sem que se tenha<br />

necessariamente a capacidade de descrever e definir suas regras. Este tipo de ―jogo<br />

de linguagem‖, de natureza extremamente primitiva, põe em relevo o fato de que as<br />

regras podem ser aprendidas somente pela observação de como ele é pratica<strong>do</strong>,<br />

sem que haja necessidade de uma instrução especial. Aprendemos o jogo sem ter<br />

reconheci<strong>do</strong> regras explícitas. Isto situa na base da compreensão a concordância<br />

entre ―formas de vida‖ de que se necessita para levar-se adiante um ―jogo de<br />

linguagem‖: ―De mo<strong>do</strong> similar a como a gramática de uma linguagem é registrada e<br />

começa a existir quan<strong>do</strong> os homens já têm fala<strong>do</strong> essa linguagem por muito tempo,<br />

os jogos primitivos são joga<strong>do</strong>s sem que as suas regras tenham si<strong>do</strong> codificadas e,<br />

mais ainda, sem que uma só dessas regras tenha si<strong>do</strong> formulada.‖ (GF II, 26). O<br />

mo<strong>do</strong> comum de comportamento <strong>do</strong>s participantes <strong>do</strong> jogo é o que mostra como<br />

esse jogo de linguagem primitivo se desenvolve.<br />

Dissemos que os exemplos de jogos de linguagem primitivos, especialmente na<br />

forma de práticas de ensino com crianças, eram <strong>do</strong>s preferi<strong>do</strong>s de Wittgenstein. Isto<br />

poderia ter uma explicação biográfica coerente: a de que Wittgenstein foi professor<br />

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de escola no interior da Áustria (no perío<strong>do</strong> pós-Tractatus, perío<strong>do</strong> de afastamento<br />

<strong>do</strong> trabalho filosófico). Ocorre que esses exemplos primitivos têm um uso<br />

meto<strong>do</strong>lógico: eles nos fazem vislumbrar os fenômenos lingüísticos em esta<strong>do</strong>, por<br />

assim dizer, ―embrionário‖, e, por isso, ajudam a dissolver os erros provin<strong>do</strong>s de<br />

preconceitos acerca <strong>do</strong> aprendiza<strong>do</strong> da linguagem. Estes casos ilustram uma<br />

afirmação da segunda filosofia wittgensteiniana: ―O ensino da linguagem não é aqui<br />

nenhuma explicação (Erklären), mas sim um treinamento (Abrichten).‖ (IF 5).<br />

Atente-se, porém, para o fato de que, juntamente com essa noção de ―jogo de<br />

linguagem‖ como definição ostensiva – ―jogo de linguagem primitivo‖ –, Wittgenstein<br />

chama também de ―jogo de linguagem‖: ― (...) o conjunto da linguagem e das<br />

atividades com as quais está interligada.‖ (IF 7). Isto significa que a expectativa, a<br />

compreensão, o desejo (fenômenos psicológicos abrangi<strong>do</strong>s pelo que denominamos<br />

―interior‖), como também os gestos corporais e expressões faciais, e ainda o entorno<br />

cultural (o ―externo‖), fazem parte de um determina<strong>do</strong> ―jogo de linguagem‖. Esses<br />

elementos, tira<strong>do</strong>s de seus contextos determina<strong>do</strong>s, poderiam ser mal interpreta<strong>do</strong>s<br />

ou não ser entendi<strong>do</strong>s de mo<strong>do</strong> algum.<br />

Os ―jogos de linguagem‖ também podem ser entendi<strong>do</strong>s como sistemas linguísticos<br />

parciais, como entidades funcionais ou como contextos que formam um to<strong>do</strong><br />

orgânico. Dentro desta última acepção estariam:<br />

Comandar e agir segun<strong>do</strong> coman<strong>do</strong>s. Descrever um objeto conforme a aparência<br />

ou conforme medidas. Produzir um objeto segun<strong>do</strong> uma descrição (desenho).<br />

Relatar um acontecimento. Conjeturar sobre o acontecimento. Expor uma hipótese<br />

e prová-la. Apresentar os resulta<strong>do</strong>s de um experimento por meio de tabelas e<br />

diagramas. Inventar uma história; ler. Representar teatro. Cantar uma cantiga de<br />

roda. Resolver enigmas. Fazer uma ane<strong>do</strong>ta; contar. Resolver um exemplo de<br />

cálculo aplica<strong>do</strong>. Traduzir de uma língua para outra. Pedir, agradecer, maldizer,<br />

saudar, orar. (IF 23).<br />

Depois de ter estabeleci<strong>do</strong> essa variada lista de jogos de linguagem, Wittgenstein<br />

admite que essa lista é parcial e arbitrária: é impossível estabelecer limites à<br />

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quantidade e à variedade de jogos de linguagem que podem existir. Alguns novos<br />

jogos aparecem, outros se modificam, ainda outros são esqueci<strong>do</strong>s. Eles vão<br />

surgin<strong>do</strong> segun<strong>do</strong> as necessidades humanas. A linguagem não tem sua arquitetura<br />

definida para sempre: ela é como uma velha cidade na que novas ruas surgem<br />

enquanto casas novas e antigas convivem assistin<strong>do</strong> à criação de novos subúrbios<br />

(IF 18). Tais ações linguísticas pertencem a nossa história natural, como andar,<br />

comer, beber e jogar (IF 25), sen<strong>do</strong> isso o que lhes confere sua pluralidade e<br />

consistência. Esta última – a consistência <strong>do</strong> uso de certos jogos de linguagem – se<br />

deve, em parte, à regularidade biológica, tanto da natureza como das ações<br />

humanas.<br />

Existem fatos naturais extraordinariamente gerais que garantem tal ―normalidade‖:<br />

―Tais fatos não são nunca menciona<strong>do</strong>s devi<strong>do</strong> à sua grande generalidade‖ (IF 143).<br />

Como nos adverte Wittgenstein na segunda parte das Investigações filosóficas, a<br />

formação de conceitos não é explicável pelos fatos (IF II, XII). Embora os conceitos<br />

devam corresponder a esses fatos naturais extremamente gerais, sua importância<br />

se deve – quase para<strong>do</strong>xalmente – a serem eles tão gerais que não chamam nossa<br />

atenção. O autor das Investigações não tem intenção de fazer história natural<br />

estabelecen<strong>do</strong> cadeias causais entre fatos e conceitos.<br />

Wittgenstein afirma que o aprendiza<strong>do</strong> da linguagem constitui também seu uso.<br />

Esse aprendiza<strong>do</strong> da linguagem é feito através <strong>do</strong> ensino ostensivo e também na<br />

repetição de palavras e de proposições que constituem tal ensino. Quan<strong>do</strong> uma<br />

criança aprende uma palavra, não está aprenden<strong>do</strong> apenas uma palavra, mas,<br />

também deve saber o que está em volta dessa referência. Isto é, para que alguém<br />

possa saber que uma palavra qualquer se refere a um objeto determina<strong>do</strong> ou a uma<br />

ação determinada, muita coisa deve já estar preparada na linguagem.<br />

Adentramos aqui frontalmente na questão da confiança (Vertrauen) (DC 170) ou da<br />

segurança tranquila (beruhigte Sicherheit) (DC 357), tal como é exposta em Da<br />

certeza. Nossas expressões lingüísticas descansam sobre uma rede de proposições<br />

que nunca poderíamos pôr em dúvida, porque elas constituem a base a partir da<br />

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qual podemos fazer novas afirmações e descobertas, criar novas proposições em<br />

geral.<br />

Existem relações internas entre a gramática e o mun<strong>do</strong>, mas já não se trata de uma<br />

forma lógica compartilhada. A segurança está na base da linguagem (DC 457), e<br />

essa segurança não significa nada mais que o comportamento regular da natureza<br />

incorpora<strong>do</strong> ao fundamento da linguagem (DC 558): ―To<strong>do</strong> jogo de linguagem<br />

descansa no fato de que possam reconhecer-se de novo palavras e objetos.‖ (DC<br />

455). ―O saber se fundamenta no reconhecimento.‖ (DC 378). O reconhecimento não<br />

é um processo, mas um ―descansar no que vejo‖. É a familiaridade com os objetos e<br />

com meus mo<strong>do</strong>s de considerá-los (GF IX, 116). Tais formas de consideração não<br />

são criadas individualmente, mas, por assim dizê-lo, ―herdadas‖.<br />

Isto sublinha o caráter de aprendiza<strong>do</strong> social da linguagem: uma criança aprende<br />

porque acredita nos adultos que a educam e convivem com ela (DC 160). De outro<br />

la<strong>do</strong>, se é em virtude da autoridade de certos seres humanos que essa criança<br />

aprende e aceita coisas, tem, posteriormente, a possibilidade de comprová-las ou<br />

refutá-las (DC 161). A conhecida afirmação de que o significa<strong>do</strong> de uma palavra é<br />

seu uso num jogo de linguagem (IF 43) é somada àquela que diz: ―Nosso falar<br />

obtém seu senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> resto de nosso agir.‖ (DC 229).<br />

Wittgenstein coloca ―fatos naturais extremamente gerais‖ e o ―comportamento<br />

comum da humanidade‖ na origem daquele substrato necessário a partir <strong>do</strong> qual<br />

afirmo, nego ou duvi<strong>do</strong> de alguma coisa, a Weltbild. Falar de tais elementos sugeriria<br />

interpretações homogeneizantes da vida social, cultural e lingüística.<br />

Afortunadamente não é isto o que ocorre nem o que Wittgenstein quer propor.<br />

A regularidade e a normatividade que a noção de ―seguir uma regra‖ sugere não<br />

impede mudanças críticas de nossas convicções e <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> de enunciá-las. Isso é o<br />

que veremos a seguir. Isto é, vamos nos perguntar se a pluralidade das ―formas de<br />

vida‖ e os ―jogos de linguagem‖ a partir delas constituí<strong>do</strong>s, asseguram o pluralismo,<br />

entendi<strong>do</strong> como convivência com o outro, com o diferente, com diferentes ―formas<br />

de vida‖.<br />

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Com essa noção wittgensteiniana: a de uma vontade que se expressa no mun<strong>do</strong><br />

como um elemento a mais nele e não como continua<strong>do</strong>r de um exercício racional,<br />

não como uma ―boa vontade‖ à procura de consenso é que revisaremos as ―petições<br />

de princípio‖ da democracia liberal. Por ―democracia liberal‖, ou seu arquétipo,<br />

entendemos um tipo de democracia que aspira a eliminar os antagonismos a partir<br />

da discussão que procura o acor<strong>do</strong> entre as partes.<br />

Nossa posição, inspirada no livro de Chantal Mouffe, The Democratic Para<strong>do</strong>x<br />

(Lon<strong>do</strong>n: Verso. 2009) é que a obra tardia de Wittgenstein sustenta um ponto de<br />

vista em que a política pode ser pensada como campo de luta e a discussão e o<br />

consenso racional não serem seus objetivos fundamentais. A obra wittgensteiniana<br />

alimenta e precisa <strong>do</strong> pluralismo das diferentes ―formas de vida‖. Neste senti<strong>do</strong><br />

Mouffe pensa em Wittgenstein como alternativa ao enfoque racionalista.<br />

Podemos apresentar os conceitos <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> ―segun<strong>do</strong>‖ Wittgenstein como base<br />

para o que Chantal Mouffe define como ―pluralismo agonista‖, isto é, a divergência<br />

de opiniões e a racionalidade baseada nas diferentes práticas como elementos<br />

constitutivos da política. Uma racionalidade política derivada das práticas realmente<br />

existentes e não como sua condição a priori, nos ajudará a evidenciar a fragilidade<br />

da suposta neutralidade <strong>do</strong> ―bom senso‖ em política.<br />

Abordar a ação democrática desde um ponto de vista wittgensteiniano pode nos<br />

ajudar, portanto, a formular a questão sobre a fidelidade à democracia de uma<br />

forma diferente. De fato, nos faz reconhecer que a democracia não precisa uma<br />

teoria da verdade ou noções como incondicionalidade e validade universal, mas<br />

antes, uma multiplicidade de práticas e mudanças pragmáticas dirigidas a<br />

persuadir as pessoas a ampliar o campo de seus compromissos para com os<br />

demais, a construir uma comunidade mais inclusiva. (MOUFFE: 2009, p. 65-66).<br />

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Mouffe chama a olhar as práticas reais, de mo<strong>do</strong> panorâmico, perspícuo. Exercício<br />

wittgensteiniano por excelência: atingir o limite da razão para reconhecer a<br />

importância <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong>. Recurso evidente no Tractatus através <strong>do</strong> silêncio<br />

conquista<strong>do</strong>. A persuasão, então, seria a <strong>do</strong>bra invertida da argumentação (lembrar<br />

DC 612). Ela chega como auto-persuasão quan<strong>do</strong> as perguntas chegam a um final e<br />

atinjo a rocha dura onde a pá entorta (IF 217). Mas o limite da razão não nos<br />

aban<strong>do</strong>na a mais pura e dura contingência. Ele, esse limite, é a base da qual<br />

emergem os ―jogos de linguagem‖, constituí<strong>do</strong>s por ―formas de vida‖ e atravessa<strong>do</strong>s<br />

por ―regras‖ para serem seguidas. Uma vez que uma regra não pode ser seguida<br />

uma vez só, elas constituem uma tradição. A noção de tradição pode ajudar a<br />

caracterizar culturalmente essa ―imagem de mun<strong>do</strong>‖ da qual falamos antes. A<br />

tradição é o conjunto de práticas linguísticas e não linguísticas que nos constituem<br />

enquanto sujeitos.<br />

O projeto de Chantal Mouffe, então, é o de pensar na radicalização da democracia o<br />

que ela denomina: democracia radical. Esta deve ser entendida como a expansão<br />

de práticas democráticas com o ―objetivo de criar um outro tipo de articulação entre<br />

os elementos da tradição democrática liberal, já não enquadran<strong>do</strong> os direitos numa<br />

perspectiva individualista, mas conceben<strong>do</strong>-os como ―direitos democráticos.‖ 1<br />

(MOUFFE: 1996, p. 33)<br />

Aquilo de que necessitamos é de uma hegemonia de valores democráticos, o que<br />

exige uma multiplicação de práticas democráticas, institucionalizan<strong>do</strong>-as num<br />

número cada vez mais diverso de relações sociais, de forma que possa ser<br />

constituída uma multiplicidade de posições de sujeito a partir de uma matriz<br />

democrática. É por este meio – e não tentan<strong>do</strong> proporcionar-lhe um fundamento<br />

racional – que poderemos, não apenas defender a democracia, mas também<br />

aprofundá-la. Uma tal hegemonia nunca será completa e, de qualquer forma, não<br />

1 Por “direitos democráticos” entendem-se aqueles direitos que não podem ser aliena<strong>do</strong>s sem comprometer a<br />

existência mesma da democracia, ou seja: distinção entre o público e o priva<strong>do</strong>, a separação entre Igreja e o<br />

<strong>Esta<strong>do</strong></strong>, entre lei civil e lei religiosa. (MOUFFE: 1996, p. 176).<br />

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é desejável que uma sociedade seja governada por uma única lógica democrática.<br />

(MOUFFE: 1996, p. 33)<br />

Então, para finalizar, se retomamos a epígrafe de Wittgenstein e lembramos que ―um<br />

governo pode querer o que ninguém particularmente quis‖ isto significa que a<br />

vontade política não deve ser entendida como unanimidade deliberativa ou vontade<br />

geral institucionalizada. Nossa leitura aponta mais para as práticas, para a<br />

exterioridade que constitui nosso interior e nossos desejos e pretensões como<br />

cidadãos democráticos. É essa exterioridade e não um fundamento íntimo que deva<br />

ser torna<strong>do</strong> comum a que favorece e constitui a multiplicidade de práticas e opções<br />

que devem ser levadas em conta na hora da procura não somente da<br />

fundamentação, quanto <strong>do</strong> aprofundamento da democracia.<br />

Referências bibliográficas<br />

MOUFFE, Ch. O regresso <strong>do</strong> político. Tradução Ana Cecília Simões. Lisboa:<br />

Gradiva. 1996.<br />

. The democratic para<strong>do</strong>x. Lon<strong>do</strong>n-New York: Verso. 2009<br />

WITTGENSTEIN, L. Da certeza. Tradução de Maria Elisa Costa. Edição bilíngüe<br />

(alemão-português). Lisboa: Edições 70, 2000.<br />

. Gramática Filosófica. Tradução de Luis Felipe Segura. Edição bilíngüe<br />

(alemão-espanhol). México:UNAM, 1992<br />

. Investigaciones filosóficas. Philosophische Untersuchungen. Edição bilingüe<br />

(alemão-espanhol). Trad. Alfonso García Suárez e Ulises Moulines. Barcelona:<br />

Crítica, 1988a.<br />

1999.<br />

. Investigações filosóficas. Trad. José Carlos Bruni. São Paulo: Nova Cultural,<br />

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_____. Tractatus lógico-philosophicus. Edição bilíngue (alemão-português). Trad.<br />

Luiz Henrique Lopes <strong>do</strong>s Santos. São Paulo: EDUSP, 1993.<br />

. Zettel. Edição preparada por G. E. M. Anscombe e G. H. von Wright.<br />

Tradução de Octavio Castro e Carlos Ulises Moulines. Edição bilíngue (alemão-<br />

espanhol). Mexico: UNAM, 1985.<br />

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A DIVERSIDADE DE SABERES A PARTIR DE WITTGENSTEIN<br />

Lista de abreviações<br />

DC: Da Certeza<br />

IF: Investigações Filosóficas<br />

ORDF: Observaciones a La Rama Dorada de Frazer<br />

Marciano Adilio Spica<br />

DEDIL – UNICENTRO/PR<br />

Doutoran<strong>do</strong> UFSC<br />

P. M. S. Hacker em seu artigo Wittgenstein and the autonomy of Humanistic<br />

Undestanding, ao comparar as ideias de Wittgenstein com as de Kant, faz uma<br />

observação sobre o fato de que a obra <strong>do</strong> primeiro seria kantiana em <strong>do</strong>is senti<strong>do</strong>s.<br />

Num primeiro por mostrar os limites da linguagem, mostran<strong>do</strong> que devemos<br />

entender cada saber com suas regras. E, num segun<strong>do</strong> senti<strong>do</strong>, sua filosofia foi<br />

crítica por ter, analogamente a Kant, critica<strong>do</strong> a ilusão filosófica que resulta <strong>do</strong> fato<br />

de transgredirmos os limites da linguagem inadvertidamente.<br />

Ele criticou o behaviorismo e o dualismo em filosofia da psicologia, atacou o<br />

platonismo e o intuicionismo na filosofia da matemática, e minou o<br />

fundacionalismo em epistemologia e filosofia da linguagem. Ele rejeitou as<br />

pretensões <strong>do</strong>s metafísicos [...] e repudiou a venerável crença de que a lógica é<br />

um campo de conhecimento das relações entre objetos abstratos. Ele condenou<br />

como ilusão a ideia de que o subjetivo e o mental estão essencialmente no<br />

conhecimento objetivo, e negou que o sujeito tem acesso privilegia<strong>do</strong> a sua<br />

própria consciência 1 .<br />

1 HACKER, P. Wittgenstein and the autonomy of humanistic understanding. In.: HACKER, P. M. S.<br />

Wittgenstein: Conections and Controversies. Oxford: Claren<strong>do</strong>n Press, 2001, p. 37.<br />

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Concordamos com o que Hacker coloca em sua observação e entendemos que<br />

nesse espírito crítico, de ênfase na destruição de conceitos estabeleci<strong>do</strong>s na filosofia<br />

é que se radica a maior contribuição de Wittgenstein. Mais especificamente, a<br />

filosofia tardia se caracteriza por ―uma acentuada tentativa de proteger e conservar<br />

<strong>do</strong>mínios e formas de conhecimentos da erosão e distorção feitos pelo espírito<br />

científico da época.‖ Ou seja, o grande objetivo deste filósofo é manter uma certa<br />

independência entre as diferentes áreas de conhecimento e mostrar que nem tu<strong>do</strong><br />

pode ser reduzi<strong>do</strong> aos méto<strong>do</strong>s e explanações da ciência natural <strong>do</strong> século XX. Um<br />

bom exemplo disso se faz presente Anotações sobre La Rama Dorada. A obra La<br />

Rama Dorada é de autoria de Frazer, um antropólogo que neste trabalho faz uma<br />

leitura das religiões primitivas, tentan<strong>do</strong> mostrar os equívocos que esta comete. O<br />

problema é que o antropólogo o faz comparan<strong>do</strong> os costumes de religiões primitivas<br />

à religião e à ciência europeia de sua época e essa é a principal crítica <strong>do</strong> filósofo<br />

em questão. Tal crítica nos mostra a importância de se entender a variedade de<br />

jogos de linguagem e a necessidade de se pensar também na variedade de saberes.<br />

Wittgenstein percebe que o problema de Frazer é ter entendi<strong>do</strong> as religiões<br />

primitivas como um erro. E tal problema surge justamente deste não ter observa<strong>do</strong> a<br />

religião e os ritos de acor<strong>do</strong> com a visão que as próprias crenças tinham, mas as ter<br />

estuda<strong>do</strong> sob o olhar de um cristão inglês. Por um la<strong>do</strong>, Wittgenstein acusa Frazer<br />

de entender as religiões primitivas em comparação ao cristianismo de sua época,<br />

por outro, ele estaria simplifican<strong>do</strong> o significa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s ritos religiosos ao estudá-los<br />

sob a ótica das leis da ciência natural. O filosofo austríaco se pergunta até que ponto<br />

poderíamos entender que santo Agostinho ou Buda ou outro qualquer estavam<br />

erra<strong>do</strong>s ao expressar uma determinada religiosidade e conclui: ―Nenhum deles<br />

estava em erro a não ser quan<strong>do</strong> criaram uma teoria.‖ 1<br />

Essa frase é ilustrativa para mostrar que a religião não é entendida por Wittgenstein<br />

como uma teoria e nem deve ser entendida dessa forma. Mas é justamente isso o<br />

1 ORDF, p. 50.<br />

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que faz Frazer. Ele busca entender os ritos religiosos, buscan<strong>do</strong> encontrar neles<br />

sempre uma teoria que legitime tal mito. O pressuposto parece erra<strong>do</strong> e fica mais<br />

erra<strong>do</strong> ainda quan<strong>do</strong> o antropólogo em questão coloca teorias iguais ou muito<br />

próximas a teorias das ciências naturais. Por exemplo, será que realmente podemos<br />

dizer que a dança da chuva é dançada para que chova ou é um rito de<br />

agradecimento? Frazer parece entender tais ritos através de uma lei natural de<br />

causa e efeito e por isso simplifica tal rito, dizen<strong>do</strong> que ele é ingênuo por não ter<br />

resulta<strong>do</strong>s e que as pessoas que a praticam não percebem que sempre dançam em<br />

épocas que antecedem a chuva e não em outras. A pergunta que se colocaria aqui é<br />

até que ponto no desenvolvimento de tal rito se pensou que realmente haveria uma<br />

relação de causa e efeito entre a chuva e a dança ou não é simplesmente um rito de<br />

agradecimento ou espera pela chuva que está chegan<strong>do</strong>. Uma tal constatação de<br />

Frazer talvez seja mais ingênua <strong>do</strong> que a própria dança da chuva, pois é como se<br />

um homem que nunca tivesse visto uma casa com janelas e ao ver que logo depois<br />

que as pessoas fecham as janelas começa a chover, concluísse que acreditamos<br />

que fechamos as janelas para que chova. O erro de Frazer é reduzir tu<strong>do</strong> a algo<br />

plausível a homens que têm a mesma visão que ele. 1 Ao fazer isso, simplifica a<br />

religiosidade antiga. E esse é um <strong>do</strong>s principais problemas de não entendermos a<br />

linguagem e a variedade de saberes.<br />

Quan<strong>do</strong> estamos presos a uma única ideia de linguagem, procuramos a to<strong>do</strong> custo<br />

recusar outros tipos de linguagens e atividades ou reduzi-las às nossas concepções<br />

de mun<strong>do</strong>. É isso que faz Wittgenstein exclamar uma espécie de desabafo diante da<br />

leitura que Frazer faz das religiões primitivas: ―Que estreita é a vida <strong>do</strong> espírito para<br />

Frazer! E consequentemente: Que incapacidade para compreender uma vida que<br />

não seja a de um inglês de seu tempo! Frazer não pode imaginar um sacer<strong>do</strong>te que<br />

não seja, no fun<strong>do</strong>, como um pároco inglês de nossos dias com toda a sua<br />

imbecilidade e mediocridade.‖ 2 Tal desabafo de Wittgenstein se explica por Frazer<br />

1 ORDF, p. 51.<br />

2 ORDF, p. 57.<br />

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estar totalmente envolvi<strong>do</strong> numa forma de ver o mun<strong>do</strong> que é a forma de sua época.<br />

O antropólogo em questão está <strong>do</strong>gmaticamente envolvi<strong>do</strong> na linguagem científica<br />

ocidental <strong>do</strong> século XX e não consegue sair dela e, ao não conseguir ir para além<br />

dela, generaliza-a a todas as linguagens possíveis. Como bem expressa Moreno:<br />

Frazer não estaria cometen<strong>do</strong> apenas um erro teórico; seu erro foi principalmente<br />

incorrer na generalização de determinada visão de mun<strong>do</strong>, ou melhor, estaria<br />

atribuin<strong>do</strong>, de maneira <strong>do</strong>gmática, ainda que inadvertidamente, o modelo de<br />

explicação científica <strong>do</strong> século XX, explicação através de hipóteses e causas, aos<br />

indivíduos das comunidades cujos rituais descreve e pretende explicar. O erro<br />

teórico consiste apenas em supor que explicações causais possam esclarecer o<br />

senti<strong>do</strong> de comportamentos ritualístico, quan<strong>do</strong>, na verdade, esse tipo de<br />

explicação fornece somente ligações empíricas. Erro mais grave e profun<strong>do</strong><br />

consiste em atribuir uma falsa ciência a comunidades em que hábitos ritualísticos<br />

não visam, segun<strong>do</strong> Wittgenstein, explicar processos naturais através de causas,<br />

mas exprimir valores de sua cultura. Erro profun<strong>do</strong>, porque atribui valores e<br />

hábitos de uma sociedade aos indivíduos de outra sociedade, cujos valores e<br />

hábitos pretende compreender. Confusão gramatical que tem consequências<br />

teóricas e éticas no trabalho <strong>do</strong> antropólogo. 1<br />

O que Frazer precisa e nós também é fazermos uma terapia gramatical que nos cure<br />

desta busca por generalidade que nos torna <strong>do</strong>gmáticos e atrapalha nossa visão<br />

correta <strong>do</strong>s fenômenos humanos e naturais. Não podemos sobrepor a nossa<br />

linguagem a todas as linguagens possíveis. Isso é um erro grave que tem como<br />

resulta<strong>do</strong> principal um entendimento totalmente errôneo daquilo que buscamos<br />

compreender. O erro <strong>do</strong> filósofo que faz isso é o erro de superficialidade, ou seja, ele<br />

não vai ao fun<strong>do</strong> das questões linguísticas, mas fica na superfície onde se reflete a<br />

imagem dele mesmo. Frazer fica na superficialidade, ele projeta sua cultura na<br />

cultura alheia e assim chega a conclusões que podem ser totalmente equivocadas.<br />

Ora, entender que ritos têm a mesma natureza linguística que a ciência <strong>do</strong> século<br />

XX ou que to<strong>do</strong>s eles têm a mesma natureza é, na visão de Wittgenstein,<br />

1 MORENO, A. R. Introdução a uma pragmática filosófica: de uma concepção de filosofia como<br />

atividade terapêutica a uma filosofia da linguagem. Campinas: Editora da Unicamp, 2005. p. 275-276.<br />

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ingenuidade. É diante disso que ele dirá que ―Frazer é muito mais selvagem que a<br />

maioria <strong>do</strong>s selvagens, posto que estes não estariam tão afasta<strong>do</strong>s da compreensão<br />

de algo espiritual como está um inglês <strong>do</strong> século XX. Suas explicações <strong>do</strong>s<br />

costumes primitivos são muito mais superficiais que o senti<strong>do</strong> de tais costumes.‖ 1<br />

Frazer se mantém preso a uma única forma de explicar os fenômenos e não<br />

consegue ir além dessa percepção. O que Wittgenstein propõe é que ultrapassemos<br />

nossos <strong>do</strong>gmatismos e vejamos a variedade de formas de vida e de jogos de<br />

linguagem e de saberes.<br />

O que precisa ficar claro e Wittgenstein tem bem presente é que para além <strong>do</strong>s<br />

fenômenos naturais, existem, na vida humana ‗fenômenos‘ que ultrapassam a esfera<br />

natural e que são de suma importância para os seres humanos. Estes fenômenos<br />

estão liga<strong>do</strong>s às nossas paixões, desejos e formas de compreender o mun<strong>do</strong> e a<br />

vida. Eles não são desliga<strong>do</strong>s da totalidade de nossa vida e, muitas vezes, até são<br />

parte integrante nas nossas compreensões <strong>do</strong>s fenômenos naturais. Como destaca<br />

Clack a vida humana é mais <strong>do</strong> que simples fenômeno natural ou racionalidade<br />

lógica: ―ela é regrada pela paixão, pelo instinto, por motivações que nós podemos<br />

descobrir e agarrar. Como resulta<strong>do</strong>, nossa vida aqui é estranha e desconcertante.<br />

Daqui que as reflexões de Wittgenstein sobre prática mágica atingem<br />

fundamentalmente a base <strong>do</strong>s pensamentos sobre ‗homem e seu passa<strong>do</strong> ... o<br />

estrangeiro que eu vejo em mim e em outros, que eu tenho visto e tenho ouvi<strong>do</strong>‘‖ 2<br />

Ora, se temos mais <strong>do</strong> que simplesmente pensamentos racionais, se nossa<br />

linguagem é capaz de falar sobre religião, arte, ética, conceitos absolutos e<br />

abstratos, seria absur<strong>do</strong> recusar tu<strong>do</strong> isso ao ostracismo e dizer que não possui<br />

senti<strong>do</strong> algum. Somos muito mais <strong>do</strong> que meramente seres naturais ou animais, que<br />

podem ser compreendi<strong>do</strong>s meramente pelas ciências naturais. ―Nossa natureza<br />

animal é transformada pela nossa aquisição de, e participação na instituição cultural<br />

1 ODRF, p. 58.<br />

2 CLACK, B. Wittgenstein and Magic. In.: Arrington, R. L & ADDIS, M. (org). Wittgenstein an<br />

Philosophy of Religion. Lon<strong>do</strong>n New York: Routledge, p. 26.<br />

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de uma linguagem. Os fenômenos que são objetos de estu<strong>do</strong>s das humanidades<br />

estão entorna<strong>do</strong>s com linguagem, inteligíveis somente como propriedades e<br />

relações, ações e paixões, práticas e produtos, instituições e histórias de criaturas<br />

que usam linguagem.‖ E é disso que Wittgenstein se dá conta em sua filosofia tardia.<br />

O que Wittgenstein enfatiza é que se somos seres que possuem uma linguagem<br />

muito mais complexa <strong>do</strong> que somente uma linguagem empírica ou científica,<br />

devemos nos ater também nesses outros campos da vida humana em que conceitos<br />

e sentenças surgem de práticas que não se enquadram nas explicações das<br />

ciências naturais. É nesse senti<strong>do</strong> que Hacker diz que:<br />

Há formas de investigação racional que não são científicas, formas de<br />

entendimentos que não são modeladas sobre o conhecimento científico <strong>do</strong>s<br />

fenômenos naturais. Entender o homem como um ser cultural e social envolve<br />

categorias e formas de entendimento e explanações para além das ciências<br />

naturais. Há outros <strong>do</strong>mínios de investigação que também são verdadeiros – por<br />

exemplo, compreensão estética, compreensão <strong>do</strong> mito e <strong>do</strong> ritual, bem como<br />

compreensão filosófica. 1<br />

Esses outros campos de compreensão precisam ser pensa<strong>do</strong>s dentro de seus<br />

limites, pensa<strong>do</strong>s a partir de suas gramáticas e não sob a égide de um único saber.<br />

É daí que ―A compreensão de tais fenômenos, contu<strong>do</strong>, demanda formas de<br />

entendimentos e explanações apropriadas a e dependentes da compreensão da<br />

linguagem e seus usos no curso da vida humana‖ 2 . Mas a pergunta que se coloca é<br />

justamente qual seria essa tal forma de explanação e entendimento.<br />

Em nossa perspectiva, talvez o primeiro e mais importante passo a ser da<strong>do</strong> é<br />

elucidar o fato de que Wittgenstein tinha uma visão ampla de conhecimento, ou<br />

melhor, de saber. Ele não concordava com uma única idéia de saber e mostra em<br />

1 HACKER, P. Wittgenstein and the autonomy of humanistic understanding. In.: HACKER, P. M. S.<br />

Wittgenstein: Conections and Controversies. Oxford: Claren<strong>do</strong>n Press, 2001, p. 40.<br />

2 HACKER, P. Wittgenstein and the autonomy of humanistic understanding. In.: HACKER, P. M. S.<br />

Wittgenstein: Conections and Controversies. Oxford: Claren<strong>do</strong>n Press, 2001, p. 57.<br />

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vários momentos que a gramática <strong>do</strong> saber é bem mais ampla <strong>do</strong> que podemos<br />

perceber num primeiro momento.<br />

A discussão sobre uma possível diferenciação de saberes começa a ser<br />

apresentada por Wittgenstein nas Investigações Filosóficas e tem uma certa<br />

continuidade no Da Certeza. Para este, os saberes devem ser entendi<strong>do</strong>s dentro de<br />

um sistema global de sentenças e práticas, ou seja, eles estão intimamente liga<strong>do</strong>s<br />

com os jogos de linguagem 1 . Estan<strong>do</strong> liga<strong>do</strong>s diretamente com a linguagem, ou<br />

melhor, com jogos de linguagem, o saber não pode ser entendi<strong>do</strong> sem entendermos<br />

os jogos de linguagem que o constituem. To<strong>do</strong> saber está finca<strong>do</strong> nos emaranha<strong>do</strong>s<br />

de práticas e signos de um jogo.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, suas discussões sobre a possibilidade de existirem diferentes<br />

saberes não podem ser distanciadas de suas discussões sobre a linguagem e sua<br />

busca por mostrar diferenças gramaticais. 2 Assim, ao falar <strong>do</strong>s diversos saberes, ele<br />

está se referin<strong>do</strong> à gramática <strong>do</strong> saber, ou seja, às várias maneiras nas quais<br />

utilizamos essa palavra em nosso dia-a-dia linguístico. Para ele, ―É evidente que a<br />

gramática da palavra ‗saber‘ goza de estreito parentesco com a gramática das<br />

palavras ‗poder‘, ‗ser capaz‘. Mas também com a gramática da palavra<br />

‗compreender‘. (‗Dominar uma técnica‘). Mas há também este emprego da palavra<br />

‗saber‘: dizemos ‗Agora sei!‘ – e igualmente, ‗Agora sou capaz!‘ e ‗Agora<br />

compreen<strong>do</strong>!‖.<br />

Neste trecho conti<strong>do</strong> nos parágrafos 150-151, Wittgenstein elabora um breve e<br />

profun<strong>do</strong> estu<strong>do</strong> sobre as utilizações que fazemos da palavra saber. Em nosso dia-<br />

a-dia, não dizemos somente que sabemos algo se estamos a par de uma crença<br />

verdadeira e justificada, mas também se somos capazes de fazer determinada<br />

atividade ou se compreendemos como desempenhar alguma tarefa.<br />

1 Cf. DC, p. 159.<br />

2 Cf. IF, p. 245<br />

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Wittgenstein mostra claramente que em nosso dia-a-dia utilizamos a palavra saber<br />

também em circunstâncias em que dizemos que somos capazes de fazer<br />

determinada coisa, ou que <strong>do</strong>minamos uma técnica ou que seguimos uma regra<br />

corretamente. Por exemplo, uso a palavra conhecer ou saber para dizer que sei<br />

dirigir, significan<strong>do</strong> que sou capaz de conduzir um carro; ainda, no senti<strong>do</strong> de que<br />

posso fazer um churrasco, ou seja, de <strong>do</strong>minar a técnica de assar carne. Essas<br />

idéias, mostram claramente que em nosso dia-a-dia não estamos presos a somente<br />

um uso da palavra saber, não estamos presos em dizer que só sabemos algo no<br />

senti<strong>do</strong> proposicional. Saber é algo mais amplo <strong>do</strong> que simplesmente ter boas<br />

razões para determinada coisa, ou asserir algo. Nesse senti<strong>do</strong> é que, no Da<br />

Certeza, Wittgenstein dirá que para entender a linguagem e, mais <strong>do</strong> que isso, o<br />

saber, é necessário tomar o homem como um ser primitivo a quem se reconhece<br />

instinto e não raciocínio. Se o tomarmos nesse senti<strong>do</strong>, entenderemos o<br />

aprendiza<strong>do</strong> das coisas e, consequentemente, os vários usos da palavra saber.<br />

Como seres linguísticos, aprendemos a usar a linguagem sem nos preocuparmos<br />

com os fundamentos das sentenças, aprendemos a escrever sem saber por que o<br />

‗A‘ é realmente ‗A‘ e assim por diante. ―As crianças não aprendem que existem<br />

livros, que existem poltronas, aprendem a ir buscar livros, a sentarem-se em<br />

poltronas, etc.‖ 1 Ou seja, as crianças aprendem a desempenhar determinadas<br />

atividades, a seguir determinadas regras, somente depois é que aprendem a<br />

fundamentar e justificar suas ações e crenças. Neste senti<strong>do</strong>, não podemos nos<br />

furtar de darmos um estatuto de saber também a atividades que não<br />

necessariamente se constituem em crenças verdadeiras e justificadas, ou a<br />

atividades que não podem ser descritas de forma assertiva.<br />

Além destes saberes mais primitivos, alguns outros saberes também prescindem de<br />

um conhecimento no senti<strong>do</strong> clássico, mas podem ser entendi<strong>do</strong>s como saber. É o<br />

caso da moralidade, da arte e da religião. Na moralidade, uma pessoa pode saber<br />

1 DC.<br />

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seguir uma regra, sem saber necessariamente justificá-la. Na arte é possível<br />

<strong>do</strong>minar uma técnica e esse <strong>do</strong>minar uma técnica não necessariamente se coloque<br />

como um saber científico e nem pode ser expresso em proposições. Na religião é<br />

possível compreender um ritual, sem que necessariamente precisemos entendê-lo<br />

no senti<strong>do</strong> da ciência; podemos rezar sem que essa oração seja um conjunto de<br />

proposições ou que estejamos preocupa<strong>do</strong>s com a verdade <strong>do</strong> que estamos<br />

proferin<strong>do</strong>. Nesse senti<strong>do</strong>, não se pode deixar de dizer que Wittgenstein entendia<br />

que havia uma variedade de saberes e que a tentativa de reduzir to<strong>do</strong>s eles a uma<br />

única forma de conhecimento é um erro gramatical, fruto <strong>do</strong> mau entendimento da<br />

linguagem e das práticas que constituem esses saberes.<br />

Na verdade, o principal erro no que tange à redução <strong>do</strong> conhecimento é considerar<br />

como único saber váli<strong>do</strong>, o saber constituí<strong>do</strong> por proposições, ou seja, por<br />

sentenças passíveis de verdade ou falsidade. Para Wittgenstein, há saberes<br />

práticos, compreensões que extrapolam o conhecimento proposicional, e há coisas<br />

que somos capazes de fazer sem que possamos traduzi-las em proposições, como<br />

no exemplo de uma poesia ou oração. O conhecimento então não se reduz somente<br />

ao conhecimento proposicional, mas a conhecimentos que podem ser entendi<strong>do</strong>s<br />

como saberes que são frutos de nossas práticas cotidianas, desenvolvidas dentro de<br />

um determina<strong>do</strong> jogo. Esse conhecimento prático é fruto geralmente da repetição ou<br />

treinamento ou de práticas cotidianas e pode ser traduzi<strong>do</strong> como uma certa<br />

capacidade de fazer determinadas atividades. Assim, ele pode ser entendi<strong>do</strong> como<br />

um saber fazer 1 , ou ser capaz de fazer ou poder fazer<br />

Apesar de Wittgenstein ter mostra<strong>do</strong> a possibilidade de variedade de saberes, é<br />

interessante perceber que ele não chegou a sistematizar tais idéias, ou conceituar<br />

estes saberes. é necessário olharmos de forma mais sistemática essa possibilidade<br />

de divisão de saberes. Para isso, não podemos nos furtar da apresentação das<br />

1 Aqui o ‗fazer‘ não deve ser entendi<strong>do</strong> somente no senti<strong>do</strong> de fazer algo com material, mas também<br />

atividades que requerem pensamento abstrato como no caso de seguir uma série de números na<br />

matemática, como bem o coloca Wittgenstein no parágrafo 151 das Investigações.<br />

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ideias desenvolvidas por Gilbert Ryle que tentou mostrar que além <strong>do</strong> conhecimento<br />

como crença verdadeira e justificada, existiria um outro saber que é fruto <strong>do</strong><br />

treinamento. Essas ideias estão bem desenvolvidas em sua obra The concept of<br />

mind, mais precisamente no capítulo 2 de tal obra intitula<strong>do</strong>: Knowing how and<br />

knowing that.<br />

Para Ryle,<br />

Quan<strong>do</strong> nós falamos de intelecto, ou melhor, <strong>do</strong>s poderes intelectuais e<br />

performances das pessoas, estamos nos referin<strong>do</strong> primariamente aquela classe<br />

especial de operações que constituem teorias. O objetivo destas operações é o<br />

conhecimento de proposições verdadeiras ou fatos. [...] Outros poderes humanos<br />

seriam classifica<strong>do</strong>s como mentais somente se eles mostrassem ser de algum<br />

mo<strong>do</strong> guia<strong>do</strong>s pela compreensão intelectual de proposições verdadeiras. Ser<br />

racional seria ser capaz de reconhecer verdades e as conexões entre elas. Agir<br />

racionalmente seria, consequentemente, ter alguma propensão não-teórica<br />

controlada por alguma apreensão de verdades sobre a conduta da vida. 1<br />

Aqui, neste trecho, Ryle nos apresenta como a filosofia caracteriza o saber. Na<br />

contemporaneidade, conhecer é ser guia<strong>do</strong> pela razão ou ter um aparato de<br />

conhecimentos racionais. Tal ideia é tão difundida que até mesmo coisas simples <strong>do</strong><br />

dia-a-dia deveriam ser entendidas dentro de teorias sobre como funcionam as<br />

coisas. Aquilo que não se encaixa dentro da ideia de verdade deveria ser deixada de<br />

la<strong>do</strong> por não se constituir em conhecimento. Tais ideias são típicas, por exemplo, <strong>do</strong><br />

positivismo lógico ou círculo de Viena, no qual só era considera<strong>do</strong> conhecimento<br />

aquilo que poderia ser transforma<strong>do</strong> em proposição.<br />

O problema nessa descrição <strong>do</strong> conhecimento é que em nosso dia-a-dia não<br />

estamos preocupa<strong>do</strong>s somente com teorias ou proposições. Nossa linguagem é<br />

capaz de criar jogos onde os fatos ou proposições são deixa<strong>do</strong>s de la<strong>do</strong>, como no<br />

caso da poesia e até mesmo de sentenças morais. Para Ryle há ―muitas atividades<br />

que revelam diretamente qualidades de mente, ainda que não sejam nenhuma<br />

1 RYLE, G. The Concept of Mind. Lon<strong>do</strong>n: The Penguin Group, 1990, p. 27.<br />

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operação intelectual em si, nem efeitos de operações intelectuais. Prática inteligente<br />

não é um estepe de teoria. Pelo contrário, teorizar é uma prática entre outras e é em<br />

si inteligível ou estupidamente conduzida.‖ 1<br />

O que Ryle pretende mostrar é que existem inúmeras atividades humanas que não<br />

estão baseadas em teorias ou verdades da razão, mas que nem por isso podem ser<br />

consideradas como de nível inferior ou serem deixadas de la<strong>do</strong>. Pelo contrário, ele<br />

mostra que em nosso dia-a-dia, dizemos que uma pessoa é inteligente ou não muito<br />

mais por sua capacidade ou habilidade para fazer determinadas coisas <strong>do</strong> que por<br />

seu conhecimento acumula<strong>do</strong> de teorias. Tais habilidades são capacidades ou<br />

competências para fazer ou desempenhar determinada atividade, por isso elas se<br />

constituem em uma espécie de saber como (Know how). Esta espécie de saber se<br />

diferencia de um saber teórico que apresenta um repertório de conhecimentos a<br />

respeito das mais diversas teorias, o que é caracteriza<strong>do</strong> por Ryle como saber que<br />

(Know that) no senti<strong>do</strong> de ter conhecimento a respeito de se alguma proposição ou<br />

fato é ou não o caso, é ou não é verdadeira. O saber que se caracteriza como a<br />

idéia clássica de conhecimento que perpassa a história da filosofia.<br />

O que Ryle nos apresenta e que para nós é interessante é o fato de que existem<br />

conhecimentos que não se enquadram dentro desta definição clássica <strong>do</strong><br />

conhecimento ou <strong>do</strong> que ele chama intelectualismo. Assim, ao apresentar o saber<br />

como, Ryle nos abre para uma visão mais ampla de conhecimento, assim como<br />

Wittgenstein fizera nas Investigações. Por isso, antes de voltarmos as teorias deste<br />

último, entendemos ser necessário olharmos atentamente para as idéias sobre o<br />

saber como.<br />

Para Ryle o que está em jogo quan<strong>do</strong> dizemos que uma pessoa sabe falar<br />

corretamente, usar corretamente uma gramática, jogar xadrez ou tantas outras<br />

atividades é que quan<strong>do</strong> elas fazem estas atividades,<br />

1 Ibidem<br />

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Elas tendem a fazê-las bem, i.e., corretamente ou de mo<strong>do</strong> eficiente ou com<br />

sucesso. Suas performances atingem certos padrões, ou satisfazem certos<br />

critérios. Mas isso não é tu<strong>do</strong>. [...] Ser inteligente não é meramente satisfazer<br />

critérios, mas aplicá-los. Regular ações e não meramente ser bem-regulada. A<br />

performance de uma pessoa é descrita como exata ou equivocada, se em suas<br />

operações ele é prontamente detectada e corretamente decorrida, repetida e<br />

improvisada sobre sucessos, aproveitan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>s exemplos <strong>do</strong>s outros e assim<br />

por diante. 1<br />

Se o observarmos com atenção veremos que Ryle entende que o saber como<br />

possui critérios próprios de correção, internos à própria ação, ou seja, quan<strong>do</strong><br />

dizemos que alguém sabe como fazer determinada coisa, nós temos como perceber<br />

que ele está fazen<strong>do</strong> a atividade de forma correta ou não e isso é o que importa. No<br />

saber como, a linguagem está intimamente ligada ao fato de saber ou não seguir<br />

uma determinada regra.<br />

Ryle foca muito suas ideias no fato de que o saber como é fruto de treinamento, ou<br />

seja, uma pessoa que sabe como fazer determinada coisa não o sabe por acaso,<br />

mas aprendeu a fazê-lo desta forma, foi treinada para fazer isso. Tal treinamento é<br />

fruto da prática, ou seja, da repetição dentro de certos parâmetros. Assim, o saber<br />

como torna-se como que uma segunda natureza, ou seja, disposições adquiridas e<br />

que se tornam parte <strong>do</strong> sujeito que as possui 2 .<br />

Dall‘Agnol em seu artigo Pratical cognitivism mostra de forma clara essas ideias de<br />

Ryle ao afirmar que uma determinada pessoa que é treinada a fazer determinada<br />

atividade não o faz de forma mecânica, mas de forma critica. Ele usa o exemplo de<br />

uma pessoa que aprende a andar de bicicleta e depois de ter aprendi<strong>do</strong> é capaz de<br />

reformular algumas regras na própria atividade de andar de bicicleta. Assim, ele<br />

afirma que ―O conhecer como torna-se parte de sua segunda natureza, isto é,<br />

através da educação esta habilidade torna-se parte de seu ser. Ele desenvolve<br />

hábitos por constante treinamento, que não são somente repetições mecânicas, mas<br />

1 RYLE, G. The Concept of Mind. Lon<strong>do</strong>n: The Penguin Group. 1990, p. 29..<br />

2 RYLE, G. The Concept of Mind. Lon<strong>do</strong>n: The Penguin Group. 1990, p. 41-44.<br />

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podem envolver (auto)criticismo e refazer(re<strong>do</strong>ing).‖ 1 O que Dall‘Agnol reforça, se<br />

bem o entendemos, é que o saber como é puramente prático, no senti<strong>do</strong> de que<br />

mesmo que o detentor de determina<strong>do</strong> saber tenha em mente as regras que deve<br />

seguir para andar de bicicleta, com sua prática cotidiana, essas regras podem ser<br />

modificadas. Tal modificação não acontece por reflexão racional, mas no próprio<br />

andar de bicicleta, na própria prática dele. Isso acontece de forma clara com um<br />

motorista, que ao aprender na auto-escola as regras de como dirigir um carro, com o<br />

passar <strong>do</strong> tempo, modifica sua maneira de dirigir, aperfeiçoa ou não sua maneira de<br />

dirigir.<br />

O que temos que ter em mente, ao falarmos <strong>do</strong> saber como, e que Wittgenstein<br />

tinha ao falar da variedade de saberes, é que a prática humana é totalmente<br />

dinâmica e mesmo que seja regrada, ela mesma modifica as regras. Ou seja, na<br />

prática <strong>do</strong> próprio jogo as regras podem ser postas à prova e modificadas. Daqui,<br />

pode-se entrar na discussão sobre a possibilidade ou não <strong>do</strong> saber como ser<br />

reduzi<strong>do</strong> ou entendi<strong>do</strong> como uma esfera <strong>do</strong> saber que. Alguns defensores 2 dessa<br />

idéia dizem que a inteligência prática, envolven<strong>do</strong> a observação de regras, ou<br />

aplicações de critérios, requer necessariamente uma reflexão anterior,<br />

caracterizan<strong>do</strong>-se como um saber que. Aqui novamente temos que voltar ao texto<br />

de Dall‘Agnol. Para ele, sen<strong>do</strong> o conhecer como uma habilidade de aplicar regras<br />

adquiridas por treinamento, 3 ele até pode envolver em seu interior aspectos <strong>do</strong><br />

conhecer que, mas não pode ser reduzi<strong>do</strong> a ele porque o primeiro não é adquiri<strong>do</strong><br />

pelo conhecimento de conexões causais 4 . Concordamos com Dall‘Agnol que pode<br />

haver aspectos por assim dizer teóricos no saber como, mas disso, não se pode<br />

1 DALL‘AGNOL, D. Pratical Cognitivism. In.: ethic@. Florianópolis. v. 7, n. 2 , 2008. p. 326.<br />

2 Entre tais defensores, podemos citar Jason Stanley e Timothy Willianson que no artigo Knowing how<br />

(Journal of Philosophy, 98.8. 2001) defendem tal redução. Aqui é importante dizer que não nos<br />

ateremos de forma muita intensa a tal debate. Tomaremos como base o fato de que o saber como<br />

não pode ser reduzi<strong>do</strong> ao saber que, apesar de, as vezes, possuir alguns aspectos de saber que.<br />

3 Dall‘Agnol, ao fazer essa definição afirma também que se tomarmos conhecer como neste senti<strong>do</strong>,<br />

não teremos o problema de alguém nos dizer que o conhecer como é instintivo e que faz parte de<br />

animais e seres recém-nasci<strong>do</strong>s, por exemplo. Entendemos que essa definição é de suma<br />

importância para nossos objetivos posteriores, além de mostrar claramente as visões de Ryle.<br />

4 Cf. DALL‘AGNOL, D. Pratical Cognitivism. In.: ethic@, Florianopolis, v. 7, n. 2 , 2008, p. 331.<br />

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induzir que o saber como, necessariamente precise de conexões causais ou<br />

reflexões lógico-racionais. O saber como independe de relações causais.<br />

Este trabalho buscou, de forma breve, mostrar a contribuição de Wittgenstein para<br />

compreender a variedade de saberes. Tal discussão se faz presente porque na<br />

época de Wittgenstein e ainda hoje um <strong>do</strong>s principais problemas da filosofia e da<br />

ciência é tentar encontrar um único saber e fazer dele o saber hegemônico. Nosso<br />

trabalho mostrou que talvez seja muito mais frutífero nos voltarmos para a<br />

compreensão da variedade de saberes que a prática e a linguagem humana é capaz<br />

de criar, <strong>do</strong> que cometer erros de entrecruzamento de jogos ou de generalização de<br />

méto<strong>do</strong>s e entendimentos de uma área de atuação humana a todas as áreas. Isso<br />

pode parecer desnecessário, mas Wittgenstein vive em uma época em que não<br />

faltam tentativas de tentar justificar, por exemplo, ética, estética e religião de um<br />

ponto de vista das ciências naturais e, ainda hoje, não faltam obras que tentam fazer<br />

isso. Mas será que essa é realmente a saída para entendermos os fenômenos<br />

humanos? Será que tu<strong>do</strong> o que temos são fatos que podem ser explica<strong>do</strong>s pelas<br />

ciências? Podemos reduzir à ética, por exemplo, a uma ciência? Se sim, como<br />

poderíamos dizer que somos livres e que podemos decidir sobre o certo e o erra<strong>do</strong>?<br />

Talvez com o que apresentamos aqui surjam muito mais questões <strong>do</strong> que respostas.<br />

Mas, talvez, num mun<strong>do</strong> em que nos apresentam tu<strong>do</strong> como certo, a melhor coisa a<br />

fazer é aprender a questionar.<br />

Referências bibliográficas<br />

CLACK, B. Wittgenstein and Magic. In.: Arrington, R. L & ADDIS, M. (org).<br />

Wittgenstein an Philosophy of Religion. Lon<strong>do</strong>n New York: Routledge, 2005.<br />

DALL‘AGNOL, D. Pratical Cognitivism. In.: ethic@. Florianópolis.v 7 n2 , 2008.<br />

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HACKER, P. M. S. Wittgenstein: Conections and Controversies. Oxford: Claren<strong>do</strong>n<br />

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da Unicamp, 2005. p. 275-276.<br />

RYLE, G. The Concept of Mind. Lon<strong>do</strong>n: The Penguin Group. 1990.<br />

WITTGENSTEIN, L. Observações a La Rama Dorada de Frazer Madrid: Tecnos,<br />

1992.<br />

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_________________. Aulas sobre Fé Religiosa. In: WITTGENSTEIN, L. Aulas e<br />

Conversas sobre estética, psicologia e fé religiosa. Lisboa: Cotovia, 1991.<br />

_________________. Diários Secretos. Madrid: Alianza Editorial, 1991.<br />

_________________. O Livro Azul. Lisboa: edições 70, 1992.<br />

_________________. Tractatus Logico-philosophicus. São Paulo: Edusp, 1993.<br />

_________________. Cultura e Valor. Lisboa: Edições 70, 1996.<br />

_________________. Investigações Filosóficas. Petrópolis: Vozes, 2004.<br />

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RESUMOS DE PALESTRAS<br />

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DOGMATISMO E CRITICISMO NA ENCRUZILHADA DA DOUTRINA DO<br />

IDEALISMO TRANSCENDENTAL EM KANT<br />

Luciano Carlos Utteich<br />

Depto de Filosofia – UNIOESTE/Tole<strong>do</strong><br />

lucautteich@terra.com.br<br />

Palavras-chave: Kant, Schelling, Dogmatismo, Criticismo. Idealismo transcendental<br />

Apresentamos aqui a polêmica <strong>do</strong> jovem Schelling com o modelo da razão<br />

transcendental kantiana, cuja Crítica da razão pura instituiu a partir <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> da<br />

<strong>do</strong>utrina <strong>do</strong> Idealismo transcendental a possibilidade de <strong>do</strong>is paradigmas<br />

contrapostos: o <strong>do</strong>gmatismo e o criticismo. Reformular a questão <strong>do</strong> fundamento<br />

incondiciona<strong>do</strong> da razão, como alternativa à disputa sem fim entre os criticistas e os<br />

<strong>do</strong>gmatistas, é a meta schellinguina para estabelecer a autonomia da razão. O<br />

estabelecimento dessa autonomia passava pela crítica à prova moral da existência<br />

de Deus em Kant. O pano de fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> debate está na relação entre o texto<br />

schellinguiano Cartas Filosóficas sobre o Dogmatismo e o Criticismo (1795), no qual<br />

é apresentada a sua elaboração contra a chamada prova moral da existência de<br />

Deus, e essa prova, que resultara como desfecho de investigação à filosofia crítico-<br />

transcendental kantiana. O texto schellingiano está inteiramente embasa<strong>do</strong> na<br />

proposta transcendental <strong>do</strong> sistema kantiano; mas isso não o impediu de se servir<br />

disso tanto para refutar a prova moral da existência de Deus como para edificar um<br />

novo estágio da razão sistemática, o da tematização <strong>do</strong> incondiciona<strong>do</strong>. Na ligação<br />

<strong>do</strong>s temas Deus e natureza, comparamos as duas representações vinculadas à<br />

refutação <strong>do</strong> criticismo e <strong>do</strong> <strong>do</strong>gmatismo, já que elas aparecem como posturas<br />

filosóficas não fundadas de mo<strong>do</strong> verdadeiramente incondicional. Schelling,<br />

comparan<strong>do</strong> o tratamento concedi<strong>do</strong> aos pressupostos destes <strong>do</strong>is modelos, leva<strong>do</strong><br />

a efeito por Kant, redargüiu à solução kantiana pela avaliação dessas duas escolas<br />

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filosóficas que dividem no texto a atenção às análises e que encontramos conforme<br />

a caracterização das posições que mantiveram historicamente o debate: a posição<br />

<strong>do</strong>s ―intérpretes‖ e segui<strong>do</strong>res da filosofia transcendental, herdeiros <strong>do</strong> kantismo,<br />

como aqueles que se julgavam aptos a manter em voga o núcleo de problemas<br />

discuti<strong>do</strong>s pela filosofia transcendental, sob o título de criticismo; e a abordagem<br />

constituída pela postura <strong>do</strong>gmática, na designação das vertentes filosóficas que<br />

julgavam poder valer-se, de algum mo<strong>do</strong>, no encalço <strong>do</strong>s motivos encontra<strong>do</strong>s na<br />

Crítica da razão pura de Kant, <strong>do</strong> en<strong>do</strong>sso dessa última. É através da crítica ao<br />

mo<strong>do</strong> como a recepção da prova moral da existência de Deus interveio no<br />

estabelecimento da autonomia da razão kantiana que Schelling chega ao princípio<br />

absoluto. Na sua argumentação destaca-se a distinção entre os filósofos críticos e<br />

os <strong>do</strong>gmáticos: os primeiros lançavam mão exclusivamente <strong>do</strong> uso de postula<strong>do</strong>s<br />

práticos da razão, visto que acreditavam ―pelo mero nome de postula<strong>do</strong>s práticos, já<br />

terem distingui<strong>do</strong> suficientemente esse sistema [criticista] de to<strong>do</strong>s os outros‖(Quinta<br />

Carta, Ak 301; 1972 Abril Cult., p. 188). A eles Schelling lança a objeção: ―Àquilo que<br />

não podeis provar, imprimis a chancela da razão prática, asseguran<strong>do</strong> que vossa<br />

moeda será negociável por toda parte, onde reinar a razão humana‖(Segunda Carta,<br />

Ak 292; 1972 Abril Cult., p.183). Já para os filósofos <strong>do</strong>gmáticos se servir <strong>do</strong>s<br />

postula<strong>do</strong>s práticos e de fundamentos morais da crença para justificar o fundamento<br />

transcendental da razão levaria a rebaixar a dignidade da razão especulativa. Nesse<br />

senti<strong>do</strong>, o <strong>do</strong>gmatismo e o criticismo têm o mesmo problema, que é: como é possível<br />

determinar ainda algo para além da lei de identidade? Para ambos isso é insolúvel.<br />

Assim, pela reformulação <strong>do</strong> problema se encontrará o fundamento autêntico que<br />

leva a conciliar essas duas tradições históricas. Tal fundamento é o ―ser original‖,<br />

como representan<strong>do</strong> o elemento incondiciona<strong>do</strong> subjacente a ambos e que só<br />

aparece a partir da crítica ao argumento moral da prova da existência de Deus, a<br />

partir <strong>do</strong> silogismo schellingiano que reza: porque a razão teórica é demasia<strong>do</strong> fraca<br />

para conceber um Deus, e porque a ideia de um Deus só é ―realizável‖ por<br />

exigências morais, então tenho de pensar Deus ―sob leis morais‖. Ou seja, se<br />

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preciso – para salvar minha moralidade – da ideia de um Deus moral, e assim<br />

admito um Deus apenas para salvá-la, esse Deus tem de ser (caracteriza<strong>do</strong> como)<br />

um Deus ―moral‖. Preservan<strong>do</strong> o de melhor da filosofia crítica o <strong>do</strong>gmatismo perfeito<br />

schellinguiano concebe os fundamentos de um novo sistema, já que numa instância<br />

meramente ―teórica‖ a ideia de um Deus moral estaria sujeita a sofrer as intempéries<br />

da história, pois com ela se visou conceber um Deus que alinhava ―o desalento<br />

moral e a autonomia moral‖, ―a fraqueza e a força‖. Portanto, essa ideia permanece<br />

não apenas arbitrária, senão que leva a desconsiderar que a própria natureza está<br />

encarregada de promover o desenvolvimento <strong>do</strong> gênero humano pela ideia de uma<br />

astúcia oculta (no senti<strong>do</strong> em que Kant a desenvolveu em Ideia de uma História<br />

Universal <strong>do</strong> ponto de vista cosmopolita) e que, em se admitin<strong>do</strong> atribuir essa ideia a<br />

um Deus considera<strong>do</strong> ―moral‖, a função de Deus aqui seria apenas a de corroborar,<br />

por sua vez, as intempéries da natureza (Deus ex machina). Daí porque, diz<br />

Schelling, o ―forte atrativo peculiar ao <strong>do</strong>gmatismo‖ perfeito, reside no fato de que<br />

―ele não parte de abstrações ou de princípios mortos, mas (pelo menos em sua<br />

forma perfeita) de uma existência, que zomba de todas as nossas palavras e<br />

princípios mortos‖(Segunda Carta, Ak 290; 1972 Abril Cult., p. 182). Sem admitir<br />

subterfúgios como os que fizeram o criticismo buscar num mun<strong>do</strong> absolutamente<br />

objetivo e num Deus moral a justificação para causas naturais, em face da fraqueza<br />

e cegueira da razão teórica, o <strong>do</strong>gmatismo perfeito exigirá <strong>do</strong> próprio ser originário<br />

que admita uma objetividade absoluta: este deve explicar a necessidade de uma<br />

existência que é independente da lei (ab-solutos), não caben<strong>do</strong> conceder tal tarefa à<br />

mera ín<strong>do</strong>le da faculdade de conhecer. Assim, da própria Crítica da razão pura, na<br />

medida em que ela tem apenas o status de um ―cânon‖ da razão, e não de um<br />

sistema desenvolvi<strong>do</strong>, obteve-se a condição para os sistemas – <strong>do</strong>is deles: o<br />

criticismo e o <strong>do</strong>gmatismo (Quinta Carta, Ak 301; 1972 Abril Cult., p. 188). E uma<br />

decorrência necessária <strong>do</strong> conceito de filosofia é que ―não poderia haver, em geral,<br />

sistemas diferentes, se ao mesmo tempo não houvesse um <strong>do</strong>mínio comum a to<strong>do</strong>s<br />

eles‖(Terceira Carta, Ak 293; 1972 Abril Cult., p. 184). Se por um la<strong>do</strong> a Crítica<br />

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estabeleceu o méto<strong>do</strong> <strong>do</strong>s postula<strong>do</strong>s práticos para <strong>do</strong>is sistemas inteiramente<br />

opostos, por outro la<strong>do</strong> era impossível a ela justamente por isso ―ir além <strong>do</strong> mero<br />

méto<strong>do</strong>, e como ela devia atender a to<strong>do</strong>s os sistemas, era-lhe impossível<br />

determinar o espírito próprio de cada sistema em sua singularidade‖(Quinta Carta,<br />

Ak 304; 1972 Abril Cult., p. 189). Por isso, a fim de que o méto<strong>do</strong> fosse manti<strong>do</strong> em<br />

sua universalidade, a Crítica teve ―de mantê-lo, ao mesmo tempo, naquela<br />

indeterminação que não excluía nenhum <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is sistemas‖(Quinta Carta, Ak 304;<br />

1972 Abril Cult., p. 189). Por isso torna-se claro que toda a tentativa de ir além da<br />

mera crítica só pode pertencer a um <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is sistemas, visto que to<strong>do</strong>s os demais<br />

sistemas são somente cópias mais ou menos fiéis <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is sistemas expostos. E,<br />

neste senti<strong>do</strong>, Schelling salienta que enquanto ―cânon‖ de to<strong>do</strong>s os sistemas<br />

possíveis a Crítica da razão pura devia então deduzir ―a necessidade de postula<strong>do</strong>s<br />

práticos‖ da idéia de um sistema em geral, e não da idéia de um sistema<br />

determina<strong>do</strong>. Só com vistas a esse sistema deverá ser encontra<strong>do</strong> um princípio<br />

incondiciona<strong>do</strong>, visto que aqui não está mais em atividade a razão teórica<br />

(Verstand), mas antes a razão em geral (Vernunft).<br />

Bibliografia<br />

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1844). Lisboa: Calouste-Gulbenkian, 1992.<br />

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HÖLDERLIN, F. Urteil und Sein. Trad. Joãosinho Beckenkamp. In: Dissertatio, (13-<br />

14), UFPel, 2001, p. 27-53.<br />

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Coleção Os Pensa<strong>do</strong>res, São Paulo: Abril Cultural, 1980.<br />

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Universitária, 1995.<br />

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In: Duas Introduções à Crítica <strong>do</strong> juízo. São Paulo: Edusp, 1995.<br />

LÖWY, M. Romantismo e Messianismo: ensaios sobre Lukács e Walter Benjamin.<br />

São Paulo: Perspectiva/Editora da Universidade de São Paulo, 1990.<br />

SCHELLING, F. W. Cartas Filosóficas sobre o Dogmatismo e o Criticismo. Trad.<br />

Rubens R. T. Filho. Coleção Os Pensa<strong>do</strong>res, São Paulo: Abril Cultural, 1973.<br />

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RESUMOS DE COMUNICAÇÕES<br />

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O CONCEITO DE INTUIÇÃO: DISTINÇÕES ENTRE DESCARTES, KANT E<br />

BERGSON<br />

Luiz Ricar<strong>do</strong> Rech,<br />

Mestran<strong>do</strong> – UNIOESTE/Tole<strong>do</strong><br />

Palavras-chave: Intuição, Bergson, Descartes, Kant, História da Filosofia<br />

luiz.rech@gmail.com<br />

É fato relativamente comum que filósofos nas mais diferentes épocas lancem mão<br />

de termos já amplamente utiliza<strong>do</strong>s pela tradição filosóficas para expressar suas<br />

idéias e estabelecer seus próprios conceitos. Ao fazê-lo, os autores travam um<br />

diálogo muito particular com a tradição, chegan<strong>do</strong> por vezes à reformulação<br />

completa <strong>do</strong>s termos a fim de buscar maior clareza e precisão em suas<br />

argumentações. Em meio a esta diversidade de usos de termos filosóficos podem<br />

surgir dificuldades de compreensão na leitura <strong>do</strong>s textos e até mesmo erros de<br />

interpretação. O presente trabalho busca esclarecer como o conceito de intuição<br />

sofreu distinções na modernidade e na passagem para a contemporaneidade, em<br />

três autores em particular: Descartes, Kant e Bergson. Isto será feito mediante uma<br />

breve abordagem <strong>do</strong> termo para Descartes e Kant, e posteriormente com a<br />

exposição da interpretação bergsoniana <strong>do</strong> mesmo. Visto que para Bergson o termo<br />

tem profunda ligação com a própria atividade filosófica, serão discutidas também as<br />

dificuldades encontradas na metafísica tradicional, sob a ótica <strong>do</strong> autor e a proposta<br />

<strong>do</strong> filósofo francês para a filosofia, partin<strong>do</strong> da intuição como forma de se apreender<br />

uma realidade movente, buscan<strong>do</strong> restituir ao movimento o que este tem de<br />

essencial, ou seja, a própria mudança e sua indivisibilidade. Busca-se abordar, a<br />

partir de uma linha histórica, o conceito de intuição em Descartes e Kant – <strong>do</strong>is<br />

filósofos fundamentais <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> moderno –, para, a partir disso, prosseguir com a<br />

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discussão a respeito <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> intuitivo bergsoniano, no princípio <strong>do</strong> perío<strong>do</strong><br />

contemporâneo. Para Descartes a intuição é parte constituinte <strong>do</strong> próprio<br />

entendimento, junto com a dedução. O entendimento é, por sua vez, uma das<br />

faculdades <strong>do</strong> espírito, que devem ser exercitadas para dar ao homem a capacidade<br />

de estabelecer juízos sobre aquilo com o que toma contato. A intuição para<br />

Descartes é intelectual e proporciona uma distinção clara e nítida no estu<strong>do</strong> de uma<br />

realidade. Intuição e dedução ligam-se ao méto<strong>do</strong> no senti<strong>do</strong> em que por ele são<br />

direcionadas para alcançar um conhecimento verdadeiro. É importante frisar<br />

também seu caráter de simplicidade: toda intuição se dá sobre uma realidade<br />

simples e por isso mesmo evidente. Se para Descartes a intuição é componente<br />

ativo <strong>do</strong> entendimento, para Kant deve-se efetuar uma divisão entre as formas da<br />

intuição sensível e o entendimento. Ao entendimento ficam designadas as categorias<br />

ou conceitos puros. A intuição, por sua vez, diz respeito à recepção <strong>do</strong>s fenômenos<br />

sensíveis, sen<strong>do</strong> empírica quan<strong>do</strong> associada à sensação (aesthèsis) e pura quan<strong>do</strong><br />

associada às formas (espaço e tempo) que são a própria condição de possibilidade<br />

de uma intuição sensível (empírica). Espaço e tempo caracterizam-se como as duas<br />

formas puras da intuição sensível e são dadas a priori, de tal forma que condicionam<br />

a experiência <strong>do</strong> fenômeno. Assim, a matéria para Kant, é a própria sensação que<br />

se encontra condicionada pelas formas de intuição. Constituinte <strong>do</strong> entendimento<br />

(como em Descartes) ou condição para toda experiência sensível (como em Kant), a<br />

intuição liga-se ao intelecto de maneira inextricável. A direção <strong>do</strong> pensamento é a<br />

mesma: a busca por uma ciência que dê conta de compreender a realidade de<br />

maneira segura e determinística. Em relação a Bergson é importante destacar<br />

inicialmente que há duas vias para se conhecer a realidade. Dois movimentos<br />

opostos <strong>do</strong> pensamento. A primeira dessas vias é a que segue o próprio intelecto,<br />

generalizan<strong>do</strong>, classifican<strong>do</strong> e agin<strong>do</strong> sobre a matéria. Há uma caracterização<br />

profundamente pragmática nesta forma de pensar (e agir). Esta forma de<br />

conhecimento é o ambiente no qual se desenvolvem as ciências positivas modernas<br />

e onde, primitivamente, se desenvolveu a vida, na sua relação com a matéria (por<br />

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vezes como obstáculo, outras como sustentação). Nesta via não há traço algum <strong>do</strong><br />

que Bergson denomina intuição. A intuição, para Bergson, surge na segunda via de<br />

conhecimento da realidade: a metafísica. O esforço de reflexão necessário à<br />

metafísica apresenta-se como uma inversão da reflexão intelectual. Se o intelecto<br />

busca a imobilização de uma realidade para estudá-la em seus detalhes, para a<br />

metafísica bergsoniana o que importa é a percepção <strong>do</strong> movimento, das tendências<br />

que um e outro esta<strong>do</strong> estabelecem entre si. Para perceber este movimento é que<br />

surge o recurso à intuição na filosofia bergsoniana. Bergson ergue sobre os<br />

conceitos de duração (não aborda<strong>do</strong> diretamente neste texto) e intuição o méto<strong>do</strong><br />

pelo qual pretende investigar a realidade em sua característica mais profunda e<br />

revela<strong>do</strong>ra: o movimento. A intuição é, pois, consciência imediata que adere ao<br />

movimento e às mudanças e tendências <strong>do</strong> objeto. Esta, portanto, é a raiz <strong>do</strong><br />

pensamento bergsoniano. A segunda via de compreensão da realidade é o ponto<br />

central <strong>do</strong> pensamento <strong>do</strong> filósofo francês, tornan<strong>do</strong>-se o recurso fundamental para<br />

a compreensão <strong>do</strong> movimento. É a aderência total da percepção à realidade e ao<br />

fluxo da vida. O primeiro senti<strong>do</strong> que se destaca da intuição é o <strong>do</strong> acesso direto ao<br />

espírito. Não obstante, Bergson adverte desde sempre em suas obras a respeito da<br />

dificuldade de conceituação <strong>do</strong> próprio termo intuição. Assim, não há o que se possa<br />

identificar como uma definição objetiva e pontual. Diversas gradações compõem a<br />

construção <strong>do</strong> termo, bem como diferentes aproximações, em situações diversas.<br />

Porém o fundamento da intuição volta sempre sobre si mesmo, ou seja, a duração<br />

pura, a percepção <strong>do</strong> movimento como tal, não considera<strong>do</strong> como instantâneos que<br />

fixam o espaço e deixam de la<strong>do</strong> a duração. A intuição é a própria percepção <strong>do</strong><br />

movimento. Deve, antes de qualquer coisa, devolver à realidade seus atributos<br />

qualitativos, aceitan<strong>do</strong> cada desenvolvimento da duração como único e resultante de<br />

um movimento que é o fundamento da própria realidade. Neste senti<strong>do</strong>, Bergson<br />

distancia-se propositadamente das filosofias de Descartes e Kant. Tal<br />

distanciamento é aborda<strong>do</strong> aqui pela análise <strong>do</strong> uso <strong>do</strong> conceito de intuição nos três<br />

filósofos, porém, tem raízes mais profundas, envolven<strong>do</strong> pressupostos e<br />

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conseqüências bastante distintos em cada um <strong>do</strong>s autores. Ainda que Bergson,<br />

como ele mesmo aponta, busque para a filosofia um caráter de precisão e<br />

indubitabilidade, tal busca acaba por levar a uma inversão na marcha tradicional <strong>do</strong><br />

pensamento. A intuição da duração pura para o autor não é uma faculdade<br />

intelectual, ainda que necessite articular elementos intelectuais para que possa ser<br />

expressada.<br />

Referências bibliográficas<br />

BERGSON, Henri. Ensaio sobre os da<strong>do</strong>s imediatos da consciência.<br />

Tradução: João da Silva Gama. Lisboa: Edições 70, 1988.<br />

. O pensamento e o movente. Tradução: Bento Pra<strong>do</strong> Neto. São Paulo:<br />

Martins Fontes, 2006.<br />

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução: Manuela Pinto <strong>do</strong>s Santos<br />

e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001.<br />

SILVA, Franklin Leopol<strong>do</strong> e. Bergson: Intuição e discurso filosófico. São Paulo:<br />

Loyola, 1994.<br />

PRADO, Bento. Presença e campo transcendental: consciência e negatividade na<br />

filosofia de Bergson. São Paulo: Edusp, 1988.<br />

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O CONCEITO DE DIREITO NATURAL EM HOBBES: LIBERDADE E<br />

OBRIGAÇÃO<br />

Gerson Vasconcelos Luz<br />

Mestran<strong>do</strong> em Filosofia – UNIOESTE<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Prof. Dr. Arlei de Espín<strong>do</strong>la<br />

vasconceluz@hotmail.com<br />

Palavras-chave: Hobbes, homem, movimento, lei de natureza, direito natural<br />

Para Hobbes (2002, p.20) a natureza humana consiste na soma de suas faculdades<br />

e poderes naturais. O homem na qualidade de corpo vivo e finito está determina<strong>do</strong> a<br />

manter no seu esta<strong>do</strong> cinético. Sen<strong>do</strong> assim, a conservação <strong>do</strong> movimento é um<br />

dever para o indivíduo. É um dever e também um direito. Porém, Hobbes (2003,<br />

p.112) afirma que estes <strong>do</strong>is conceitos quan<strong>do</strong> aplica<strong>do</strong>s a uma mesma situação<br />

torna-se contraditórios. Ou se pratica uma ação por dever ou por liberdade. Diante<br />

disso, o objetivo <strong>do</strong> trabalho é procurar demonstrar que em se tratan<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />

elementos de defesa <strong>do</strong> maior bem <strong>do</strong> ser humano o direito natural é tanto dever<br />

quanto liberdade.<br />

Observemos inicialmente o conceito de lei de natureza e, posteriormente, o de<br />

direito natural. Quanto ao primeiro, escreve o nosso autor,<br />

Quanto ao segun<strong>do</strong>,<br />

uma lei de natureza [...] é um preceito ou regra geral, estabelecida<br />

pela razão, mediante o qual se proíbe a um homem fazer tu<strong>do</strong> o que<br />

possa destruir a sua vida ou privá-lo <strong>do</strong>s meios necessários para a<br />

preservar, ou omitir aquilo que pense melhor contribuir para a<br />

preservar (HOBBES, 2003, p.112).<br />

[...] a liberdade que cada homem possui de usar o seu próprio poder,<br />

da maneira que quiser, para a preservação da sua própria natureza,<br />

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ou seja, da sua vida; e conseqüentemente de fazer tu<strong>do</strong> aquilo que o<br />

seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios mais<br />

adequa<strong>do</strong>s a esse fim (HOBBES, 2003, p.112).<br />

Observemos ainda a passagem na qual o filósofo esclarece a distinção entre os<br />

conceitos:<br />

[...] o direito consiste na liberdade de fazer ou omitir, ao passo que a<br />

lei determina ou obriga a uma dessas duas coisas. De mo<strong>do</strong> que a lei<br />

e o direito se distinguem tanto como a obrigação e a liberdade, as<br />

quais são incompatíveis quan<strong>do</strong> se referem à mesma questão<br />

(HOBBES, 2003, p.112).<br />

MacAdam (1980, p.143), comenta que na filosofia hobbesiana ―ter um direito é não<br />

ter um dever e, de mo<strong>do</strong> correspondente, ter um dever é não ter um direito.<br />

Contu<strong>do</strong>, o direito natural à vida parece constituir exceção à regra geral de Hobbes.<br />

Já que é tanto direito como dever‖. A lei de natureza é um preceito internaliza<strong>do</strong> em<br />

cada corpo humano a fim de obrigar que cada indivíduo possa conserva o seu<br />

próprio movimento vital. Se por um la<strong>do</strong>, a lei determina a autoconservação, por<br />

outro assegura o direito natural como mecanismo de obtenção de resulta<strong>do</strong>s<br />

necessários à autoconservação. Sen<strong>do</strong> o direito natural liberdade e dever, cada qual<br />

se configura como juiz de si. E na qualidade de juiz de si to<strong>do</strong>s estão autoriza<strong>do</strong>s a<br />

desobedecerem às leis naturais (ou positivas, se for o caso) sempre que estas<br />

desfavorecerem ao direito primordial.<br />

O conceito de liberdade natural é compatível com o de lei de natureza. Trata-se de<br />

uma liberdade condicionada à necessidade de manter o propósito essencial <strong>do</strong><br />

corpo em relação ao seu esta<strong>do</strong> cinético. To<strong>do</strong> indivíduo está livre para escolher<br />

aquilo que favorece aos seus interesses fundamentais. A escolha não é procedida<br />

sem propósitos. Nesse senti<strong>do</strong>, o direito é também um dever natural. O estar livre<br />

para fazer não importa o que ten<strong>do</strong> em vista a autoconservação é justifica<strong>do</strong> pela<br />

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necessidade de conservação. O que move os indivíduos na liberdade da deliberação<br />

é o dever conservar-se vivo. Trata-se de um dever para consigo mesmo.<br />

As leis naturais funcionam como regras de prudência e não como um imperativo<br />

categórico. É verdadeiro que o filósofo inglês muitas vezes nos permite entender que<br />

tais leis é também moral (HOBBES, 1992, p.80). Não obstante, quan<strong>do</strong> se apoia no<br />

conjunto de seus escritos, nota-se que as leis naturais são princípios que constam<br />

na reta razão de cada indivíduo. Um homem está autoriza<strong>do</strong> a fazer tu<strong>do</strong> o que bem<br />

entender ten<strong>do</strong> em vista a preservação de si (HOBBES, 2003, p.112) sem que<br />

quaisquer coisas que faça ou deixe de fazer em relação aos objetivos em questão<br />

seja considera<strong>do</strong> como bem ou mal. A moralidade da ação praticada se configura<br />

em acor<strong>do</strong> com a necessidade <strong>do</strong> sujeito que a pratica a ação. Se a ocasião exige<br />

que um homem mate o outro, então matá-lo é uma boa ação; se a melhor solução é<br />

deixar-se escravizar, eis a boa ação. A boa atitude é aquela que melhor contempla o<br />

interesse <strong>do</strong> agente. O homem prudente é aquele que na liberdade de suas ações<br />

sabe manejar de mo<strong>do</strong> bem a sua liberdade natural.<br />

Hobbes descreve aproximadamente vinte leis de natureza. No seu conjunto as<br />

regras têm como objetivo lógico orientar as ações <strong>do</strong> homem. To<strong>do</strong> indivíduo está<br />

naturalmente orienta<strong>do</strong> a cumpri-las quan<strong>do</strong> isto interessa a conservação de si ou a<br />

não observá-las quan<strong>do</strong> lhe for desfavorável. Portanto, a ação praticada está<br />

centrada em um só ponto: o próprio sujeito da ação. A vontade, o último apetite ou<br />

repulsa na deliberação, escolhe sempre o melhor a ser feito por e para si. Não se<br />

trata de um egoísmo gratuito, mas sim de uma disposição que atende a necessidade<br />

natural de autoconservação.<br />

Dentre as leis formuladas no sistema hobbesiano a primeira ou lei fundamental de<br />

natureza é esta, ―que to<strong>do</strong> homem deve se esforçar pela paz, na medida em que<br />

tenha esperança de consegui-la, e caso não a consiga pode procurar e usar todas<br />

as ajudas e vantagens da guerra‖ (HOBBES, 2003, p.113). Há duas alternativas<br />

quanto ao mo<strong>do</strong> de agir, buscar a paz ou fazer a guerra. Seja qual for a alternativa<br />

que se use, ela necessariamente deve se dar em função de si mesmo.<br />

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Ao perguntarmos a Hobbes o que é direito natural, a resposta é sempre esta:<br />

liberdade para fazer aquilo que representa a melhor alternativa em vista a<br />

autoconservação. E ao indagarmos qual a funcionalidade das leis de natureza, o<br />

filósofo deixa claro que é condicionar as ações humanas de mo<strong>do</strong> a contemplar toda<br />

a extensão de necessidades de conservação; ou seja, direito natural e leis de<br />

natureza são princípios diferente, com funções e objetivos diferentes, mas inerentes<br />

ao mesmo interesse <strong>do</strong> corpo em questão, manter-se em movimento e incrementar o<br />

poder próprio. Entretanto, a ausência de um poder irresistível capaz de governar os<br />

homens, permite o entrecruzamento de interesses geran<strong>do</strong> o que em Hobbes se<br />

denomina de esta<strong>do</strong> de guerra. E a guerra representa uma ameaça ao direito natural<br />

a vida, geran<strong>do</strong> um perpétuo me<strong>do</strong> da morte violenta. Portanto, na inexistência de<br />

um direito positivo to<strong>do</strong> homem tende naturalmente a seguir a segunda alternativa<br />

da lei fundamental de natureza. Independente da condição – seja esta natural ou<br />

política –, o referi<strong>do</strong> direito deve ser utiliza<strong>do</strong> em favor de si sempre que a ocasião<br />

exigir <strong>do</strong> indivíduo.<br />

Referências<br />

HOBBES, Thomas. Do Cidadão. Tradução de Renato Janine Ribeiro. São Paulo:<br />

Martins Fontes, 1992<br />

______. Leviatã. Tradução de João Paulo Monteiro. São Paulo: Martins Fontes,<br />

2003.<br />

______. Os Elementos da Lei Natural e Política. Tradução de Fernan<strong>do</strong> Dias<br />

Andrade. São Paulo: Ícone, 2002.<br />

MACADAM, James. Rousseau e Hobbes. In: Pensa<strong>do</strong>res Políticos Compara<strong>do</strong>s.<br />

FITZGERALD, Ross (Org.). Tradução de Antonio Patriota. Brasília: Editora UnB,<br />

1983, p. 131-151.<br />

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A LIBERDADE GENIAL<br />

Luiz Carlos De Souza Filho<br />

Mestran<strong>do</strong> – UFPR<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Dr. Vinicius Berlendis de Figueire<strong>do</strong><br />

Palavras chave: Liberdade – Regularidade – Sistema – Gênio – Arte.<br />

lcfdiscipulo@hotmail.com<br />

Falar de liberdade em Kant é sempre um desafio, pois para quem ao menos deu<br />

uma passada de olhos sobre sua teoria <strong>do</strong> conhecimento, ou ainda, sobre os<br />

escritos onde o autor trata a respeito da moralidade, percebe a dificuldade que cerca<br />

o tema da liberdade em Kant, seja ela a liberdade transcendental, ou seja a<br />

liberdade prática, se é que podemos dizer que se trata de coisas distintas, pois bem,<br />

é este um <strong>do</strong>s problemas que trataremos no momento, e não satisfeito com tamanha<br />

questão o objetivo principal que tenho em vista é investigar se essa liberdade se<br />

mostra de algum mo<strong>do</strong> também na terceira crítica de Kant, A Crítica <strong>do</strong> Juízo (KU),<br />

sobretu<strong>do</strong> na experiência <strong>do</strong> sentimento estético, e em decorrência disto na figura <strong>do</strong><br />

Gênio artístico. Desde já podemos afirmar que de mo<strong>do</strong> algum o Gênio é um<br />

indivíduo empiricamente livre, pois isso seria uma contradição não só ao espírito<br />

mas também a letra da filosofia kantiana, o objetivo então é tentar entender qual a<br />

distinção entre um sujeito ―comum‖ determina<strong>do</strong> por suas faculdades de<br />

conhecimento e limita<strong>do</strong> pela crítica, e o sujeito ―genial‖, o qual possui um ―uso livre<br />

de suas faculdades de conhecimento‖ (KU 200) ou ainda, ―Gênio é a inata<br />

disposição de ânimo (ingenium) pela qual a natureza dá regra a arte.‖ (KU 181).<br />

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Como entender esse inatismo <strong>do</strong> Gênio? Segun<strong>do</strong> Kant o Gênio é um privilegia<strong>do</strong><br />

pela natureza, um escolhi<strong>do</strong> por ela para dar regra a arte. Sen<strong>do</strong> assim, como<br />

conciliar um filósofo iluminista como Kant, o qual nitidamente nas duas primeiras<br />

críticas valoriza a sistematização da razão, mostran<strong>do</strong> num importante texto<br />

chama<strong>do</strong>: Resposta a pergunta: O que é Esclarecimento? que basta um indivíduo<br />

querer sair de sua menoridade, ou seja, tomar uma atitude de deixar de ser guia<strong>do</strong><br />

por outros, e fazer uso de sua própria razão que após um longo percurso, difícil e<br />

penoso, seria capaz de atingir o Esclarecimento, o qual então permitiria ao indivíduo<br />

agir moralmente. Sen<strong>do</strong> a moralidade o fim último não só de um homem individual<br />

mas também de um sujeito cosmopolita.<br />

Tal questão nos leva a questionar o motivo que leva Kant permitir que através da<br />

razão um homem atinja seu fim supremo e não permita que um homem através de<br />

sua razão torne-se um gênio, pois como podemos observar nos escritos de Kant o<br />

Gênio é um escolhi<strong>do</strong> pela natureza , recebe, é <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de um espírito genial. Fato<br />

que nos leva a uma possível interpretação de que um homem por mais que estude,<br />

pesquise, treine, sinta, contemple etc., nunca se tornará um Gênio se a natureza<br />

assim não o queira. ―(...) O gênio consiste na feliz disposição, que nenhuma ciência<br />

pode ensinar e nenhum estu<strong>do</strong> pode exercitar, (....) (KU 199).<br />

Neste contexto pretendemos analisar ponto a ponto essa figura tão invejada e<br />

curiosa que é o gênio artístico, tentar buscar qual a diferença entre ele e o público<br />

pois de algum mo<strong>do</strong> ele é diferente <strong>do</strong>s outros homens, tentaremos então buscar<br />

qual seria essa diferença, e neste panorama o problema da liberdade retorna com<br />

toda força, pois arriscamos dizer que o tal ―uso livre de suas faculdades de<br />

conhecimento‖é o que faz com que o gênio produza sua arte, mesmo este não<br />

sen<strong>do</strong> realmente livre, ou seja, o Gênio pensa-se livre mas empiricamente não o é.<br />

Para entender melhor essa questão podemos colocá-las em outras palavras, se<br />

pensarmos na distinção entre coisa-em-si e fenômeno no sistema de Kant a qual<br />

norteia boa parte de sua filosofia, o Gênio como coisa-em-si pensa-se livre mas<br />

como fenômeno está preso ao mun<strong>do</strong>. (...)o gênio se compraz em seu arrebata<strong>do</strong><br />

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ímpeto, porquanto aban<strong>do</strong>nou o fio pelo qual antes a razão o dirigia(...) 1 . Podemos<br />

até admitir através da Crítica da Razão Prática ou até pela solução da Terceira<br />

Antinomia que to<strong>do</strong>s os homens devem pensar-se livre, porém a diferença entre<br />

estes e o Gênio é que o Gênio realmente sente-se livre ele não pensa-se somente<br />

livre, porém a cada momento que ele volta os olhos para o mun<strong>do</strong>, e volta a<br />

sistematizar pela sua razão para se comunicar com os demais homens, a razão<br />

torna-se um far<strong>do</strong> para ele, fato este que será visto um pouco mais adiante.<br />

Ainda tratan<strong>do</strong>-se da figura <strong>do</strong> gênio é intrigante o fato que ―nós‖ geralmente o<br />

invejamos, quem nunca quis ser como Goethe, Sócrates, Shakespeare, Homero,<br />

Mozart, Bach ou Beethoven entre outros?Segun<strong>do</strong> Kant, esta suposta ―inveja‖ que<br />

possuímos em relação ao Gênio deve-se ao fato que: ―Ser auto-suficiente, por<br />

conseguinte isto é fugir dela (da sociedade), é algo que se aproxima <strong>do</strong> sublime,<br />

assim como toda liberação de necessidades” (KU 127) é por esta libertação ou por<br />

esta auto-suficiência que invejamos o gênio, pois produz em nós um sentimento<br />

próximo ao sublime. Quan<strong>do</strong> observamos o Gênio, sobre-tu<strong>do</strong> quan<strong>do</strong><br />

reconhecemos seu espírito Genial o qual segun<strong>do</strong> Kant ele é <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>, sentimos que<br />

de algum mo<strong>do</strong> existe uma certa liberdade a qual se evidência em sua produção.<br />

Podemos primeiramente investigar quais as características principais que constituem<br />

o Gênio buscan<strong>do</strong> sua relação com o mun<strong>do</strong>, e investigar essa liberdade de<br />

pensamento que só gênio tem posse, ou melhor, faz uso. Descobrir até que ponto tal<br />

liberdade pode ser vista ou entendida em termos da liberdade transcendental ou da<br />

liberdade moral, sem que com isso o sistema kantiano <strong>do</strong> conhecimento não se<br />

abale. Ainda tentar encontrar vestígios nos escritos de Kant algo relativo a um<br />

aban<strong>do</strong>no da razão da parte <strong>do</strong> Gênio (...) o gênio se compraz em seu arrebata<strong>do</strong><br />

ímpeto, porquanto aban<strong>do</strong>nou o fio pelo qual antes a razão o dirigia (...) 2 , se caso<br />

confirmada a hipótese da recusa da razão por parte <strong>do</strong> gênio, automaticamente<br />

recusa também toda a idéia de regularidade e de totalidade as quais a razão é<br />

1 Que significa orientar-se no pensamento? P. 60<br />

2 Que significa orientar-se no pensamento? P. 60<br />

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responsável, ―O uso hipotético da razão tem, pois, por objetivo a unidade sistemática<br />

<strong>do</strong>s conhecimentos <strong>do</strong> entendimento e esta unidade é a pedra de toque da verdade<br />

das regras‖ (A 648, B 676) (Totalidade e regularidade da natureza Dialética<br />

Transcendental).<br />

Na medida em que avançamos percebemos que a questão <strong>do</strong> Gênio em Kant nos<br />

oferece uma grande e variada fonte de pesquisa de um ponto de vista um tanto<br />

quanto instigante, pois partimos em busca de uma figura que apesar de ainda não<br />

sabermos bem <strong>do</strong> que se trata, podemos dizer que possui uma relação com o<br />

mun<strong>do</strong> de algum mo<strong>do</strong> diferente <strong>do</strong> ―sensus communis‖, é em busca desse algo,<br />

desse mo<strong>do</strong> diferente, que pretendemos partir.<br />

Referências bibliográficas<br />

KANT, I. Antropologia de um Ponto de Vista Pragmático. Trad.: Clélia Aparecida<br />

Martins. São Paulo: Iluminuras, Biblioteca Pólen, 2006.<br />

_______. Crítica da Faculdade <strong>do</strong> Juízo. Trad.: Valério Rohden e António Marques.<br />

Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1995.<br />

_______. Crítica da razão pura. Trad.: Manuela Pinto <strong>do</strong>s Santos e Alexandre<br />

Fradique Morujão. Lisboa: <strong>Fundação</strong> Calouste Gulbenkian, 1989. Segunda Edição.<br />

_______.Que significa orientar-se no pensamento? In.: Textos seletos, Petrópolis,<br />

RJ: Vozes, 2008<br />

LEBRUN, Gérard. Kant e o Fim da Metafísica. Trad.: Carlos Alberto ribeiro de Moura<br />

São Paulo: Martins Fontes, 2002.<br />

SUZUKI, Márcio. O Gênio Romântico. São Paulo: Iluminuras, 1998.<br />

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A TEORIA NEURONAL DO PROJETO DE UMA PSICOLOGIA (1895) E SUAS<br />

IMPLICAÇÕES: UMA INTRODUÇÃO AO MATERIALISMO FREUDIANO<br />

Gleisson Roberto Schmidt<br />

Instituições: Pontifícia Universidade Católica <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> (Programa de Pós-<br />

Graduação em Filosofia – Mestra<strong>do</strong>); Universidade Federal <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong><br />

(Departamento de Filosofia)<br />

Orienta<strong>do</strong>res: Dr. Francisco Verardi Bocca (PUCPR); Dr. Luiz Damon Santos<br />

Moutinho (UFPR)<br />

E-mail: gleisson.schmidt@gmail.com<br />

Bolsista CNPq de Iniciação Científica, Edital 2008-2009<br />

Palavras-chave: epistemologia da Psicanálise; materialismo; psicologia científica;<br />

teoria neuronal; filosofia da natureza.<br />

Em linhas gerais, o termo materialismo designa uma atitude filosófica caracterizada<br />

pelo recurso exclusivo à noção de matéria para explicar a totalidade <strong>do</strong>s fenômenos<br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> físico e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> moral. Em to<strong>do</strong>s os matizes que esta atitude assumiu<br />

ao longo da história <strong>do</strong> materialismo – desde o atomismo grego até a física<br />

corpuscular e suas aplicações à química e à biologia - tal redução não aconteceu<br />

sem questões para<strong>do</strong>xais. Uma delas, referente à filosofia da mente, pode ser<br />

expressa nos seguintes termos: se cada materialismo se propõe a tarefa de definir o<br />

prima<strong>do</strong> da matéria tanto no <strong>do</strong>mínio da física quanto no da moral, estaria por isso<br />

sempre confronta<strong>do</strong> a delimitá-la – a matéria - ao interior <strong>do</strong> pensamento? Em caso<br />

afirmativo, como o faria?<br />

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Sigmund Freud, a seu mo<strong>do</strong>, parece ter respondi<strong>do</strong> estas questões, e descrever a<br />

maneira como este autor o fez constitui o objetivo <strong>do</strong> presente trabalho. Na última<br />

década <strong>do</strong> século 19, momento em que se assistia, no <strong>do</strong>mínio da epistemologia,<br />

uma espécie de ―disputa‖ por legitimidade científica (FERREIRA, 2006, p. 17) entre o<br />

conjunto constituí<strong>do</strong> pelo saber tradicional clássico galileano (que incluía a física, a<br />

química e as demais ciências naturais) e o conjunto das nascentes ciências<br />

humanas - que à época careciam de solidez meto<strong>do</strong>lógica -, Freud realiza uma<br />

empresa singular: propõe-se ―fornecer uma psicologia científica e naturalista, ou<br />

seja, expor os processos psíquicos como esta<strong>do</strong>s quantitativamente determina<strong>do</strong>s<br />

de partes materiais capazes de serem especificadas e, com isso, torná-los intuitivos<br />

e livres de contradição‖ (FREUD, 1895/2003, p. 175). Trata-se <strong>do</strong> Projeto de uma<br />

Psicologia de 1895. Por ter a intenção de apresentar os processos psíquicos como<br />

partículas materiais em movimento – o que caracteriza uma psicologia quantitativa -,<br />

Freud a<strong>do</strong>ta, no Projeto, uma concepção materialista de princípio, ou seja, nega a<br />

dualidade entre substâncias psíquicas ou mentais e substâncias físicas. O que dizer<br />

então <strong>do</strong> estatuto que Freud confere à matéria, esta que, resguardada a filiação<br />

materialista <strong>do</strong> projeto freudiano, constituiria o ―estofo‖ <strong>do</strong>s processos psíquicos, o<br />

componente ao qual toda a realidade mental deveria ser reduzida? E o que há de<br />

propriamente original em suas elaborações acerca da materialidade <strong>do</strong> psíquico?<br />

No Projeto Freud introduz a descrição <strong>do</strong> funcionamento <strong>do</strong> aparelho psíquico e o<br />

modus operandi das psicopatologias a partir da conjugação entre uma abordagem<br />

quantitativa, a teoria neuronal e o paradigma biológico-adaptativo. A primeira se<br />

justifica pelo fato de que a física corpuscular galileano-newtoniana constituía o<br />

referencial epistêmico de to<strong>do</strong> o qualquer discurso científico que aspirasse a esse<br />

status. Da física, então, Freud assume a tese segun<strong>do</strong> a qual no mun<strong>do</strong> externo ao<br />

sistema nervoso ―há apenas massas em movimento e nada mais‖ (FREUD,<br />

1895/2003, p. 187), <strong>do</strong> que decorre que os estímulos que invadem o sistema<br />

nervoso só podem ser de natureza quantitativa, isto é, massas em choque<br />

ocasionan<strong>do</strong> propagação de movimento. Se uma psicologia naturalista também<br />

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precisa submeter-se a esse princípio, qual seria a instância pronta a receber e<br />

associar os estímulos oriun<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s diferentes órgãos sensoriais, possibilitan<strong>do</strong> a<br />

ocorrência de processos conscientes? No Projeto, bem como nos textos<br />

metapsicológicos a ele relaciona<strong>do</strong>s, Freud apresenta o neurônio como esta<br />

partícula material cujos esta<strong>do</strong>s quantitativamente determina<strong>do</strong>s produzem, no<br />

psiquismo, os processos relaciona<strong>do</strong>s à percepção, à memória e à consciência. É a<br />

partir desse da<strong>do</strong> primitivo que este autor responde ao problema da delimitação da<br />

matéria ao interior <strong>do</strong> pensamento. Pode-se então afirmar que o Projeto descreve a<br />

gênese materialista da interioridade sobre a atividade perceptiva deste – o neurônio<br />

- que é a ―substância perceptiva <strong>do</strong> ser vivo‖ (FREUD, 1915/1992, p. 115). No que<br />

concerne à epistemologia, então, to<strong>do</strong> conhecimento possível é empiricamente<br />

condiciona<strong>do</strong> pela estrutura básica <strong>do</strong> neurônio, excluí<strong>do</strong> qualquer conhecimento a<br />

priori.<br />

O neurônio apresenta-se, na peculiaridade de seu funcionamento, como a estrutura<br />

ordena<strong>do</strong>ra das representações possíveis; é ele quem recebe os estímulos<br />

provin<strong>do</strong>s das massas em movimento no mun<strong>do</strong> externo ―numa fórmula de redução<br />

desconhecida‖ (Freud, in GABBI JR., 2003, p. 190); é ele que transfere, regi<strong>do</strong> pelo<br />

princípio da inércia, a quantidade em curso em seu interior às barreiras de contato<br />

pelo caminho conveniente; é ele o porta<strong>do</strong>r da memória e das possibilidades de<br />

relacionar idéias; é de uma organização neuronal que resulta o eu e sua capacidade<br />

de modificar cursos excitativos que, de outra forma, ocorreriam sem inibição, pon<strong>do</strong><br />

em risco a preservação <strong>do</strong> organismo inteiro; é ele, por fim mas não por último, que<br />

possibilita a percepção de qualidades.<br />

Imaginamos com isso ter esboça<strong>do</strong> a forma como Freud descreve a gênese <strong>do</strong><br />

psiquismo a partir da materialidade <strong>do</strong> neurônio. No campo da teoria <strong>do</strong><br />

conhecimento, esta é sua especificidade: o psicanalista sustenta que um elemento<br />

material primário, em sua própria arquitetura, organização e funcionamento, possa<br />

ser responsável por to<strong>do</strong>s os processos psíquicos, desde os mais elementares até<br />

os mais eleva<strong>do</strong>s. Em meio a uma multiplicidade de influências passíveis de serem<br />

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esquadrinhadas, situan<strong>do</strong>-se ela mesma numa posição de reformulação de<br />

pressupostos <strong>do</strong> naturalismo precedente (SIMANKE, 2009), a psicanálise freudiana<br />

assume o monismo de certa filosofia da natureza em curso no espírito científico de<br />

sua época para com ele recusar a duplicidade de substâncias e responder às<br />

perguntas acerca da extensão <strong>do</strong> conhecimento humano e da natureza das leis que<br />

regem os processos psíquicos. A psicanálise evidencia assim, desde a teoria<br />

neuronal <strong>do</strong> Projeto, sua fundamentação nesta escola de pensamento, pelo menos<br />

no que diz respeito à teoria <strong>do</strong> conhecimento.<br />

Referências bibliográficas<br />

FERREIRA, A. P. B. Contextualização epistemológica da psicanálise de Freud.<br />

Dissertação de Mestra<strong>do</strong> apresentada no Programa de Pós-Graduação em Filosofia<br />

da PUCPR. Curitiba, 2006.<br />

FREUD, S. Projeto de uma Psicologia (1895). In GABBI JUNIOR, O. F. Notas a<br />

Projeto de uma Psicologia. As origens utilitaristas da psicanálise. Rio de Janeiro:<br />

Imago, 2003.<br />

_____. Pulsiones y destinos de pulsión (1915). In Sigmund Freud – Obras<br />

completas. Buenos Aires: Amorrortu, vol. XIV, 1992, pp. 105-134.<br />

SIMANKE, R. T. Freudian Psychoanalysis as a model for overcoming the duality<br />

between natural and human sciences. Paper apresenta<strong>do</strong> na Disciplina História da<br />

Psicologia I. Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Filosofia e<br />

Meto<strong>do</strong>logia das Ciências, 2009 (no prelo).<br />

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O TEMPO COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE NA CONSTITUIÇÃO DO<br />

OBJETO EM MERLEAU-PONTY<br />

Jeovane Camargo<br />

Universidade Federal <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong><br />

Orienta<strong>do</strong>r: Luiz Damon Santos Moutinho<br />

acasadeasterion@gmail.com<br />

Palavras-chave: méto<strong>do</strong>, objeto, percepção, temporalidade, condição de<br />

possibilidade<br />

Ao iniciar o estu<strong>do</strong> da percepção, Merleau-Ponty comenta que nós ―encontramos na<br />

linguagem a noção de sensação, que parece imediata e clara‖. Em seguida, ele<br />

anuncia que é preciso ver como essa noção é ―a mais confusa que existe‖ 1 . O<br />

procedimento merleau-pontiano que se inicia aqui, por um la<strong>do</strong>, é o de descrever o<br />

pensamento objetivo e de lhe colocar questões que ele próprio se coloca 2 , de mo<strong>do</strong><br />

que estas revelem as contradições e os pressupostos não esclareci<strong>do</strong>s pelos quais<br />

o pensamento objetivo se constrói; de outro la<strong>do</strong>, é um procedimento que se serve<br />

das ciências humanas como de uma forma de investigação que trás à tona certo<br />

mo<strong>do</strong> de ser não tematiza<strong>do</strong> pelas filosofias clássicas. É assim, por exemplo, que a<br />

noção de sensação como puro quale, em voga no empirismo, dissolve-se ante a<br />

pesquisa psicológica que mostra que não temos a experiência sensorial de da<strong>do</strong>s<br />

puros, mas de qualidades ambíguas, sinestésicas. No entanto, embora elas lhe<br />

sirvam de instrumento, Merleau-Ponty não pára nas ciências humanas, as quais<br />

mostrariam por si sós um ultrapassamento <strong>do</strong> pensamento objetivo. O que ele<br />

1<br />

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Trad.: Carlos Alberto Ribeiro de Moura.<br />

São Paulo: Martins Fontes, 3ª ed., 2006, p. 23.<br />

2<br />

O intuito de não endereçar ao pensamento objetivo questões que ele mesmo não se coloca é<br />

revela<strong>do</strong>r <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> merleau-pontiano. O recuo à experiência perceptiva deve surgir como uma<br />

necessidade ao se fazer o inventário <strong>do</strong> pensamento clássico. Pressuposta por eles a to<strong>do</strong> momento,<br />

ela acaba esquecida em razão de um ―golpe‖ natural: a passagem da experiência efetiva, vivida por<br />

to<strong>do</strong>s, ao pensamento objetivo, construtor de um objeto único, verdadeiro. Id., ibid., p. 110.<br />

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procura é uma nova concepção <strong>do</strong> ser que leve ao mesmo tempo para além da<br />

filosofia clássica e aponte para certa ―compreensão‖ <strong>do</strong> ―real‖ que permita às<br />

ciências humanas um novo tipo de investigação — embora elas se alcem para<br />

adiante das teorias clássicas (naquilo que elas desvelam), elas ainda são deve<strong>do</strong>ras<br />

<strong>do</strong> pensamento objetivo (pelo mo<strong>do</strong> como compreendem). O procedimento merleau-<br />

pontiano aqui é aquele mesmo apresenta<strong>do</strong> na descrição da fala falante, o de<br />

reorganizar as significações já constituídas, habitualmente repetidas na linguagem<br />

ordinária, em vista de um senti<strong>do</strong> novo. Não se trata de desvelar a Verdade, mas de<br />

instituir certa verdade, histórica. E o sal<strong>do</strong>, logo anuncia<strong>do</strong>, desse procedimento, é o<br />

reencontro com o fenômeno da percepção. Ora, se já encontramos na linguagem<br />

certa noção de sensação, assim como certa noção de objeto, é preciso perguntar<br />

então como essas noções se constituíram? Qual é o solo que fundamentou seu<br />

nascimento? Pois é certo que a definição de objeto como partes extra partes,<br />

definição que está por trás daquela de sensação, não pode ser apenas um delírio ou<br />

sonho <strong>do</strong>s filósofos, mas de alguma forma se encontrar, ou ao menos se anunciar,<br />

no mun<strong>do</strong>. Assim como a fala falante ou o movimento temporal, é sempre por uma<br />

retomada que pode aparecer algo novo, não há projeção se não houver retenção. A<br />

experiência perceptiva, assim, se se quer primordial, precisa se apresentar como o<br />

solo de toda criação. Portanto, como a condição mesma tanto <strong>do</strong> pensamento<br />

objetivo quanto <strong>do</strong> movimento para<strong>do</strong>xal <strong>do</strong> ser no mun<strong>do</strong>. Ao descrever e analisar<br />

as teorias clássicas, Merleau-Ponty partia de certas noções caras tanto ao<br />

empirismo quanto ao intelectualismo, fazen<strong>do</strong> ver que na estrutura mesma daqueles<br />

sistemas filosóficos apresentavam-se contradições e pressupostos que<br />

evidenciavam um fun<strong>do</strong> não esclareci<strong>do</strong>; análise corroborada, em grande parte,<br />

pelas investigações das ciências humanas. Ali a crítica principal era a de ―construir a<br />

percepção com o percebi<strong>do</strong>‖ 1 , isto é, delimitar ―o sensível pelas condições objetivas<br />

das quais depende‖ 2 , aquilo que Merleau-Ponty chama de ―prejuízo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>‖. No<br />

1 Id., ibid., p. 26.<br />

2 Id., ibid., p. 28.<br />

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entanto, partir de noções instituídas, ordinariamente usadas na linguagem cotidiana,<br />

e daí, com o auxílio das ciências humanas, apresentar uma experiência de mun<strong>do</strong><br />

que fora esquecida, é tratar, por assim dizer, de apenas um <strong>do</strong>s la<strong>do</strong>s da questão. É<br />

preciso ainda que se faça não somente a descrição <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> objetivo e da<br />

ambiguidade da percepção, mas também que se mostre como ambos são possíveis.<br />

Em outras palavras, trata-se de já ter o campo transcendental (temporal) em vista no<br />

momento de fazer a crítica aos clássicos e o relato da percepção, lá mesmo onde se<br />

tem a ―descrição psicológica‖ como méto<strong>do</strong> filosófico. A constituição <strong>do</strong> objeto e a<br />

constituição <strong>do</strong> corpo como objeto são momentos decisivos na construção <strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />

objetivo, como o mostra Merleau-Ponty. Mas essa questão precisa ser abordada<br />

pelo filósofo, e ele o faz, segun<strong>do</strong> suas duas faces, aquela de sua constituição e<br />

aquela de sua possibilidade. Não basta que se diga apenas que o pensamento<br />

objetivo se constitui quan<strong>do</strong> ―supomos de um só golpe em nossa consciência das<br />

coisas aquilo que sabemos estar nas coisas‖ 1 , quan<strong>do</strong>, ao analisar a percepção,<br />

transportamos seus objetos colori<strong>do</strong>s e sonoros para a consciência, é preciso dizer<br />

também como essa passagem, da percepção à ―consciência de‖, da ambiguidade ao<br />

objeto claro e acaba<strong>do</strong>, é possível. Enfim, é preciso mostrar como a definição de<br />

objeto como partes exteriores umas às outras encontra seu solo de nascimento na<br />

própria experiência perceptiva. Como essa experiência possibilita <strong>do</strong>is discursos tão<br />

distintos, aquele <strong>do</strong> pensamento objetivo e aquele da fenomenologia? Seria preciso<br />

dizer aqui, é claro, como pode ser que a experiência perceptiva seja o fundamento<br />

de to<strong>do</strong> discurso, de toda expressão 2 . Esse problema será em parte resolvi<strong>do</strong> ao<br />

analisarmos como, no interior da filosofia de Merleau-Ponty, desenvolvem-se os<br />

temas da constituição <strong>do</strong> objeto e de sua possibilidade. Detenhamo-nos então no<br />

1 Id., ibid., p. 26.<br />

2 ―A percepção não é uma ciência <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, não é nem mesmo um ato, uma tomada de posição<br />

deliberada; ela é o fun<strong>do</strong> sobre o qual to<strong>do</strong>s os atos se destacam e ela é pressuposta por eles.‖ (Id.,<br />

Ibid., p. 6)<br />

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problema da origem 1 <strong>do</strong> objeto, passo que nos levará, mais adiante, à consideração<br />

da temporalidade.<br />

Referências:<br />

MERLEAU-PONTY, Maurice. Phénoménologie de la perception. Paris: Gallimard,<br />

1995 [Fenomenologia da percepção. Trad.: Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São<br />

Paulo: Martins Fontes, 1999].<br />

_____. Le primat de la perception. Paris: Verdier,1996 [O prima<strong>do</strong> da percepção e<br />

suas conseqüências filosóficas. Trad.: Constança Marcondes César. Campinas:<br />

Papiros, 1990].<br />

MOURA, Carlos Alberto Ribeiro de. Racionalidade e crise. São Paulo: Discurso<br />

Editorial e Editora UFPR, 2001.<br />

1 Em uma passagem da PHP, Merleau-Ponty diz que ―é preciso que reencontremos a origem <strong>do</strong><br />

objeto no próprio coração de nossa experiência (...)‖ (Id., Ibid., p. 109). Daqui nasceu a ideia diretriz<br />

destas páginas.<br />

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O SUMO BEM LEIBNIZIANO DE IMMANUEL KANT<br />

Rafael da Silva Cortes<br />

UFSM/ PPGF, BOLSISTA CAPES.<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Prof. Dr. Hans Christian Klotz.<br />

raf.cortes@yahoo.com.br<br />

Palavras- chave: Sumo Bem, Moralidade, Cânon da Razão pura, Kant, Reino da<br />

graça.<br />

O conceito kantiano de Sumo Bem, apresenta<strong>do</strong> originalmente no segun<strong>do</strong> capítulo<br />

da Doutrina transcendental <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> da Crítica da razão pura (1781), ―O cânone<br />

da razão pura‖, tem si<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s objetos centrais das discussões a respeito da<br />

filosofia moral de Kant. Esse conceito tem suscita<strong>do</strong> inúmeras indagações,<br />

sobretu<strong>do</strong> no que se refere a sua função, composição e importância dentro <strong>do</strong><br />

sistema crítico. Comenta<strong>do</strong>res autoriza<strong>do</strong>s da filosofia kantiana como Lewis W.<br />

Beck 1 e Frederick C. Beiser 2 , por exemplo, reservam espaço – mesmo que não<br />

exclusivamente – em suas reflexões às questões envolvidas no conceito de Sumo<br />

Bem de Kant 3 . Entretanto, grande parte <strong>do</strong>s autores não tem da<strong>do</strong> a devida<br />

importância às considerações que Kant tece sobre o Sumo Bem e sua relação com<br />

a moralidade no ―O cânone da razão pura‖, mas dedicam-se quase que<br />

exclusivamente a segunda parte da Crítica da razão prática (1788). Aliás, poucos<br />

autores se referem às afirmações feitas por Kant no contexto desse capítulo da<br />

CRP. De mo<strong>do</strong> contrário, pensamos que o conteú<strong>do</strong> das palavras de Kant no<br />

1<br />

BECK, Lewis White. A commentary on Kant`s Critique of Practical Reason. Chicago: University<br />

of Chicago Press, 1963.<br />

2<br />

BEISER, Frederick C. ―Moral faith and the highest good‖. In: The Cambridge Companion to Kant<br />

and Modern Philosophy, edited by Paul Guyer: Cambridge University Press; 2007: pp. 588-629.<br />

3<br />

Allen W. Wood, John Silber, Thomas Auxter, entre outros, também têm se dedica<strong>do</strong> a analisar o<br />

conceito kantiano de Sumo Bem.<br />

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Cânone, principalmente em relação ao Sumo Bem, merecem ser analisa<strong>do</strong>s ten<strong>do</strong><br />

em vista seu teor em comparação com o desenvolvimento da filosofia crítica, isto é,<br />

a partir da Fundamentação da metafísica <strong>do</strong>s costumes (1785) e principalmente da<br />

CRPr. Nesse senti<strong>do</strong>, investigaremos a tese que Beiser defende sobre a origem <strong>do</strong><br />

Sumo Bem kantiano, pois sua proposta contribui relevantemente a discussão sobre<br />

esse conceito e o contexto de sua origem, ou seja, em ―O cânone da razão pura‖.<br />

No Cânone Kant revela alguns elementos fundamentais de sua filosofia moral tal<br />

como ele a concebeu quatro anos antes da FMC. Fato que nos permite dizer que na<br />

CRP ele possuía uma espécie de concepção moral ainda em germe, tanto que ali<br />

ele formula algumas proposições que demonstram, por assim dizer, certa incerteza<br />

quanto à posição e função de cada conceito prático. Dentre suas afirmações que<br />

revelam uma, por assim dizer, concepção moral prematura <strong>do</strong> autor da CRP,<br />

algumas são facilmente vistas como opostas a sua filosofia moral defendida na FMC<br />

e na CRPr. Nessas passagens <strong>do</strong> Cânone ele sugere, por exemplo, que devemos<br />

admitir a existência de Deus e de uma vida futura como necessários para que a idéia<br />

de moralidade tenha efeito no nosso agir. Além disso, Kant afirma que as leis morais<br />

somente se impõem como mandamento à razão humana se admitirmos ―certas<br />

consequências apropriadas‖ advindas dessas leis, tais como ―promessas e<br />

ameaças‖ (B 839). Nessa passagem <strong>do</strong> Cânone Kant afirma que a existência da lei<br />

moral está condicionada a ideia de Deus e de imortalidade da alma e, ainda mais <strong>do</strong><br />

isso, que a esperança de recompensa ou o me<strong>do</strong> de punições determinam o caráter<br />

imperativo da moralidade. Ou seja, são afirmações notoriamente contraditórias ao<br />

conteú<strong>do</strong> de sua futura fundamentação moral, em cuja qual a lei da moralidade<br />

prova sua autoridade mediante um fato da razão. Esse fragmento <strong>do</strong> Cânone se<br />

refere a um <strong>do</strong>s componentes centrais – a moralidade – não só da filosofia prática<br />

como um to<strong>do</strong>, mas também ao que Kant conceberá na CRPr como sen<strong>do</strong> o Sumo<br />

Bem, isto é, a união entre a moralidade e a felicidade.<br />

Nesse contexto, é importante atentar para o fato de que na CRP Kant parece não<br />

compreende o Sumo Bem como sen<strong>do</strong> a união entre esses <strong>do</strong>is elementos, tal como<br />

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ele defenderá na segunda Crítica. Mas no Cânone o autor da Crítica parece definir<br />

esse conceito como sen<strong>do</strong> algo bastante diverso e, em certo senti<strong>do</strong>, surpreendente.<br />

Kant define o Sumo Bem no Cânone da primeira Crítica como sen<strong>do</strong> ―a ideia de<br />

semelhante inteligência, na qual a vontade moralmente mais perfeita, ligada à<br />

suprema beatitude, é a causa de toda a felicidade no mun<strong>do</strong>‖ (B 838). A definição de<br />

Sumo Bem aqui parece bastante clara, isto é, significa essa ―inteligência‖ suprema<br />

que une a felicidade em proporção à virtude (moralidade) <strong>do</strong> sujeito agente. Noutras<br />

palavras, pode-se dizer que em ―O cânone da razão pura‖ na primeira Crítica Kant<br />

concebe o Sumo Bem como sen<strong>do</strong> Deus.<br />

Ante o exposto levantam-se algumas perguntas: 1) porque no Cânone Kant defende<br />

algo sobre a fundamentação da moralidade que parece tão contraditório com o que<br />

ele expõe na FMC quatro anos mais tarde? 2) porque no Cânone Kant entende o<br />

Sumo Bem como sen<strong>do</strong> Deus se na CRPr ele afirmará que essa compreensão é<br />

errônea, apresentan<strong>do</strong> assim, outra caracterização desse conceito? 3) porque o fim<br />

último da razão pura (Sumo Bem) possui um elemento empírico em sua composição,<br />

qual seja, a felicidade? Dentre todas essas questões que se levantam a partir das<br />

afirmações de Kant no Cânone, neste ensaio nos restringiremos a analisar a<br />

segunda delas.<br />

Segun<strong>do</strong> Frederick Beiser o conceito de Sumo Bem que os filósofos modernos<br />

tinham em mente era o conceito de Cidade de Deus de Santo Agostinho, embora<br />

com uma nova roupagem (BEISER, 2007, p. 594). Por conseguinte, Kant, de acor<strong>do</strong><br />

com Beiser, serviu-se desse conceito de Sumo Bem influencia<strong>do</strong> não apenas por<br />

Santo Agostinho, mas também por Leibniz, como, aliás, o próprio autor da Crítica<br />

denota numa passagem <strong>do</strong> Cânone. Nela Kant se refere com todas as letras a<br />

Leibniz afirman<strong>do</strong> que, assim como o reino da graça leibniziano, o qual está sob o<br />

governo <strong>do</strong> Sumo Bem, devemos, portanto nos considerar – enquanto submeti<strong>do</strong>s<br />

às leis morais – como participantes de um reino de mesma espécie, ou seja,<br />

governa<strong>do</strong> pelo Sumo Bem (B 840).<br />

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Assim, Beiser parece sugerir uma resposta plausível a nossa segunda pergunta<br />

mencionada anteriormente, a qual se configurará como o objeto central deste<br />

ensaio. De toda maneira, mesmo parecen<strong>do</strong> uma resposta plausível, torna-se<br />

importante investigar o contexto de ―O cânone da razão pura‖ da CRP para saber se<br />

a tese de Beiser, de fato, responde nossa pergunta e, ainda, se sua resposta se<br />

aplica a todas as apresentações que Kant faz ao longo de sua filosofia prática<br />

propriamente dita de seu conceito de Sumo Bem. Esse último aspecto merece nossa<br />

atenção, pois pelo que denota em seu artigo, Beiser não atenta para o fato de que<br />

Kant parece compreender o conceito de Sumo Bem sob diferentes perspectivas<br />

durante o desenvolvimento de sua filosofia crítica. Isso quer dizer que, se a tese de<br />

Beiser acerca da influencia de Leibniz na construção <strong>do</strong> Sumo Bem kantiano está<br />

correta, devemos analisar se ela se aplica a todas as diferentes abordagens que<br />

Kant faz desse conceito ao longo de sua filosofia prática. Noutras palavras, é preciso<br />

investigar se a tese de Beiser não se aplica única e exclusivamente ao Sumo Bem<br />

kantiano da Crítica da razão pura.<br />

Bibliografia<br />

BECK, Lewis White. A commentary on Kant`s Critique of Practical Reason. Chicago:<br />

University Of Chicago Press, 1963.<br />

BEISER, Frederick C. ―Moral faith and the highest good‖. In: The Cambridge<br />

Companion to Kant and Modern Philosophy, edited by Paul Guyer: Cambridge<br />

University Press (Cambridge Collections Online), 2007. pp. 588-629<br />

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Trad. Manuela Pinto <strong>do</strong>s Santos e<br />

Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: <strong>Fundação</strong> Calouste Gulbenkian, 1997.<br />

_____. Fundamentação da metafísica <strong>do</strong>s costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa:<br />

Edições 70, 2005.<br />

_____. Crítica da razão prática. Trad. de Valério Rohden. São Paulo: Martins Fontes,<br />

2002.<br />

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CARÁTER, DETERMINISMO E LIBERDADE EM KANT E SCHOPENHAUER<br />

Vilmar Debona<br />

Professor da PUCPR<br />

Doutoran<strong>do</strong> em Filosofia pela USP<br />

Palavras-chave: Determinismo, Liberdade, Caráter, Kant, Schopenhauer<br />

A presente comunicação pretende expor parte de um projeto de pesquisa de<br />

Doutora<strong>do</strong> que está sen<strong>do</strong> desenvolvi<strong>do</strong> junto à Universidade de São Paulo. O<br />

objetivo central <strong>do</strong> trabalho consiste em analisar o contexto da gestação <strong>do</strong> conceito<br />

de ―caráter‖ em Kant, paralelamente à problemática da liberdade [transcendental], na<br />

terceira antinomia. A partir disso, estudamos as noções de caráter em<br />

Schopenhauer e pretendemos defender que a terceira forma desse conceito, o que<br />

Schopenhauer denomina caráter adquiri<strong>do</strong>, pode oferecer uma resposta às<br />

discussões sobre a liberdade em ambos os pensa<strong>do</strong>res. Uma das preocupações de<br />

Schopenhauer, enquanto crítico de Kant, é aquela a respeito da problemática<br />

oferecida pela terceira antinomia da razão pura, cujo objeto é a liberdade. A tese<br />

deste ―fenômeno novo da razão‖, a partir <strong>do</strong> qual a razão mesma teria de ser<br />

julgada, anuncia que ―a causalidade segun<strong>do</strong> leis da natureza não é a única de onde<br />

podem ser deriva<strong>do</strong>s os fenômenos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> no seu conjunto. Há ainda uma<br />

causalidade pela liberdade que é necessário admitir para os explicar‖ (CRPu, A 444/<br />

B 472). Já a antítese de tal fenômeno diz que ―não há liberdade alguma, mas tu<strong>do</strong><br />

no mun<strong>do</strong> acontece unicamente em virtude das leis da natureza‖ (CRPu, A 445/ B<br />

473). Sabemos que Kant lida com esse impasse da razão a partir da consideração<br />

de que a sua ―solução‖ só poderia ser posta dentro <strong>do</strong> Idealismo Transcendental.<br />

Esse conflito da razão não seria um conflito de tipo lógico, já que um interesse lógico<br />

seria um interesse apenas da razão teórica, e esta não teria o aparato conceitual<br />

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suficiente para resolvê-lo. Seria a razão prática que teria um interesse na antinomia,<br />

e o motivo pelo qual Kant colocou tese e antítese la<strong>do</strong> a la<strong>do</strong>, sem se auto-<br />

excluírem, tinha por propósito defender que haveria uma causalidade na natureza,<br />

mas que também haveria uma outra causalidade mediante liberdade. Assim, a<br />

chamada liberdade causal das ações humanas poderia ser encontrada apenas no<br />

mun<strong>do</strong> inteligível, uma esfera desprovida de espaço e tempo. Desse mo<strong>do</strong>, segun<strong>do</strong><br />

Kant, a liberdade consistiria na aplicação de uma causa inteligível, independente de<br />

causas naturais, ten<strong>do</strong> seu fundamento apenas nos pressupostos da razão prática.<br />

Com isso, estaria salvaguardada a liberdade de ação e de escolha <strong>do</strong> ser humano<br />

em um mun<strong>do</strong> fenomênico regi<strong>do</strong> por leis naturais causais. Sabemos também que o<br />

chama<strong>do</strong> caráter empírico, tanto em Kant quanto em Schopenhauer, estan<strong>do</strong><br />

submeti<strong>do</strong> à lei das motivações e da necessidade, expressa o caráter inteligível, que<br />

por sua vez é livre. Ora, se a inteligibilidade <strong>do</strong> caráter, para os <strong>do</strong>is filósofos, é<br />

imutável; e se, no caso de Kant, o caráter empírico apenas segue tal natureza<br />

inteligível, podemos afirmar que apesar da decorrente determinação no âmbito da<br />

prática, é a distinção das esferas numênica e fenomênica que salva a liberdade de<br />

ação e de escolhas <strong>do</strong> homem no universo das leis naturais. Entretanto, no caso de<br />

Schopenhauer, ten<strong>do</strong> em vista sua crítica à ―solução‖ kantiana, o que se teria como<br />

resposta? Em primeira instância é possível afirmarmos que não existe liberdade<br />

empírica em Schopenhauer. A questão das motivações, somadas à natureza <strong>do</strong>s<br />

caracteres, revela o que cada indivíduo é em sua determinação natural. E nem a<br />

compaixão, embora surja espontaneamente, pode ser um ato propriamente livre,<br />

pois é também submetida à lei da motivação. A liberdade só se apresentaria no<br />

fenômeno mediante o ato de negação da vontade, único caso em que caráter<br />

empírico e caráter inteligível coincidiriam. Mas, segun<strong>do</strong> Schopenhauer, a vontade é,<br />

para cada homem, algo da<strong>do</strong>, <strong>do</strong> qual não se pode fugir. Eis aí o determinismo em<br />

sua mais pura forma, que tem seu mote na expressão escolástica operari sequitur<br />

esse, as ações seguem sempre a essência. Conforme afirma Schopenhauer, o<br />

próprio indivíduo é como quer e quer como é. Diante da diversidade de caracteres,<br />

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cada ação humana é necessariamente um produto de certo caráter e <strong>do</strong>s motivos<br />

que se lhe apresentam. Percebemos, pois, como o pensa<strong>do</strong>r descarta o livre-arbítrio<br />

e não vê a liberdade nas ações individuais. Ao contrário, só é possível notar a<br />

liberdade quan<strong>do</strong> se admite que ela está no ser (esse) e não na ação individual<br />

(operari). Com isso, tal como fez Kant, embora por caminhos diversos,<br />

Schopenhauer não suprime a liberdade, mas desloca-a para o plano transcendental.<br />

No entanto, encontraremos algo a mais como ―resposta‖ para os impasses entre<br />

liberdade e determinismo se considerarmos, acima de tu<strong>do</strong>, o que oferecem os<br />

Parerga e Paralipomena, notadamente os Aforismos para a sabe<strong>do</strong>ria de vida.<br />

Nesses escritos o pensa<strong>do</strong>r utiliza-se <strong>do</strong> conceito de caráter e de sabe<strong>do</strong>ria de vida<br />

a fim de oferecer algo plausível a uma amenização <strong>do</strong> determinismo sem que seja a<br />

proposta da negação da vontade. Trata-se justamente daquilo que ainda é possível<br />

ser feito a partir <strong>do</strong> conhecimento <strong>do</strong> caráter de cada indivíduo ao longo da vida.<br />

Após tratar das duas formas de caráter (inteligível e empírico) tal como assimiladas<br />

<strong>do</strong> pensamento kantiano, Schopenhauer, num primeiro momento em sua obra<br />

magna, afirma haver ainda uma terceira espécie desse conceito, o que possibilitaria<br />

uma alternativa para a constatação de ―um resto de liberdade‖ no mun<strong>do</strong> empírico;<br />

um caráter (re)conheci<strong>do</strong> apenas com os anos de vida; o que consiste, em verdade,<br />

num conhecimento aprofunda<strong>do</strong> <strong>do</strong> caráter empírico de cada indivíduo, a saber, o<br />

caráter adquiri<strong>do</strong>.Tratar-se-ia daquilo que ainda se pode fazer para a verificação da<br />

possibilidade de algum tipo de liberdade sem ser a recorrência ao plano<br />

transcendental, como havia feito Kant, ou então sem ser a hipótese da negação da<br />

vontade, elaborada pelo próprio Schopenhauer. Ele seria o meio-termo entre<br />

liberdade e necessidade porque faria a mediação entre o caráter inteligível e o<br />

caráter empírico. Poderíamos afirmar, então, que mesmo não se poden<strong>do</strong> eliminar o<br />

determinismo e a necessidade concernentes à metafísica schopenhaueriana, ainda<br />

haveria ―resquícios‖ de liberdade no mun<strong>do</strong> empírico mediante o conceito de caráter<br />

adquiri<strong>do</strong>. E as bases desse raciocínio encontram-se na formulação das noções de<br />

caráter e de liberdade da filosofia kantiana. Desse mo<strong>do</strong>, sem ser a negação<br />

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metafísica da vontade que garante uma espécie de liberdade, semelhante àquela<br />

liberdade transcendental kantiana, haveria ainda, estritamente no plano empírico,<br />

uma indicação schopenhaueriana que encurtaria a distância entre liberdade e<br />

necessidade.<br />

Bibliografia<br />

SCHOPENHAUER, A. Die Welt als Wille und Vorstellung. München: bei Georg Muller,<br />

1912.<br />

_______. O mun<strong>do</strong> como vontade e como representação. Trad. J. Barboza. São Paulo: Unesp,<br />

2005.<br />

_______. Aforismos para a sabe<strong>do</strong>ria de vida. Trad. J. Barboza. São Paulo: Martins Fontes,<br />

2002. (Coleção Clássicos).<br />

_______. Crítica da razão pura. Trad. De Valério Rohden e U<strong>do</strong> Moosburger. 2ª Ed.<br />

São Paulo: Abril Cultural, 1980.<br />

_______. Crítica da razão prática. Trad. P. Quintela. Lisboa: Edições 70, 1989.<br />

_______. Fundamentação da metafísica <strong>do</strong>s costumes. Trad. P. Quintela. São<br />

Paulo: Abril Cultural, 1980 (Os Pensa<strong>do</strong>res).<br />

BARBOZA, J. Mau radical e terapia em Schopenhauer. In: Daniel Omar Perez (Org.)<br />

Filósofos e terapeutas: em torno da questão da cura. São Paulo: Escuta, p. 77-96,<br />

2007.<br />

CACCIOLA, M. L. O. Schopenhauer e a questão <strong>do</strong> <strong>do</strong>gmatismo. São Paulo: Edusp, 1994.<br />

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A GLOBALIZAÇÃO COMO IDEOLOGIA<br />

Prof. Ms. Guilherme Benette Jeronymo<br />

Palavras-chave: Globalização; Neoliberalismo; Ideologia; <strong>Esta<strong>do</strong></strong>; Poder.<br />

UNICENTRO<br />

guilherme@unicentro.br<br />

A importância que o constitucionalismo, a partir da Revolução Francesa em 1789,<br />

trouxe para as sociedades modernas e contemporâneas, no que diz respeito ao<br />

desenvolvimento (consolidação) <strong>do</strong> <strong>Esta<strong>do</strong></strong> e <strong>do</strong> Direito, fez deste movimento um<br />

marco histórico fundamental para o estu<strong>do</strong> da questão ideológica presente nas<br />

relações de poder que influenciaram profundamente a estrutura e organização da<br />

sociedade mundial hodierna.<br />

A idéia central <strong>do</strong>s movimentos constitucionalista francês e americano, ocorri<strong>do</strong>s<br />

quase que simultaneamente, era a de declarar direitos universais e inatos aos<br />

homens e consolidá-los através de um instrumento jurídico que limitasse sua<br />

violação principalmente pelo <strong>Esta<strong>do</strong></strong> e pudesse ao mesmo tempo legitimar o seu<br />

exercício.<br />

No entanto, o objetivo principal das Declarações Francesa e Americana não era<br />

beneficiar a sociedade como um to<strong>do</strong>, apesar de ser essa a idéia que se pretendia<br />

inculcar no povo, e sim, a preservação e proteção <strong>do</strong>s direitos eminentemente<br />

burgueses que no regime anterior não possuíam a garantia de pleno exercício<br />

(Vieira, 1999).<br />

Desse mo<strong>do</strong>, a Revolução Francesa caracteriza-se como um marco histórico<br />

importante na construção ideológica determinante para a estrutura social, política,<br />

cultural, jurídica e econômica <strong>do</strong>s <strong>Esta<strong>do</strong></strong>s modernos e contemporâneos.<br />

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Visan<strong>do</strong> garantir a efetiva realização de certos valores, a ideologia age como uma<br />

força configurativa de condutas e ideias que se procedem para obtenção de<br />

determina<strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s.<br />

Antonio Carlos Wolkmer (2000) define ideologia como um conjunto de ideias,<br />

valores, maneiras de sentir e de pensar que atuam inclusive para justificar o<br />

exercício <strong>do</strong> poder, explicar os acontecimentos e as relações entre as ações<br />

políticas e outros tipos de ação.<br />

Luiz Fernan<strong>do</strong> Coelho (2003) explica que o conceito contemporâneo de ideologia<br />

provém <strong>do</strong> marxismo e que segun<strong>do</strong> Marx consiste num senti<strong>do</strong> de pensar inverti<strong>do</strong>,<br />

que coloca como origem ou causa aquilo que é efeito ou conseqüência e vice versa.<br />

Marilena Chauí (2000) explica que o senso comum que se forma na sociedade sobre<br />

as explicações e justificações da realidade é o resulta<strong>do</strong> de uma elaboração<br />

intelectual feita por pensa<strong>do</strong>res, filósofos, professores, jornalistas, políticos etc., que<br />

descrevem e explicam o mun<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> ponto de vista da classe a que<br />

pertencem, ou seja, a classe <strong>do</strong>minante. Essa elaboração torna-se o ponto de vista<br />

de todas as classes e de toda a sociedade.<br />

A razão disso é simplesmente a manutenção <strong>do</strong> status quo, pois a materialização da<br />

ideologia da classe <strong>do</strong>minante permite a preservação de uma falsa consciência, que<br />

não pode deixar de existir, sobre a realidade, sob pena de perder-se o controle<br />

sobre o poder de <strong>do</strong>minação (Idem).<br />

Diante dessa perspectiva, faz-se importante analisar o conteú<strong>do</strong> ideológico que<br />

envolve o processo da globalização, visto que, suas consequências geraram<br />

transformações consideráveis na estrutura social, política, econômica e cultural <strong>do</strong>s<br />

<strong>Esta<strong>do</strong></strong>s contemporâneos.<br />

Através <strong>do</strong> modelo econômico neoliberal, a globalização consoli<strong>do</strong>u seus principais<br />

objetivos, ou seja, universalizar os meios de produção, o fluxo de capitais e o<br />

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merca<strong>do</strong> de consumo. Para tanto, foi necessária uma reestruturação das políticas<br />

econômicas mundiais e <strong>do</strong>s <strong>Esta<strong>do</strong></strong>s que possibilitasse a consolidação desse ideal.<br />

As principais medidas a<strong>do</strong>tadas pelos <strong>Esta<strong>do</strong></strong>s para a adequação ao modelo que se<br />

consolidava foram entre outras, a abertura ao merca<strong>do</strong> internacional, a redução <strong>do</strong><br />

<strong>Esta<strong>do</strong></strong>, o incentivo à competitividade e as privatizações.<br />

Os atores mais aparentes da globalização são os grandes grupos econômicos<br />

transnacionais que com a liberalização crescente <strong>do</strong>s merca<strong>do</strong>s de bens, serviços e<br />

capitais utilizam-se de tecnologias de ponta, em modelos informatiza<strong>do</strong>s de gestão,<br />

no acesso fácil aos merca<strong>do</strong>s financeiros e de capitais, no apelo de marcas e nomes<br />

de prestígio, sustentadas por mídias igualmente globalizadas.<br />

Porém, o agente mais audaz da globalização é o capital financeiro, que anônimo se<br />

desloca pelo mun<strong>do</strong>, movi<strong>do</strong> em busca incessante de maiores lucros. A instantânea<br />

fluidez e o desimpedi<strong>do</strong> movimento são vitais a sua existência e multiplicação. Por<br />

isso, em seu anseio especulativo, rejeita regras, ignora fronteiras, defende com<br />

unhas e dentes a liberdade de circulação, volatiliza-se quan<strong>do</strong> pressente riscos<br />

maiores e desloca-se rapidamente para onde vislumbra melhores oportunidades de<br />

lucro.<br />

Assim, a redução e o enfraquecimento <strong>do</strong> <strong>Esta<strong>do</strong></strong> fortalecem e promovem o ideário<br />

liberal, converten<strong>do</strong> o liberalismo em poderosa ideologia, ainda difusa, mas de<br />

grande força impositiva (ECO, 1997).<br />

A ideologia globalizante manipula as decisões a<strong>do</strong>tadas pelos <strong>Esta<strong>do</strong></strong>s<br />

subordinan<strong>do</strong>-os a um merca<strong>do</strong> invisível, ilegítimo, sem controle judicial ou político<br />

(Sader, 1999) e em detrimento da representatividade democrática e das<br />

necessidades sociais.<br />

To<strong>do</strong> esse quadro caracteriza-se, na expressão de Plauto Faraco de Azeve<strong>do</strong>, o<br />

caráter ideológico <strong>do</strong> neoliberalismo, responsável pela ―desconformidade entre sua<br />

imagem mental e sua realidade efetiva, induzin<strong>do</strong> ao erro de avaliação e tratamento<br />

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desta.‖(1999; 103). Isso também revela a dimensão totalitária da globalização, que<br />

se apresenta como uma opção contra a qual não adianta resistir.<br />

Por fim, a insistência na preservação e realização de direitos sociais constitui um<br />

significativo espaço de resistência à escalada globalizante, assinalan<strong>do</strong>-se a<br />

importância de se ampliar os horizontes para as utopias (Mannheim, 1976) e<br />

acreditar que nada é definitivo ou irrealizável. Cabe ao homem portanto, o papel de<br />

construção de uma sociedade independente, baseada em uma visão crítica e<br />

fundada no ideal humanista e liberta<strong>do</strong>r das <strong>do</strong>minações, deixan<strong>do</strong>-se de silenciar<br />

aos discursos e pensamentos ideológicos individualistas e assecuratórios das<br />

desigualdades sociais.<br />

Referências:<br />

AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, justiça social e neoliberalismo. São Paulo: RT,<br />

1999.<br />

CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 12. ed. São Paulo: Ática, 2000.<br />

______. O que é ideologia. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2001.<br />

COELHO, Luiz Fernan<strong>do</strong>. Teoria crítica <strong>do</strong> direito. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey,<br />

2003.<br />

ECO, Umberto. A estrutura ausente. 7. ed. Trad. P. de Carvalho. São Paulo:<br />

Perspectiva, 1997.<br />

MANNHEIM, Karl. Ideologia e Utopia. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.<br />

SADER, Emir. <strong>Esta<strong>do</strong></strong> e democracia: os dilemas <strong>do</strong> socialismo na virada <strong>do</strong> século.<br />

In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo. Pós-Neoliberalismo II: que esta<strong>do</strong> para que<br />

democracia? Petrópolis: Vozes, 1999.<br />

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VIEIRA, Oscar Vilhena. Realinhamento constitucional. In: SUNDFELD, Carlos Ari;<br />

VIEIRA, Oscar Vilhena. Direito global. São Paulo: Max Limonade, 1999.<br />

WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, esta<strong>do</strong> e direito. São Paulo: RT, 2000.<br />

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A CARACTERIZAÇÃO DOS „SONHOS DE UM VISIONÁRIO‟ COMO UM ESCRITO<br />

DE CUNHO CRÍTICO<br />

Marcio Tadeu Girotti<br />

Universidade Estadual Paulista<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Prof. Dr. Lúcio Lourenço Pra<strong>do</strong><br />

girotti_mtg@hotmail.com<br />

Palavras-chave: Kant, Pré-crítico, Dogmatismo, Criticismo, Virada crítica.<br />

A pesquisa busca elucidar a caracterização da obra Sonhos de um visionário<br />

explica<strong>do</strong>s por sonhas da metafísica (1766) de Immanuel Kant como um escrito que<br />

pode ser caracteriza<strong>do</strong>, em alguns aspectos, como um escrito de cunho crítico<br />

dentro da caracterização <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> pré-crítico da filosofia kantiana. Para apontar os<br />

Sonhos de um visionário como um escrito de cunho crítico e talvez como um escrito<br />

de virada crítica, deve-se ter como base três pontos básicos, a saber: a consciência<br />

da existência de <strong>do</strong>is mun<strong>do</strong>s sensível e supra-sensível; os limites da razão e a<br />

caracterização <strong>do</strong> espaço e tempo como meios para se abarcar aquilo que é<br />

possível conhecer; esses três pontos desembocam na obra ―Acerca da forma e <strong>do</strong>s<br />

princípios <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> sensível e inteligível‖ (Dissertação de 1770) e também na<br />

Crítica da razão pura (1781). Ten<strong>do</strong> isso em mente pode-se retomar o escrito de<br />

1766, e perceber quais os temas ali trata<strong>do</strong>s e remetê-los aos temas que serão<br />

aborda<strong>do</strong>s nas duas obras posteriores. Já é sabi<strong>do</strong> que a distinção entre mun<strong>do</strong><br />

sensível e mun<strong>do</strong> inteligível é a base da argumentação da Dissertação de 1770,<br />

além de espaço e tempo serem caracteriza<strong>do</strong>s como formas puras da intuição<br />

sensível <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> como encontramos na Crítica. Nesse senti<strong>do</strong>, pressupõe-<br />

se que os Sonhos de um visionário é um escrito que poderia adiantar a<br />

argumentação acerca <strong>do</strong> espaço e tempo, bem como a existência de <strong>do</strong>is mun<strong>do</strong>s<br />

distintos, consideran<strong>do</strong> a abordagem da obra como conten<strong>do</strong> elementos de cunho<br />

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crítico (limites <strong>do</strong> conhecimento, espaço e tempo como formas da sensibilidade).<br />

Para não perder o fio condutor, é possível retomar o ponto chave <strong>do</strong> escrito de 1766<br />

em relação à caracterização espaço-temporal. Lá, os visionários abarcavam seus<br />

objetos que transcendiam o mun<strong>do</strong> sensível por meio <strong>do</strong> espaço e tempo, uma vez<br />

que toda a descrição deles era possível colocan<strong>do</strong>-os dentro das características<br />

espaço-temporal. Além disso, os visionários caíam em confusão ao utilizar espaço e<br />

tempo para abarcar coisas <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> suprassensível, uma vez que estes são<br />

instrumentos da intuição sensível. Assim, parece que é em 1766 que Kant se dá<br />

conta de que espaço e tempo são responsáveis por aquilo que se pode conhecer,<br />

além de perceber que é o sujeito que possui as formas espaço-temporal. Com efeito,<br />

a obra Sonhos de um visionário possivelmente pode ser caracterizada como um<br />

escrito que se encaixa no contexto crítico se considerarmos o tema que concerne ao<br />

espaço e tempo e a distinção <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is mun<strong>do</strong>s; além <strong>do</strong>s limites da razão que<br />

configura de vez a obra com a possibilidade de ser caracterizada como o marco da<br />

virada crítica (se ela for considerada no contexto da idealidade <strong>do</strong> espaço e tempo e<br />

os limites <strong>do</strong> conhecimento). Nesse senti<strong>do</strong>, só há uma coisa a dizer acerca <strong>do</strong>s<br />

limites <strong>do</strong> conhecimento humano com relação ao escrito de 1766 desembocan<strong>do</strong> na<br />

Crítica de 1781: tu<strong>do</strong> aquilo que se quer conhecer está no campo sensível – na<br />

experiência – e isso já foi aponta<strong>do</strong>, por Kant, na obra de 1763 intitulada ―Único<br />

argumento possível de uma demonstração da existência de Deus‖ (Beweisgrund) e<br />

agora nos Sonhos, pois, quimeras são fantasias que transpostas para o campo<br />

sensível não passam de ilusões. Ou seja, se não está no espaço e no tempo e muito<br />

menos visível por to<strong>do</strong>s não é possível de ser conheci<strong>do</strong>, e se alguém afirmar que<br />

vê e acredita ser verdadeiro é porque, segun<strong>do</strong> o próprio Kant, está comedi<strong>do</strong> por<br />

alguma <strong>do</strong>ença mental. Em outras palavras, é um louco. Consideran<strong>do</strong> a obra de<br />

1766 como um escrito de caráter crítico, a primeira pergunta que deve-se fazer é:<br />

em que senti<strong>do</strong>? Vários interpretes da filosofia kantiana apontam para diversas<br />

hipóteses que dizem respeito à virada crítica ou mesmo revolução copernicana. Por<br />

um la<strong>do</strong>, tem-se que a filosofia de Kant torna-se crítica a partir <strong>do</strong> momento em que<br />

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ele se dá conta de que espaço e tempo são ideais e subjetivos, e fazem parte da<br />

estrutura cognitiva <strong>do</strong> sujeito. Nesse ponto, o sujeito passa a ser o ―sujeito <strong>do</strong><br />

conhecimento‖, aquele que conhece o mun<strong>do</strong> fenomênico, o mun<strong>do</strong> das suas<br />

representações. Aqui, a Dissertação de 1770 pode ser o marco da virada crítica,<br />

junto com a divisão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> em sensível e inteligível, caracterizan<strong>do</strong> os limites<br />

para o conhecimento humano (pode-se incluir aqui a ―grande luz de 69‖). Por outro<br />

la<strong>do</strong>, a virada pode ser caracterizada com o contexto da ―Dedução Transcendental<br />

das categorias <strong>do</strong> entendimento‖, tal qual abordada na Crítica da razão pura; porém,<br />

essa preocupação em compreender como os objetos poderiam se conformar às<br />

representações <strong>do</strong> sujeito já está presente, em algum senti<strong>do</strong>, na Carta a Marcus<br />

Herz de 1772. Além disso, há interpretes, como Franco Lombardi (1946, p. 201), que<br />

acredita na possibilidade <strong>do</strong> Beweisgrund (1763) ser uma obra de cunho crítico, pois<br />

seria ali, segun<strong>do</strong> o autor, que Kant poderia ter começa<strong>do</strong> a perceber a importância<br />

da experiência (como campo sensível) para a existência de seres reais,<br />

caracterizan<strong>do</strong> a existência como ‗posição absoluta‘ e como predica<strong>do</strong> não real, mas<br />

verbal; além da experiência ser o próprio limite para conhecer aquilo que é possível<br />

de ser conheci<strong>do</strong>: aquilo que aparece. Outra obra de 1763, o ―Ensaio para introduzir<br />

a noção de grandezas negativas em filosofia‖, adiantaria, segun<strong>do</strong> Mariano Campo<br />

(1953, p. 386), o problema <strong>do</strong>s juízos sintéticos a priori, um <strong>do</strong>s problemas centrais<br />

da Crítica, uma vez que a oposição real reúne coisas que se opõem sem<br />

contradição e se desenrolam na ordem fenomenal (campo sensível). Agora, entre as<br />

mais variadas interpretações, está a possibilidade de configurar os Sonhos de um<br />

visionário como escrito de cunho crítico, ou mesmo um escrito que fecha o perío<strong>do</strong><br />

pré-crítico da filosofia kantiana. Nessa linha seguem alguns interpretes: A.<br />

Philonenko (1983, p. 50), Roberto Torretti (1980, p. 40), Jaume Pons (1982, p. 44),<br />

David-Ménard (1996, p. 98), Daniel Omar Perez (1998 / 2008), entre outros. Diante<br />

dessa possibilidade, parece relevante uma pesquisa que busque aproximar a obra<br />

de 1766 <strong>do</strong> contexto da Dissertação de 1770 (que é considera, segun<strong>do</strong> a história da<br />

filosofia, o marco <strong>do</strong> criticismo kantiano) estenden<strong>do</strong> essa aproximação à ‗Dialética<br />

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Transcendental‘ da Crítica. A base para a investigação está no conteú<strong>do</strong> da década<br />

de 1760 que desemboca nos Sonhos, juntamente com o tema <strong>do</strong>s limites <strong>do</strong><br />

conhecimento humano, o qual desemboca na quinta parte da Dissertação de 1770 e<br />

na ‗Dialética Transcendental‘ da Crítica. Outro ponto que serve como base é a<br />

própria caracterização da estrutura espaço-temporal como meio para conhecer os<br />

objetos sensíveis. Tal tema foi aborda<strong>do</strong> ao longo da modernidade pré-crítica, o qual<br />

ganhou uma melhor formulação nos Sonhos, com o auxílio <strong>do</strong> papel da experiência<br />

já esboça<strong>do</strong> no Beweisgrund e no Ensaio das ―Grandezas Negativas‖. Isso tu<strong>do</strong><br />

acaba desembocan<strong>do</strong> em 1770 e 1781. Assim, os Sonhos parecem fechar o perío<strong>do</strong><br />

pré-crítico, colocan<strong>do</strong> a Dissertação de 1770 como uma obra de passagem entre um<br />

perío<strong>do</strong> e outro (esse argumento é reforça<strong>do</strong> com a posição de Torretti (1980, p. 40)<br />

a essa mesma caracterização). Do mesmo mo<strong>do</strong>, toman<strong>do</strong> os Sonhos como ponto<br />

central da investigação; auxilia<strong>do</strong>s com o contexto <strong>do</strong>s escritos de 1760;<br />

consideran<strong>do</strong> o conteú<strong>do</strong> da Crítica e ten<strong>do</strong> a Dissertação de 1770 marcan<strong>do</strong> a<br />

passagem entre os Sonhos e a Crítica, a investigação ganha uma base sólida que<br />

permite a interpretação da obra de 1766 como um possível escrito que guarda um<br />

conteú<strong>do</strong> crítico.<br />

Referências<br />

CAMPO, M. La genesi del criticismo kantiano. Varese: Editrice Magenta, 1953.<br />

DAVID-MÉNARD, M. A loucura na razão pura: Kant leitor de Swedenborg. Rio de<br />

Janeiro: Editora 34, 1996.<br />

KANT, I. L‟unique fondement possible d‟une démonstration de l‟existencec de dieu.<br />

Paris: Vrin, 1973.<br />

______. Crítica da razão pura. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os<br />

Pensa<strong>do</strong>res, Kant I).<br />

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______. Acerca da forma e <strong>do</strong>s princípios <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> sensível e inteligível. In:<br />

SANTOS, L. R. <strong>do</strong>s.; MARQUES, A. Dissertação de 1770 seguida de Carta a Marcus<br />

Herz. 2. ed. Lisboa: Casa da Moeda, 2004. p. 23-105<br />

______. Ensaio para introduzir a noção de grandezas negativas em filosofia. In:<br />

______. Escritos pré-críticos. São Paulo: Ed. Unesp, 2005. p. 51-100.<br />

______. Sonhos de um visionário explica<strong>do</strong>s por sonhos da metafísica. In: ______.<br />

Escritos pré-críticos. São Paulo: Ed. Unesp, 2005. p. 141-218.<br />

LOMBARDI, F. La filosofia crítica: la formazione del problema kantiano. Tumminelli:<br />

Libreria dell‘Universita‘ di Roma, 1946. V. 1.<br />

PEREZ, D. O. Kant pré-crítico: a desventura filosófica da pergunta. Cascavel:<br />

Edunioeste, 1998.<br />

______. Kant e o problema da significação. Curitiba: Champagnat, 2008.<br />

PHILONENKO, A. L‟oeuvre de Kant. 3. ed. Paris: Vrin, 1983. T. 1.<br />

PONS, J. C. Kant : assaig per introuir en filosofia el concepte de magnitud negativa i<br />

Somnis d‘un visionari explicats per somnis de la metafísica (comentari). Enrahonar,<br />

Barcelona, n. 4, p. 37-45, 1982.<br />

TORRETTI, R. Manuel Kant : estu<strong>do</strong> sobre los fundamentos de la filosofia crítica. 2.<br />

ed. Buenos Aires: Editorial Charcas, 1980.<br />

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DESMISTIFICANDO A TECNOLATRIA – A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE DE<br />

HANS JONAS<br />

Vitor Ogiboski<br />

Universidade Estadual <strong>do</strong> Centro-Oeste<br />

Palavras-chave: ciência; tecnologia; capitalismo; natureza; ética.<br />

Prof. Dr. Elias Dallabrida<br />

vitorogbk@hotmail.com<br />

O mo<strong>do</strong> de produção hoje <strong>do</strong>minante, o capitalismo, é fruto da união tecnocientífica.<br />

Na gênese de to<strong>do</strong> esse processo, situa-se a Revolução Industrial e o Iluminismo,<br />

que começaram a impor sua lógica instrumental, prometen<strong>do</strong> organizar as funções<br />

sociais, fortalecen<strong>do</strong> as classes de mo<strong>do</strong> linear. A partir daí, a ideia de que somente<br />

a união da ciência com a tecnologia poderia ser a única ferramenta capaz de<br />

promover o desenvolvimento social, começou a ser formatada. Porém, hoje<br />

podemos concluir que tal ideal não foi capaz de produzir os efeitos espera<strong>do</strong>s e, em<br />

muitos casos, acabou até mesmo causan<strong>do</strong> efeitos contrários. Apesar de termos<br />

avança<strong>do</strong> muito na questão tecnocientífica, retrocedemos no que diz respeito à<br />

democratização dessas descobertas. Por conta disso, estamos imersos a uma lógica<br />

irracional de merca<strong>do</strong>, que impõe como única possibilidade de sobrevivência a<br />

contínua rotina da produção/consumo. Tu<strong>do</strong> isso, alia<strong>do</strong> ao crescente contingente<br />

populacional, também tem causa<strong>do</strong> intervenções preocupantes na natureza, pois<br />

esse modelo de consumo não leva em conta que nossos recursos naturais são<br />

finitos. Por isso, busquei apresentar como suporte para esses conflitos, a<br />

abordagem da Ética da Responsabilidade, de Hans Jonas, que demonstra<br />

sabiamente que as ações humanas tecnologicamente potencializadas são<br />

perigosas, poden<strong>do</strong> até mesmo cessar a vida na terra. Diante disso, constatamos<br />

que to<strong>do</strong> o desenvolvimento tecnológico se mostrou democraticamente nulo, já que<br />

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não conseguiu abarcar a totalidade populacional. Se no inicio <strong>do</strong> desenvolvimento<br />

da ciência experimental e <strong>do</strong> surgimento de aparatos tecnológicos, pensava-se que<br />

seria possível desenvolver também uma sociedade menos conflituosa, agora se<br />

conclui que talvez essa força tenha se desvirtua<strong>do</strong> para o contrário <strong>do</strong> que se<br />

esperava dela. A exclusão social torna-se também a exclusão tecnológica, os<br />

detentores <strong>do</strong> poder são os detentores da tecnologia, seja ela de produção de bens<br />

de consumo ou de informações.<br />

Nessas condições, os problemas também ganham proporções extra-humanas, já<br />

que a busca desenfreada pela produção e pelo consumo, aliada ao crescimento <strong>do</strong><br />

contingente populacional (segun<strong>do</strong> da<strong>do</strong>s divulga<strong>do</strong>s pela ONU, em 2025 a terra<br />

terá entre 7,3 e 10,7 bilhões de habitantes), tem causa<strong>do</strong> destruições irreversíveis<br />

na natureza. ―Evidentemente, num mun<strong>do</strong> de recursos finitos, nenhuma sociedade<br />

se sustenta a longo prazo sem enfrentar as dificuldades daí decorrentes‖<br />

(MÉSZÁROS, 2004; 47). O estilo de vida a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> por países <strong>do</strong> primeiro mun<strong>do</strong>, e<br />

copia<strong>do</strong> por alguns <strong>do</strong> terceiro, mostra-se completamente incompatível com os<br />

recursos finitos da natureza, que através de tufões, furacões, ciclones, enchentes e<br />

terremotos, responde a todas as intervenções mal feitas pelo homem.<br />

As alterações feitas pelo homem comprometem principalmente o bem estar das<br />

futuras gerações, que muito provavelmente terão que viver com dificuldades, devi<strong>do</strong><br />

ao mal uso que fazemos <strong>do</strong>s nossos recursos naturais. Hans Jonas, filósofo alemão,<br />

dedicou-se ao estu<strong>do</strong> de uma nova abordagem ética que fosse capaz de garantir<br />

vida plena para aqueles que ainda estão por vir. Em sua obra, O Principio da<br />

Responsabilidade – Ensaio para uma Ética para a Civilização Tecnológica, o filósofo<br />

constitui uma nova abordagem sobre os problemas da modernidade. Para Jonas, é<br />

inconcebível que as ações humanas, tecnologicamente potencializadas possam<br />

cessar a existência da humanidade na terra. Para ele, a felicidade da geração<br />

presente não justifica a infelicidade ou até mesmo a inexistência de futuras<br />

gerações. Essas ideias estão impressas em seu imperativo: Age de tal maneira que<br />

os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida autêntica<br />

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na terra. (JONAS, 2006; 47). A autenticidade de uma vida futura engloba o homem,<br />

os seres naturais e, principalmente, as gerações que estão por vir. O imperativo de<br />

Jonas determina que o agir humano coletivo tem a obrigação de proteger aquilo que<br />

ainda não é, ou aquilo que está por vir. Justamente pelo fato de ainda não ser, as<br />

gerações futuras não podem sustentar defesa alguma de seus direitos de<br />

sobrevivência.<br />

Referências:<br />

JONAS, Hans. O princípio da responsabilidade. Ensaio de uma ética para a<br />

civilização tecnológica. Trad. Marijane Lisboa, Luis Barros Montez. Rio de Janeiro:<br />

Contraponto, 2006.<br />

MÉSZÁROS, István. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo, 2004.<br />

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A FORMAÇÃO POLÍTICA EM ROUSSEAU<br />

Darlan Faccin Weide<br />

darlan@unicentro.br<br />

Departamento de Filosofia<br />

Universidade Estadual <strong>do</strong> Centro-Oeste<br />

No século das luzes (séc. XVIII), em meio às disputas racionalistas e empiristas,<br />

preconizava-se a difusão <strong>do</strong> saber como a forma mais eficaz para combater à ignorância e<br />

às superstições, rodea<strong>do</strong> de postula<strong>do</strong>s científicos <strong>do</strong>s enciclopedistas, destaca-se a figura<br />

de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).<br />

Foi no campo da política e da educação que o pensamento e Rousseau teve repercussões<br />

amplas e profundas. Para ele, a desigualdade entre os homens surgiu com a propriedade,<br />

que gerou também o <strong>Esta<strong>do</strong></strong> despótico. Contraposto a este, o <strong>Esta<strong>do</strong></strong> ideal seria resultante<br />

de um acor<strong>do</strong> entre os indivíduos, que cederiam alguns de seus direitos para se tornarem<br />

cidadãos. A base desse acor<strong>do</strong> seria a vontade geral, identificada com a coletividade e,<br />

portanto, soberana.<br />

A pesquisa, bibliográfica, teve como objetivo investigar as relações entre política e educação<br />

em Rousseau, buscan<strong>do</strong> compreender a relação entre "Emílio" (1759 e 1760-1762) e "Do<br />

contrato social" (1762), para a boa vivência da democracia.<br />

―O homem nasce livre e por toda a parte ele está agrilha<strong>do</strong>‖, ―Tu<strong>do</strong> está bem ao sair das<br />

mãos <strong>do</strong> autor das coisas; tu<strong>do</strong> degenera entre as mãos <strong>do</strong> homem‖ (ROUSSEAU,1996,<br />

p.09), nessas frases Rousseau sintetiza a idéia central <strong>do</strong> seu pensamento: a natureza,<br />

criada por Deus, é a expressão da felicidade, igualdade, bondade e verdade, já a civilização,<br />

criada pelos homens há expressão da infelicidade, desigualdades, injustiças, artifícios e<br />

falsidades. Ele denuncia os crimes da civilização e as injustiças que foram sen<strong>do</strong><br />

estabelecidas entre os homens, sustentan<strong>do</strong> a necessidade de um retorno à natureza,<br />

funda<strong>do</strong> no reconhecimento da igualdade <strong>do</strong>s direitos naturais <strong>do</strong>s homens.<br />

Entre as principais obras de Rousseau tem-se: "Discurso sobre as ciências e as artes"<br />

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(1749), "Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens"<br />

(1755), "Emílio" (1759 e 1760-1762), "Do contrato social" (1762), "As cartas escritas da<br />

montanha" (1764-1765), "As confissões" (1764-1770), etc. Morre em 2 de julho de 1778.<br />

Pouco depois de sua morte, sua obra, sobretu<strong>do</strong> o "Do contrato social", tornou-se a bíblia<br />

<strong>do</strong>s Jacobinos e serviu de inspiração para a "Declaração <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong> homem" [...], onde<br />

se transcreve quase que literalmente, alguns de seus argumentos e se aproveita o conceito<br />

de vontade geral.<br />

Nas obras ―Discurso sobre a origem e os fundamentos da Desigualdade entre os homens‖ e<br />

―Do contrato Social‖ evidenciam-se que para Rousseau a desigualdade entre os homens<br />

surge na passagem <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> natural para o esta<strong>do</strong> social. Ou seja, no esta<strong>do</strong> natural o<br />

homem visava somente sua sobrevivência e cultivava um sentimento de solidariedade com<br />

seus semelhantes devi<strong>do</strong> à necessidade de superação das intempéries <strong>do</strong> cotidiano. Já, no<br />

momento que homem passa a desenvolver suas técnicas e aprimoramentos na caça,<br />

dispon<strong>do</strong> de mais tempo e confortabilidade passa a emitir juízo comparativo sobre a<br />

capacidade aprimorada de cada um. Quer saber quem é o melhor caça<strong>do</strong>r, o mais forte, o<br />

mais ágil, o mais hábil, o mais bonito, etc. Os homens agrupa<strong>do</strong>s sem um líder ten<strong>do</strong> como<br />

juiz sua própria consciência geraram um esta<strong>do</strong> de conflito. Tal situação foi contornada<br />

através de um contrato social, nele os homens renunciavam a sua liberdade natural a favor<br />

da comunidade.<br />

O pacto social, além de ser a manifestação <strong>do</strong> poder consentida pela vontade geral,<br />

gera um corpo moral e coletivo, em que seus membros envolvem-se livremente com<br />

o consentimento <strong>do</strong>s demais. Rousseau mostra que a desigualdade entre os<br />

homens tem como fundamento a degeneração provocada pelo distanciamento que<br />

o homem civiliza<strong>do</strong> está <strong>do</strong> homem natural. Como a evolução social faz parte da<br />

natureza humana pela perfectibilidade <strong>do</strong> homem, sugere um pacto entre os<br />

cidadãos para uma vivência harmoniosa baseada na liberdade.<br />

No esta<strong>do</strong> de natureza, o homem é guia<strong>do</strong> e pode confiar nos instintos (os desejos não vão<br />

além das necessidades físicas), porque como emanam <strong>do</strong> coração podem ser identifica<strong>do</strong>s<br />

imediatamente e não há razões para não serem obedeci<strong>do</strong>s. O homem civiliza<strong>do</strong> não pode<br />

mais contar com os instintos: tem que apelar para o entendimento, para a razão. A moral e a<br />

lei cumprem o papel, no mun<strong>do</strong> social, que os instintos desempenham na vida natural.<br />

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Dessa forma, Rousseau entende o desenvolvimento histórico da humanidade como<br />

seguin<strong>do</strong> três tempos: 1) o esta<strong>do</strong> de natureza; 2) a sociedade civil e; 3) a república.<br />

Natureza e sociedade civil são duas realidades opostas, sen<strong>do</strong> possível a superação dessa<br />

contradição através de duas vias trilhadas em conjunto: a política e a educação. Como diz<br />

Michel Launay,<br />

Rousseau sabe que é uma ilusão querer ensinar livremente um homem<br />

livre, numa sociedade em que prevalece a desigualdade, e que é uma<br />

ilusão esperar transformar a sociedade, se não se dispõe de homens livres,<br />

prontos a se sacrificar por esta liberdade, pela igualdade de to<strong>do</strong>s perante a<br />

lei; é preciso então fazer as duas coisas ao mesmo tempo. (apud<br />

CERIZARA, 1990, p. 26.)<br />

Por isso, Rousseau teria escrito "Emílio" e "Do Contrato Social" concomitantes. No<br />

"Do Contrato Social", Rousseau define a possibilidade de resgatar a igualdade e a<br />

liberdade <strong>do</strong> homem através de um contrato social que institua a vontade geral como<br />

o poder soberano. A vontade geral é um poder moral e uma legislação derivada da<br />

igualdade entre os homens que buscam sempre o bem comum. O que somente<br />

poderá ser alcança<strong>do</strong> através da educação <strong>do</strong>s seus cidadãos para uma boa<br />

convivência coletiva, elemento essencial para que o povo, sen<strong>do</strong> sujeito-autor das<br />

leis, possa garantir sua execução, bem como, o exercício da democracia.<br />

Dessa forma, revela-se uma íntima relação entre política e educação. Principalmente<br />

quan<strong>do</strong> Rousseau enfatiza que para sua pólis não é importante homens sábios, mas, sim,<br />

homens bons. O <strong>Esta<strong>do</strong></strong> só conseguirá atingir tal meta se envolver na educação a dimensão<br />

política de suas intenções.<br />

Não é suficiente dizer aos cidadãos - sede bons: é preciso ensiná-los a ser.<br />

O próprio exemplo que a esse respeito constitui a primeira lição, não<br />

representa o único meio a empregar-se; o amor à pátria constitui o meio<br />

mais eficaz, pois como já disse, to<strong>do</strong> o homem é virtuoso quan<strong>do</strong> sua<br />

vontade particular em tu<strong>do</strong> se encontra de acor<strong>do</strong> com a vontade geral<br />

(ROUSSEAU, 1995, p. 52).<br />

Rousseau busca a formulação de um processo educativo que garanta ao homem<br />

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melhores condições de atuar em sociedade e para tal busca entender uma questão<br />

filosófica de fun<strong>do</strong>: O homem é bom por natureza! A bondade é a condição original;<br />

a maldade é adquirida. Desse mo<strong>do</strong>, "antes de ser um trata<strong>do</strong> pedagógico, o Emílio<br />

é um estu<strong>do</strong> filosófico sobre a bondade natural <strong>do</strong> homem.‖ (CERIZARA, 1990, p.<br />

26). Nele, têm-se os princípios de uma educação que prima pelo livre<br />

desenvolvimento <strong>do</strong> indivíduo, que busca aperfeiçoar as suas potencialidades a fim<br />

de formá-lo para o exercício da liberdade e da autonomia, elementos que<br />

proporcionarão uma atuação efetiva no que se refere à organização política da<br />

sociedade.<br />

Rousseau no Emílio mostra a seqüência, de acor<strong>do</strong> com princípios naturais, que se<br />

deve obedecer para formar a pessoa moralmente autônoma. Se esse modelo fosse<br />

segui<strong>do</strong> e se tornasse universal, surgiria um mun<strong>do</strong> novo sem corrupção.<br />

A tarefa primordial da educação é impedir que a corrupção aconteça, preservan<strong>do</strong> a<br />

infância das influências <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> adulto. Neste particular, tem-se uma "revolução<br />

copernicana da educação". Até Rousseau, a teoria e a prática educacionais sempre<br />

foram concebidas a partir da ótica <strong>do</strong> adulto (da experiência cultural, da tradição);<br />

Rousseau inverte a perspectiva. Disso deriva o lega<strong>do</strong> rousseauniano à pedagogia<br />

moderna: o robustecimento <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s, o ensino prático, o trabalho manual, o<br />

estímulo da intuição, a experiência direta da criança com a vida, etc.<br />

Rousseau propõe uma educação não preocupada apenas em desenvolver o<br />

aspecto individual, mas, sobretu<strong>do</strong>, o aspecto coletivo, uma vez que o<br />

homem deve ser educa<strong>do</strong> para agir em meio à sociedade, aprenden<strong>do</strong> a<br />

conviver com os demais e a priorizar o interesse comum frente aos<br />

interesses particulares. O processo educativo deve equilibrar as tensões<br />

entre a natureza e a sociedade, posto que Rousseau formula uma educação<br />

que insere o homem no mun<strong>do</strong> da cultura, permitin<strong>do</strong> que o mesmo siga as<br />

orientações estabelecidas pela natureza. O para<strong>do</strong>xo da educação de<br />

Rousseau, torna-se a pedra de toque para o entendimento de uma<br />

interpretação que visualiza uma educação política. (BRITO, 2004, p. 07)<br />

Rousseau buscou a compreensão <strong>do</strong>s fatores que se interpõem entre o indivíduo e a sua<br />

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felicidade, a partir <strong>do</strong> postula<strong>do</strong> de que o homem, degrada<strong>do</strong> em sua natureza pelo<br />

processo histórico de socialização, pode, em princípio, recuperar sua integridade essencial.<br />

Rousseau, mais <strong>do</strong> que desenvolver pensamento sobre educação, formula uma teoria<br />

política <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>, onde seus membros são os autênticos depositários <strong>do</strong> poder. Aqui<br />

aparece a relevância de seu pensamento que serve de base para a compreensão da<br />

concepção de democracia e esta<strong>do</strong> moderno.<br />

Os educa<strong>do</strong>res tradicionais assegura, Rousseau, "procuram sempre o homem, na<br />

criança, sem pensarem no que ele é, antes de se tornar homem.". E alerta aos<br />

pedagogos: "Começai, pois, por observar melhor os vossos educan<strong>do</strong>s; pois é<br />

quase certo que não os conheceis." (ROUSSEAU, 1990, p. 9-10).<br />

O impacto causa<strong>do</strong> pelo pensamento de Rousseau se justifica pelas novidades que<br />

introduz. 1 Com relação à educação, desafia o modelo jesuítico e combate à idéia da<br />

essência. Rousseau "[...] desloca a análise para o social; não se trata de explicar<br />

tu<strong>do</strong> a partir da essência, mas com base na observação <strong>do</strong>s fatos e na história<br />

hipotética <strong>do</strong> desenvolvimento da humanidade. O que os homens são atualmente<br />

eles devem muito mais ao desenvolvimento das relações sociais." (CERIZARA,<br />

1990, p. 31).<br />

No Do Contrato Social e no Emílio tem-se uma integração entre política e educação<br />

onde se reforça que, diferente das leis da natureza, as leis humanas devem ser<br />

reforçadas pela sociedade, através de um processo educativo e político que<br />

desperte o apreço pela lei e o correlato crescimento pessoal e moral de cada<br />

cidadão, que é impeli<strong>do</strong> pelo desejo moral de seguir a vontade geral e construir uma<br />

boa vivência democrática.<br />

Referências<br />

BRITO, Freitas, Lidiane. A educação política em Rousseau. São Cristovão: UFS,<br />

2004. (Dissertação)<br />

CERIZARA, Beatriz. Rousseau: a educação da infância. São Paulo: Scipione, 1990.<br />

1 "Não me agrada encher um livro com coisa que toda a gente sabe" (ROUSSEAU, 1990, p. 9).<br />

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ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio. 2 vol, Portugal: Europa-América, 1990.<br />

______. Discurso sobre a economia política e <strong>do</strong> contrato Social. [tradução de Maria<br />

Constança Peres Pissarra] 3.ed. Petrópolis: Vozes, 1995.<br />

______. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os<br />

homens. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.<br />

______. O contrato social. [tradução de Antônio de Pádua Danesi] 3.ed. São Paulo:<br />

Martins Fontes, 1996.<br />

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UMA DEONTOLOGIA HOBBESIANA?<br />

A TESE TAYLOR E A TEORIA DA OBRIGAÇAO EM HOBBES<br />

Clóvis Brondani<br />

Universidade Federal de Santa Cataria<br />

Programa de Pós Graduação em Filosofia – Doutora<strong>do</strong><br />

Orienta<strong>do</strong>r: Dr. Marco Antônio Franciotti (UFSC)<br />

Co-orienta<strong>do</strong>ra: Dra. Maria Isabel Limongi (UFPR)<br />

Email: clovisbrondani@hotmail.com<br />

Palavras-Chave: Hobbes, deontologia, obediência, ética, lei natural.<br />

Este artigo tem como objetivo apresentar a interpretação de Taylor e Warrender<br />

sobre a ética e a teoria da obrigação de Thomas Hobbes, especialmente no que diz<br />

respeito à tese que propõe uma ética deontológica em Hobbes e mais<br />

especialmente no caso de Taylor, de uma vinculação da ética hobbesiana com a<br />

ética kantiana.<br />

Os trabalhos destes autores originaram uma interpretação da filosofia hobbesiana<br />

radicalmente oposta às leituras mais tradicionais, as quais compreendem a sua ética<br />

como fundada no egoísmo, e sua teoria da obrigação fundada apenas no auto-<br />

interesse. A inovação proposta por Taylor e Warrender é a tese de que a ética<br />

hobbesiana não é fundada no egoísmo psicológico e, consequentemente, a sua<br />

teoria da obrigação não está embasada no auto-interesse, mas na obrigatoriedade<br />

incondicional da lei natural, fato este que aproxima Hobbes tanto das tradições<br />

cristãs medievais da lei natural como da ética kantiana.<br />

O ponto de partida de Taylor e Warrender é a negação de que a teoria <strong>do</strong> egoísmo<br />

psicológico de Hobbes seja o fundamento de sua ética e consequentemente da sua<br />

teoria da obrigação. Segun<strong>do</strong> Taylor, o egoísmo psicológico em Hobbes é apenas<br />

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descritivo em relação à natureza humana, não estan<strong>do</strong> vincula<strong>do</strong> com sua teoria da<br />

obrigação (TAYLOR, 1938, p. 407). Assim, haveria por um la<strong>do</strong>, uma teoria<br />

psicológica que descreve o comportamento egoísta <strong>do</strong> homem e por outro, uma<br />

teoria ética que é em essencialmente uma deontologia.<br />

A ética hobbesiana então, segun<strong>do</strong> estes autores, está fundada não no auto-<br />

interesse, mas na obrigatoriedade das leis de natureza. Este caráter obrigatório<br />

pode ser encontra<strong>do</strong> em inúmeras passagens <strong>do</strong>s textos hobbesianos,<br />

especialmente no De Cive, nas quais Hobbes apresenta a lei de natureza com um<br />

coman<strong>do</strong> divino incondicional. Sen<strong>do</strong> assim, diferente <strong>do</strong> que grande parte da<br />

tradição interpretativa concebera, elas são válidas também no esta<strong>do</strong> de natureza.<br />

Consequentemente, o contrato social e o poder soberano <strong>do</strong> <strong>Esta<strong>do</strong></strong>, nada mais<br />

fazem <strong>do</strong> que garantir o cumprimento destas leis, as quais já possuem<br />

obrigatoriedade no esta<strong>do</strong> de natureza, por derivarem da vontade divina. Deste<br />

mo<strong>do</strong>, a teoria política de Hobbes estaria muito mais próxima a uma tradição cristã,<br />

<strong>do</strong> que ao mecanicismo científico moderno. Para os autores, a tradição teria<br />

negligencia<strong>do</strong> os aspectos evidentemente religiosos na filosofia de Hobbes,<br />

enfocan<strong>do</strong> sua atenção apenas nos aspectos científicos e mecanicistas da obra.<br />

Além disso, grande parte da tradição debruçou-se apenas sobre um estu<strong>do</strong> profun<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> Leviathan, (e mais especificamente nas duas primeiras partes) o qual, segun<strong>do</strong><br />

Taylor (1938, p. 407) não é a obra mais clara <strong>do</strong> pensamento hobbsiano. Assim,<br />

preferem focar sua atenção no De Cive e nas últimas duas partes <strong>do</strong> Leviathan.<br />

Um outro aspecto da tese de uma ética deontológica em Hobbes é a aproximação,<br />

feita por Taylor, com a deontologia kantiana. Segun<strong>do</strong> Taylor, a distinção entre a<br />

obrigatoriedade in foro interno e in foro externo da lei natural feita por Hobbes, o<br />

aproxima da distinção kantiana entre ação pelo dever e conforme ao dever<br />

(TAYLOR, 1938, p. 409). Segun<strong>do</strong> Hobbes, no esta<strong>do</strong> de natureza, as leis de<br />

natureza obrigam apenas in foro interno, mas in foro externo nem sempre obrigam<br />

(HOBBES, 1996, p.110). Esta distinção conduziu grande parte da tradição<br />

interpretativa a conceber que a lei de natureza não possui uma obrigatoriedade<br />

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efetiva, sen<strong>do</strong> a verdadeira obrigação apenas aquela in foro externo, ou seja, a<br />

obrigação jurídica implantada pelo poder soberano. Taylor interpreta a questão de<br />

mo<strong>do</strong> diametralmente oposto. Segun<strong>do</strong> ele, a verdadeira obrigação é aquela in foro<br />

interno, porque opera no nível da consciência, ou seja, trata-se da intenção de agir e<br />

não meramente da ação de acor<strong>do</strong> com a lei. ―O ponto que importa é que Hobbes<br />

concorda com Kant sobre o caráter imperativo da lei moral, exatamente como ele<br />

também concorda com ele na asserção na proposição de que ela é a lei da reta<br />

razão‖ (TAYLOR, 1938 , p. 409).<br />

Ao analisar as afirmações de Hobbes sobre a não obrigatoriedade in foro externo<br />

das leis de natureza, Taylor argumenta que tal obrigatoriedade somente existe nas<br />

condições em que há garantia de reciprocidade, garantias de que os outros<br />

indivíduos também a cumpram. Como no esta<strong>do</strong> de natureza esta garantia quase<br />

sempre é inexistente, a lei de natureza não obriga a praticar as ações prescritas pela<br />

lei, mas continua obrigan<strong>do</strong> internamente o indivíduo a ter intenção de praticá-la.<br />

Este tipo de obrigação então, na visão de Taylor, é o mesmo tipo de obrigação<br />

incondicional exposto na teoria ética de Kant. Esta tese conduz a uma interpretação<br />

bastante particular da obrigação política. Ela não parte <strong>do</strong> soberano, como aquele<br />

que comanda a lei, mas parte da obrigatoriedade incondicional da lei natural. A<br />

obrigação moral de obedecer à lei de natureza é anterior à existência <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r e<br />

da sociedade civil. A obrigação de obedecer ao soberano civil então, de acor<strong>do</strong> com<br />

esta interpretação, está fundamentada em uma teoria ética deontológica que, em<br />

última instancia, nos apresenta a lei natural de Hobbes como incondicionalmente<br />

obrigatória devi<strong>do</strong> ao fato de ser um mandamento divino.<br />

Bibliografia<br />

HAMPTON, J. Hobbes and the Social Contract Tratidion. Cambridge: Cambridge<br />

University Press, 1995.<br />

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HOBBES, T. A dialogue between a philosopher and a student of the common laws of<br />

England; edited by Joseph Cropsey. Chicago ; Lon<strong>do</strong>n : University of Chicago Press,<br />

1997.<br />

__________. Do Cidadão. Tradução de R. J. Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes,<br />

2002. Col. Clássicos.<br />

__________. Elementos da Lei Natural e Política. Tradução de F. D. Andrade. São<br />

Paulo: Editora Ícone, 2002.<br />

__________. Leviathan. Edited by Richard Tuck. Cambridge: Cambridge University<br />

Press, 1996.<br />

KAVKA, G. Hobbesian Moral and Political Theory. Princeton: Princeton University<br />

Press, 1986.<br />

LIMONGI, M. I. O Homem Excêntrico. Paixões e Virtudes em Thomas Hobbes. Tese<br />

de <strong>do</strong>utoramento apresentada ao Departamento de Filosofia da Universidade de São<br />

Paulo, 1999.<br />

MARTINICH. A. P. The Bible and Protestantism in Leviathan. In: SPRINGBORG. P.<br />

The Cambridge Companion to Hobbes‟s Leviathan. Cambridge: Cambridge<br />

University Press, 2007.<br />

STRAUSS, L. The Political Philosophy of Thomas Hobbes. Oxford: The Claren<strong>do</strong>n<br />

Press, 1963.<br />

SORELL. T. Hobbes‘s Moral Philosophy. In: SPRINGBORG. P. The Cambridge<br />

Companion to Hobbes‟s Leviathan. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.<br />

TAYLOR, A. E. The Ethical Docrtine of Hobbes. In: Philosophy, vol. xiii, 1938.<br />

____________. Thomas Hobbes. Bristol: Thoemmes Press, 1997.<br />

WARRENDER, Howard. The Political Philosophy Of Hobbes. Oxford: the Claren<strong>do</strong>n<br />

Press, 1957.<br />

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A INTERSUBJETIVIDADE NO FUNDAMENTO DO DIREITO NATURAL<br />

DE FICHTE<br />

João Geral<strong>do</strong> Martins da Cunha<br />

Departamento de Filosofia – FFLCH – USP<br />

Supervisor de pós-<strong>do</strong>utoramento: Ricar<strong>do</strong> Ribeiro Terra<br />

jgmcunha@usp.br<br />

Palavras-chave: Fichte; Tarefa da razão; Intersubjetividade; A. Honneth; Direito<br />

natural.<br />

A descoberta no século XX <strong>do</strong>s manuscritos ―Halle‖ e ―Krause‖ de um curso de<br />

Fichte sob a rubrica ―Doutrina da ciência nova metho<strong>do</strong>‖, leciona<strong>do</strong> entre 1796 e<br />

1799, perío<strong>do</strong> intermediário entre a primeira exposição de 1794 e a obra madura da<br />

primeira década de 1800, reanimou o problema hermenêutico quanto à continuidade<br />

ou ruptura da obra de Fichte. Razão pela qual, um de seus grandes intérpretes, Ives<br />

Radrizzani, propôs uma análise desse problema a partir da edição crítica desses<br />

manuscritos; mostran<strong>do</strong> o quanto pode ser enganoso o título que comparece nestes<br />

cadernos, ―Doutrina da ciência nova metho<strong>do</strong>‖ (título da<strong>do</strong> pelo próprio Fichte no<br />

cátalogo – catalogus praelectionum – da Universidade de Iena), ao sugerir a mesma<br />

<strong>do</strong>utrina de 1794, apresentada por meio de um novo méto<strong>do</strong> 1 . A questão chave da<br />

discussão sobre continuidade ou ruptura na obra depende, fundamentalmente, da<br />

possibilidade de articulação <strong>do</strong>s três princípios da Grundlage (1794) e a ideia,<br />

aparentemente nova e indubitavelmente original, da intersubjetividade.<br />

Completamente ausente da exposição da Grundlage de 1794 e absolutamente<br />

central nos cursos de 1796-99, a idéia de intersubjetividade parece consistir no<br />

pomo da discórdia entre os defensores da ―continuidade‖ e os defensores da<br />

―ruptura‖ de sua obra.<br />

1 I. Radrizzani, Vers la fondation de l´intersubjectivité chez Fichte, Vrin, Paris: 1993.<br />

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Além disto, o tema da intersubjetividade também é central em outra obra <strong>do</strong>s anos<br />

1796-7, o Fundamento <strong>do</strong> direito natural segun<strong>do</strong> os princípios da <strong>do</strong>utrina da<br />

ciência. Isso mostra que o aparecimento <strong>do</strong> tema da intersubjetividade não é<br />

episódico, mas constitui uma preocupação central de Fichte entre os anos 1796-<br />

1800. Afinal de contas, o livro sobre o fundamento <strong>do</strong> direito é bastante central no<br />

projeto filosófico de Fichte, pois é sua primeira tentativa de aplicação <strong>do</strong>s princípios<br />

da Doutrina-da-ciência a uma ciência em particular, no caso, o direito 1 .<br />

Grosso mo<strong>do</strong>, podemos dizer que o fundamento <strong>do</strong> direito natural, ou melhor, a<br />

legitimidade <strong>do</strong> conceito <strong>do</strong> direito é que ele é condição da relação intersubjetiva; a<br />

qual, por sua vez, é condição da própria consciência. Como a consciência é um fato,<br />

o direito está transcendentalmente vincula<strong>do</strong> à posição deste fato e, portanto, seu<br />

conceito e objeto (a comunidade política) estão geneticamente legitima<strong>do</strong>s pela<br />

posição mesma da própria consciência. Certamente, a primeira parte <strong>do</strong><br />

Fundamento <strong>do</strong> direito natural, onde essa dedução é apresentada, está longe de ser<br />

clara e linear. Fichte, como de costume, opera um raciocínio contra-intuitivo – apesar<br />

de explicitamente dizer o contrário –, alteran<strong>do</strong> inteiramente a própria noção lógica<br />

de conceito (como ―representação geral‖), deslocan<strong>do</strong> o procedimento kantiano de<br />

dedução transcendental (fundar uma representação no ato subjetivo que a constitui)<br />

para o <strong>do</strong>mínio que poderíamos chamar de ―genético constitutivo‖ e, finalmente,<br />

assumin<strong>do</strong> uma postura crítica diante das ―filosofias de fórmulas‖ quanto ao direito<br />

(as <strong>do</strong>utrinas <strong>do</strong> direito inspiradas em Kant). Além de tu<strong>do</strong>, essas diferentes<br />

operações envolvidas na dedução <strong>do</strong> conceito <strong>do</strong> direito são apresentadas segun<strong>do</strong><br />

o ―mo<strong>do</strong> geométrico‖, por meio de três teoremas e suas respectivas<br />

―demonstrações‖.<br />

Mas todas estas dificuldades não devem obscurecer a importância <strong>do</strong> tema da<br />

intersubjetividade para a aplicação sistemática da Doutrina-da-ciência ao direito.<br />

Estes <strong>do</strong>is contextos da obra de Fichte, a chamada Doutrina da ciência nova<br />

metho<strong>do</strong> e o Fundamento <strong>do</strong> direito natural, a despeito de suas dificuldades<br />

1 R. Lauth, op. cit., p.334.<br />

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interpretativas internas e das dificuldades hermenêuticas quanto ao lugar sistemático<br />

de cada uma delas – e a significação disso para a interpretação geral <strong>do</strong> sistema de<br />

Fichte – mostram que o tema da intersubjetividade não é de pouca importância para<br />

o pensamento de Fichte. Marcan<strong>do</strong> ou não uma ruptura em sua produção, o tema é<br />

certamente central tanto para sua Doutrina-da-ciência de um mo<strong>do</strong> geral, quanto<br />

para sua filosofia política de um mo<strong>do</strong> particular.<br />

Diante das dificuldades levantadas acima, os limites de uma comunicação<br />

evidentemente não comportam o tratamento completo <strong>do</strong> tema da intersubjetividade<br />

em Fichte, mas, por outro la<strong>do</strong>, também não invalidam um tratamento pelo menos<br />

parcial <strong>do</strong> mesmo. Nesse senti<strong>do</strong>, proponho fazer uma apresentação geral da<br />

primeira Seção da ―Dedução <strong>do</strong> conceito de direito‖ no Fundamento <strong>do</strong> direito<br />

natural, particularmente, seu segun<strong>do</strong> teorema – segun<strong>do</strong> o qual não há consciência<br />

de si sem consciência <strong>do</strong> outro – para, a partir daí, tecer algumas considerações<br />

sobre a consequência política fundamental que decorre desta fundação<br />

intersubjetiva <strong>do</strong> conceito <strong>do</strong> direito e de seu objeto, a comunidade política. De mo<strong>do</strong><br />

geral, parece-me que a diferença específica <strong>do</strong> jusnaturalismo político de Fichte,<br />

frente ao contratualismo <strong>do</strong> pensamento moderno inaugura<strong>do</strong> por Hobbes, está na<br />

idéia de uma fundação intersubjetiva <strong>do</strong> contrato social e político. Por conseguinte,<br />

preten<strong>do</strong> reivindicar a paternidade fichtiana <strong>do</strong> tema da intersubjetividade, contra sua<br />

completa identificação ao famoso slogan hegeliano da ―luta pelo reconhecimento‖.<br />

Para alcançar este propósito e diante <strong>do</strong> pano <strong>do</strong> fun<strong>do</strong> apresenta<strong>do</strong> acima, três<br />

problemas devem ser enfrenta<strong>do</strong>s: (1) em primeiro lugar, uma análise geral da<br />

dedução <strong>do</strong> conceito <strong>do</strong> direito no Fundamento direito natural; (2) em segun<strong>do</strong> lugar,<br />

uma análise mais específica da demonstração <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> teorema da dedução<br />

sobre a intersubjetividade; e, por fim, (3) uma análise das consequências que o tema<br />

da intersubjetividade traz para a filosofia política de Fichte – medidas por uma<br />

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comparação (ainda muito esquemática) com a ―reatualização‖ de Hegel feita por A.<br />

Honneth 1 .<br />

Minha hipótese é que esta dificuldade foi enfrentada por Fichte por meio <strong>do</strong> conceito<br />

de intersubjetividade que comparece no Fundamento <strong>do</strong> direito natural. Daí meu<br />

interesse em mostrar a ―descoberta‖ da intersubjetividade como chave para o<br />

problema político em Fichte, contra uma possível hegelianização prematura desta<br />

temática, tal como parece ser o caso, pelo menos à primeira vista, na obra de Axel<br />

Honneth supracitada.<br />

1 A. Honneth, Sofrimento de indeterminação: Uma reatualização da filosofia <strong>do</strong> direito de Hegel, trad.<br />

Rúrion S. Melo, Esfera Pública, São Paulo: 2007.<br />

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ESTUDO COMPARATIVO ENTRE O EPICURISMO E O UTILITARISMO<br />

Palavras-chave: Epicurismo, Utilitarismo, Ética<br />

Karina Mikuska<br />

Universidade Estadual <strong>do</strong> Centro-Oeste- Unicentro<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Ruth Rieth Leonhardth<br />

Email: ka_mikuska@yahoo.com.br<br />

O presente resumo aborda as características <strong>do</strong> Epicurismo e Utilitarismo com o<br />

objetivo de fazer uma análise comparativa entre as duas correntes para detectar<br />

pontos de semelhanças no âmbito moral e ético e possíveis influências de Epicuro<br />

ao utilitarismo.<br />

Epicurismo é o sistema filosófico desenvolvi<strong>do</strong> por Epicuro de Samos, filósofo <strong>do</strong><br />

século IV a. C. Epicuro propunha uma vida de continuo prazer para a felicidade,<br />

esse é o objetivo de seus ensinamentos morais. Para Epicuro, a presença <strong>do</strong> prazer<br />

é sinônimo de ausência de <strong>do</strong>r ou de qualquer tipo de aflição. O pensamento de<br />

Epicuro afirma que <strong>do</strong>s homens só se deve temer o ódio, a inveja e o desprezo.<br />

Sábio para ele é aquele que, pela razão, se eleva acima de tu<strong>do</strong> isso. Quem possui<br />

sabe<strong>do</strong>ria é incapaz de deixar-se ficar, voluntariamente sob o <strong>do</strong>mínio das paixões.<br />

O prazer só é útil e desejável quan<strong>do</strong> não é nocivo. Mesmo em relação à <strong>do</strong>r, o<br />

homem tem capacidade de suportar to<strong>do</strong> o mal que o aflige, sen<strong>do</strong> feliz na sua<br />

condição de sábio. Os epicuristas admitem <strong>do</strong>is tipos de felicidade: uma divina<br />

completa e que não aceita qualquer acréscimo, sen<strong>do</strong>, por isso perfeita; e outra<br />

menos elevada, com variação na quantidade <strong>do</strong> gozo oriun<strong>do</strong> <strong>do</strong> desfrute <strong>do</strong> prazer.<br />

A pessoa sábia conhece os limites daquilo que pode elevar como prazer sem, no<br />

entanto, diminuir em nada a sua sabe<strong>do</strong>ria. A alternativa mais desejável é aquela<br />

que recorre aos efeitos mais agradáveis de um benefício, não tanto por sua<br />

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abundância ou duração, pois a medida da felicidade se encontra nos resulta<strong>do</strong>s<br />

favoráveis <strong>do</strong>s prazeres produzi<strong>do</strong>s. Necessariamente, a consequência de uma<br />

escolha correta tem como único fim a saúde <strong>do</strong> corpo e a tranquilidade da alma.<br />

Destarte, procura os epicuristas evitar a <strong>do</strong>r e a inquietude, muitas vezes causadas<br />

pela busca incessante <strong>do</strong> prazer. Sob essa perspectiva, o prazer considera<strong>do</strong> em si<br />

mesmo, é um bem, embora nem to<strong>do</strong>s devam ser busca<strong>do</strong>s. Assim como o<br />

sofrimento é um mal, apesar de alguns não ser naturalmente evita<strong>do</strong>s. Com o intuito<br />

de proceder adequadamente, um determina<strong>do</strong> cálculo deve ser efetua<strong>do</strong>.<br />

Utilitarismo é uma corrente filosófica surgida no século XVIII na Inglaterra, que<br />

afirma a utilidade como o valor máximo a qual a constituição de uma ética deve<br />

fundamentar-se. O utilitarismo baseia-se na compreensão empírica de que os<br />

homens regulam suas ações de acor<strong>do</strong> com o prazer e a <strong>do</strong>r, perpetuamente<br />

tentan<strong>do</strong> alcançar o primeiro e escapar <strong>do</strong> segun<strong>do</strong>. Deste mo<strong>do</strong>, uma moral que<br />

possa abarcar efetivamente a natureza humana. Nesta perspectiva, a utilidade<br />

entendida como capacidade de proporcionar prazer e evitar a <strong>do</strong>r deve constituir o<br />

primeiro princípio moral, isto é, seu valor supremo. O utilitarismo na história da<br />

Filosofia é visto como um radicalismo filosófico, uma vez que propõe uma<br />

reestruturação <strong>do</strong>s valores éticos. Os utilitaristas pregam que o fundamento da moral<br />

é o Útil ou o princípio da máxima felicidade. Longe de pregar uma moral solipsista<br />

baseada apenas na obtenção de prazer individual, o utilitarismo em sua concepção<br />

filosófica compreende a utilidade igualmente como felicidade, e esta por sua vez,<br />

com o maior prazer <strong>do</strong> maior número de pessoas possível. Considera que uma ação<br />

é correta na medida em que tende a promover a felicidade e errada quan<strong>do</strong> tende a<br />

gerar o oposto da felicidade. Por felicidade entende-se o prazer e a ausência de <strong>do</strong>r;<br />

por infelicidade, <strong>do</strong>r privação de prazer. O Princípio da Máxima Felicidade, ou seja, o<br />

fim último, com referência ao qual todas as coisas são desejáveis (seja quan<strong>do</strong><br />

considera-se o próprio bem ou de outras pessoas) traduz-se em uma existência<br />

livre, tanto quanto possível, de <strong>do</strong>r e a mais rica possível em prazeres, tanto em<br />

relação a quantidade como a qualidade. O teste de qualidade e a medida pela qual<br />

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compara à quantidade consiste na preferência daqueles que em suas oportunidades<br />

de experimentar à qual deve ser acrescenta<strong>do</strong> aos seus hábitos de autoconsciência<br />

e de auto-inspeção. Sen<strong>do</strong> esta a finalidade de toda ação humana, trata-se<br />

necessariamente <strong>do</strong> padrão de moralidade, que pode ser exposto da seguinte<br />

maneira: as regras e preceitos para a conduta humana, cuja observância garante<br />

uma existência para toda humanidade, deve também ser estendi<strong>do</strong>s a to<strong>do</strong>s os<br />

seres da criação <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de sensibilidade, conforme suas naturezas permitam. Na<br />

carta enviada por Epicuro a Meneceu, estão resumi<strong>do</strong>s os principais pontos da<br />

sabe<strong>do</strong>ria moral he<strong>do</strong>nista, entre os quais, muito comum aos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s pelo<br />

utilitarismo, sobretu<strong>do</strong> no padrão avalia<strong>do</strong>r <strong>do</strong> bem e <strong>do</strong> mal, como também no<br />

cálculo efetua<strong>do</strong> através da razão a indicar o melhor procedimento no objetivo de<br />

promover a felicidade.<br />

O século XVIII foi o século das luzes e <strong>do</strong> renascimento das teses utilitaristas,<br />

influência <strong>do</strong> pensamento he<strong>do</strong>nista de Epicuro. Por mais plausível que seja a<br />

concepção de utilidade - entenden<strong>do</strong> como útil aquilo que promove a felicidade e<br />

contribui para amenizar a <strong>do</strong>r -, definir felicidade, em termos de sentimentos de<br />

prazer ou <strong>do</strong>r, suscita várias interpretações, tanto entre os antigos, quanto entre os<br />

modernos. O utilitarismo perdura como corrente filosófica ainda que comportan<strong>do</strong><br />

diferentes compreensões e des<strong>do</strong>bramentos até nossos dias. Uma comparação<br />

entre as atuais correntes morais e as antigas permite a análise <strong>do</strong>s argumentos<br />

utiliza<strong>do</strong>s por cada uma delas facilitan<strong>do</strong> a interpretação de suas respectivas teses,<br />

ao mesmo tempo em que revela a genealogia das ideias e esclarece os motivos de<br />

tantos debates assim como o fascínio exerci<strong>do</strong> por elas ao longo da história <strong>do</strong><br />

homem. O cerne da <strong>do</strong>utrina utilitarista encontra-se em Epicuro, o princípio<br />

primordial de buscar o prazer e evitar a <strong>do</strong>r é o ponto central <strong>do</strong> he<strong>do</strong>nismo que<br />

considera o prazer como o bem maior e a base de uma vida feliz; o Princípio da<br />

Máxima felicidade o indivíduo livre pauta<strong>do</strong> em sua racionalidade pode medir suas<br />

ações procuran<strong>do</strong> o máximo de prazer e evitar a <strong>do</strong>r <strong>do</strong> maior número de pessoas é<br />

o início de uma concepção que busca não apenas a felicidade individual, mas sim,<br />

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procura atingir o máximo de pessoas possíveis, afinal a felicidade e o prazer devem<br />

ser compartilha<strong>do</strong>s em uma dimensão não restrita, mas amplamente abrangente.<br />

REFERÊNCIAS:<br />

ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.<br />

EPICURO, Carta sobre a felicidade. São Paulo: UNESP, 1997.<br />

MARCONDES, D. Textos básicos de ética. 3ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.<br />

REALE, G. História da filosofia antiga III. São Paulo: Loyola, 1994.<br />

TOYNBEE. J. A. Helenismo: História de uma civilização. Rio de Janeiro. 1983.<br />

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UMA LEITURA DOS PRECEITOS ÉTICOS NAS MEDITAÇÕES DE MARCO<br />

AURÉLIO<br />

Palavras-chave: Marco Aurélio, Meditações, Ética<br />

Marcio Fraga de Oliveira<br />

Universidade Estadual <strong>do</strong> Centro-Oeste<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Profª. Ms. Ruth Rieth Leonhardt<br />

phanta.rhey@gmail.com<br />

O presente estu<strong>do</strong> trata da leitura da obra Meditações de Marco Aurélio focan<strong>do</strong> os<br />

preceitos éticos descritos por ele. O que, aqui, se pretende fazer é um apontamento<br />

<strong>do</strong>s princípios éticos postula<strong>do</strong>s pelo autor, demonstran<strong>do</strong> também a relação de seu<br />

pensamento com as teorias <strong>do</strong>s estoicos e chegan<strong>do</strong> por fim a analisar a atualidade<br />

das teorias de Marco Aurélio.<br />

Na obra, encontram-se as reflexões <strong>do</strong> pensa<strong>do</strong>r romano, escritas quase na forma<br />

de diário, ainda no idioma grego, que não estava mais em voga, mas que era como<br />

língua particular <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r e que ele sentia mais propícia para exprimir as<br />

inquietações intelectuais e morais. Foram escritas inclusive durante as guerras nas<br />

quais lutou o impera<strong>do</strong>r, que nos perío<strong>do</strong>s de folga refletia e fazia anotações. A obra<br />

é quase uma espécie de manual de conduta, como os que foram escritos durante a<br />

Idade Média na Europa, com textos pequenos e de fácil compreensão e muitas<br />

vezes em tom pessoal mostran<strong>do</strong> que Marco Aurélio escrevia mesmo para si<br />

próprio, o que justifica o nome da obra, que numa tradução direta é Para si mesmo.<br />

Sabe-se que a obra foi escrita sem a intenção de divulgação, e apenas para servir<br />

de roteiro de como deveria se comportar um impera<strong>do</strong>r que queria cultivar o próprio<br />

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caráter e viver segun<strong>do</strong> a natureza, máxima <strong>do</strong> estoicismo, filosofia da qual ele é<br />

adepto e que descreve em seus escritos.<br />

O Estoicismo, na época de Marco Aurélio se sustenta no estu<strong>do</strong> da ética devi<strong>do</strong> ao<br />

processo de transição no que tange a questões espirituais com o crescimento <strong>do</strong><br />

cristianismo, e a queda da antiga cultura grega. Aceita-se que Marco Aurélio não foi<br />

um pensa<strong>do</strong>r original, pois seu pensamento é influencia<strong>do</strong> por pensa<strong>do</strong>res<br />

passa<strong>do</strong>s, o que fica claro no primeiro livro das Meditações. Este primeiro livro, o<br />

impera<strong>do</strong>r o dedica a to<strong>do</strong>s que lhe ensinaram os princípios da vida correta. Mas a<br />

inovação de Marco Aurélio está em participar dessa revolução espiritual que está<br />

acontecen<strong>do</strong> durante seu reina<strong>do</strong>, as ideias <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r se apresentam<br />

expressan<strong>do</strong> a transição entre a cultura clássica grego-latina e a nova concepção<br />

cristã <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Ele rompe com o materialismo estoico ao afirmar uma união<br />

espiritual com Deus, ao mesmo tempo em que mantém um monismo panteístico,<br />

afirman<strong>do</strong> uma adaptação, uma relação direta entre ele próprio e a natureza, através<br />

<strong>do</strong> espírito, <strong>do</strong> nous. O nous a que ele se refere não é material como nos antigos<br />

estoicos mais é intelectual ou mental, é superior à própria alma. Ele também afirma a<br />

imortalidade da alma, e sua distinção <strong>do</strong> corpo. O corpo é matéria, o nous é espírito,<br />

a alma é sopro, pneuma. O nous é o daimon que Deus dá a cada homem para ser<br />

seu guia, e que traz consigo os princípios da razão. Decorre daí que quem<br />

desobedece ao daimon, desobedece também à razão. A partir daí são lança<strong>do</strong>s os<br />

princípios éticos <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r, que afirmam a necessidade de viver de acor<strong>do</strong> com a<br />

razão. Marco Aurélio também retoma o conceito de piedade, como relação <strong>do</strong><br />

homem com Deus e como ação que segue retamente a razão e a natureza, e se<br />

Deus dá a direção da razão através <strong>do</strong> daimon, quan<strong>do</strong> o homem age contrário a<br />

razão, age impiamente e comete um erro. Esse senti<strong>do</strong> de piedade refere-se<br />

também a amar o próximo e per<strong>do</strong>ar os ofensores, estes princípios tão evangélicos,<br />

são defendi<strong>do</strong>s por Marco Aurélio pois a natureza universal constitui os viventes<br />

racionais uns em vista <strong>do</strong>s outros, num sistema de ajuda mútua. Toda injúria deve<br />

ser per<strong>do</strong>ada pois quem a comete não sabe o que é o bem ou o mal. Além disso,<br />

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nosso nous não será atingi<strong>do</strong> pois ele não pode ser toca<strong>do</strong> por uma ofensa externa.<br />

O nous só será afeta<strong>do</strong> por um erro que ele próprio cometer, por exemplo, ao<br />

contrariar a razão. Assim, outro preceito que Marco Aurélio assinala é a retidão <strong>do</strong><br />

pensar, pois sempre se deve ter em mente coisas que podem ser perguntadas e de<br />

pronto serem respondidas, sem receios e culpas. Deve-se também ter benevolência<br />

ativa, não esperan<strong>do</strong> recompensas por boas ações, assim como os pés não<br />

esperam recompensas pelo caminhar.<br />

Como heranças próprias <strong>do</strong> estoicismo, notam-se as afirmações que Marco Aurélio<br />

faz sobre a brevidade da vida, a fugacidade e a caducidade das coisas. Se a razão<br />

mostra que o futuro é incerto, deve-se agir como se a vida fosse acabar a qualquer<br />

momento e então não se pode perder tempo com coisas inúteis. A fama, a honra e a<br />

riqueza são passageiras e não ajudam a viver melhor, não dão paz e às vezes até<br />

trazem perturbações. É melhor ignorar e per<strong>do</strong>ar o mal que os outros fazem pois<br />

não são atribuições corretas e não alteram o tempo de vida, pois tanto a pessoa que<br />

ofende quanto o ofendi<strong>do</strong> têm apenas o mesmo tempo fugaz, instantâneo. A morte<br />

também não deve ser temida, pois é um processo natural, e a alma não morrerá<br />

com o corpo. Aqui falta uma ontologia para explicar a imortalidade da alma.<br />

Conclui-se finalmente que os preceitos éticos de Marco Aurélio têm base claramente<br />

estoica, visam uma vida segun<strong>do</strong> a natureza e a razão, e também a tranquilidade<br />

para o homem. Nota-se também que seu pensar difere <strong>do</strong>s antigos estoicos e sofre<br />

influência já <strong>do</strong>s textos evangélicos, embora não explicitamente. O que se destaca,<br />

ainda, é a atualidade, ou a atemporalidade desses preceitos éticos. O respeito, o<br />

perdão, a austeridade, a benevolência, o seguir a razão e a relação <strong>do</strong> homem com<br />

Deus e com o mun<strong>do</strong> são coisas que agradam a to<strong>do</strong>s e que se mostram tão em<br />

falta no mun<strong>do</strong> corri<strong>do</strong> e agita<strong>do</strong> de hoje. Talvez um olhar para os textos antigos,<br />

principalmente os <strong>do</strong>s pensa<strong>do</strong>res estoicos, possa provocar uma reflexão e<br />

consequentemente melhorar o mo<strong>do</strong> de vida das pessoas da atualidade.<br />

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Referências bibliográficas:<br />

AURÉLIO, Marco. Meditações. Seleção, tradução e introdução William Li. São<br />

Paulo: Editora Iluminuras, 1995.<br />

COPLESTON, Frederick. História de la filosofia I – Grecia y Roma – 4. ed.<br />

Barcelona: Ariel, 1994.<br />

EPICURO et al. Antologia de textos. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os<br />

Pensa<strong>do</strong>res).<br />

REALE, Giovanni. História da Filosofia: antiguidade e idade média – 10. ed. - São<br />

Paulo: Paulus, 2007.<br />

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CRÍTICA DE KARL POPPER À UTILIZAÇÃO DO MÉTODO INDUTIVO NA<br />

CONSTITUIÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO<br />

Alexandre Klock Ernzen<br />

Universidade Estadual <strong>do</strong> Oeste <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong><br />

bracinho2@hotmail.com<br />

Palavras chave: conhecimento, indução, méto<strong>do</strong> científico, epistemologia, lógica<br />

O tema <strong>do</strong> presente trabalho é delinear a crítica de Karl Popper à utilização <strong>do</strong><br />

méto<strong>do</strong> indutivo nos processos de construção <strong>do</strong> ―conhecimento científico‖ ao longo<br />

da história da constituição da ciência. Popper procura fazer uma análise das<br />

considerações sobre o problema da indução levanta<strong>do</strong>s pelo filósofo Hume, o qual<br />

afirma que não se pode ter conhecimento logicamente justifica<strong>do</strong> basea<strong>do</strong> no<br />

méto<strong>do</strong> indutivo. A acusação de Popper a Hume é de que um enuncia<strong>do</strong> universal,<br />

basea<strong>do</strong> apenas na ―crença‖, de que um evento passa<strong>do</strong> se repetirá no futuro não<br />

pode ser justifica<strong>do</strong> de forma lógica, assim como acreditar no ―hábito‖ de que aquilo<br />

que aconteceu no passa<strong>do</strong> poderá se repetir de forma igual no futuro. Essas duas<br />

constatações de Hume, portanto, a ―crença‖ e ―hábito‖, levam Popper a pensar e<br />

analisar com profunda atenção o problema da indução, cuja utilização acabará por<br />

se tornar problemática, visto sua impossibilidade de justificação lógica. Popper<br />

aponta que Hume, após suas constatações acerca da indução com seus problemas<br />

insolúveis, como a justificação lógica da indução, acabou por se tornar cético e<br />

―crente‖ em uma ―epistemologia irracionalista‖, e foi o grande culpa<strong>do</strong> pelo<br />

esquecimento da racionalidade na ciência, pois, a razão se torna segun<strong>do</strong> plano na<br />

constituição <strong>do</strong> conhecimento, sen<strong>do</strong> a ―crença‖ o motor da vida prática. Assim, é<br />

preciso retomar este ―elemento racional‖ na constituição das teorias da ciência para<br />

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que tenhamos um critério racional para a escolha das teorias e para a constituição<br />

<strong>do</strong> conhecimento científico em geral. É preciso fazer uma nova leitura <strong>do</strong>s problemas<br />

levanta<strong>do</strong>s por Hume, visto que, segun<strong>do</strong> a ótica popperiana, houve um equívoco<br />

sobre a interpretação <strong>do</strong> problema da indução pelos filósofos posteriores, sen<strong>do</strong><br />

necessário ―revisar‖ todas as colocações <strong>do</strong> filósofo escocês para podermos tratar<br />

de uma solução adequada a este problema clássico que atravessa toda a história da<br />

filosofia. Popper, com sua audaciosa proposta de aban<strong>do</strong>no <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> indutivo em<br />

favor de um méto<strong>do</strong> dedutivo, pretende introduzir novamente o elemento racional da<br />

constituição das teorias científicas, pensan<strong>do</strong> na estrutura e constituição lógica das<br />

―hipóteses‖ ou ―conjecturas‖, e assim poder constituir uma ciência pautada no<br />

elemento racional, de forma a retomar a razão em segun<strong>do</strong> plano, possibilitan<strong>do</strong> que<br />

o conhecimento científico possa ter justificação lógica. A busca pela verdade é um<br />

<strong>do</strong>s elementos motiva<strong>do</strong>res para tal empreitada proposta pelo filósofo e é o que<br />

motiva o autor a realizar suas colocações de forma a dar uma nova visão <strong>do</strong>s<br />

problemas e anseios científicos de sua época. Na teoria clássica <strong>do</strong> indutivismo, os<br />

enuncia<strong>do</strong>s ―universais‖ são obti<strong>do</strong>s através <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> de indução. A alegoria que<br />

Popper utiliza para mostrar tal concepção tradicional é a mente como um balde, que<br />

recebe os da<strong>do</strong>s sensoriais que vão se conectan<strong>do</strong> uns aos outros forman<strong>do</strong>, então,<br />

o conhecimento. O filósofo Bacon chega a falar que as percepções se configuram<br />

como ―uvas, maduras e da estação‖ que deverão ser juntadas para que assim se<br />

possa comprimi-las forman<strong>do</strong> o ―vinho puro <strong>do</strong> conhecimento‖. Nosso autor chama<br />

tal teoria de ―balde mental‖ e é representada pelo chama<strong>do</strong> ―empirismo ingênuo‖, no<br />

qual os da<strong>do</strong>s sensoriais são apenas ―coleta<strong>do</strong>s‖ pelo ―balde mental‖ e o produto <strong>do</strong><br />

balde culminaria no conhecimento. Entenda-se ―empirismo ingênuo‖ a teoria de que<br />

as experiências sensoriais são iguais para to<strong>do</strong>s os indivíduos e se dão de forma<br />

neutra mediante a generalização de casos particulares para uma lei universal<br />

através da indução. A ciência, acredita Popper, não tem seu início através de<br />

observações apenas. Entretanto, para nosso autor o conhecimento é sempre<br />

precedi<strong>do</strong> de expectativas e hipóteses, visto que o ser humano elabora hipóteses<br />

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justamente para resolver problemas, ainda que de forma primária, no senti<strong>do</strong> de dar<br />

explicações para eventos naturais, por exemplo. Quan<strong>do</strong> se observa algo, temos<br />

expectativas ou ideias prévias <strong>do</strong> que queremos observar e, assim, começa a<br />

constituição <strong>do</strong> conhecimento, a partir de hipóteses que depois serão testadas de<br />

forma lógica, assim como testadas com da<strong>do</strong>s empíricos para sua corroboração ou<br />

refutação. A proposta de Popper versa justamente em pensar esses enuncia<strong>do</strong>s<br />

universais como ―hipóteses‖ ou ―conjecturas‖, não mais como sen<strong>do</strong> um produto da<br />

indução, mas sim, pensan<strong>do</strong> simplesmente como hipóteses que surgem livremente<br />

na mente humana, as quais serão ―testadas‖ e a partir <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s testes<br />

submeti<strong>do</strong>s, avaliar sobre sua viabilidade ou não como uma ―teoria científica‖. O<br />

conhecimento não surge da adição de da<strong>do</strong>s sensoriais uns aos outros, mas o<br />

conhecimento surge a partir <strong>do</strong> momento em que as hipóteses são submetidas a<br />

testes. As premissas de tais enuncia<strong>do</strong>s ―universais‖ devem ser li<strong>do</strong>s como<br />

―asserções de teste‖, sen<strong>do</strong> que estes últimos são premissas que vem a corroborar<br />

ou refutar teorias científicas que são submetidas constantemente a testes. Os<br />

enuncia<strong>do</strong>s universais não se configuram simplesmente <strong>do</strong> movimento indutivo, mas<br />

sim as hipóteses são testadas e na medida em que são corroboradas podem<br />

apresentar alguma descrição da realidade, ou são eliminadas mediante os testes.<br />

Bibliografia<br />

POPPER, K. Los <strong>do</strong>s problemas fundamentales de la Epistemología. Trad. Asunción<br />

Albisu Aparicio. Madrid, Editorial Tecnos, 2007.<br />

POPPER, K. A Lógica da Pesquisa Científica. Trad. Leônidas Hegenberg. São<br />

Paulo, Cultrix, 14° ed., 2002.<br />

POPPER, K. O conhecimento e o problema corpo-mente. Trad. Joaquim Alberto<br />

Ferreira Gomes. Lisboa: Edições 70, 2002b.<br />

POPPER, K. Conhecimento Objetivo. Trad. de Milton Ama<strong>do</strong>. Belo Horizonte,<br />

Editora Itatiaia, 1999.<br />

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POPPER, K. Três concepções acerca <strong>do</strong> conhecimento humano. Coleção Os<br />

Pensa<strong>do</strong>res, São Paulo, Editora Abril,1980.<br />

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O NEO-ARISTOTELISMO BRENTANIANO E O CONCEITO DE OBJETIVIDADE<br />

IMANENTE<br />

Lauro de Matos Nunes Filho<br />

Universidade Estadual <strong>do</strong> Centro-Oeste – UNICENTRO<br />

munchvelasques@yahoo.com.br<br />

Palavras-chave: Objetividade imanente; objeto intencional; consciência; ontologia.<br />

O neo-aristotelismo de Franz Brentano (1838 – 1917) representa a retomada e<br />

inserção <strong>do</strong> pensamento aristotélico na contemporaneidade, ou ainda, nas suas<br />

origens, isto é, na fenomenologia baseada no conceito de Objetividade Imanente.<br />

Brentano irá reinterpretar a metafísica aristotélica com o objetivo de justificar o<br />

reducionismo psicológico por meio de uma interpretação bastante singular da<br />

ontologia aristotélica.<br />

Com este objetivo ele parte da concepção aristotélica de ciência, isto é, ciência é<br />

conhecimento universal e necessário, ou seja, verdadeiro. Segun<strong>do</strong> esta definição,<br />

uma ciência qualquer será julgada pelo valor e pela infalibilidade de seu objeto.<br />

Aristóteles considera a ciência <strong>do</strong> ser, isto é, a ontologia como a principal ciência.<br />

Uma vez que as demais ciências têm seus objetos fundamenta<strong>do</strong>s no ser, isto é,<br />

que os objetos das demais ciências são explicita<strong>do</strong>s pelos diversos senti<strong>do</strong>s de ser,<br />

estes diversos senti<strong>do</strong>s estão sempre submeti<strong>do</strong>s à noção de é o mesmo, mas que,<br />

contu<strong>do</strong>, é expresso em vários senti<strong>do</strong>s. A sua referência, entretanto, é o ser.<br />

Somente desta perspectiva é possível compreender como Brentano defende a sua<br />

posição frente à psicologia, a partir da ontologia aristotélica.<br />

Os vários senti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ser são os conceitos <strong>do</strong> ser. Para fundamentar a ontologia é<br />

necessária uma unidade da noção, que por sua vez, deve conceder a unidade <strong>do</strong><br />

objeto. Com relação a isto, deve-se focar a atenção sobre as ciências particulares<br />

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(matemática, física, astronomia, etc.) para diferenciá-las e expor a sua unidade na<br />

ontologia, para assim, e elevar a ontologia ao mais alto posto dentre as ciências.<br />

Segun<strong>do</strong> Aristóteles, a filosofia primeira (ontologia) trata de no que algo é. A<br />

distinção é a de que as ciências particulares tratam <strong>do</strong> que é, mas nos vários<br />

senti<strong>do</strong>s particulares <strong>do</strong> ser, isto é, nas suas diversas determinações. Por exemplo,<br />

a matemática trata <strong>do</strong> que é o número, a física <strong>do</strong> que é o fogo. Assim a ontologia<br />

deve ser considerada como a mais importante dentre as ciências.<br />

Aristóteles diz que a ontologia tem de ocupar-se fundamentalmente da entidade<br />

(ousía). Em primeiro lugar, o discurso real refere-se às coisas reais, as quais, por<br />

sua vez, são fundadas nas entidades <strong>do</strong> um mun<strong>do</strong> sensível. Aristóteles denomina a<br />

entidade como sujeito primeiro, ao qual atribuímos os predica<strong>do</strong>s. A entidade é<br />

fundada na matéria, contu<strong>do</strong> a determinação de cada entidade não se perde no<br />

sensível, pois a entidade particular sensível é formada por matéria e forma. Desta<br />

maneira a entidade cavalo, não é confundida com a entidade homem. No fim<br />

Aristóteles remete a definição de entidade à definição de forma, pois, a matéria não<br />

é entidade particular, mas indeterminada, sem forma. A efetividade entre matéria e<br />

forma também não configura a entidade, já que é só pela forma que temos a<br />

entidade. No fim, Aristóteles reduz a definição entidade a um caráter estritamente<br />

formal.<br />

O discurso ontológico só é garanti<strong>do</strong> porque os diversos senti<strong>do</strong>s de ser referem-se<br />

à entidade como forma que, portanto, existe no entendimento. A referência é feita a<br />

algo que existe dentro, mas que por ser formal não existe como uma entidade real,<br />

isto é, objetiva e independente <strong>do</strong> entendimento. A referência não é feita a algo de<br />

exterior (transcendente), mas sim à própria forma como entidade na qual existem as<br />

diversas formas de ser. Por este motivo, apesar <strong>do</strong> ser e o que é ter vários senti<strong>do</strong>s,<br />

eles referem-se sempre à forma, que é por si, mas na qual se dão as demais<br />

categorias. Esta posição vincula a unidade ao ser, pois a referência é sempre feita a<br />

algo que existe como ato, ou seja, a algo que existe efetivamente, manten<strong>do</strong><br />

concluí<strong>do</strong> seu caráter formal.<br />

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Desta forma, os vários senti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ser são referi<strong>do</strong>s apenas ao que é unívoco, e é<br />

esta mesma unidade que contém aqueles de uma maneira tal que não são<br />

diferentes deste, mas que são conti<strong>do</strong>s neste pela sua determinação. Em outras<br />

palavras os vários senti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ser in-existem nele.<br />

A partir desta perspectiva, Brentano também irá buscar a unidade da consciência<br />

para justificar o reducionismo psicológico. Brentano divide os fenômenos em físicos<br />

e psíquicos, sen<strong>do</strong> que os últimos têm um caráter mais fundamental que os outros,<br />

pois to<strong>do</strong> objeto de conhecimento é da<strong>do</strong> como conteú<strong>do</strong> de atos psíquicos<br />

(representações). Brentano mostra que a divisão <strong>do</strong>s fenômenos em físicos e<br />

psíquicos é uma ilusão conceitual, criada a partir da não atenção prestada a in-<br />

existência intencional <strong>do</strong>s objetos <strong>do</strong>s fenômenos psíquicos, enquanto conteú<strong>do</strong>s de<br />

atos psíquicos. A in-existência intencional é, portanto, uma característica presente<br />

em to<strong>do</strong>s os fenômenos psíquicos.<br />

O termo intencional é formula<strong>do</strong>, em Brentano, como uma propriedade de certos<br />

objetos, os quais por sua vez serão chama<strong>do</strong>s de objetos intencionais. Estes objetos<br />

intencionais existem apenas na medida em que são representa<strong>do</strong>s pelos seus<br />

respectivos atos.<br />

Brentano diz que o objeto intencional in-existe na consciência, não no senti<strong>do</strong> de<br />

que não existe, mas no senti<strong>do</strong> de que não se trata de uma existência real, isto é,<br />

como uma entidade física objetiva. Assim como em Aristóteles, a sua determinação<br />

depende <strong>do</strong> ato imanente à consciência, sen<strong>do</strong> que só temos acesso a estes objetos<br />

enquanto objetos <strong>do</strong>s fenômenos psíquicos. Em outras palavras, tu<strong>do</strong> o que se dá,<br />

se dá como fenômeno psíquico.<br />

O objeto intencional não possui existência como uma entidade em um mun<strong>do</strong> real e<br />

objetivo, pois se ele depende <strong>do</strong> ato para ser representa<strong>do</strong>, então ele é em um<br />

fenômeno psíquico. Brentano não nega com isso a existência de um mun<strong>do</strong> real<br />

exterior a nós, pois ele defende a idéia de que o conhecimento deriva da<br />

experiência. Porém, a existência dele se dá somente de maneira intencional<br />

(psíquica) ou como diria Aristóteles, formal.<br />

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Brentano assevera que a in-existência intencional é a característica comum de to<strong>do</strong>s<br />

os fenômenos psíquicos, sen<strong>do</strong> a consciência a unidade de to<strong>do</strong>s os fenômenos<br />

psíquicos. A unidade da consciência consiste no fato de que to<strong>do</strong>s os fenômenos<br />

psíquicos dirigem-se para o ato psíquico em que ocorrem. Este direcionamento da<br />

consciência para um objeto supõe a identidade <strong>do</strong> objeto em ambos os fenômenos<br />

psíquicos. A direcionalidade <strong>do</strong>s atos psíquicos revela o caráter fundamental da<br />

objetividade imanente, enquanto característica comum <strong>do</strong>s fenômenos psíquicos,<br />

validan<strong>do</strong> assim, a unidade da consciência. Desta forma, configura-se o passo<br />

original da filosofia de Brentano que por meio da univocidade <strong>do</strong> ser em Aristóteles<br />

consegue justifica o seu ponto de vista com relação à psicologia.<br />

Referências Bibliográficas<br />

ARISTÓTELES. Metafísica. Trad.; Introd. e Notas. T. C. Martínez. Madrid: Ed.<br />

Gre<strong>do</strong>s, 1998.<br />

BRENTANO, Franz. Psychology from an Empirical Standpoint. Trad. A. C.<br />

Rancurello, D. B. Terrell, L. L. McAlister ; Introd. P. Simons. Lon<strong>do</strong>n: Routledge,<br />

1995.<br />

PORTA, M.A. ―Franz Brentano: Equivocidad del Ser y Objeto Intencional‖. In.<br />

Kriterion. Vol. XLIII, No. 105 (jun., 2002), pp.97-118.<br />

SCHAAR, Marietje Van der. ―L'analogie et la vérité selon Brentano‖. In.<br />

Philosophiques, Vol. 26, No. 2 (automne/1999). Disponível em<br />

. Arquivo Captura<strong>do</strong> em 05/06/2009.<br />

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VIOLÊNCIA E DEMOCRACIA EM HANNAH ARENDT<br />

Paulo Eduar<strong>do</strong> Bodziak Junior/UFPR<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Profº Dr. André de Mace<strong>do</strong> Duarte<br />

paulo.bodziak@pop.com.br<br />

Palavras-chave: totalitarismo; violência; democracia; bio-política; homo sacer<br />

A modernidade está marcada pela relação entre violência e política. Fato sem<br />

novidade quan<strong>do</strong> lembramos que atos de violência precedem a fundação <strong>do</strong>s corpos<br />

políticos desde a antiguidade. Deste mo<strong>do</strong>, tentarei defender a hipótese de que a<br />

marca da modernidade não está na relação entre ambas mas está no caráter<br />

necessariamente violento adquiri<strong>do</strong> pela política em seu novo senti<strong>do</strong>. Para isso<br />

será considerada a categoria da bio-política, pensada inicialmente por Foucault e,<br />

posteriormente, relacionada ao pensamento de Arendt por Giorgio Agamben. Assim,<br />

finalmente, é possível o retorno à violência enquanto fenômeno liga<strong>do</strong> à<br />

transformação da política em bio-política, e como tal fenômeno destrói estruturas de<br />

poder entre cidadãos, fundamentais para uma experiência de democracia.<br />

A democracia é sustentada pelo poder. Mas há uma diferença entre força,<br />

monopolizada pelo esta<strong>do</strong>, e poder. Poder é gera<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> um grupo de homens<br />

decide proceder em um mesmo curso de ação. A força é compreendida como força<br />

física. Isto é, não sustenta um regime democrático. O fenômeno da violência<br />

aparece quan<strong>do</strong> a força é multiplicada e empregada por meio de instrumentos contra<br />

alguém. Portanto, onde há violência não pode haver poder dada a destruição das<br />

estruturas de poder geradas pela ação conjunta. A política, tal qual compreendida<br />

por Arendt, é justamente aquilo que ocorre entre os homens nesta interação para a<br />

criação e manutenção destas estruturas de poder. Logo, é clara a tensão entre<br />

política e violência.<br />

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Na antiguidade a presença de ambas era comum. Observamos isso na obra de<br />

Maquiavel, que propunha uma reflexão acerca <strong>do</strong>s acontecimentos políticos da<br />

antiguidade. Em sua obra é clara a apologia ao uso da força se necessário pelo<br />

príncipe, mas também está claro que ao assumir tal posição o soberano aban<strong>do</strong>na<br />

as leis para entrar no campo da violência. Estas reflexões já são um ensaio <strong>do</strong> atual<br />

direito irrevogável <strong>do</strong> <strong>Esta<strong>do</strong></strong> de monopolizar o uso da força. A mudança no senti<strong>do</strong><br />

da política proposta aqui começa com a ascensão de uma figura denominada animal<br />

laborans. Esta é a categoria utilizada por Arendt para definir o homem da<br />

modernidade. Seu ser não seria defini<strong>do</strong> pela capacidade de agir em conjunto e<br />

interagir com outros homens, mas pelo fato de comportar-se sempre em um mesmo<br />

ciclo de produção e consumo de bens que sustentam uma vida em seu senti<strong>do</strong><br />

estritamente biológico. Esta figura <strong>do</strong> homem moderno transformou a política,<br />

outrora tida como interação entre homens, em administração pública deste ciclo de<br />

produção e consumo. Daí a relevância das questões econômicas em governos<br />

atuais.<br />

Para tornar mais clara a relação de necessidade entre esta nova política e o<br />

emprego da violência pode-se dispor da categoria da bio-política proposta por<br />

Foucault. Nesta categoria as ações <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> estariam dirigidas ao novo conceito de<br />

população. Tal conceito ―achata‖ as pessoas numa massa uniforme tratada<br />

indiscriminadamente. As ações <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> visam a regulamentação <strong>do</strong>s processos<br />

biológicos referentes aos homens. Todas as necessidades biológicas são tratadas e<br />

administradas como questões públicas. Outra característica desta bio-política no<br />

processo de administração <strong>do</strong> contingente populacional é o seu caráter racista<br />

encontra<strong>do</strong> emblematicamente no anti-semitismo da Alemanha nazista ou, mesmo<br />

fugin<strong>do</strong> à compreensão biológica da palavra, enquanto os inimigos da revolução<br />

soviética. Trata-se de reconhecer na população um elemento que ameace a sua<br />

evolução, seja genética ou historicamente. Em suma, o esta<strong>do</strong> bio-político trata da<br />

regulamentação <strong>do</strong>s homens enquanto população, visan<strong>do</strong> a manutenção e<br />

aperfeiçoamento <strong>do</strong> homem-espécie, fazen<strong>do</strong> para isso, no exercício <strong>do</strong> ―poder de<br />

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fazer viver e deixar morrer‖ (FOUCAULT, 2000, p.287), o recorte racista que visa<br />

eliminar as impurezas que comprometem a evolução.<br />

O paradigma bio-político da modernidade seria o campo de concentração. Relação<br />

proposta por Agambem para o encontro <strong>do</strong>s pensamentos de Arendt e Foucault.<br />

Para o pensa<strong>do</strong>r, o ponto de flexão entre ambas as obras ocorre quan<strong>do</strong> pensamos<br />

o <strong>do</strong>mínio total sobre a chamada ―vida nua‖ ou ―vida sacra‖, o mo<strong>do</strong> de vida <strong>do</strong> homo<br />

sacer figura <strong>do</strong> direito arcaico romano possui<strong>do</strong>r de uma vida matável e<br />

insacrificável. Sua inclusão consistia para<strong>do</strong>xalmente na sua exclusão, tratan<strong>do</strong>-se<br />

<strong>do</strong> indivíduo excluí<strong>do</strong> da sua cidadania mas presente no ordenamento jurídico como<br />

alguém irrelevante para a sociedade e, portanto, matável, cuja violação por alguém<br />

não caracterizava crime. Sua insacrificabilidade deriva da entrega já realizada aos<br />

deuses quan<strong>do</strong> este fora sacraliza<strong>do</strong>, ou seja, ao ser retirada sua cidadania a sua<br />

vida estava ―nua‖ e entregue aos deuses. Os homens não poderiam sacrificar<br />

alguém cuja vida já era de propriedade divina. Assim, ao pesarmos o <strong>do</strong>mínio total<br />

sobre a ―vida nua‖ desprovida de qualquer proteção jurídica, senão aquela que<br />

define sua própria exclusão, nos remetemos à experiência totalitária <strong>do</strong>s campos de<br />

concentração e sua gestão técnica da vida. O <strong>do</strong>mínio total consistia na destruição<br />

jurídica, moral e pessoal <strong>do</strong> indivíduo. Através da tortura, da humilhação e <strong>do</strong><br />

aniquilamento da esperança soma<strong>do</strong>s a uma legislação racista, o campo tinha sua<br />

pluralidade de indivíduos sistematizada e destruída.<br />

Os campos constituem o paradigma bio-político <strong>do</strong> presente, pois revelam a situação<br />

limite a qual pode chegar a gestão técnica da vida que define a política moderna.<br />

Para Agambem, há, corren<strong>do</strong> sob a modernidade, um elemento oculto comum que<br />

atravessa os regimes totalitários até as modernas democracias de massa, a bio-<br />

política. Deriva desta condição o caráter necessariamente violento da política uma<br />

vez que se define pela intervenção na vida individual para garantir a evolução<br />

coletiva. Esta violência destrói os espaços de poder necessários à democracia.<br />

O animal laborans enquanto definição da existência humana na modernidade<br />

compele a sociedade a entrar em um ciclo vitalista de produção e consumo que<br />

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precisa ser manti<strong>do</strong>. Mesmo pelo uso da força. Foi assim com o primeiro surto<br />

imperialista que motivou genocídios e saques na África e Ásia no século XIX. Neste<br />

ciclo as estruturas de poder já não podem mais se sustentar. Se o poder é agir em<br />

comum acor<strong>do</strong>, as mudanças descritas comprometem esta possibilidade, afinal, o<br />

homem moderno, além da sua incapacidade de agir por estar completamente<br />

ocupa<strong>do</strong> com o ciclo vitalista, é compeli<strong>do</strong> a se manter neste ciclo, caso contrário<br />

torna-se um excluí<strong>do</strong>, poden<strong>do</strong> ser transforma<strong>do</strong> em homo sacer e suga<strong>do</strong> para fora<br />

<strong>do</strong> ciclo de consumo violentamente. Com o poder comprometi<strong>do</strong>, compromete-se<br />

também a possibilidade da democracia sustentada no poder emana<strong>do</strong> <strong>do</strong> povo.<br />

Referências bibliográficas<br />

AGAMBEN, G. Homo Sacer: O poder Soberano e a vida nua. Belo Horizonte.<br />

UFMG. 2002<br />

ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro, Forense Universitária. 2002<br />

___________.Da violência. UnB. Brasília.1985.<br />

___________.Origens <strong>do</strong> totalitarismo. Cia das Letras. São Paulo. 2000.<br />

DUARTE, A. Hannah Arendt e a biopolítica: a fixação <strong>do</strong> homem como animal<br />

laborans e o problema da violência. In CORREIA, A.(org.) Hannah Arendt e a<br />

condição humana. Salva<strong>do</strong>r. Quarteto, 2006.<br />

FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. São Paulo . Martins fontes. 2000<br />

MAQUIAVEL, N. O Príncipe. São Paulo. Nova cultural. 2004.<br />

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SOBRE O CONCEITO DE VIRTUDE E REMINISCÊNCIA NA OBRA MÊNON DE<br />

PLATÃO<br />

Felipe Car<strong>do</strong>so Martins Lima<br />

Mestran<strong>do</strong> PUC/PR<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Jair Barboza<br />

felipecariocafl@hotmail.com<br />

Palavras-chave: virtude, reminiscência, alma, imortalidade, conhecimento.<br />

Trata-se de uma investigação em torno <strong>do</strong> diálogo ―Mênon‖ de Platão. Pretende-se<br />

investigar em que medida a tese da reminiscência (anámnesis) tal como<br />

estabelecida por Platão se apresenta como um <strong>do</strong>s pontos centrais da teoria <strong>do</strong><br />

conhecimento no horizonte da filosofia platônica. Para isso, preten<strong>do</strong> analisar os<br />

pontos principais da obra em questão, ten<strong>do</strong> em vista, a estrutura interna da<br />

argumentação aí em jogo, sobretu<strong>do</strong>, os conceitos de reminiscência e virtude. Os<br />

<strong>do</strong>is pontos fundamentais <strong>do</strong> diálogo Mênon, consistem primeiramente na<br />

abordagem a respeito da possibilidade da virtude ser ensinada, bem como adquirida<br />

mediante exercício e ainda mais precisamente se essa virtude advém aos homens<br />

por natureza, tais questões, entretanto, que se apresentam no início <strong>do</strong> diálogo<br />

formuladas por Mênon, são direcionadas para Sócrates. Há deste mo<strong>do</strong>, uma<br />

tentativa de definição por parte de Sócrates <strong>do</strong> conceito de virtude, culminan<strong>do</strong>, por<br />

sua vez, na aporia. Mas por outro la<strong>do</strong>, o presente diálogo se lança em outra aporia,<br />

essa, porém, mais problemática, ou seja, sobre a própria possibilidade <strong>do</strong><br />

conhecimento, entran<strong>do</strong> em cena, por sua vez, o conceito de reminiscência, na<br />

medida em que pressupõe a imortalidade da alma. Por isso, uma vez que se trata <strong>do</strong><br />

conceito de reminiscência, revela-se já de antemão a possibilidade de aquisição <strong>do</strong><br />

conhecimento. Desde já se vê que o méto<strong>do</strong> <strong>do</strong> conhecimento tal como apresenta<strong>do</strong><br />

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por Platão consiste na anámnesis ou lembrança, a tarefa <strong>do</strong> individuo é partir das<br />

coisas, para reconhecer nelas um ser que não se possui, mas que lhe provoque uma<br />

lembrança ou reminiscência das ideias antes contempladas pela alma.<br />

Conhecimento, portanto é lembrança.<br />

Estamos diante de um diálogo que apresenta <strong>do</strong>is aspectos importantes. Se por um<br />

la<strong>do</strong> o diálogo Mênon liga-se aos chama<strong>do</strong>s diálogos socráticos, por outro la<strong>do</strong>, faz<br />

parte <strong>do</strong>s diálogos que encabeçam a transição para a fase posterior denominada<br />

fase de maturidade. A obra em questão inicia-se com a pergunta de Mênon ―a<br />

virtude é coisa que se ensina?‖ 1 a partir daí Sócrates reformula a questão específica,<br />

para uma tentativa de definir a virtude. Usan<strong>do</strong> sua ironia como méto<strong>do</strong> maiêutico,<br />

Sócrates alega nada saber a respeito da virtude, deten<strong>do</strong>-se apenas nesse princípio.<br />

Um <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s que Sócrates utiliza para investigar um conceito, consiste<br />

primeiramente em instigar o interlocutor à apresentar a definição conceitual ora<br />

apresentada. Dessa forma, cabe a Mênon a tarefa da primeira tentativa de definir o<br />

que é virtude. O primeiro argumento utiliza<strong>do</strong> por Mênon consiste na enumeração<br />

das virtudes ―ser capaz de gerir as coisas da cidade, e no exercício dessa gestão<br />

fazer bem aos amigos e mal aos inimigos (...) a virtude da mulher não é difícil<br />

explicar que é preciso a ela cuidar da casa‖ 2 . Partin<strong>do</strong> da posição de Mênon, a<br />

crítica socrática entra em cena com intuito de contrapor tal definição, apresentan<strong>do</strong>,<br />

por sua vez, seu primeiro argumento, ou seja, há uma unidade de virtudes para<br />

to<strong>do</strong>s, unidade essa que deve dar conta da multiplicidade ―embora sejam muitas e<br />

assumam toda variedade de formas, tem todas um caráter único‖ 3 .Note-se, porém,<br />

que no decorrer <strong>do</strong> diálogo ocorrem várias tentativas de definição tanto por parte de<br />

Mênon bem como de Sócrates, levan<strong>do</strong> a partir daí a discussão à aporia. Ten<strong>do</strong><br />

reconheci<strong>do</strong> a aporia sobre a qual se encontra a discussão, Sócrates detém-se no<br />

ponto que abrirá caminho à outra discussão, ou seja, a possibilidade <strong>do</strong><br />

conhecimento mediante a reminiscência. Este movimento da argumentação nos<br />

1 Ver, PLATÃO, Mênon. Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio, 2001 p.19.<br />

2 Ver, PLATÃO, Mênon. Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio, 2001 p.23;<br />

3 Ver, PLATÃO, Mênon. Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio, 2001 p.23;<br />

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impõe em um plano estritamente metafísico na medida em que pressupõe a alma<br />

como sen<strong>do</strong> imortal e ten<strong>do</strong> como condição necessária o ciclo de nascimentos<br />

sucessivos, enfim, a alma contempla as coisas <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> inteligível, não existin<strong>do</strong>,<br />

portanto conhecimento que ela não tenha contempla<strong>do</strong>. Ao apresentar tal<br />

argumento, Sócrates, a pedi<strong>do</strong> de Mênon, pretende demonstrar a validade da tese<br />

em questão, propon<strong>do</strong> interrogar o escravo de Mênon. Tal interrogatório gira em<br />

torno de um problema matemático, ou seja, ao instigar o escravo a uma tentativa de<br />

resolução <strong>do</strong> problema, Sócrates o induz a aporia, essa é o ponto de partida para<br />

aquisição <strong>do</strong> conhecimento enquanto tal. Na medida, entretanto, em que discorre o<br />

interrogatório, Sócrates leva o escravo a solução <strong>do</strong> problema mediante a<br />

reminiscência. Isso nos permite caracterizar a validade da tese socrática, pelo fato,<br />

<strong>do</strong> escravo apresentar a solução de um problema matemático complexo mesmo<br />

apresentan<strong>do</strong> um esta<strong>do</strong> de completa ignorância intelectual. Por fim, retoman<strong>do</strong> a<br />

discussão acerca da virtude, e depois de várias tentativas de defini-la, Sócrates a<br />

apresenta como sen<strong>do</strong> uma ―concessão divina‖ 1 , contu<strong>do</strong> deixa um espaço aberto<br />

para uma nova definição no que concerne a virtude em si mesma o que comprova o<br />

completo esta<strong>do</strong> de aporia pelo qual se encontra o presente diálogo.<br />

O conceito de reminiscência de Platão revela, já de antemão, a função que a obra<br />

Mênon adquire na transição para os diálogos de maturidade, e como motivação de<br />

discussão, assim se poderia apontar para uma pressuposição da teoria das idéias<br />

que estará estabelecida numa fase filosófica posterior. O conceito de reminiscência<br />

se faz necessário em Platão, pela necessidade de solidificar por um la<strong>do</strong> à<br />

argumentação de sua metafísica, e por outro la<strong>do</strong>, fazen<strong>do</strong> com que se coloque to<strong>do</strong><br />

o peso da questão na imortalidade da alma. Por ser justamente a reminiscência a<br />

condição necessária para o conhecimento, dessa forma, se concebe a alma como<br />

ponto de partida para to<strong>do</strong> o conhecimento.<br />

1 Ver, PLATÃO, Mênon. Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio, 2001 p.109;<br />

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Referências<br />

PLATÃO. Mênon. Trad. Maura Iglesias. Rio de Janeiro: PUC - Rio, 2001.<br />

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A RELAÇÃO SUJEITO-OBJETO NA PESQUISA E CONSTRUÇÃO DO<br />

CONHECIMENTO<br />

Lucia Helena Barros <strong>do</strong> Valle<br />

Instituto Superior Sant`Ana<br />

luciavalle@ibest.com.br<br />

Palavras-chave: Sujeito; Objeto; Conhecimento; Lógica; Pesquisa; Realidade.<br />

No conhecimento da realidade o homem atribui conceitos às coisas <strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />

exterior, interior e social. Isto corresponde ao aperfeiçoamento <strong>do</strong> pensamento da<br />

humanidade, da forma como esta, nas expressões das diferentes culturas, organizou<br />

o pensamento nas relações <strong>do</strong> homem com si mesmo, com seu semelhante e com a<br />

natureza.<br />

O objetivo deste trabalho é apresentar a construção <strong>do</strong> conhecimento a partir da<br />

posição da racionalidade na relação sujeito–objeto. Ou melhor, como a razão se<br />

expressou na Idade Antiga, Média, Moderna e Contemporânea frente a esta<br />

relação? A elaboração de conceitos sobre a realidade acontece no pólo sujeito-<br />

objeto, desse mo<strong>do</strong> a humanidade os elabora de diferentes formas e de acor<strong>do</strong> com<br />

as distintas culturas e épocas. Alguns conceitos permanecem intactos por muito<br />

tempo, outros são reformula<strong>do</strong>s num tempo menor. Esta reconstrução de conceitos<br />

está ligada a fatores concernentes à organização cultural, social e econômica das<br />

sociedades.<br />

Os conceitos são tão atrela<strong>do</strong>s à vida humana, que esta os entende como ponto de<br />

partida para seu desenvolvimento e como processo no qual o homem conduz o<br />

desenvolvimento desses próprios conceitos. Diante disso, eles são tanto ponto de<br />

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partida como de chegada para o homem na busca pelo aperfeiçoamento dessas<br />

relações (homem mun<strong>do</strong> exterior, interior e social). Os conceitos são elabora<strong>do</strong>s<br />

pela mente e transmiti<strong>do</strong>s através da comunicação que se dá através da linguagem<br />

(corporal, artística, verbal). Quer dizer, o desenvolvimento <strong>do</strong> pensamento, da<br />

capacidade de conceituar e da linguagem é interdependente. Isto se dá frente a<br />

certo tipo de lógica, uma vez que ela expressa o mo<strong>do</strong> como o raciocínio estabelece<br />

as relações entre o pensamento e o real. Ora, se existem mo<strong>do</strong>s diferentes para o<br />

raciocínio, esta distinção acontece sob <strong>do</strong>is aspectos:<br />

- em relação aos diferentes tipos de objeto <strong>do</strong> pensar;<br />

- em referência aos distintos mo<strong>do</strong>s de pensar tal objeto.<br />

Via de regra, a lógica, entendida como instrumento <strong>do</strong> pensar, chega à filosofia e às<br />

ciências sociais contemporâneas com uma discussão entre lógica formal e dialética.<br />

A primeira é entendida como a lógica da metafísica, isto é, concebe os objetos e<br />

fenômenos de maneira estática e as coisas, neste tipo de lógica, tendem a<br />

permanecer sem mudanças significativas. Porém, a lógica dialética entende os<br />

objetos e fenômenos num universo dinâmico, pois o princípio que diferencia<br />

fundamentalmente a lógica formal da dialética é a contradição.<br />

Quan<strong>do</strong> um conceito sobre determinada coisa é elabora<strong>do</strong>, se está sob a ação de<br />

uma certa lógica de entendimento <strong>do</strong> real, e se esta evidencia um mo<strong>do</strong> de ver as<br />

coisas, pode-se dizer que ela reflete uma visão de homem e mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> sujeito.<br />

Contu<strong>do</strong>, a falta de orientação sobre que tipo de lógica o pensamento está atrela<strong>do</strong>,<br />

pode levar o indivíduo a ações incoerentes com seu mo<strong>do</strong> de ver, sentir e estar no<br />

mun<strong>do</strong>. Numa palavra, refletir sobre esta lógica <strong>do</strong> próprio pensamento é enfrentar,<br />

muitas vezes, as contradições presentes na ação <strong>do</strong> indivíduo, se transforman<strong>do</strong><br />

num exercício de tomada de consciência de eles próprios. Abrir a consciência é<br />

estar pronto ao diálogo consigo e com o mun<strong>do</strong>, através da reflexão sobre os<br />

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conceitos das relações homem-mun<strong>do</strong> exterior, homem-mun<strong>do</strong> interior e homem-<br />

mun<strong>do</strong> social.<br />

Quan<strong>do</strong> se fala em pesquisa ou construção <strong>do</strong> conhecimento, seja em qual área for,<br />

a referência é a relação sujeito-objeto. Isto é, reporta-se a questão sobre qual a<br />

participação <strong>do</strong>s pólos subjetivo e objetivo na construção <strong>do</strong> conhecimento? Para<br />

respondê-la, tem-se que ter clareza <strong>do</strong> referencial teórico meto<strong>do</strong>lógico que vai<br />

orientar as ações sobre a realidade em estu<strong>do</strong>. Entretanto, antes disso, deve-se ter<br />

consciência de como a relação sujeito-objeto foi compreendida pelo homem na sua<br />

caminhada em direção ao desenvolvimento de seu mo<strong>do</strong> de entender a realidade<br />

natural, social e subjetiva.<br />

Com base em Severino (1994), pode-se entender que esta relação sujeito-objeto, no<br />

processo de construção <strong>do</strong> conhecimento, ora teve a racionalidade centrada no<br />

sujeito, ora no objeto e finalmente na relação entre eles. Quer dizer, na Idade Antiga<br />

a razão centrava-se no objeto, uma vez que tanto seres mitológicos quanto<br />

fenômenos da natureza eram responsáveis por explicar o mun<strong>do</strong>, a realidade. O<br />

homem sujeitava-se a aceitar que a explicação <strong>do</strong> real se dava por algo externo a<br />

ele.<br />

Na Idade Média, a situação não mu<strong>do</strong>u, pois a razão centrava-se ainda no objeto,<br />

em virtude de que a verdade, a explicação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> acontecia através das<br />

sagradas escrituras, então a realidade era explicada pelo poder divino.<br />

Finalmente, na Idade Moderna a razão desloca-se para o sujeito. O homem<br />

descobre sua capacidade de explicar e <strong>do</strong>minar os fenômenos da realidade natural e<br />

social. Os acontecimentos que permitiram este deslocamento da razão centrada no<br />

objeto para o sujeito ocorreram em virtude de fatos significativos na política, na<br />

filosofia e na ciência a partir <strong>do</strong> século XVII. Certo é que o homem descobriu seu<br />

poder de <strong>do</strong>mínio e acreditou ser capaz de construir uma sociedade livre <strong>do</strong>s mitos e<br />

auto- suficiente para satisfazer as necessidades e aspirações humanas. Este<br />

endeusamento <strong>do</strong> homem por ele mesmo o levou a compreender que a felicidade e<br />

a vida boa almejadas, principalmente, com os avanços da ciência teve um preço<br />

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alto. Isto é, as desigualdades continuaram a se instalar entre os povos, o processo<br />

de globalização interferiu nas diferentes culturas trazen<strong>do</strong> à tona reações das mais<br />

diversas, como diferentes tipos de violência.<br />

Por conseguinte, no que diz respeito à leitura e interpretação filosófica desse<br />

cenário, os pensa<strong>do</strong>res da contemporaneidade avançaram ao compreender que a<br />

razão tende a deslocar-se <strong>do</strong> sujeito para a relação entre sujeitos capazes de<br />

entendimento sobre a realidade. Ou seja, sujeitos se entenden<strong>do</strong> sobre algo no<br />

mun<strong>do</strong> exterior, interior ou social, sen<strong>do</strong> que aqui, a personagem central é a<br />

linguagem. É através dela que a racionalidade se expressa e se torna capaz de<br />

enfrentar questões que estão afetan<strong>do</strong> a vida <strong>do</strong>s homens, tais como o aquecimento<br />

global e muitos avanços da genética, as quais precisam ser discutidas sobre seu<br />

aspecto ético diante da diversidade cultural, social, religiosa, política e econômica<br />

das nações.<br />

Enfim, esta guinada paradigmática na filosofia traz um prenúncio de maior<br />

possibilidade de diálogo entre os sujeitos, a fim de permitir a eles enfrentar um<br />

mun<strong>do</strong> que sofre transformações aceleradas tanto pelo viés da ciência quanto da<br />

ligeira velocidade da informação.<br />

Bibliografia<br />

HABERMAS, Jurgen. O futuro da natureza humana. São Paulo: Martins Fontes,<br />

2004.<br />

_____. Pensamento pós- metafísico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990.<br />

SEVERINO, Antonio Joaquim. Filosofia. São Paulo: Cortez, 1994.<br />

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O POSITIVISMO COMTIANO E O DISCURSO PROGRESSISTA DE GETÚLIO<br />

VARGAS NO ESTADO NOVO (1937-1945)<br />

João Henrique <strong>do</strong>s Santos<br />

UNICENTRO/PR.<br />

joneshsantos@gmail.com<br />

Palavras-chave: Positivismo, Augusto Comte, Discurso, Progresso, <strong>Esta<strong>do</strong></strong> Novo.<br />

O positivismo comtiano tem apresenta<strong>do</strong> grande influência na história política<br />

brasileira, não apenas no momento da formação da República (1889), mas<br />

especialmente em suas releituras, como forma de justificação de poder em regimes<br />

de cunho totálitário, como no caso <strong>do</strong> Varguismo (1930-1945), e Ditadura Militar<br />

(1964-1985).<br />

Segun<strong>do</strong> o historia<strong>do</strong>r José Murilo de Carvalho, no perío<strong>do</strong> republicano o positivismo<br />

fundamenta-se como conceito político e ideológico <strong>do</strong> governo, tal fato teria ocorri<strong>do</strong>,<br />

especialmente, pelo forte aparato simbólico e progressita de seu discurso<br />

(CARVALHO, 1990). Desta forma, o positivismo torna-se o principal conceito<br />

ideológico <strong>do</strong>s primeiros governantes da república recém formada.<br />

Portanto, compreender a atuação <strong>do</strong> pensamento positivista comtiano, em relação a<br />

construção <strong>do</strong>s discursos e atos políticos no Brasil, durante o século XX, torna-se<br />

um ponto de partida para estu<strong>do</strong>s sobre a construção <strong>do</strong>s conceitos de cidadania e<br />

civilidade nacional. Seguin<strong>do</strong> este pressuposto, preten<strong>do</strong> analisar o discurso<br />

comtiano, em especial, a abordagem sobre a "marcha progressiva <strong>do</strong> espírito<br />

humano" exposto em sua obra Cours de Philosophie Positive (COMTE, 1978). Darei<br />

destaque ao esta<strong>do</strong> metafísico e positivo, refletin<strong>do</strong> posteriorme sobre a<br />

reinterpretação destes conceitos realiza<strong>do</strong> por Getúlio Vargas, que os transmite em<br />

seus discursos para os jovens duranto o <strong>Esta<strong>do</strong></strong> Novo (1937-1945).<br />

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Augusto Comte torna-se um grande expoente <strong>do</strong> pensamento francês, com a<br />

publicação de sua principal obra, Cours de Philosophie Positive (Curso da Filosofia<br />

Positiva). Nesta obra nos é perceptível que "a filosofia é reduzida a meto<strong>do</strong>logia e<br />

sistematização das ciências" (PADOVANI, CASTAGNOLA; 1978, p. 430). Dentro<br />

deste esquema, ou melhor, deste curso de evolução da humanidade, Comte nos<br />

apresenta três esta<strong>do</strong>s evolutivos necessários para alcançar o progresso.<br />

O primeiro estágio, chama<strong>do</strong> esta<strong>do</strong> teológico, apresenta-se como aquele em que o<br />

méto<strong>do</strong> para explicação <strong>do</strong>s fenômenos consiste na busca das causas primeiras e<br />

finais, ou seja, na busca de um conhecimento absoluto, cuja explicação fundava-se,<br />

em última análise, na ação direta, contínua e arbitrária de "agentes sobrenaturais"<br />

(COMTE, 1978, p. 4).<br />

O segun<strong>do</strong> estágio configura-se pelo esta<strong>do</strong> metafísico, no qual os homens passam<br />

a explicar o mun<strong>do</strong> e os fenômenos naturais, por meio <strong>do</strong> recurso de conceitos<br />

abstratos e não verificáveis, transcendentais em sua essência. Esses conceitos<br />

abstratos <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> metafísico, conforme Comte, acabam substituin<strong>do</strong> os "agentes<br />

sobrenaturais" <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> teológico e, to<strong>do</strong>s os fenômenos observa<strong>do</strong>s passam a ser<br />

explica<strong>do</strong>s pela relação que possuem com cada entidade abstrata correspondente.<br />

Este processo de transformação é possível graças ao contínuo avanço das<br />

ciências, em especial das ciências naturais; que gradativamente eliminariam os<br />

mitos e deuses, trazen<strong>do</strong> o homem para o <strong>do</strong>mínio de sua existência.<br />

O terceiro estágio é denomina<strong>do</strong> esta<strong>do</strong> positivo. Afirma Comte ser esse o último<br />

estágio da razão humana, aquele em que ela alcança a sua "virilidade". A principal<br />

característica <strong>do</strong> terceiro esta<strong>do</strong> é que nele "o espírito humano reconhecen<strong>do</strong> a<br />

impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino<br />

<strong>do</strong> universo, a conhecer as causas íntimas <strong>do</strong>s fenômenos, para preocupar-se<br />

unicamente em descobrir, graças ao uso bem combina<strong>do</strong> <strong>do</strong> raciocínio e da<br />

observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e de<br />

similitude." (COMTE, 1978, p.132.)<br />

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Para o conhecimento positivo, que representa o conhecimento científico, o<br />

estabelecimento de relações de causa e efeito constitui o seu núcleo,<br />

independentemente da área <strong>do</strong> conhecimento em questão. Aliás, Auguste Comte<br />

propôs também uma hierarquização das ciências, de forma que as ciências<br />

consideradas exatas seriam as mais simples e as ciências sociais as mais elevadas.<br />

A sociologia seria a ciência mais elevada de todas, mas assumiria a forma de uma<br />

"física social" (physique sociale) (COMTE, 1978, p. 9). Além disso, foi Auguste<br />

Comte quem fundamentou como imprescindível a determinação rigorosa de objeto e<br />

méto<strong>do</strong> para a configuração de um determina<strong>do</strong> campo <strong>do</strong> saber como<br />

"conhecimento científico" e portanto, integrante das ciências positivas. Assim, além<br />

de alcançar o esta<strong>do</strong> maxímo <strong>do</strong> saber humano a sociedade também iria encontrar a<br />

perfeita realização social de seus integrantes.<br />

Com um discurso evolucionista e dispon<strong>do</strong> de um final préviamente defini<strong>do</strong> - o<br />

esta<strong>do</strong> positivo, onde além de encontrar o pleno avanço das ciências, encontraria-se<br />

a plena realização da sociedade - percebe-se o quão útil fora para a elite política<br />

nacional, utilizar-se destes conceitos para induzir o senti<strong>do</strong> de progresso no<br />

imaginário coletivo brasileiro. Cabe salientar, que segun<strong>do</strong> os intelectuais brasileiros<br />

<strong>do</strong>s anos 30, grande parcela considerava de extrema necessidade o avanço<br />

tecnológico <strong>do</strong> país. É utilizan<strong>do</strong>-se desta necessidade de avanço e deste imaginário<br />

de progresso já existente na sociedade brasileira, desde a sua formação como<br />

república, que Getúlio Vargas reapropia-se <strong>do</strong> conceito positivista, tornan<strong>do</strong>-se ele<br />

mesmo o porta-voz deste avanço.<br />

Tal utilização é evidente em seus discursos, sempre apresentan<strong>do</strong> os seguintes<br />

termos e conceitos: "Anima-me a certeza de que tôda esta multidão [...] é capaz de<br />

erguer comigo os alicerces da construção <strong>do</strong> Brasil Novo, que jurámos<br />

empreender.[...] Educar não é, somente, instruir, mas desenvolver a moralidade e o<br />

caráter [...] ensina<strong>do</strong>-lhe as artes necessárias para a mais alta das virtudes: o<br />

conhecimento de suas forças".<br />

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Vargas ao utilizar-se de valores filosóficos e sociais já incopora<strong>do</strong>s na sociedade,<br />

apresenta-se como o "pai da nação", que veio levá-la ao progresso e<br />

consequentemente à paz, Assim, embora execute um governo ditatorial, cheio de<br />

sanções a liberdade de expressão, mantém-se como herói nacional e agente<br />

promotor <strong>do</strong> progresso, mesmo que para isso seja necessário perder a liberdade<br />

individual.<br />

Referências<br />

CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: o imaginário da república<br />

no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.<br />

COMTE, Auguste. Curso de filosofia positiva; Discurso sobre o espírito positivo;<br />

Discurso preliminar sobre o conjunto <strong>do</strong> positivismo; Catecismo positivista. São<br />

Paulo: Abril Cultural, 1978. [Col. Os Pensa<strong>do</strong>res]<br />

PADOVANI, Umberto; CASTAGNOLA, Luís. História da filosofia. 12. ed. São<br />

Paulo: Melhoramentos, 1978.<br />

FONTES HISTÓRICAS<br />

DIP. A Juventude no <strong>Esta<strong>do</strong></strong> Novo. Imprensa Ofícial, 1940.<br />

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RAZÃO E MORAL EM BERGSON<br />

Palavras-chave: Moral aberta; Moral fechada; Obrigação; Razão.<br />

Marcelo Prates de Souza<br />

Mestran<strong>do</strong> – UFPR<br />

marceloprates1@gmail.com<br />

O objetivo deste trabalho é buscar compreender a origem da moral segun<strong>do</strong><br />

Bergson mediante sua crítica à razão, tal como presente na obra As duas fontes da<br />

moral e da religião de 1932. Quan<strong>do</strong> Bergson questiona o porquê se obedece<br />

constantemente às mais variadas obrigações, busca entender o que há por trás da<br />

obrigação em geral. Tal fenômeno é tão constante na vida cotidiana que o homem<br />

nem percebe o porquê de seu consentimento, e quan<strong>do</strong> busca uma resposta, dirá<br />

que é a sociedade que assim se comporta; a vida social se mostra como um<br />

conjunto de hábitos. Por ser o impessoal que nela impera a consciência individual<br />

permanece quase nula, uma vez que a autoridade provém mais <strong>do</strong> lugar que o<br />

indivíduo ocupa <strong>do</strong> que dele próprio. Deste mo<strong>do</strong>, para Bergson, não há diferença<br />

de natureza entre o instinto animal e o hábito, pois tanto o homem como o animal<br />

vivem sobre a forma de uma sociedade que é fechada em si mesma, isto é, crê-se<br />

que a sociedade já está realizada. Ela constitui um to<strong>do</strong> organiza<strong>do</strong>, o to<strong>do</strong> da<br />

obrigação, que em seu conjunto, recai com to<strong>do</strong> seu peso mesmo para a mais ínfima<br />

obrigação particular. É por isso que cada obrigação aparece como um dever: é<br />

preciso porque é preciso. Entretanto isso não quer dizer que ela seja de to<strong>do</strong><br />

negativa, pois é dela que o indivíduo retira sua força: é ela que liga o homem a si<br />

mesmo e ao outro. A questão consiste, então, em saber por que em certos<br />

momentos a obrigação torna-se algo difícil e duro de realizar. É quan<strong>do</strong> ela se<br />

transforma em um esforço sobre si mesmo, já que nem sempre é fácil ser honesto,<br />

bom cidadão, etc. Nisto se manifesta certa resistência ao dever, mas por se estar<br />

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mergulha<strong>do</strong> na sociedade de tal mo<strong>do</strong>, logo se é arrasta<strong>do</strong> novamente ao conjunto.<br />

Cria-se uma resistência a essa resistência, e é nela que o homem busca dar razões<br />

a si mesmo para se manter no curso da sociedade. Todavia, esses hábitos são<br />

diretos, mesmo quan<strong>do</strong> se trata <strong>do</strong> amor aos pais e a pátria. O que Bergson crítica<br />

em tais hábitos é que eles dizem estar sobre a rubrica <strong>do</strong> amor à humanidade, e o<br />

fim <strong>do</strong> dever é para com ela. Todavia tais deveres encontram-se em suspenso, já<br />

que tais hábitos representam escolhas, e portanto exclusões. Há, entretanto, uma<br />

moral que é indireta e acolhe esse amor à humanidade. O humano não é o social,<br />

ultrapassa-o de tal mo<strong>do</strong> que ele só se manifesta por personalidades as quais<br />

incorporam essa moral: foram os santos, os sábios. Basta apenas a sua existência e<br />

nela se arrastam multidões. Como se consegue tal força? É suficiente que haja mais<br />

na alegria <strong>do</strong> entusiasmo que no prazer <strong>do</strong> bem-estar. E o que configura essa outra<br />

forma de moral, a moral aberta, é que ela não se fecha em si mesma, mas é<br />

abertura. Isso não quer dizer que há uma ruptura com a moral antiga, pois esta<br />

envolve a moral fechada e a coloca no curso de um progresso que abrange de forma<br />

mais geral a humanidade, ou seja, rompe-se com certa natureza, mas não com a<br />

natureza, como, usan<strong>do</strong> uma expressão de Espinosa, Bergson diz que é para voltar-<br />

se à natureza naturante que se sai da natureza naturada. Neste senti<strong>do</strong>, há para o<br />

homem uma primeira moral, a moral fechada, que o caracteriza em um conjunto de<br />

hábitos, que para Bergson, correspondem simetricamente aos instintos nos animais,<br />

e por isso, é menos que a inteligência, própria <strong>do</strong> homem. E há uma segunda, a<br />

moral aberta, que ultrapassa sempre uma multiplicidade que é incapaz de lhe<br />

equivaler, esta é, portanto, mais que a inteligência. Entre as duas há a própria<br />

inteligência. E, segun<strong>do</strong> Bergson, é por tentarem fundamentar a moral na<br />

inteligência, que para ele equivale à razão, e, portanto, algo típico das teorias <strong>do</strong><br />

dever, é que a filosofia quase nada conquistou no senti<strong>do</strong> de explicar como uma<br />

moral pode ter tanta influência sobre os homens. Tais dificuldades se acentuam<br />

sobre a representação por conceitos, os quais são mistos que reúnem em si o que é<br />

causa de pressão e o objeto de aspiração, portanto, neles não se apreendem nem a<br />

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pura obrigação, nem a pura aspiração. O problema <strong>do</strong> misto se torna fundamental<br />

porque é justamente por não o perceberem que os filósofos só viram diferenças de<br />

grau ali onde há diferença de natureza, sen<strong>do</strong> que é nesta natureza que se encontra<br />

a origem da moral. Entretanto, Bergson não nega que são esses conceitos que<br />

exercem ação sobre os homens. As duas forças estão presentes, mas jamais o<br />

homem se refere diretamente a elas toda vez que busca tomar uma decisão, pois na<br />

verdade nunca se apreende cada força no seu esta<strong>do</strong> puro: a aspiração pura é um<br />

limite ideal, como a obrigação nua, mas na prática as duas permanecem<br />

confundidas. O racional não é incoerente, pelo contrário, é nele que o homem<br />

encontra coerência quan<strong>do</strong> necessita saber o que fazer em cada caso particular.<br />

Isso significa dizer que todas as atividades morais na sociedade são racionais, pois<br />

no plano intelectual as exigências morais interpretam-se sob conceitos, onde cada<br />

um é representativo de to<strong>do</strong>s. Destarte, há duas forças, instinto e inteligência que<br />

são formas da vida se manifestar, e a obrigação como hábito não tem diferença de<br />

natureza com o instinto; são nessas duas fontes que se formulam os conceitos<br />

morais, que são justamente, mistos. Duas coisas se podem concluir: primeiramente<br />

que não uma há necessidade primordial de fundamentar uma moral na razão. A<br />

ação moral é racional, mas não resulta daí que a razão seja sua origem. O que há<br />

de propriamente obrigatório na obrigação não vem da inteligência. Ela só explica da<br />

obrigação o que se encontra dela na hesitação. A obrigação real é anterior às<br />

formas de obrigação <strong>do</strong> dever, pois a obrigação é uma necessidade da vida, e o que<br />

a razão vier a estabelecer sobre ela já assumirá o caráter obrigatório, eis o porquê<br />

Bergson considera as morais intelectualistas inúteis e inoperantes quan<strong>do</strong> buscam<br />

um fundamento para a obrigação moral. Em segun<strong>do</strong> lugar, por trás da razão, há<br />

homens que tornam a humanidade divina. Onde, como diz Bergson, a humanidade é<br />

convidada a colocar-se num nível determina<strong>do</strong>, mais eleva<strong>do</strong> que uma sociedade<br />

animal, em que a obrigação não seria mais que a força <strong>do</strong> instinto, porém menos<br />

elevada que uma assembleia de deuses, onde tu<strong>do</strong> é impulso cria<strong>do</strong>r. Por haver<br />

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sempre a possibilidade de abertura é que, retoman<strong>do</strong> as palavras <strong>do</strong> Ensaio, há<br />

mais encanto na esperança que na posse, no sonho que na realidade.<br />

Bibliografia<br />

BERGSON, Henri. As duas fontes da moral e da religião. Tradução: Nathanael C.<br />

Caixeiro. Rio de Janeiro: Zahar Editores. 1978.<br />

______________. Ensaio sobre os da<strong>do</strong>s imediatos da consciência. Tradução: João<br />

da Silva Gama. Lisboa: Edições 70.<br />

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OS FUNDAMENTOS DO GOSTO, DA ARTE E DO GÊNIO NA ESTÉTICA DE<br />

IMMANUEL KANT<br />

Palavras-chave: gosto, estética, juízo, arte, gênio.<br />

Edy Klévia Fraga de Souza<br />

Profª. <strong>do</strong> Depto. Filosofia/UFMT<br />

Mestranda ECCO/UFMT<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Guilherme Wyllie<br />

edy.klevia@ig.com.br<br />

Embora a arte e a beleza tenham si<strong>do</strong> objetos de estu<strong>do</strong> desde a antiguidade, o<br />

termo ‗Estética‟ foi cria<strong>do</strong> na Alemanha em 1735 por Alexander Gottlieb Baumgarten,<br />

introduzin<strong>do</strong> essa palavra em sua acepção contemporânea em seu trabalho<br />

Meditações Filosóficas Sobre a Questão da Obra Poética. A estética foi definida por<br />

Baumgarten como ciência <strong>do</strong> conhecimento sensível, ou seja, a investigação da<br />

beleza manifesta na obra de arte. Esse autor iniciou o que mais tarde foi<br />

desenvolvi<strong>do</strong> pelo filósofo Immanuel Kant em sua obra Crítica da Faculdade <strong>do</strong><br />

Juízo publicada em 1790. Percebe-se nesta obra que o principal foco kantiano é o<br />

Belo que se relaciona ao gosto como faculdade avaliativa e à arte enquanto obra<br />

produzida pelo gênio. O que orientará essa investigação será a tentativa de<br />

responder a seguinte questão: é possível reivindicar uma universalidade de gosto<br />

acerca <strong>do</strong> Belo por bases subjetivas? Para respondê-la, Kant partirá <strong>do</strong>s princípios<br />

fundamentais <strong>do</strong>s três prazeres presentes no sujeito, relacionan<strong>do</strong>-os e distinguin<strong>do</strong>-<br />

os, na tentativa de pressupor o senso comum estético fundamenta<strong>do</strong> em um livre<br />

jogo entre imaginação e entendimento. Posteriormente, definirá o <strong>do</strong>m genial <strong>do</strong><br />

artista produtor das belas artes, distinguin<strong>do</strong> essas últimas <strong>do</strong>s artefatos e das<br />

ciências. Tal investigação resultará em um poder de julgamento por parte <strong>do</strong> sujeito<br />

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em relação ao objeto, onde a comunicabilidade entre ambos será de suma<br />

importância.<br />

O juízo de gosto, no qual a estética kantiana busca explicitar, é a expressão de um<br />

mo<strong>do</strong> de representação distinto <strong>do</strong> teórico. Portanto, não é um juízo fundamenta<strong>do</strong><br />

em conceitos lógicos porque é subjetivo, sen<strong>do</strong> que o prazer é decorrente da<br />

reflexão que o sujeito faz em relação ao objeto, propician<strong>do</strong> uma relação entre o<br />

intelectual e o sensível. Enquanto no juízo lógico o que importa é a existência <strong>do</strong><br />

objeto e as qualidades nele inseridas propician<strong>do</strong> o conhecimento, no juízo de gosto<br />

o objeto não precisa existir, mas apenas estar representa<strong>do</strong>, suscitan<strong>do</strong> a reflexão<br />

no sujeito para que o mesmo possa ter como consequência o prazer estético. Sen<strong>do</strong><br />

assim, o juízo de gosto nada informa sobre o objeto, mas sobre o sentimento <strong>do</strong><br />

sujeito em relação ao objeto, pois é meramente contemplativo e desinteressa<strong>do</strong>. Na<br />

complacência <strong>do</strong> agra<strong>do</strong> o prazer está nas satisfações <strong>do</strong>s desejos e estímulos<br />

particulares, naturais e imediatos <strong>do</strong> sujeito sobre um objeto e por isso, depende da<br />

faculdade de apetição. Embora seja possível encontrar no agradável certa<br />

unanimidade entre as pessoas no que tange as regras gerais que mudam de acor<strong>do</strong><br />

com as necessidades da sociedade, essa complacência continua se diferin<strong>do</strong> das<br />

teorias universais que são provadas teoricamente e demonstráveis empiricamente. A<br />

complacência no bom também visa um interesse, mas sua mediação é dada na<br />

razão o que o difere da complacência no agra<strong>do</strong> que é media<strong>do</strong> pelas sensações e<br />

inclinações imediatas <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s. O bom nem sempre é acompanha<strong>do</strong> de<br />

sensações agradáveis, mas visa um fim útil. É importante ressaltar que tanto o<br />

agradável como o bom são complacências que visam tal finalidade útil, o que os<br />

diferem é que enquanto no primeiro o prazer consiste na satisfação imediata e<br />

irracional, no segun<strong>do</strong> o sujeito conceitua o objeto através <strong>do</strong> raciocínio lógico e<br />

somente posterior a isso emite o julgamento. Mas para pensar no senso comum<br />

acerca da beleza expressa no juízo de gosto, é preciso ter em mente que a beleza<br />

não pode ser demonstrada como qualidade <strong>do</strong> objeto porque é um sentimento<br />

fundamenta<strong>do</strong> no subjetivismo e não em conceitos objetivos. Nesse caso, o que<br />

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possibilita e fundamenta essa universalidade em relação ao gosto é o jogo livre entre<br />

imaginação e entendimento que o próprio indivíduo realiza ao se comunicar com a<br />

obra. O jogo livre, como o próprio nome já sugere, é livre porque não se fundamenta<br />

no interesse, nem na utilidade e muito menos em conceitos pré-determina<strong>do</strong>s.<br />

Nesse contexto, o entendimento, como faculdade das regras, não submete a<br />

imaginação a ele, mas contribui para que a reflexão no juízo de gosto não seja<br />

desregrada. Daí a necessidade <strong>do</strong> entendimento que, ao se relacionar com os<br />

conceitos, não permite que o gosto estético seja confundi<strong>do</strong> com o simples agra<strong>do</strong><br />

das sensações. A imaginação por sua vez, desprovida de conceitos determinantes é<br />

produtiva, sen<strong>do</strong> capaz de manifestar-se e, portanto, ser comunicável. O senso<br />

comum estético nasce desse acor<strong>do</strong> entre a livre imaginação e o entendimento não<br />

determinante. Por sua subjetividade, não há possibilidade de prová-lo objetivamente,<br />

como acontece no juízo lógico, mas pode-se pressupor sua universalidade devi<strong>do</strong> à<br />

universal capacidade <strong>do</strong> sujeito de realizar o jogo livre das faculdades e obter como<br />

consequência o prazer acerca da beleza. Partin<strong>do</strong> desses pressupostos, preten<strong>do</strong><br />

analisar a concepção de Kant no que tange a obra de arte em si, bem como sua<br />

produção como obra de um Gênio que é o verdadeiro artista. Kant começa suas<br />

distinções no §43 de sua terceira crítica, onde separa a arte da natureza. Enquanto<br />

a primeira é obra de uma razão produtiva e, portanto, de um gênio, a segunda é<br />

obra <strong>do</strong> instinto e não deve ser considerada obra de arte. Embora as pessoas<br />

considerem que os favos de cera construí<strong>do</strong>s regularmente pelas abelhas sejam arte<br />

de uma natureza, isso se trata apenas de uma produção natural, sem ponderação<br />

racional. Ao relacionar arte e ciência, o autor enfatiza as principais diferenças entre a<br />

arte mecânica e arte estética, sen<strong>do</strong> essa ultima subdividida ainda em arte<br />

agradável e arte bela. Ao expor a importância da arte bela como se fosse natural, ele<br />

ressalta o poder essencial <strong>do</strong> gênio, ou seja, <strong>do</strong> verdadeiro artista, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de uma<br />

genialidade que Kant denomina <strong>do</strong>m natural, fazen<strong>do</strong> dele um ser único e original.<br />

A problemática presente na teoria estética de Immanuel Kant se concentra na<br />

tentativa de pensar em um senso comum acerca <strong>do</strong> belo. Ten<strong>do</strong> a universalidade<br />

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como princípio <strong>do</strong> juízo de gosto, a beleza deverá, portanto ter validade comum para<br />

to<strong>do</strong>s os sujeitos que a julgam, retiran<strong>do</strong>-a <strong>do</strong> ponto de vista da idiossincrasia. É<br />

importante ressaltar ainda que embora o juízo de gosto reivindique uma<br />

universalidade equivalente ao juízo moral e ao conhecimento teórico, a beleza não<br />

pode ser demonstrada, pois não está sob regras determinantes. A complacência aí<br />

em jogo é uma consequência de um jogo livre realizada pelo sujeito. Diante desse<br />

complexo contexto, Kant nega às obras de arte características científicas e as<br />

distingue <strong>do</strong>s artefatos, sen<strong>do</strong> que os últimos visam um interesse final. Nesse caso,<br />

somente o verdadeiro artista, o gênio, é capaz de realizar uma obra de arte pura nos<br />

moldes de um gosto estético onde o elemento primordial, o juízo, será o fator<br />

especifico no que se refere à complacência acerca da beleza. O que a estética<br />

kantiana nos mostra é que mesmo diante de um juízo onde se proponha uma<br />

universalidade acerca <strong>do</strong> gosto, o seu fundamento é subjetivo e, portanto, não há<br />

aqui uma pretensão de provar tal juízo, mas apenas de confirmar o direito de se<br />

discutir a beleza.<br />

Referências<br />

KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade <strong>do</strong> Juízo. Trad. Valério Rohden e Antonio<br />

Marques. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.<br />

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LINGUAGEM E MENTE ORNAMENTAL<br />

Felipe <strong>do</strong>s Santos Milani<br />

Mestran<strong>do</strong> - PUCPR<br />

Há milênios uma das questões mais centrais em filosofia é: o que é a mente<br />

humana? Como ela funciona? Desde então existem muitas metáforas em<br />

humanidades e em biologia que tentam, há muito tempo explicar o que é e como<br />

funciona a mente humana. Nossa mente já foi descrita como; lousa em branco,<br />

processa<strong>do</strong>r, computa<strong>do</strong>r de informação, módulo holográfico, máquina pragmática<br />

de sobrevivência, canivete suíço, e muitas outras. Dentro destas perspectivas sobre<br />

a mente humana a psicologia evolutiva entende nossa mente como um conjunto de<br />

adaptações biológicas que visam aumentar as chances de sobrevivência e<br />

reprodução <strong>do</strong> ser humano, mas desde que a psicologia evolutiva tem tenta<strong>do</strong><br />

explicar o que é e como funciona nossa mente, ela tem encontra<strong>do</strong> muita dificuldade<br />

em explicar aquelas características da mente que não trazem benefício para a<br />

sobrevivência <strong>do</strong> homem, características como: nossa capacidade artística, nosso<br />

instinto moral, nossa criatividade e humor e principalmente nossa linguagem<br />

complexa.<br />

Neste contexto o psicólogo Geoffrey Miller desenvolveu uma metáfora para nossa<br />

mente que tenta explicar porque surgiram e quais as funções realizadas por estas<br />

características de nossas mentes. Para explicar estas características de Miller se<br />

utilizou de algumas teorias em biologia e psicologia começan<strong>do</strong> pelo princípio de<br />

seleção sexual como proposto por Charles Darwin em 1871, o princípio de<br />

descontrole como proposto por Ronald Fisher em 1930, a teoria de jogos aplicada a<br />

psicologia evolutiva, e o princípio de desperdício como proposto por Amóz Zahavi<br />

em 1975. Nesta metáfora da mente, chamada Mente Ornamental, Geoffrey Miller<br />

propõe que as características da mente que apresentam certa resistência para<br />

serem explicadas em um contexto evolutivo, por não apresentarem nenhuma<br />

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contribuição para a sobrevivência <strong>do</strong> ser humano, podem ser explicadas em uma<br />

perspectiva evolutiva desde que esta perspectiva inclua o principio de Seleção<br />

Sexual como fonte explicativa de adaptações e não apenas a seleção natural<br />

darwiniana. Para Miller se queremos entender; moralidade, capacidade artística,<br />

humor e principalmente linguagem complexa, as quais são características universais<br />

para o ser humano, precisamos estender nosso entendimento sobre o que é uma<br />

adaptação, e deixar de ver nossas adaptações como características que aumentam<br />

nossa chance de sobrevivência, para entendê-las como características que<br />

aumentam nossa chance de sobrevivência, e ou, nossas chances de reprodução, ou<br />

seja de arranjar um parceiro sexual com o qual podemos gerar descendentes. Ao<br />

incorporarmos o princípio de seleção sexual à psicologia evolutiva, lançamos nova<br />

luz à questão sobre para quais funções servem estas nossas características, para<br />

Miller o princípio de seleção sexual, alia<strong>do</strong> principalmente ao conceito de<br />

desperdício de Amóz Zahavi, elucidam para quais funções estas adaptações nos<br />

servem. Em seu livro A Mente Seletiva Miller argumenta que estas características<br />

citadas anteriormente, moralidade, arte, humor e criatividade e linguagem, apesar de<br />

não colaborarem com nossa sobrevivência, colaboram com nossa busca por<br />

parceiros sexuais e reprodução, para Miller estas atividades anunciam nossa aptidão<br />

e nossas qualidades, diretamente para possíveis parceiros sexuais os quais<br />

presenciam estes comportamentos, ou indiretamente, já que estas exibições de<br />

moralidade, capacidade artística, linguagem complexa e bom humor e criatividade<br />

podem gerar um maior status social para o indivíduo no grupo o qual ele pertence, o<br />

que por sua vez aumenta nosso valor no ―merca<strong>do</strong>‖ de parceiros sexuais. Assim um<br />

<strong>do</strong>s principais fenômenos da mente humana, a linguagem é explicada por Miller em<br />

um contexto de evolução biológica por seleção sexual. Para tratar <strong>do</strong> fenômeno da<br />

linguagem Miller se apóia no trabalho de outro psicólogo evolutivo, Steven Pinker, o<br />

qual em sua obra O Instinto de Linguagem demonstra como as características de<br />

nossa linguagem falada, o mo<strong>do</strong> como a desenvolvemos, como à usamos à<br />

caracteriza como uma adaptação biológica,um verdadeiro instinto, mas em sua obra<br />

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Pinker não se propõe a explicar como este instinto surgiu ou como ele evoluiu,<br />

apenas caracteriza nossa linguagem como um instinto.<br />

Para Miller a linguagem como um instinto evoluiu através <strong>do</strong> processo de seleção<br />

sexual. Para ele a forma como nossos ancestrais usavam sua linguagem era um<br />

importante fator de seleção <strong>do</strong> parceiro: humanos que apresentassem maior<br />

vocabulário, discurso mais conciso, boa memória, conteú<strong>do</strong> interessante, e boa<br />

gramática tinham mais chances de conseguir um parceiro sexual sen<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os<br />

outros parâmetros iguais. Assim, durante o perío<strong>do</strong> pleistocênico, à medida que<br />

nossos ancestrais usavam sua linguagem para seduzir seus possíveis parceiros<br />

sexuais, esta ia se transforman<strong>do</strong> e adquirin<strong>do</strong> complexidade tal a qual observamos<br />

hoje. Pesquisas sobre como usamos nossa linguagem quan<strong>do</strong> estamos em<br />

situações de corte, ou quan<strong>do</strong> fazemos discursos públicos, realizadas por diversos<br />

psicólogos como, por exemplo, o norte americano David Buss, o qual conduziu um<br />

estu<strong>do</strong> sobre sexualidade humana em 126 países, tem confirma<strong>do</strong> as previsões da<br />

teoria de mente ornamental para a linguagem e para outras áreas <strong>do</strong><br />

comportamento e da psique humana, relevan<strong>do</strong> importância <strong>do</strong> conhecimento e<br />

divulgação desta teoria para a psicologia e para as humanidades como um to<strong>do</strong>.<br />

Referências bibliográficas<br />

MILLER, Geoffrey. F, A Mente Seletiva. Editora Campus. 2001<br />

DARWIN, Charles, Origem <strong>do</strong> Homem e a Seleção Sexual. Editora Hemus 1983<br />

BUSS, David, The Evolution of Desire. Editora Basic Books. 2003<br />

ZAHAVI, Amótz, The Handicap Principle. Editora Oxford. 1997<br />

FISHER Ronald A, The Genetical Theory of Natural Selection. Editora Oxford. 2006<br />

BLACK Max, MODELOS Y METÁFORAS. Editora Tecnos. A. Madrid. 1966<br />

PINKER Steven, O INSTINTO DA LINGUAGEM. Editora Martins Fontes. 2004<br />

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A RELAÇÃO DE FOUCAULT E KANT: AUFKLÄRUNG E ATITUDE CRÍTICA<br />

Palavras-Chave: Foucault, Kant, Aufklärung, Sujeito, Diagnóstico.<br />

Pós-Graduan<strong>do</strong>: Marcelo da Rocha<br />

Instituição: PUC – PR<br />

Email: marrochap@yahoo.com.br<br />

Os estu<strong>do</strong>s das aproximações entre os pensamentos de Foucault e Kant tem si<strong>do</strong><br />

aborda<strong>do</strong>s por diversos pesquisa<strong>do</strong>res de filosofia, a linha de pesquisa, embora, os<br />

diversos trabalhos, mantém ainda um campo amplo para desenvolver-se e para<br />

fomentar o debate filosófico. Este trabalho pauta-se sobre <strong>do</strong>is objetivos básicos:<br />

primeiro analisar os fundamentos da crítica foucaultiana a partir da Aufklärung e em<br />

segun<strong>do</strong> momento identificar a radicalização <strong>do</strong>s conceitos de Razão Pública e<br />

Privada no pensamento de Foucault. Para efetivar este estu<strong>do</strong>, partirei da análise e<br />

leitura <strong>do</strong> texto de 1984, O que são as Luzes? Foucault faz uma análise <strong>do</strong> texto<br />

kantiano de 1784 intitula<strong>do</strong>, Was ist Aufklärung? Foucault inicia o texto fazen<strong>do</strong><br />

algumas considerações sobre o escrito kantiano, uma primeira observação feita pelo<br />

filosofo francês é o fato deste texto fazer uma análise <strong>do</strong> presente, aponta ainda que<br />

para Kant a saída <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de minoridade (Auder Saper) está relacionada a um<br />

esta<strong>do</strong> de vontade <strong>do</strong> sujeito e, portanto a busca da autonomia. Para Foucault a<br />

Aufklärung ainda é definida pela relação preexistente entre a vontade, autoridade e o<br />

uso da razão. Salienta o pensa<strong>do</strong>r francês que Kant apresenta essa saída de<br />

maneira bastante ambígua, em um da<strong>do</strong> momento esse processo está em<br />

desenvolvimento, em outro momento o mesmo processo se apresenta como uma<br />

tarefa, como uma obrigação, o que de certa forma caracteriza a Aufklärung como um<br />

processo coletivo e ao mesmo tempo um processo de ação pessoal <strong>do</strong> sujeito.<br />

Foucault já havia explora<strong>do</strong> a questão da Aufklärung em uma conferência de 1978<br />

publicada no boletim da sociedade francesa de filosofia, chamada O que é a Crítica?<br />

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Foucault faz uma aproximação entre a Aufklärung e a crítica, está entendida neste<br />

texto como uma atitude muito semelhante à Aufklärung pensada por Kant no século<br />

XVIII. Porém a Aufklärung kantiana faz uma crítica que conduz aos limites<br />

conhecimento e como o homem utiliza esse conhecimento para administrar sua vida<br />

e pensamento de uma maneira autônoma, dispensan<strong>do</strong> seus tutores assumin<strong>do</strong> sua<br />

própria tutela, isto é, ser capaz de autogovernar-se diante de uma sociedade<br />

heterônoma. É esse aspecto que Kant denomina como razão pública. Sob o prisma<br />

da razão privada, o sujeito tem o dever de cumprir com suas obrigações perante as<br />

instituições e a sociedade, culminan<strong>do</strong> assim em um agir pauta<strong>do</strong> pelo dever<br />

isentan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> ato crítico para submeter-se a um conjunto de normas sociais. A<br />

crítica pensada por Foucault é uma análise da constituição de subjetividades, seja<br />

esta moderna, sob a forma sujeito, que é pensa<strong>do</strong> a partir de determina<strong>do</strong>s aspectos<br />

científicos, ou contemporâneos, sob alguma outra configuração de relação <strong>do</strong> saber<br />

e de poder. Retornan<strong>do</strong> ao texto de 1984, Foucault afirma que a Aufklärung é um<br />

momento oportuno para o desenvolvimento da crítica, segun<strong>do</strong> ele a crítica é, de<br />

qualquer maneira, o livro de bor<strong>do</strong> da razão tornada maior na Aufklärung, e<br />

inversamente, a Aufklärung é a era da crítica. Para Foucault esta crítica acontecerá<br />

como anunciada no texto de 1978 a partir e sobre as relações de saber e de poder,<br />

como uma atitude de não ser governa<strong>do</strong>. No texto de 1984 essa investigação<br />

configura-se como uma atitude crítica que se estenderá para a relação <strong>do</strong> sujeito<br />

consigo mesmo, ou seja, uma atitude crítica de si. Pode-se afirmar que Foucault<br />

fundamenta a crítica <strong>do</strong> sujeito moderno na concepção kantiana de Aufklärung<br />

transforman<strong>do</strong>-a em uma crítica não somente da razão sobre aquilo que ela é capaz<br />

de conhecer ou no dever que ela pode fundamentar no uso público e priva<strong>do</strong> da<br />

razão, mas sim na investigação da ação racional <strong>do</strong> sujeito sobre o outro, sobre o<br />

saber e principalmente sobre si mesmo. Portanto, Foucault radicaliza o pensamento<br />

kantiano fazen<strong>do</strong> uma análise <strong>do</strong> sujeito na sua relação não somente com o poder e<br />

o saber, mas também na relação consigo mesmo, analisan<strong>do</strong> os mecanismos de<br />

subjetivação que o sujeito produz sobre o próprio corpo e de certa forma na maneira<br />

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ou nas formas de saber e poder que este sujeito é capaz de estabelecer nas suas<br />

relações com o outro e consigo mesmo. Essa atitude crítica faz uma escavação<br />

contínua das relações nas quais o sujeito é assujeita<strong>do</strong> e de certa forma como<br />

também este mesmo sujeito produz os processos de assujeitamento por meio da<br />

relação com o saber e de poder e consigo mesmo. Portanto, Foucault além de<br />

radicalizar o pensamento kantiano e o conceito de razão pública e privada propõe<br />

que essa atitude crítica permita ao sujeito realize um diagnóstico <strong>do</strong> presente sobre<br />

os saberes ou sobre os poderes que o envolvem e o constituem e que ele como<br />

sujeito também constitui, é necessário que o sujeito raciocine também sobre si<br />

próprio, que investigue as relações e as ações consigo mesmo. Para Foucault a<br />

modernidade é muito mais que um perío<strong>do</strong> histórico, a modernidade é o momento<br />

oportuno para uma atitude crítica, como uma atitude de escolha voluntária que é<br />

feita pelo sujeito na sua maneira de pensar, de agir com outro, de agir com o saber,<br />

com o poder e consigo mesmo. Foucault aponta que apesar de haver em Kant uma<br />

tentativa de heroificação <strong>do</strong> presente, que faz necessário, neste contexto de<br />

modernidade um diagnóstico <strong>do</strong> presente, enquanto uma atitude crítica continua,<br />

que pode possibilitar uma nova atitude ética.<br />

Referências<br />

FOUCAULT. Michel. A Arqueologia <strong>do</strong> Saber. Trad. Luiz Felipe Baeta Neves. 7ª ed.<br />

Rio de Janeiro. Forense Universitária, 2005.<br />

____________. As Palavras e as Coisas. Trad. Salma Tannus Muchail. São Paulo.<br />

Martins Fontes, 1981.<br />

____________. História da Sexualidade, a vontade de saber I. Trad. Maria Thereza<br />

da Costa Albuquerque e J. A Guilhon Albuquerque. 17ª ed. São Paulo. Graal, 1988.<br />

____________. Vigiar e Punir, nascimento das prisões. Trad. Ligia M. Pondé<br />

Vassalo. 3ª ed. Petrópolis, Vozes,1984.<br />

____________. ―O que são as Luzes?” In: Arqueologia das ciências e da história <strong>do</strong>s<br />

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sistemas de pensamento. Ditos e Escritos II. 2ª ed. Rio de Janeiro. Forense<br />

Universitária, 2005.<br />

____________. ―O que é a Crítica [Crítica e Aufklärung].” Trad. Gabriela Lafetá<br />

Borges. Boletim da sociedade francesa de filosofia. Conferência proferida em 27 de<br />

maio de 1978. Vol. 82, nº 2, pp. 35-63 abr/jun de 1990.<br />

LALANDE. André. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. São Paulo. Martins<br />

Fontes, 1993.<br />

KANT. Imannuel. A Paz Perpétua e Outros Opúsculos, Resposta à pergunta: O que<br />

é o iluminismo? Trad. Artur Morão. Editora 70ª p. 11-19. Lisboa, 2002. Disponível na<br />

Internet via WWW. URL. Http.web.educom.pthp.137/online/iluminismo.rtf. Dia:<br />

11/11/07.<br />

MUCHAIL. Tannus Salma. Foucault, simplesmente, textos reuni<strong>do</strong>s. São Paulo.<br />

Loyola, 2004.<br />

REVEL. Judite. Foucault, conceitos essenciais. Trad. Carlos Piovezani e Nilto<br />

Milanez. São Carlos. Claraluz.2005.<br />

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SCHILLER E O IMPULSO ESTÉTICO<br />

Filipi Silva de Oliveira<br />

Universidade Estadual <strong>do</strong> Rio de Janeiro<br />

Orienta<strong>do</strong>ra: Prof.Dra. Maria Helena Lisboa da Cunha<br />

Palavras-chave: Natureza; Espírito; Beleza; Jogo; Imaginação<br />

Kant deixou rastros com sua passagem. O vulto de sua obra se estendeu<br />

largamente nos círculos acadêmicos. Fora ovaciona<strong>do</strong> por uma geração de<br />

pensa<strong>do</strong>res e de artistas impressiona<strong>do</strong>s com o gigantismo de suas ideias. Seu<br />

conterrâneo Schiller, poeta, filósofo e ora<strong>do</strong>r se acha entre um deles. O contágio da<br />

filosofia crítica kantiana se fazia inevitável, uma vez que o seu arcabouço conceitual<br />

implementa junto com a revolução francesa uma nova aurora no humanismo <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> moderno encarnada pelo espírito <strong>do</strong> Aufklärung. È nítida a presença da<br />

sombra de Kant por detrás da estética schilleriana, mas esse filósofo, à maneira<br />

daqueles que formaram o disperso grupo <strong>do</strong>s pós-kantianos, soube interpretar o<br />

lega<strong>do</strong> crítico deixa<strong>do</strong> pelo gênio de Konnigsberg, sem, no entanto, reproduzir e<br />

cultuar o seu verbo. Em Schiller, é notável o zelo por não deixar o kantismo<br />

sucumbir a possibilidade de uma nova proposta crítica; e é o que ele faz. Em sua<br />

obra tardia Cartas sobre a educação estética <strong>do</strong> homem, quan<strong>do</strong> já se encontrava<br />

debilita<strong>do</strong> pela tuberculose, Schiller procura traçar um ideal de homem impensa<strong>do</strong><br />

por seu mestre. Atento à dialética elementar da filosofia kantiana formada pela<br />

paridade natureza-espírito/sensibilidade-razão, Schiller dá largada em um concurso<br />

que descarta de maneira decisiva o duelo entre a coisa em si e o fenômeno. Ele<br />

tenta solucionar o problema de mo<strong>do</strong> diverso <strong>do</strong> de Kant, pois enquanto este via na<br />

moral e na razão teórica um mo<strong>do</strong> de libertar o homem da violência das inclinações,<br />

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Schiller prefere trazer à cena a necessidade de unir na práxis a realidade material<br />

com a verdade formal através de uma unidade aglutina<strong>do</strong>ra: a beleza ideal ou<br />

Kalias.<br />

Encanta<strong>do</strong> com a possibilidade de instaurar aquilo que Nietzsche depois chamaria<br />

de ―metafísica de artista‖, Schiller revela seu pen<strong>do</strong>r: ―resisto a essa amável<br />

tentação deixan<strong>do</strong> que a beleza preceda liberdade‖. Opon<strong>do</strong>-se ao racionalismo, ele<br />

concilia o que, desde a modernidade, passou a se manter aparta<strong>do</strong> por conta <strong>do</strong>s<br />

arrivismos intelectuais das escolas. Schiller percebeu, ao comparar a cultura grega<br />

pré-platônica à moderna cartesiana, haver ocorri<strong>do</strong> uma fissura implacável em<br />

nossos costumes: desaprendemos a intuir, uma vez que a tendência separatista <strong>do</strong><br />

entendimento tomara posse <strong>do</strong> conhecimento.<br />

Assim, o homem perdeu sua virtude lúdica, em troca da disputa vai<strong>do</strong>sa entre razão<br />

e sensibilidade. Logo, o esforço <strong>do</strong> poeta-filósofo é, insurgir-se contra o <strong>do</strong>mínio da<br />

razão por parte <strong>do</strong>s filósofos e o da sensibilidade por parte <strong>do</strong> senso-comum,<br />

fornecen<strong>do</strong> uma salvação que extrapola a esfera psicológica e atravessa os<br />

componentes nocionais <strong>do</strong> kantismo (sujeito e objeto) para estender às relações de<br />

poder, isto é, à organização política das forças. Mas para isso seria necessário que<br />

algo fora da natureza e <strong>do</strong> espírito tomasse a frente e dirigisse essa nova eticidade<br />

humana, diferente daquela embasada numa moral subjetiva. É na beleza que<br />

Schiller vê a oportunidade de mergulhar novamente o homem na natureza,<br />

reeducan<strong>do</strong>-o em sua convivialidade no meio de onde deriva; por meio não de<br />

imperativos categóricos, mas sim <strong>do</strong> jogo entre a vida e a forma, em que não pesa<br />

nenhum <strong>do</strong>s la<strong>do</strong>s, haven<strong>do</strong> com isso um essencial acor<strong>do</strong> entre o infinitamente<br />

limita<strong>do</strong> (fenômeno) e o infinitamente ilimita<strong>do</strong> (coisa-em-si). Seja como for, ele<br />

propõe as núpcias entre aquilo que havia se perdi<strong>do</strong> com o excesso científico e com<br />

a brutalidade e o prosaísmo <strong>do</strong>s tempos modernos; a beleza – o imperativo estético<br />

que Schiller substitui em lugar da racionalidade <strong>do</strong> ―tu deves‖ kantiano - há que<br />

desempenhar papel primacial, pois é ela quem apara as arestas que ficam à vista<br />

por ocasião <strong>do</strong> encontro entre esses <strong>do</strong>mínios distintos. Ou seja, é pela estética e<br />

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não pela moral, como queira Kant, que necessidade e liberdade voltam a travar<br />

diálogo.<br />

Segun<strong>do</strong> Schiller, o chamamento da beleza não é um capricho <strong>do</strong> poeta, insatisfeito<br />

com a frieza discursiva <strong>do</strong>s filósofos, mas sim um imperativo da natureza, uma<br />

exigência pontual. De intuição elevada, ele obedece à necessidade erigin<strong>do</strong> uma<br />

ponte que religa os impulsos constituintes da realidade, isto é, os esta<strong>do</strong>s pelos<br />

quais, na experiência, a pessoa humana passa. Semelhante a Rousseau, ele os<br />

chamou de esta<strong>do</strong>s da necessitação, dividin<strong>do</strong>-os em <strong>do</strong>is grupos: esta<strong>do</strong> natural e<br />

esta<strong>do</strong> moral. No primeiro, de natureza física, estão compreendi<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os<br />

animais sensíveis regi<strong>do</strong>s sob a ordem necessária <strong>do</strong>s afetos e das pulsões vitais.<br />

Já no segun<strong>do</strong>, metafísico, o que temos diz respeito ao grupo seleto <strong>do</strong>s homens,<br />

desses animais movi<strong>do</strong>s por uma força que atravessa os limites da natureza<br />

conduzin<strong>do</strong>-os para o âmbito <strong>do</strong> possível, onde reina a liberdade. Logo, podemos<br />

ver que enquanto um abrange genericamente a realidade, outro já exclui a pura<br />

materialidade para dar vazão ao campo privilegia<strong>do</strong> <strong>do</strong> espírito, delinean<strong>do</strong> um<br />

animal capaz de problematizar diante das afecções da sensibilidade e da vontade.<br />

O homem que Schiller e Kant buscam é idealiza<strong>do</strong>, que visa a perfeição purifican<strong>do</strong><br />

as paixões, com a diferença que, no primeiro, essa purificação ocorre de forma<br />

objetiva e atuante, enquanto que no último se passa subjetivamente, em uma ação<br />

interiorizada segun<strong>do</strong> princípios racionais. Outra diferença é que Schiller não opõe o<br />

rigor formal às pulsões vitais, consideran<strong>do</strong> aquele superior a este; ele os equipara<br />

chaman<strong>do</strong>-os ambos de ―força‖, pois ―impulsos são as únicas forças motoras no<br />

mun<strong>do</strong> sensível‖. Não obstante, ele chega a um terceiro esta<strong>do</strong> que alinharia esses<br />

<strong>do</strong>is: o esta<strong>do</strong> lúdico, o único responsável pelo desenvolvimento da animalidade na<br />

cultura, pois resulta na junção da forma com a vida; na realização da forma viva. O<br />

esta<strong>do</strong> lúdico ofereci<strong>do</strong> pela beleza neutraliza-se das antinomias, oscilan<strong>do</strong> em igual<br />

medida e a um só tempo entre os <strong>do</strong>is, modelan<strong>do</strong> a natureza com o espírito e<br />

preenchen<strong>do</strong> o espírito de conteú<strong>do</strong> sensível, multiplican<strong>do</strong> a forma por conta da<br />

pluralidade da matéria e objetivan<strong>do</strong> a matéria por conta da forma.<br />

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Schiller não elege a beleza como categoria, mas sim reconhece-a como sen<strong>do</strong> um<br />

impulso inevitável na ordem cósmica, através da qual o mun<strong>do</strong> físico toma senti<strong>do</strong> e<br />

se arranja nas suas disparidades. Logo, independe <strong>do</strong>s homens assumirem-na<br />

enquanto coroamento da existência; ela já se encontra encerrada na natureza,<br />

bastan<strong>do</strong> um exercício apura<strong>do</strong> da intuição que consegue, poética e não<br />

psicologicamente alcançar a verdade por dentro <strong>do</strong> fenômeno e não acima dele.<br />

Esta comunicação tem por objetivo apresentar um Schiller ousa<strong>do</strong> e criativo,<br />

autônomo em relação ao criticismo kantiano. Para não cair no erro de fundamentar<br />

uma filosofia onde a dureza da lei natural propele o homem ao determinismo físico<br />

ou a abertura da possibilidade lança-o numa zona abismal, Schiller notou que as<br />

relações sócio-políticas carecem de embelezamento, de ações regidas pela<br />

equipolência e pelo jogo <strong>do</strong>s contrários onde atividade livre e passividade necessária<br />

tentam encontrar um termo correlato. Entenden<strong>do</strong> beleza não só como produção<br />

artística, Schiller, tal como Nietzsche, rejeita o esteticismo excessivo <strong>do</strong>s artistas<br />

românticos, extrain<strong>do</strong> da vida aquilo que se oculta de nossa percepção contaminada<br />

pelo entendimento, isto é, as forças plasma<strong>do</strong>ras da realidade. O que faz é desvelar<br />

a secreta arte da natureza, exprimin<strong>do</strong> na forma <strong>do</strong>s jogos propostos pela<br />

imaginação cria<strong>do</strong>ra, dessa singular atividade humana, o contato contínuo e<br />

amistoso entre a legislação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> vivi<strong>do</strong> e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> pensa<strong>do</strong> que somente este<br />

animal de virtudes extraordinárias pode executar.<br />

BIBLIOGRAFIA:<br />

ABRÃO, Bernardete. História da Filosofia. São Paulo: Nova Cultural, 2004, Os<br />

pensa<strong>do</strong>res.<br />

BAYER, Raymond. História da estética. Trad. José Saramago. 4ª edição. Lisboa:<br />

Estampa, 1995.<br />

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KANT, Immanuel. Crítica <strong>do</strong> juízo <strong>do</strong> gosto. Trad. Valério Rohden e Antônio<br />

Marques. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.<br />

_________. Crítica da razão pura. Trad. Valério Rohden. São Paulo: Nova Cultural,<br />

2004.<br />

SCHILLER, Friedrich. A educação estética <strong>do</strong> homem. Trad. Roberto Schwarz e<br />

Marcio Suzuki. 4ª edição. São Paulo: Iluminuras, 2002.<br />

SZONDI, Peter. Ensaio sobre o trágico. Trad. Pedro Sussekind. Rio de Janeiro:<br />

Jorge Zahar, 2004.<br />

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SIMBOLOGIA DO ESPAÇO FUNERÁRIO: TRANSMISSÕES CULTURAIS E<br />

RELAÇÕES SOCIAIS<br />

Maristela Carneiro – IESSA<br />

Maurício Fernan<strong>do</strong> Bozatski (orienta<strong>do</strong>r)<br />

grifinoria15@hotmail.com<br />

Palavras-chave: finitude, cemitério, cultura, relações sociais e memória.<br />

O presente trabalho objetiva discutir as possibilidades de leitura da simbologia<br />

presente nos espaços funerários, com destaque para os cemitérios tradicionais. A<br />

utilização <strong>do</strong>s mortos em nossa sociedade, destacan<strong>do</strong> o caráter homólogo ao outro<br />

mun<strong>do</strong>, permite a conciliação da rede de relações pessoais em torno <strong>do</strong>s mesmos e<br />

de sua memória. Com a finitude, os mortos imediatamente passam a ser concebi<strong>do</strong>s<br />

como exemplos e orienta<strong>do</strong>res de posições e relações sociais, servin<strong>do</strong>, portanto,<br />

como foco para os sobreviventes, vivifican<strong>do</strong> e dan<strong>do</strong> forma concreta aos elos<br />

identitários que ligam as pessoas de um grupo. E o espaço cemiterial, por<br />

conseguinte, é privilegia<strong>do</strong> para a concretização e demonstração das conexões<br />

entre a memória, as práticas identitárias e as representações sociais, dialeticamente<br />

construtoras de relações sociais, bem como construídas pelas mesmas.<br />

Entendemos que o culto <strong>do</strong>s mortos passa por um filtro de percepção, permitin<strong>do</strong><br />

que somente os valores considera<strong>do</strong>s essenciais pelos vivos, para a recomposição<br />

<strong>do</strong> senti<strong>do</strong> da vida, sejam expressos no espaço cemiterial, no qual este trabalho<br />

encontra-se circunscrito. Assim, a individualização das sepulturas e os valores<br />

expressos nas mesmas demonstram o desejo de preservar a identidade e a<br />

memória <strong>do</strong>s mortos, servem à expressão e/ou transmissão <strong>do</strong>s valores culturais e à<br />

própria reconstituição <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> existencial para os que ficam.<br />

Portanto, a simbologia cemiterial objetiva a transmissão ou a expressão <strong>do</strong>s valores<br />

culturais, utilizada como uma forma de comunicação, para o estabelecimento e<br />

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reafirmação das relações sociais, consideran<strong>do</strong> que somente gestos e palavras não<br />

abarcam a multiplicidade destas transmissões. A pluralidade destes valores,<br />

expressos pelos espaços funerários, está profundamente relacionada às diferentes<br />

maneiras encontradas para se lidar com a questão da morte. 1<br />

Os rituais funerários, os cultos religiosos e as manifestações artísticas, em diferentes<br />

culturas, são múltiplos, aos quais são inerentes diversos senti<strong>do</strong>s assumi<strong>do</strong>s pela<br />

expressão simbólica da morte, ou seja, respostas dadas, historicamente, à pergunta<br />

acerca <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> da vida. Assim, a consciência da finitude que os seres humanos<br />

possuem torna a morte problemática para os vivos, para os quais o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> jogo<br />

existencial é elabora<strong>do</strong> e apresenta<strong>do</strong>. Notamos que, segun<strong>do</strong> Bellomo, os rituais de<br />

morte são indicativos e/ou respostas da crise perante a morte, ten<strong>do</strong> em vista a<br />

consciência da finitude. 2<br />

DaMatta refere-se aos cemitérios como o espaço que estabelece com a casa e com<br />

a rua elos complementares e terminais. O espaço da casa, priva<strong>do</strong>, moral,<br />

conserva<strong>do</strong>r e cíclico, só faz senti<strong>do</strong> em oposição ao espaço exterior, ou seja, em<br />

contraposição ao universo da rua, público, marca<strong>do</strong> pela ideia <strong>do</strong> progresso, pela<br />

individualidade e pela linearidade. E o espaço <strong>do</strong>s mortos, mesclan<strong>do</strong> a casa e a<br />

rua, é ―engloba<strong>do</strong>r de situações sociais‖ e, desta forma, mescla a lógica <strong>do</strong> espaço<br />

público e, também, <strong>do</strong> priva<strong>do</strong>. 3 Nesse senti<strong>do</strong>, ―os túmulos têm também a função<br />

intencional de fazer lembrar <strong>do</strong> morto, da sua importância social e de suas crenças,<br />

além de permitir observar a pluralidade de representações simbólicas, muitas das<br />

quais <strong>do</strong>tadas de conteú<strong>do</strong> estético.‖ 4<br />

1 BELLOMO, H. R. (Org.). Cemitérios <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul: arte, sociedade, ideologia. Porto Alegre:<br />

EDIPUCRS, 2000, p. 122.<br />

2 PIACESKI, T. R.; BELLOMO, H. R. Pesquisa cemiterial no <strong>Esta<strong>do</strong></strong> de Goiás. Porto Alegre: s.n.,<br />

2006, p. 16.<br />

3 DAMATTA, R. A Casa & A Rua. Espaço, Cidadania, Mulher e Morte no Brasil. Rio de Janeiro:<br />

Rocco, 1997, p. 18.<br />

4 BORGES, M. E. ; BIANCO, S. D. & SANTANA, M. M. Arte funerária no Brasil: possibilidades de<br />

interagir nos programas de ensino, de pesquisa e de extensão na universidade. Disponível em:<br />

http://www.corpos.org/anpap/2004/textos/chtca/MariaElizia.pdf ; acessa<strong>do</strong> em 31/07/2006 ; p. 5.<br />

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Portanto, os cemitérios, pensa<strong>do</strong>s como ―lugares de memória‖ associa<strong>do</strong>s à vida,<br />

passam por um processo de simbolização, pois são nutri<strong>do</strong>s de lembranças<br />

particulares e, ao mesmo tempo, coletivas e plurais. Com isso objetivamos a<br />

percepção de que as construções tumulares servem à expressão e/ou à transmissão<br />

<strong>do</strong>s valores culturais, bem como ao estabelecimento das relações sociais e, como<br />

espaço engloba<strong>do</strong>r de situações sociais, congrega as preocupações individuais às<br />

coletivas, o priva<strong>do</strong> ao público. A memória <strong>do</strong>s mortos é mediada pela memória <strong>do</strong>s<br />

vivos, sen<strong>do</strong> que a individualização de cada túmulo é indicativa <strong>do</strong> desejo de<br />

continuidade existencial, fato expressa<strong>do</strong> através das placas de casal e <strong>do</strong>s nomes<br />

de família, por exemplo.<br />

Através das representações sociais, são reuni<strong>do</strong>s fragmentos de memória, aos quais<br />

atribui-se unidade e senti<strong>do</strong> e, assim, são estabeleci<strong>do</strong>s os filtros de percepção. As<br />

tentativas de explicação da morte estão presentes nos espaços cemiteriais e<br />

influenciam diretamente o culto aos mortos, interagin<strong>do</strong> com os mecanismos de<br />

memória <strong>do</strong>s vivos, de mo<strong>do</strong> a estabelecer senti<strong>do</strong> à finitude e resolver a<br />

problemática da morte, tão cara aos sobreviventes.<br />

De forma significativa, as expressões e as transmissões culturais, através <strong>do</strong>s<br />

valores e <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> simbólico conti<strong>do</strong> nos túmulos, servem ao estabelecimento e<br />

à reafirmação das relações sociais. ―O poder de entender símbolos, isto é, de<br />

considerar, acerca de um da<strong>do</strong> sensorial, tu<strong>do</strong> irrelevante exceto uma certa forma<br />

que ele incorpora, é o traço mental mais característico da humanidade.‖ 1 Portanto,<br />

concluímos como válida a possibilidade de leitura deste espaço enquanto uma teia<br />

de significações e abstrações, construída a partir de processos mentais seletivos,<br />

onde são correlaciona<strong>do</strong>s símbolos, coisas, conceitos, tessitura real da vida<br />

humana.<br />

1 LANGER, Susanne K. Filosofia em nova chave. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 81.<br />

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A DISTINÇÃO ENTRE CORPO E ALMA EM DESCARTES<br />

Geder Paulo Friedrich Cominetti<br />

Orienta<strong>do</strong>r: César Augusto Battisti<br />

UNIOESTE – Campus Tole<strong>do</strong><br />

gdr_2005@hotmail.com<br />

Palavras-chave: idéia clara e distinta; substância; atributo; distinção real; corpo e<br />

alma.<br />

Em Descartes, a expressão ―alma‖ é sinônima de substância pensante e a<br />

expressão ―corpo‖ é sinônima de substância extensa. A distinção entre ambas é<br />

chamada distinção real, uma vez que é efetuada entre duas substâncias. Uma<br />

substância é conhecida através de seu atributo essencial, que constitui a sua<br />

natureza. Os atributos, por sua vez, são percebi<strong>do</strong>s pelos seus des<strong>do</strong>bramentos<br />

chama<strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s. O que caracteriza uma substância enquanto tal é a diversidade<br />

de mo<strong>do</strong>s conserva<strong>do</strong>s a uma razão comum de diferentes atos. Através <strong>do</strong><br />

entendimento, o sujeito acaba por se conscientizar duma identidade comum a<br />

diferentes atos, e é essa identidade que justifica o uso da palavra substância. Em<br />

Descartes, o pensamento se trata duma noção primitiva, isto é, pode ser percebi<strong>do</strong><br />

isoladamente de tu<strong>do</strong> o mais e não pressupõe qualquer outra noção, embora muitas<br />

outras o pressuponham. O pensamento é percebi<strong>do</strong> como noção primitiva porque,<br />

ao redigir os pensamentos numa ordem das razões que justifica a existência de<br />

todas as coisas, corpo e alma não têm sua existência reconhecida simultaneamente.<br />

Quan<strong>do</strong> se duvida exageradamente de tu<strong>do</strong> o que se acredita, como faz o<br />

procedimento da dúvida metódica cartesiana, a percepção reconhece o pensamento<br />

antes de conhecer o corpo. O reconhecimento da existência <strong>do</strong> sujeito, que<br />

arriscamos dizer ser o pólo mais importante em se tratan<strong>do</strong> duma investigação<br />

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filosófica, se dá ao pensamento independentemente da existência <strong>do</strong>s corpos.<br />

Nenhuma das propriedades corporais, bem como nenhuma faculdade ligada ao<br />

corpo, influencia no enuncia<strong>do</strong> ―penso, logo existo‖. Ao conhecer a capacidade <strong>do</strong> eu<br />

em subsistir sem o corpo, o ser pensante não revela a si próprio apenas sua<br />

existência, mas também sua natureza. Esta emerge da constatação de que o eu é<br />

um ser completo quan<strong>do</strong> lhe é imputa<strong>do</strong> apenas o pensamento. O eu pode ser<br />

concebi<strong>do</strong> como uma substância porque concebemos, em decorrência a algumas de<br />

suas características, que ele poderia subsistir independente <strong>do</strong> corpo e é sujeito<br />

comum de diferentes atos. Ao conceber clara e distintamente que o eu pode<br />

subsistir sem o corpo, como sen<strong>do</strong> uma coisa completa, concebe-se também que a<br />

corporeidade não pertence à natureza <strong>do</strong> eu. Não se faz necessário que o<br />

conhecimento <strong>do</strong> eu seja completo, sen<strong>do</strong> suficiente conhecer aquelas<br />

características que o revelam como porta<strong>do</strong>r da capacidade de subsistir<br />

independentemente de outrem. O pensamento é a única condição, necessária e<br />

suficiente, para que se conheça sua própria existência, e tu<strong>do</strong> o que surgir<br />

ulteriormente a esta verdade não lhe será de caráter essencial. Estas afirmações<br />

implicam a exclusão das hipóteses de que a mente seria a forma <strong>do</strong> corpo ou de que<br />

ela faria parte dele, ou mesmo a hipótese de que a natureza <strong>do</strong> eu seja fundada na<br />

corporeidade. A teoria cartesiana esbarra de fronte à teoria aristotélica, pregada pela<br />

escolástica, onde Aristóteles concebia a alma como sen<strong>do</strong> uma forma <strong>do</strong> corpo.<br />

Descartes concebe a alma e o corpo como coisas distintas, não a mesma coisa em<br />

diferentes dimensões, e isso foi o que tornou seu argumento original e inova<strong>do</strong>r para<br />

a história da filosofia. Em Descartes, a corporeidade, por sua vez, tem sua natureza<br />

constituída das essências descritas pela matemática e pela geometria: ela é<br />

extensão ou ―espacialidade‖. Para Descartes, embora o ser pensante não possa ser<br />

concebi<strong>do</strong> matematicamente ou geometricamente, resguarda em si a capacidade de<br />

conceber os entes matemáticos e geométricos e de imaginar, enquanto pura<br />

interioridade, coisas corporais. Quanto à corporeidade, o eu pensante a concebe<br />

como ten<strong>do</strong> um atributo exclusivo, o da extensão. Concebe ainda, que o atributo da<br />

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substância extensa comporta faculdades que em nada se assemelham com as <strong>do</strong><br />

pensamento. Conceben<strong>do</strong> os atributos da substância pensante e da substância<br />

corpórea como incomensuráveis, a substância pensante tem a ideia clara e distinta<br />

de que corpo e alma são entidades independentes e, portanto, realmente distintos.<br />

Deus garante que uma ideia clara e distinta é verdadeiramente real, e é por isso que<br />

a distinção entre corpo e alma se enuncia como sen<strong>do</strong> uma distinção real: porque se<br />

tem uma ideia clara e distinta de que ambas as substâncias são incompatíveis, seja<br />

sob a perspectiva de sua essência, seja sob a perspectiva de seus mo<strong>do</strong>s. A<br />

garantia divina assevera a correspondência de uma ideia clara e distinta com a<br />

realidade, e o sujeito concebe clara e distintamente que de uma coisa completa<br />

pode ser excluso tu<strong>do</strong> o mais. Ora, a substância pensante é concebida como<br />

completa ten<strong>do</strong> como atributo apenas o pensamento, sua essência. Concebe ainda<br />

o corpo como completo com seu atributo de extensão. Logo, o sujeito tem a ideia<br />

clara e distinta de que ambos são independentes, já que percebi<strong>do</strong>s como duas<br />

coisas completas. A ideia clara e distinta de que estas duas substâncias completas<br />

são independentes e que há uma incompatibilidade absoluta entre seus atributos<br />

principais, bem como de seus mo<strong>do</strong>s, revela ao entendimento que corpo e alma são<br />

realmente distintos. Conceben<strong>do</strong> duas substâncias diferentes, cada uma com um<br />

atributo específico que lhe permite ser percebida, a distinção real entre ambas é<br />

também uma ideia clara e distinta, ten<strong>do</strong>, portanto, o aval divino. Assim sen<strong>do</strong>, a<br />

distinção real é efetuada pela substância pensante, que reconhece primeiramente<br />

sua natureza completa e ao fazê-lo distingue-a de tu<strong>do</strong> o mais. Como se não<br />

bastasse, constata ainda a substância corpórea e sua natureza independentemente,<br />

o que corrobora uma incomensurabilidade entre esta e a substância pensante.<br />

Corpo e alma são realmente distintos, para Descartes, pois cada um pode ser<br />

concebi<strong>do</strong> como substância completa independentemente da outra, cujos atributos<br />

principais são incompatíveis entre si e, para que seja constatada tal distinção, basta<br />

apenas a atuação <strong>do</strong> pensamento.<br />

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Bibliografia utilizada:<br />

DESCARTES, René. Discurso <strong>do</strong> Méto<strong>do</strong>. 2 ed. In: Os pensa<strong>do</strong>res. São Paulo: Abril<br />

Cultural, 1979.<br />

________________. Meditações Metafísicas. 2 ed. In: Os pensa<strong>do</strong>res. São Paulo:<br />

Abril Cultural, 1979.<br />

________________. Objeções e respostas. 2 ed. In: Os pensa<strong>do</strong>res. São Paulo:<br />

Abril Cultural, 1979.<br />

________________. Princípios da Filosofia. Coordena<strong>do</strong>r da trad.: Gui<strong>do</strong> Antônio de<br />

Almeida. Edição Bilíngue. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002.<br />

COTTINGHAM, John. Dicionário Descartes. Tradução: Helena Martins. Rio de<br />

Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.<br />

LANDIM, Raul Filho. Evidência e verdade no sistema cartesiano. São Paulo: Edições<br />

Loyola, 1992.<br />

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UMA LEITURA DE GÓRGIAS, DE PLATÃO<br />

Palavras-chave: retórica, persuasão, justiça, verdade, felicidade.<br />

Patrícia <strong>do</strong>s Santos Pinto - IESSA<br />

sppati10@gmail.com<br />

Maristela Carneiro - IESSA<br />

grifinoria15@hotmail.com<br />

Ateniense, Platão (427 a.C – 347 a.C) nos transmitiu a maior parte <strong>do</strong> seu<br />

pensamento por intermédio <strong>do</strong>s seus escritos dialógicos, onde é figura recorrente o<br />

personagem Sócrates, <strong>do</strong> qual Platão foi discípulo durante a juventude.<br />

Ao discutir temas múltiplos, tais como a imortalidade e o destino, a educação <strong>do</strong><br />

indivíduo para a justiça em si mesmo e na cidade e, até mesmo, o desejo amoroso e<br />

o movimento imanente da alma; a filosofia platônica certamente não era um sistema<br />

fecha<strong>do</strong>, mas manifestava-se por intermédio <strong>do</strong> diálogo filosófico inquisitivo, a partir<br />

de situações concretas.<br />

Na filosofia platônica a correspondência com a realidade se encontra num méto<strong>do</strong><br />

para se atingir o ideal, pela superação <strong>do</strong> senso comum como resposta a uma<br />

situação histórica ilegítima e injusta, colocan<strong>do</strong>-se como motor de transformação da<br />

realidade.<br />

No diálogo Górgias, podemos notar um momento de luta política em oposição à<br />

sofística, que ensinava a arte de convencimento por intermédio de manipulações de<br />

crenças e interesses. Nos diálogos, Platão propunha-se à percepção da essência<br />

das coisas, a natureza <strong>do</strong> objeto em pauta.<br />

De conteú<strong>do</strong> que nos é contemporâneo, ―Górgias, ou da retórica‖, a partir da<br />

discussão em torno da retórica, como o próprio nome indica, equaciona um<br />

complexo de questões: ―princípios de actuação <strong>do</strong>s homens <strong>do</strong> <strong>Esta<strong>do</strong></strong>, natureza e<br />

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função da propaganda política, crise <strong>do</strong>s valores tradicionais, ideal de realização<br />

humana.‖ (PULQUÉRIO, p. 9)<br />

Em uma sociedade fechada, como a ateniense de Platão, as relações entre os<br />

indivíduos eram possibilitadas através <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio da lei, com o reconhecimento<br />

efetivo <strong>do</strong>s direitos de cada um, expressamente defini<strong>do</strong>s pelo acor<strong>do</strong> geral. E é a<br />

função da lei, como defini<strong>do</strong>ra de limites, segun<strong>do</strong> Pulquério, que é colocada como<br />

objeto de controvérsia no diálogo. ―Sempre os limites provocaram alguns homens à<br />

aventura da transgressão.‖ (PULQUÉRIO, p. 10)<br />

Podemos dividir ―Górgias‖ em três partes essenciais, de acor<strong>do</strong> com os principais<br />

interlocutores de Sócrates: Górgias, Polo e Cálicles, respectivamente, além da<br />

introdução e <strong>do</strong> epílogo.<br />

Para Górgias, a retórica é a ciência <strong>do</strong>s discursos; toda a ação e a eficácia desta<br />

ciência se realizam por intermédio da palavra, <strong>do</strong>s discursos, sobretu<strong>do</strong> os de<br />

caráter jurídico e político. Ainda, proporciona a quem os possui liberdade para si e<br />

<strong>do</strong>mínio sobre os demais.<br />

A retórica, destarte, define-se para o interlocutor como a capacidade de persuasão,<br />

ou seja, não se define por aquilo que é, mas sim pelos efeitos que provoca,<br />

consideran<strong>do</strong>-se que esta arte permite persuadir o público sobre a verdade e a<br />

justiça de um da<strong>do</strong> posicionamento, independentemente da mesma ser de fato<br />

verdadeira ou falsa, justa ou injusta. Isto posto, ―a retórica é obreira da persuasão<br />

que gera a crença, não o saber, sobre o justo e o injusto.‖ (p.40) Ao prescindir <strong>do</strong><br />

conhecimento, é uma arte da verossimilhança, posto que as palavras não<br />

manifestam a verdade das coisas, pois o seu uso na retórica não tem em vista<br />

exprimir o que as coisas são, mas antes provocar emoções e sentimentos nos<br />

ouvintes.<br />

Em suma, para Sócrates a retórica, enquanto técnica, cuja função é apenas<br />

persuadir as pessoas, conforme aduz Górgias, não serve para ensinar ou produzir o<br />

verdadeiro conhecimento.<br />

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A segunda parte <strong>do</strong> diálogo, cujo interlocutor passa a ser Polo, é pautada na<br />

discussão sobre a natureza e a utilidade da retórica. Este interlocutor renova a<br />

afirmação de que a arte da retórica é a mais bela de todas. Para Sócrates, ao<br />

contrário, a retórica não é uma arte, mas uma atividade empírica que se destina a<br />

produzir adulação e prazer; não se trata de um poder que possa trazer o bem aquele<br />

que a possui, pois através da retórica a realidade é substituída pela ilusão, e o Bem<br />

pelo prazer imediato.<br />

Para Sócrates os retóricos não poderiam ser os mais poderosos, visto que não usam<br />

a razão nem tem ciência <strong>do</strong> bem, somente julgam conhecê-lo e, ato contínuo,<br />

também julgam agir em função <strong>do</strong> mesmo. O poder sem o uso da razão é um mal<br />

que prejudica a to<strong>do</strong>s, pois traz a injustiça e a infelicidade. A felicidade viria da<br />

bondade e da virtuosidade na justiça, ou seja, a felicidade reside em agir de acor<strong>do</strong><br />

com a razão e segun<strong>do</strong> a justiça. O retórico pode trabalhar contra essa proposição,<br />

quan<strong>do</strong> em um tribunal defende um acusa<strong>do</strong> sem procurar a verdade, pois essa<br />

liberta tanto quem sofreu a injustiça quanto quem a cometeu, porque ―a acção<br />

praticada tem a mesma qualidade da acçao sofrida.‖ (PLATÃO, p.98).<br />

Isto posto, a justiça é a mais bela das artes, a que liberta a alma <strong>do</strong> homem da<br />

injustiça e da intemperança, muito embora seja melhor não contrair o mal a ser<br />

liberta<strong>do</strong> <strong>do</strong> mesmo.<br />

Faz-se pertinente observar que o raciocínio de Sócrates baseia-se na admissão de<br />

que o ser humano é constituí<strong>do</strong> por um corpo e por uma alma. De forma paralela a<br />

esta dicotomia, é que o autor indica as artes que têm por objeto o bem da alma: a<br />

legislação e a justiça.<br />

No terceiro e último diálogo de ―Górgias‖, onde o interlocutor de Sócrates é Cálicles,<br />

apresenta-se uma distinção entre verdade, justiça e bem, segun<strong>do</strong> a natureza e<br />

segun<strong>do</strong> a convenção.<br />

Ao contrário <strong>do</strong> prazer, de características imediatas, o bem possui a natureza <strong>do</strong><br />

imperecível, não se prende ao sensível nem ao imediato, mas permanece para além<br />

<strong>do</strong> que se corrompe.<br />

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Sócrates ressalta que a ordem e a harmonia da alma chamam-se disciplina e lei e<br />

tornam os cidadãos justos e regra<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> em que consistem a justiça e a<br />

sabe<strong>do</strong>ria.<br />

Para sintetizar, a retórica <strong>do</strong>s politícos é eloquência vã, que não se interessa em<br />

tornar as almas melhores e, neste senti<strong>do</strong>, não excede a mera adulação; é somente<br />

um fazer empiríco que cria persuasão e aparência de conhecimento, como sofisma.<br />

A retórica somente terá senti<strong>do</strong> se aliada às virtudes <strong>do</strong> bem e da justiça, em um<br />

alma temperante.<br />

E é esse caminho que conduzirá a felicidade. Além disso, tal prática em conjunto<br />

possibilitará a abordagem política ou a deliberação de qualquer matéria. Conclui<br />

Sócrates: ―o melhor caminho a seguir é o exercício da justiça e das outras virtudes,<br />

na vida como na morte. Escutemos o seu apelo e convidemos os outros a proceder<br />

como nós, porque esses princípios em que acreditas e em nome <strong>do</strong>s quais me<br />

exortas são, realmente, sem valor, Cálicles.‖ (PLATÃO, p.213).<br />

Em suma, podemos colocar que a obra platônica aborda através da procura <strong>do</strong><br />

conceito de retórica toda a relação construída na sociedade através da mesma, e o<br />

significa<strong>do</strong> que um retórico pode dar a seu discurso, trazen<strong>do</strong> ou afastan<strong>do</strong> o bem e<br />

a felicidade.<br />

Referências<br />

PLATÃO. Górgias, ou da Retórica. Lisboa: Edições 70, s/n.<br />

PULQUÉRIO, Manuel de Oliveira. Introdução. In: Górgias, ou da Retórica. Lisboa:<br />

Edições 70, s/n.<br />

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A PÓS-HUMANIDADE NO CINEMA DE CRONENBERG<br />

Wyllian Eduar<strong>do</strong> de Souza Correa<br />

Universidade Estadual <strong>do</strong> Centro-Oeste<br />

Palavras-chave: Cinema; Filosofia Contemporânea; Pós-humanidade<br />

weduar<strong>do</strong>@gmail.com<br />

O cinema <strong>do</strong> canadense David Cronenberg é visceral. Isso toman<strong>do</strong> o termo em<br />

to<strong>do</strong>s os seus senti<strong>do</strong>s. Nele encontramos a projeção da simbiose entre o humano e<br />

o maquínico em suas diferentes estratificações, seja na percepção da realidade e de<br />

si ou mesmo impresso no próprio corpo de seus personagens, principal elemento em<br />

cena, em obras marcadas pelo estranhamento, sexualidade e horror.<br />

O pós-humano resultante de suas tramas se torna interessante fonte de análise<br />

diante das inúmeras questões, em especial, da subjetivação homem-máquina. Por<br />

isso neste presente trabalho estabelece-se um diálogo entre a filosofia<br />

contemporânea e a subjetividade na produção de Cronenberg. ―No texto<br />

cronenberguiano a ênfase está na figuração <strong>do</strong> corpo como local de conflito<br />

psicossexual, social e político. Estamos diante de filmes em que não mais se<br />

dramatiza a dualidade corpo-mente, e sim uma realidade tricotômica de corpo,<br />

mente e maquina‖ (VIEIRA, 2003, p. 336).<br />

Como exemplo, em Videodrome (1983) uma frequência de televisão desenvolve<br />

uma nova região <strong>do</strong> cérebro, e o próprio corpo passa a se alimentar de máquinas,<br />

dan<strong>do</strong> origem a uma ―nova carne‖. Um cientista passa por uma lenta e <strong>do</strong>lorosa<br />

transformação em A mosca (1986), após experiências com um aparelho de tele<br />

transporte. Em Crash (1996) a relação entre pessoas e carros ganha uma<br />

sexualidade perturba<strong>do</strong>ra e destrutiva; eXistenZ (1998) mostra o corpo novamente<br />

alvo de implantes, que permitem aos seus usuários o acesso à realidade alternativa<br />

de um jogo, com o uso joysticks cria<strong>do</strong>s como animais e armas feitas de ossos.<br />

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Em suas fábulas contemporâneas, a problemática <strong>do</strong> desenvolvimento científico e<br />

tecnológico não ocorre em disputas externas, com robôs, armas laser e toda<br />

arquitetura e parafernália comum a ficção científica <strong>do</strong>s blockbusters<br />

hollywoodianos. O confronto se faz de maneira interna aos sujeitos, presos a<br />

situações bizarras e escatológicas, geralmente provocadas por suas mentes ou<br />

iniciadas em seus próprios corpos, que, para Cronenberg, não existem de maneiras<br />

distintas. ―Só existe um único elemento carnal. Estou consertan<strong>do</strong> uma falha<br />

cartesiana.‖ (KAUFMAN, 2003)<br />

Uma ―nova carne‖ é então profetizada em meio a subjetivações dilaceradas pela<br />

mídia, biotecnologia e das configurações socioeconômicas. Scott Bukatman (1994),<br />

em seu estu<strong>do</strong> sobre o pensamento teórico e a ficção científica <strong>do</strong> final <strong>do</strong> século<br />

passa<strong>do</strong>, destaca a existência de uma ―identidade terminal‖, que manifesta não só<br />

as ansiedades, mas também os anseios humanos diante das possibilidades<br />

maquínicas. O homem estaria escapan<strong>do</strong> de si para um abismo indefini<strong>do</strong> ou um<br />

mun<strong>do</strong> de novas perspectivas.<br />

Como aponta Deleuze (1985 e 1990), o cinema propiciaria uma lógica diferenciada,<br />

sen<strong>do</strong> essencial para entender a forma e o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> imaginário pós-humano.<br />

Nietzsche já discutia sobre as possibilidades <strong>do</strong> Übermensch, um homem além da<br />

existência mediana da Modernidade, resgata<strong>do</strong> equivocadamente pelo ideal ariano<br />

<strong>do</strong> nazismo.<br />

Deleuze e Guattari com a sua filosofia <strong>do</strong> desejo apontam para a construção e o<br />

desenvolvimento de um corpo sem órgãos (CsO), conceito forma<strong>do</strong> através da<br />

literatura de Artaud, como sen<strong>do</strong> uma prática que levaria além das estratificações<br />

impostas ao corpo. ―O CsO é o que resta quan<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> foi retira<strong>do</strong>. E o que se retira<br />

é justamente o fantasma, o conjunto de significâncias e subjetivações‖ (DELEUZE;<br />

GUATTARI, 1997, p.12).<br />

Com as novas tecnologias, os entusiastas observam que não só uma pós-<br />

humanidade seria possível, mas até mesmo destino certo. A nanotecnologia, por<br />

exemplo, é apontada como a chave para um futuro pós-humano. ―Poderíamos<br />

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desenhar corpos novos e melhores, ou simplesmente viver com padrões de<br />

informação existentes nas redes de computa<strong>do</strong>res, como se fossemos fantasmas de<br />

um vasto maquinismo‖ (ELLIOTT, 2003).<br />

Atualmente, alguns teóricos atentam sobre uma transmutação ontológica, realizada<br />

no movimento duplo em que a evolução biotecnológica, realizada pelo próprio<br />

homem, insere elementos ao seu cotidiano que rompem com a tradicional fronteira<br />

entre o natural e o artificial, alteran<strong>do</strong> também as formas de subjetivação,<br />

fragmentada pelo constructo pós-moderno.<br />

Em Crash (1996), acompanhamos o que Deleuze trataria como uma experiência no<br />

campo das intensidades. Corpo e máquina comungam de uma violência<br />

sexualizada, representada pela exploração <strong>do</strong>s acidentes de trânsito e de seu<br />

potencial destrui<strong>do</strong>r, sem estabelecer uma moralidade, mas simplesmente a<br />

intensidade e fascínio. ―A carne e o metal se fundem não num organismo<br />

cibernético, mas numa massa indiferenciada, em vez da construção custosa e<br />

racional, o que fascina é a sua desintegração erótica, violenta e primitiva‖<br />

(RÜDIGER, 2006, p.53).<br />

São as próprias entranhas <strong>do</strong>s personagens cronenberguianos que lhes manifestam<br />

uma potência até então ignorada, e não uma alteridade gerada por fatores externos.<br />

É no convívio com essa nova condição que se desenrola o enre<strong>do</strong>, pelo esta<strong>do</strong><br />

gera<strong>do</strong> da fusão com um ser-outro, como o homem-inseto de A mosca (1986). ―O<br />

híbri<strong>do</strong>, nesse caso, torna-se sinônimo de degeneração, lugar das aberrações<br />

orgânicas e tecnológicas, que renega a assepsia em favor de um devir excretório em<br />

que o corpo exsuda tripas e órgãos atravessa<strong>do</strong>s pelo artifício‖ (ALTMANN, 2007,<br />

p.44).<br />

No cinema de Cronenberg encontramos uma análise de que a alteridade de um<br />

corpo impregna<strong>do</strong> pela tecnologia se mostra desenvolvida de maneira transgressiva<br />

e perversa, ocasionan<strong>do</strong> o caos subjetivo resulta<strong>do</strong> da transmutação corpórea, em<br />

uma desterritorialização que converte o corpo em espaço aberto para um devir pós-<br />

humano.<br />

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O cinema, assim como as demais artes, projeta ansiedades e anseios, sen<strong>do</strong><br />

também fonte para novas formas <strong>do</strong> pensar. Enquanto fábula, ele tem a liberdade de<br />

expressar até mesmo ideias que soam delirantes. Porém, no momento em que<br />

teóricos contemporâneos apontam para uma fragmentação das subjetividades e o<br />

cotidiano se encontra cada vez mais mina<strong>do</strong> por mídias portáteis, realidade virtual,<br />

engenharia genética, cirurgias plásticas e próteses para os mais diversos fins, há um<br />

indicativo de que a própria condição humana pode ser afetada por seu<br />

desenvolvimento.<br />

Bibliografia<br />

ALTMANN, Eliska. O corpo-máquina de Cronenberg sob a luz pictórica de Bacon:<br />

fábulas <strong>do</strong> devir-outro. Alceu, Rio de Janeiro, v. 7, p. 41-54, 2007.<br />

BUKATMAN, Scott. Terminal Identity: the Virtual Subject in Post-Modern Science<br />

Fiction. Lon<strong>do</strong>n: Duke University Press, 1994.<br />

DELEUZE, Gilles. Cinema: imagem-movimento. São Paulo: Editora Brasiliense,<br />

1985.<br />

______. Cinema II: imagem-tempo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990.<br />

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São<br />

Paulo: Ed. 34, 1997. Vol. 3<br />

ELLIOTT, Carl. Transhumanism: Humanity 2.0 Wilson Quarterly, 2003.<br />

KAUFMAN, Anthony. David Cronenberg on ―Spider‖: ―Reality Is What You Make Of<br />

It‖, 2003. Disponível em:<br />

Acesso em 03 jun. 2009.<br />

RÜDIGER, Francisco. A dialética entre homem e máquina no cinema<br />

contemporâneo. Logos, Rio de Janeiro, v. 24, p. 51-67, 2006<br />

VIEIRA, João Luiz. Anatomias <strong>do</strong> visível: cinema, corpo e a máquina da ficção<br />

científica. In: NOVAES, Adauto (org.). O homem-máquina: a ciência manipula o<br />

corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.<br />

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CARÁTER EMPÍRICO E CARÁTER INTELIGÍVEL NA PRIMEIRA CRÍTICA<br />

Fabiano Queiroz da Silva<br />

Mestran<strong>do</strong> UNICAMP/ Bolsista FAPESP<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Zeljko Loparic<br />

fabifilosofia@hotmail.com<br />

Palavras-chave: Causalidade natural, Causalidade inteligível, Caráter empírico,<br />

Caráter inteligível, Causalidade da razão.<br />

Na Crítica da Razão Pura, segun<strong>do</strong> Zeljko Loparic, Kant apresenta uma teoria de<br />

solubilidade <strong>do</strong>s problemas necessários da razão pura, na qual a solução <strong>do</strong><br />

problema chave da filosofia transcendental, a saber, como são possíveis juízos<br />

sintéticos a priori?, é tomada como instrumento fundamental para a resolução de<br />

uma outra questão, cuja importância faz-se notável: a investigação da capacidade<br />

da razão humana de resolver problemas, para que se delimite o campo de suas<br />

pesquisas (cf. LOPARIC, 2005b, p. 14).<br />

A partir desta tese, analisarei, neste trabalho, os conceitos de caráter empírico e<br />

caráter inteligível expostos, na primeira Crítica, por Kant. Com tal meta, recorrerei à<br />

Dialética Transcendental, pois é na Nona Secção: Do uso empírico de princípio<br />

regula<strong>do</strong>r da razão relativamente a todas as ideias cosmológicas, no tópico III.<br />

Solução das ideias cosmológicas que dizem respeito à totalidade da derivação <strong>do</strong>s<br />

acontecimentos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> a partir das suas causas, no sub-tópico Possibilidade da<br />

causalidade pela liberdade, em acor<strong>do</strong> com a lei universal da natureza, em que o<br />

filósofo trabalha com <strong>do</strong>is conceitos de causalidade, a saber, a inteligível e a<br />

sensível, evidencian<strong>do</strong> o papel <strong>do</strong> idealismo transcendental na solução da terceira<br />

antinomia:<br />

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Ich nenne dasjenige an einem Gegenstande der Sinne, was selbst nicht<br />

Erscheinung ist, intelligibel. Wenn demnach dasjenige, was in der<br />

Sinnenwelt als Erscheinung angesehen warden muß, an sich selbst auch<br />

ein Vermögen hat, welches kein Gegenstand der sinnlichen Anschauung<br />

ist, wodurch es aber <strong>do</strong>ch die Ursache von Erscheinungen sein kann: so<br />

kann man die Kausalität dieses Wesens auf zwei Seiten betrachten, als<br />

intelligibel nach ihrer Handlung, als eines Dinges an sich selbst, und als<br />

sensibel, nach den Wirkungen derselben, als einer Erscheinung in der<br />

Sinnenwelt (KrV, A 538/ B 566) 1 .<br />

Aplican<strong>do</strong>-se isto ao agente moral, pode-se dizer que ele é <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de um caráter<br />

empírico e de um outro inteligível. O primeiro, a partir da causalidade natural, faria<br />

com que as suas ações estivessem encadeadas com os outros fenômenos da<br />

natureza. Seria, portanto, um determinismo absoluto, pois as ações de um sujeito<br />

não seriam apenas causas, mas também causadas, não haven<strong>do</strong> possibilidade<br />

alguma <strong>do</strong> agir livre:<br />

Nach seinem empirischen Charakter würde also dieses Subjekt, als<br />

Erscheinung, allen Gesetzen der Bestimmung nach, der Kausalverbindung<br />

unteworfen sein, und es wäre so fern nichts, als ein Teil der Sinnenwelt,<br />

dessen Wirkungen, so wie jede andere Erscheinung, aus der Natur<br />

unausbleiblich abflössen. So wie äußere Erscheinungen in dasselbe<br />

einflössen, wie sein empirischer Charakter, d. i. das Gesetz seiner<br />

Kausalität, durch Erfahrung erkannt wäre, müßten sich alle seine<br />

Handlungen nach Naturgesetzen erklären lassen, und alle Requisite zu<br />

1 Chamo inteligível, num objecto <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s, ao que não é propriamente fenómeno. Por<br />

conseguinte, se aquilo que no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s deve considerar-se fenómeno tem em si mesmo<br />

uma faculdade que não é objecto da intuição sensível, mas em virtude da qual pode ser, não<br />

obstante, a causa de fenómenos, podemos considerar então de <strong>do</strong>is pontos de vista a causalidade<br />

deste ser: como inteligível, quanto à sua acção, considerada a de uma coisa em si, e como sensível<br />

pelos seus efeitos, enquanto fenómeno no mun<strong>do</strong> sensível (Trad: Manuela Pinto <strong>do</strong>s Santos e<br />

Alexandre Fradique Morujão).<br />

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einer vollkommenen und notwendigen Bestimmung derselben müßten in<br />

einer möglichen Erfahrung angetroffen werden (KrV, A 540/ B 568) 1 .<br />

Apesar disso, devi<strong>do</strong> ao caráter inteligível, garante-se a possibilidade lógica da<br />

liberdade ao agente causal, justamente por ele poder participar de um outro <strong>do</strong>mínio<br />

que não o empírico, no qual a segunda analogia da experiência é incontornável:<br />

Nach dem intelligibelen Charakter desselben aber (...) würde dasselbe<br />

Subjekt dennoch von allem Einflusse der Sinnlichkeit und Bestimmung<br />

durch Erscheinungen freigesprochen werden müssen, und, da in ihm, so<br />

fern es Noumenon ist, nichts geschieht, keine Veränderung, welche<br />

dynamische Zeitbestimmung erheischt, mithin keine Verknüpfung mit<br />

Erscheinnungen als Ursachen angetroffen wird, so würde dieses tätige<br />

Wesen so fern in seinen Handlungen von aller Naturnotwendigkeit, als<br />

Ursachen angetroffen wird, so würde dieses tätige Wesen so fern in seinen<br />

Handlungen von aller Naturnotwendigkeit, als die lediglich in der Sinnenwelt<br />

angetroffen wird, unabhängig und frei sein (KrV, A 541/ B 569) 2 .<br />

Por fim, como apresenta Kant no próximo sub-tópico, cujo título é Esclarecimento da<br />

idéia cosmológica de uma liberdade em união com a necessidade universal da<br />

natureza, o homem deve ser visto, por conta destas duas formas de caráter,<br />

conforme <strong>do</strong>is pontos de vista, a saber, o empírico e o inteligível. Primeiramente, o<br />

homem deve ser visto como um fenômeno qualquer da natureza. Em contrapartida,<br />

1 Pelo seu caráter empírico, este sujeito estaria submeti<strong>do</strong>, enquanto fenómeno, a todas as leis da<br />

determinação segun<strong>do</strong> o encadeamento causal e, sen<strong>do</strong> assim, nada mais seria <strong>do</strong> que uma parte <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> sensível, cujos efeitos, como qualquer outro fenómeno, decorreriam inevitavelmente da<br />

natureza. Assim como os fenómenos exteriores influem nele, assim como o seu caráter empírico, ou<br />

seja, a lei de causalidade, seria conhecida pela experiência, assim também todas as suas acções se<br />

deveriam poder explicar por leis naturais e to<strong>do</strong>s os requisitos para a sua determinação completa e<br />

necessária se deveriam encontrar numa experiência possível (Trad: Manuela Pinto <strong>do</strong>s Santos e<br />

Alexandre Fradique Morujão).<br />

2 Pelo seu caráter inteligível porém (...) teria esse mesmo sujeito de estar liberto de qualquer<br />

influência da sensibilidade e de toda a determinação por fenómenos; e como nele, enquanto númeno,<br />

nenhuma mudança acontece que exija uma determinação dinâmica de tempo, não se encontran<strong>do</strong><br />

nele, portanto, qualquer ligação com fenómenos enquanto causas, este ser activo seria, nas suas<br />

acções, independente e livre de qualquer necessidade natural como a que se encontra unicamente<br />

no mun<strong>do</strong> sensível (Trad: Manuela Pinto <strong>do</strong>s Santos e Alexandre Fradique Morujão).<br />

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também deve ser visto como númeno, devi<strong>do</strong> ao fato da sua razão ser detentora de<br />

uma causalidade que possibilita pensarmos um rompimento com as conexões<br />

causais da natureza 1 . Deste mo<strong>do</strong>, a razão, caso seja tomada como efetiva, iniciaria,<br />

por si mesma, uma cadeia de acontecimentos, de um ponto de vista em que eles<br />

não estariam submeti<strong>do</strong>s às leis imutáveis da natureza 2 . Isto se torna possível,<br />

porque:<br />

(...) die Bedingung, die in der Vernunft liegt, ist nicht sinnlich, und fängt also<br />

selbst nicht an. Demnach findet alsdenn dasjenige statt, was wir in allen<br />

empirischen Reihen vermißten: daß die Bedingung einer sukzessiven Reihe<br />

von Begebenheiten selbst empirischunbedingt sein konnte. Denn hier ist die<br />

Bedingung außser der Reihe der Erscheinungen (im Intelligibelen) und<br />

mithin keiner sinnlichen Bedingung und keiner Zeitbestimmung durch<br />

vorhergehende Ursache unterworfen (KrV, A 552/ B 580) 3 .<br />

Neste senti<strong>do</strong>, como já foi vislumbra<strong>do</strong>, o homem, apesar <strong>do</strong> seu caráter empírico,<br />

no qual as suas ações, por serem fenômenos, encontram-se encadeadas com<br />

outros fenômenos e sob a alçada das leis da natureza, devi<strong>do</strong> ao seu caráter<br />

inteligível, tem assegura<strong>do</strong> uma insubordinação às condições da sensibilidade,<br />

independentemente de quais sejam. Em outras palavras, através <strong>do</strong> seu caráter<br />

empírico, o sujeito seria, enquanto fenômeno, mais um elemento decorri<strong>do</strong> na<br />

natureza. Não obstante, devi<strong>do</strong> ao seu caráter inteligível, ―(...) teria este mesmo<br />

1 Apesar <strong>do</strong>s objetos da sensibilidade serem fenômenos, sujeitos à causalidade natural, eles também<br />

possuem uma causalidade inteligível, pertencente ao objeto transcendental. Devi<strong>do</strong> a isso, assim<br />

como o agente moral, tais objetos também possuem um duplo caráter. Não obstante, por não<br />

possuírem as faculdades necessárias que garantem a apercepção, a saber, o entendimento e a<br />

razão, eles não podem ser considera<strong>do</strong>s livres como o agente. Eles não são detentores de um<br />

arbitrium liberum como o último, sen<strong>do</strong>, por conseguinte, apenas sensivelmente condiciona<strong>do</strong>s.<br />

2 Aqui, Kant está abordan<strong>do</strong> o conceito de causalidade da razão.<br />

3 (...) a condição que se encontra na razão não é sensível e, portanto, ela mesma não começa. Sen<strong>do</strong><br />

assim, verifica-se então aqui o que nos faltava em todas as séries empíricas, a saber, que a condição<br />

de uma série sucessiva de acontecimentos possa ser, ela mesma, empiricamente incondicionada.<br />

Porque aqui a condição se encontra fora da série <strong>do</strong>s fenómenos (no inteligível) e, por conseguinte,<br />

não está submetida a qualquer condição sensível e a qualquer determinação de tempo mediante uma<br />

causa anterior (Trad: Manuela Pinto <strong>do</strong>s Santos e Alexandre Fradique Morujão).<br />

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sujeito de estar liberto de qualquer influência da sensibilidade e de toda a<br />

determinação por fenômenos (...)‖ (KrV, A 541/ B 569), poden<strong>do</strong>, então, decidir-se a<br />

agir contra os impulsos da natureza. Assim, fica ―(...) estabeleci<strong>do</strong> (...) que não há<br />

incompatibilidade entre natureza e liberdade e que um ser natural pode também<br />

comportar-se como um sujeito livre (...)‖ (LEBRUN, 1993, p. 93).<br />

Bibliografia<br />

KANT, IMMANUEL. Kritik der reinen Vernunft. In: Werke. Editadas por W.<br />

Weischedel. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgeselschaft, 2005, vol. II.<br />

_________. Crítica da Razão Pura. Trad: Manuela Pinto <strong>do</strong>s Santos e Alexandre<br />

Fradique Morujão. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001.<br />

LEBRUN, Gerard. Kant e o fim da Metafísica. Trad: Carlos Alberto Ribeiro da Moura.<br />

São Paulo: Martins Fontes, 1993.<br />

LOPARIC, Zeljko. A Semântica Transcendental de Kant. Campinas: UNICAMP,<br />

Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência, 2005.<br />

_________. Os problemas da razão e a semântica transcendental. In: Daniel Omar Perez.<br />

(Org.). Kant no Brasil. São Paulo: Editora Escuta, 2005b, v. 1, p. 213-229.<br />

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APONTAMENTOS EM TORNO DO CONCEITO DE LIBERDADE EM HANNAH<br />

ARENDT<br />

Willian Bento Barbosa<br />

Universidade Estadual <strong>do</strong> Centro Oeste - UNICENTRO<br />

wibarbosa@unicentro.br<br />

Palavras-chave: Hannah Arendt; Condição humana; Vida ativa; Ação; Liberdade.<br />

A presente comunicação tem por objetivo estabelecer algumas reflexões acerca da<br />

ideia de Liberdade em Hannah Arendt, sobretu<strong>do</strong> a ideia de liberdade explícita em<br />

sua obra ―The Human Condition‖ (1958). A noção de liberdade é investigada e<br />

problematizada à luz da concepção arendtiana de vida ativa, intrínseca à condição<br />

humana <strong>do</strong> homem corporificada nas condições <strong>do</strong> labor (labor), trabalho (work) e<br />

ação (action). A despeito da divisão tripartite da condição humana, podemos verificar<br />

que a liberdade somente se manifesta por intermédio da ação, no âmbito público da<br />

palavra; sen<strong>do</strong> descartada no âmbito priva<strong>do</strong> da vida ativa correspondente às<br />

esferas <strong>do</strong> labor e <strong>do</strong> trabalho.<br />

O estu<strong>do</strong> da liberdade se justifica representar um <strong>do</strong>s mais influentes pensamentos<br />

na concepção de vida ativa e da ideia de liberdade na era moderna e<br />

contemporânea. Uma liberdade que rompe com o tradicionalismo até então<br />

valoriza<strong>do</strong>. Devi<strong>do</strong> às dimensões de sua erudição, e de seu pensar fundamenta<strong>do</strong> a<br />

partir de suas experiências, vivenciadas em uma época histórica que refun<strong>do</strong>u sócio-<br />

político-econômica o mo<strong>do</strong> de viver e ver a política, sobretu<strong>do</strong> através das<br />

experiências <strong>do</strong> totalitarismo, o pensamento arendtiano ainda se mantém<br />

atualíssimo, poden<strong>do</strong> ser retoma<strong>do</strong> para refletir e entender sobre os tempos atuais,<br />

dilacera<strong>do</strong>s por guerras, nacionalismos e problemas diversos da política atual.<br />

Para a investigação sobre a questão da liberdade em Hannah Arendt, remetemo-nos<br />

primeiramente ao estu<strong>do</strong> acerca da condição humana <strong>do</strong> homem, evidencia<strong>do</strong> na<br />

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elaboração das três esferas da vida ativa (distinta da chamada vida contemplativa<br />

expressada pelo pensar, pelo querer e pelo julgar, expostos na obra “The live of the<br />

mind”, obra publicada postumamente que permaneceu inacabada no capítulo sobre<br />

o julgar). Para Arendt, a vida ativa compreende três atividades fundamentais<br />

corporificadas pelas condições <strong>do</strong> labor, <strong>do</strong> trabalho e da ação. O labor seria a<br />

atividade ligada ao atendimento das necessidades, circunscrito ao espaço da oikia<br />

grega. O resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> labor não é da<strong>do</strong> a permanecer no mun<strong>do</strong>, mas sucumbir no<br />

próprio ritmo <strong>do</strong> metabolismo natural humano, é o espaço <strong>do</strong> animal laborans.<br />

Diferentemente é a atividade <strong>do</strong> trabalho, que se volta para a construção de um<br />

mun<strong>do</strong> de permanências frente ao fluxo da natureza, visan<strong>do</strong> à própria construção<br />

de um mun<strong>do</strong> humano frente ao mun<strong>do</strong> natural. Rege-se pelo princípio da utilidade e<br />

tem como seu representante o homo faber. O trabalho, assim como o labor, não<br />

necessita <strong>do</strong> encontro com outras singularidades, poden<strong>do</strong> ser realizadas no<br />

isolamento. Em contraste com ambos, é a atividade da ação, que só se manifesta<br />

em conjunto, numa ―pluralidade de singularidade‖, segun<strong>do</strong> Arendt. É o espaço <strong>do</strong><br />

agir político e condição de existência da própria política, onde as ações são<br />

iluminadas através <strong>do</strong> discurso público, que exige um espaço específico distante<br />

tanto <strong>do</strong>s critérios de mera sobrevivência <strong>do</strong> labor quanto <strong>do</strong> utilitarismo <strong>do</strong> trabalho.<br />

É neste espaço <strong>do</strong> agir político, que a liberdade se fundamenta.<br />

Hannah Arendt e sua concepção de liberdade retomam o pensamento grego antigo<br />

pela experiência da polis grega, na qual a liberdade é intrínseca ao agir político.<br />

Ação e política são inimagináveis sem serem pensadas de acor<strong>do</strong> com a liberdade;<br />

a política sem a liberdade é destituída de senti<strong>do</strong>, e por isso que ela só pode ser<br />

demonstrada no âmbito da ação, no espaço público <strong>do</strong> agir; ação esta como já dita,<br />

pelo discurso, através <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio da palavra, <strong>do</strong> discurso, <strong>do</strong> logos, tal como que no<br />

senti<strong>do</strong> grego antigo era usada para distinguir-se <strong>do</strong>s bárbaros, e o homem livre <strong>do</strong>s<br />

escravos, pois na polis grega a condução <strong>do</strong>s assuntos públicos conduzi<strong>do</strong>s é por<br />

intermédio <strong>do</strong> discurso (grego peíthen – persuasão). É na vida ativa arendtiana,<br />

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fundamentalmente através <strong>do</strong> zoon politikon (animal político), no âmbito público, que<br />

a liberdade é da melhor forma demonstrada.<br />

Aqui, faz-se uma crítica a redução moderna <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio público e da liberdade à<br />

esfera privada <strong>do</strong> homem, <strong>do</strong> trabalho e <strong>do</strong> labor, tal como é trata<strong>do</strong> por Arendt, pois<br />

para os antigos, pode-se afirmar que a vida privada é menosprezada, sen<strong>do</strong> ela o<br />

impedimento da condição de liberdade pela ação <strong>do</strong> homem; o cerne <strong>do</strong> homem<br />

antigo grego é a polis e por essa concepção o homem é um ser político e social por<br />

essência. A liberdade, tal como presente na modernidade e contemporaneidade, é<br />

demonstrada fundamentalmente através das vertentes <strong>do</strong> liberalismo, é<br />

caracterizada pelo afastamento da atividade pública e política <strong>do</strong> homem. É a não<br />

intervenção da política na vida privada, no qual o homem é demonstra<strong>do</strong> pela<br />

preocupação com sua segurança, sobrevivência e necessidades humanas. A<br />

liberdade também assume os parâmetros de uma liberdade interior, pela concepção<br />

<strong>do</strong> livre arbítrio, sen<strong>do</strong> a liberdade humana como o <strong>do</strong>mínio interno da consciência,<br />

teorias estas fundamentalmente encontradas no perío<strong>do</strong> medieval,<br />

consubstanciadas pelo cristianismo.<br />

Conclui-se, com base nos argumentos apresenta<strong>do</strong>s, que a concepção arendtiana<br />

de liberdade caracteriza-se pela ação política, circunscrito ao âmbito público, tal<br />

como era concebi<strong>do</strong> na antiguidade grega. Arendt nega e critica, de fato, a<br />

concepção tradicionalizada pelo Liberalismo Moderno, que afirma que quanto mais<br />

política menos liberdade, tal como a afirmação de cre<strong>do</strong> liberal de que ―quanto mais<br />

política menos liberdade‖. Através fundamentalmente desses conceitos, tais como a<br />

vida ativa, liberdade, e ação, que Arendt tentará compreender a condição humana<br />

<strong>do</strong> homem no mun<strong>do</strong> moderno e contemporâneo, principalmente a partir da crise da<br />

política que chega até o presente, bem como eles representarão a base filosófica<br />

para a elaboração arendtiana <strong>do</strong>s conceitos de ação, poder e juízo político, muitas<br />

vezes em antagonismo com as elaborações da filosofia política tradicional.<br />

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Referencias bibliográficas<br />

ARENDT, Hannah. A Condição Humana. (Tradução Roberto Raposo). 10.ed. Rio de<br />

Janeiro: Forense Universitária, 2001.<br />

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EDUCAÇÃO/DISCIPLINA MODERNA NO PENSAMENTO FOUCAULTIANO<br />

Palavras-chave: Foucault, educação, filosofia, poder.<br />

Eduar<strong>do</strong> Alexandre Santos de Oliveira<br />

Graduan<strong>do</strong> em Filosofia – UNICENTRO<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Prof. Dr. Augusto Bach<br />

O presente trabalho busca investigar a educação na modernidade enquanto<br />

<strong>do</strong>ma<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> corpo e da alma <strong>do</strong>s indivíduos, por meio <strong>do</strong> pensamento <strong>do</strong> filósofo<br />

francês Michel Foucault.<br />

A inserção de práticas disciplinares faz com que os indivíduos sejam molda<strong>do</strong>s e<br />

subjetiva<strong>do</strong>s a ponto de torná-los corpos úteis e dóceis. Assim sen<strong>do</strong>, cabe-nos<br />

pesquisar o que levou a educação/disciplina a determina<strong>do</strong> objetivo.<br />

Tomar-se-á o exemplo da escola – principal instituição responsável por fabricar o<br />

sujeito – e sua relação com outras instituições disciplinares que lha deram origem.<br />

Entretanto, deve-se primeiramente aderir uma nova maneira de conceber o poder –<br />

peça fundamental para o prosseguimento deste labor.<br />

A questão <strong>do</strong> poder é uma consideração de grande importância para compreender a<br />

educação moderna necessitan<strong>do</strong> ser feita com cautela e rigor, e isso, Michel<br />

Foucault o fez com êxito. Nas análises <strong>do</strong> filósofo, o poder não pode ser restringi<strong>do</strong><br />

à formalidade <strong>do</strong>s aparelhos jurídicos, pois assim, torna-se impossível investigar a<br />

educação moderna e seus objetivos. Mas deve ele – o poder – ser estuda<strong>do</strong> em<br />

uma perspectiva diferente: trata-se de visualizá-lo, agora, como forma de micro-<br />

poder ou micro-política em meio a uma rede. Via de regra, isso significa dizer que<br />

não existe relações fora de seus <strong>do</strong>mínios.<br />

Por meio desse conceito inova<strong>do</strong>r, torna-se possível a observação dessa relação<br />

nas instituições escolares: o professor exerce um saber sobre o aluno que, por sua<br />

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vez, se adapta a essa noção. Em outras palavras, isso significa dizer que o pupilo<br />

―submete‖ seu poder ao <strong>do</strong> mestre.<br />

Com base nessa premissa, é viável atribuir uma consideração importante sobre o<br />

poder e suas relações. Podemos dizer que ele não visa excluir o indivíduo, muito<br />

pelo contrário, sua postura objetiva capturá-lo e, assim, cria-se um saber que vigora<br />

como um papel de verdade: trata-se <strong>do</strong> saber científico que se torna uma prática a<br />

<strong>do</strong>minar o indivíduo e normatizá-lo, ou seja, esse saber o controla e o disciplina e é<br />

aí que Foucault denomina a sociedade moderna como sociedade disciplinar.<br />

Através desta breve consideração sobre poder, cabe-nos cumprir a primeira parte da<br />

introdução desse trabalho: analisar a educação moderna enquanto ―<strong>do</strong>ma<strong>do</strong>ra da<br />

alma e <strong>do</strong> corpo‖ e apontar os motivos que a levaram a determinada postura.<br />

O poder disciplinar nasce devi<strong>do</strong> a mudanças na sociedade europeia. O poder que<br />

era atribuí<strong>do</strong> diretamente à figura <strong>do</strong> soberano, passa a ser ―conti<strong>do</strong>‖ numa<br />

instituição burocrática.<br />

No século XVII até o final <strong>do</strong> XVIII, a educação dava-se pelo suplício <strong>do</strong> corpo –<br />

evento esse que era apresenta<strong>do</strong> publicamente, ou seja, o castigo era forneci<strong>do</strong><br />

como espetáculo. O condena<strong>do</strong> era mutila<strong>do</strong> em público e assim, o perdão era<br />

extraí<strong>do</strong> através da <strong>do</strong>r de mo<strong>do</strong> que a morte não se dava de momento imediato. Na<br />

abertura de Vigiar e Punir: história da violência nas prisões, pode se ver um relato da<br />

Gazette d‟Admsterdam, que apresenta<strong>do</strong> por Foucault, mostra em detalhes o<br />

suplício de Damiens, condena<strong>do</strong> em 1757.<br />

Essa forma de castigo era um mo<strong>do</strong> de educar a população, mostran<strong>do</strong>-lhes o que<br />

poderia acontecer caso viessem a ir contra a vontade <strong>do</strong> soberano.<br />

No final <strong>do</strong> século XVIII, com a estruturação <strong>do</strong> capitalismo, aos poucos, o castigo<br />

através <strong>do</strong> corpo suplicia<strong>do</strong> passa a perder a importância. Com o surgimento das<br />

indústrias, torna-se necessário o corpo saudável e em plenas condições para a<br />

produção em série. Dessa forma, há a necessidade de uma outra maneira de<br />

punição que deva considerar o novo mo<strong>do</strong> econômico que vigora nesse perío<strong>do</strong><br />

para quem rompe o pacto social: eis o surgimento da prisão. Essa instituição tem por<br />

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finalidade, capturar to<strong>do</strong>s aqueles que são considera<strong>do</strong>s inúteis a tal estrutura<br />

econômica e adaptá-los à mesma. Nesse âmbito, a disciplina dar-se-ia em lugares<br />

fecha<strong>do</strong>s, calcula<strong>do</strong>s a ponto de vigiar o corpo <strong>do</strong> infrator. Para o progresso desse<br />

méto<strong>do</strong> disciplinar, é necessário individualizar a pessoa e agir sobre seu interior,<br />

objetivan<strong>do</strong>-o a uma ética capitalista e consequentemente sujeitan<strong>do</strong>-o.<br />

Foucault observa em seus estu<strong>do</strong>s que as atividades das prisões influenciaram<br />

diretamente as escolares. Os espaços fecha<strong>do</strong>s, calcula<strong>do</strong>s, com separação por<br />

fileiras, idade, por horários, têm por finalidade exercer um saber (verdade) sobre o<br />

aluno, a ponto de sujeitá-lo, moldan<strong>do</strong> seu interior para torná-lo viável ao meio de<br />

produção. O indivíduo torna-se ao mesmo tempo, sujeito e objeto <strong>do</strong> poder.<br />

Por meio <strong>do</strong> desenvolvimento dessa pesquisa, pode-se observar que a<br />

educação/disciplina na modernidade são objetos <strong>do</strong> poder. Eis o sucesso de<br />

Foucault em não restringir o poder no âmbito <strong>do</strong>s aparelhos jurídicos, e sim<br />

considerá-lo como micro-poderes que funcionam de mo<strong>do</strong> difuso.<br />

Também se notou que o jogo <strong>do</strong> poder – transferi<strong>do</strong> <strong>do</strong> soberano ao esta<strong>do</strong> – atuou<br />

de mo<strong>do</strong> positivo ao transformar a perspectiva educacional que, a partir <strong>do</strong> final<br />

século XVIII, versa sobre uma tendência capitalista. Por tanto, o surgimento da<br />

prisão que ao invés de punir o corpo <strong>do</strong> condena<strong>do</strong>, disciplinava-o tornan<strong>do</strong>-o apto<br />

às atividades desse novo sistema. Isso justifica o surgimento da escola –<br />

denominada pelo filósofo de governo <strong>do</strong> sequestro da infância – atua como uma<br />

maquinaria social que, por meio de atividades e de sua estrutura calculada, controla<br />

o corpo e o tempo <strong>do</strong>s indivíduos tornan<strong>do</strong>-os úteis e dóceis, sujeitan<strong>do</strong>-os a um<br />

saber científico. Além disso, essa análise permite provar o pretexto da educação<br />

moderna em separar o ―normal‖ e o ―anormal‖ afirman<strong>do</strong> o primeiro ser o<br />

normatiza<strong>do</strong> pela disciplina e o segun<strong>do</strong> como o que foge desse enquadramento<br />

tornan<strong>do</strong>-se causa<strong>do</strong>r da desordem social posteriormente.<br />

Essa estrutura social é comparada pelo pensa<strong>do</strong>r a exemplo <strong>do</strong> panopticon de<br />

Benthan, ―instituição‖ que vigia o corpo <strong>do</strong> indivíduo, regulan<strong>do</strong> através de práticas<br />

corretivas.<br />

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Outra consideração acerca desse estu<strong>do</strong> é de que essa perspectiva justifica o<br />

aparecimento de outras instituições disciplinares, tais como hospitais psiquiátricos e<br />

quartéis, que assim como a escola são corta<strong>do</strong>s pelas relações de poder.<br />

Referências<br />

CÉSAR, M. R. de A. Pensar a educação depois de Foucault. Dossiê Michel Foucault<br />

Revista Cult, n. 134, p. 54-56, 2009.<br />

FOUCAULT, M. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Trad. Lígia M.<br />

Ponde Vassalo. 34. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.<br />

JARDIM, A. F. C. Michel Foucault e a educação: o investimento político <strong>do</strong> corpo.<br />

Revista UNIMONTES Científica, Montes Claros, v.8 n.2, p. 103-118, jul./dez. 2006.<br />

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ASPECTOS DA REFUTAÇÃO DO IDEALISMO MATERIAL SOB A PERSPECTIVA<br />

APRESENTADA NA CRÍTICA DA RAZÃO PURA<br />

Marco Aurélio Fabretti<br />

Gradua<strong>do</strong> em Filosofia - UEM<br />

Orienta<strong>do</strong>ra: Profª Drª Andrea L. Bucchile Faggion<br />

Palavras-chave: refutação, idealismo, permanência, tempo, matéria<br />

marcofabretti@ymail.com<br />

Este trabalho visa expor como Kant compreende e refuta o idealismo dito material<br />

fundamenta<strong>do</strong> no pensamento cartesiano, no livro segun<strong>do</strong> de sua Analítica<br />

Transcendental da Crítica da razão pura. Começaremos pela distinção entre<br />

idealismo material <strong>do</strong>gmático e idealismo material problemático, cujos fundamentos<br />

se encontram na filosofia de Berkeley e na filosofia de Descartes, respectivamente, e<br />

partiremos para uma análise deste último. Sobre o idealismo material <strong>do</strong>gmático,<br />

seguiremos os passos <strong>do</strong> autor e apresentaremos somente o cerne da refutação<br />

pretendida a partir de elementos da estética transcendental, para podermos depois<br />

disso voltar nossos olhos para o já supracita<strong>do</strong> idealismo problemático. Tal idealismo<br />

aceita nossa experiência imediata de nós mesmos como verdade e garante com isso<br />

a existência de um eu pensante; no entanto, o faz em detrimento de uma realidade<br />

exterior, que é considerada indemonstrável segun<strong>do</strong> o pressuposto da dúvida<br />

universal cartesiana na visão kantiana; diga-se visão kantiana, pois o próprio<br />

Descartes aceitara a realidade exterior; no entanto, a preeminência que o francês dá<br />

à idéia sobre a matéria fará com que Kant assuma a discussão em defesa desta<br />

realidade exterior, tentan<strong>do</strong> demonstrá-la não mais como um apêndice e sim como<br />

um elemento necessário à visão idealista. Kant aceitará, portanto, em partes este<br />

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idealismo: há a concepção de nós mesmos e esta é certa, segun<strong>do</strong> nosso autor;<br />

porém, diferentemente <strong>do</strong>s idealistas materiais, Kant não implicará daí a<br />

impossibilidade de demonstração da realidade exterior, pelo contrário: conceden<strong>do</strong><br />

este pressuposto, a saber, a certeza de nossa própria experiência interna, buscará<br />

implicar a necessidade de algo exterior a nós mesmos que fundamente esta certeza.<br />

Para isso, Kant utilizará de <strong>do</strong>is pressupostos, a saber, o de que toda experiência é<br />

determinada no tempo e o de que em toda mudança <strong>do</strong>s fenômenos, ou seja, toda<br />

sucessão objetiva no tempo só pode ser determinada sob a condição de uma<br />

substância que permanece, o que nada mais é <strong>do</strong> que o princípio da permanência<br />

da substância exposto por nosso autor na primeira analogia da experiência, num<br />

momento anterior da obra a qual analisamos. O uso destes pressupostos por nosso<br />

autor implicará, como não poderia deixar de ser, em considerações acerca de suas<br />

formulações, ainda que a amplitude das possibilidades de considerações desta<br />

qualidade não permita um aprofundamento maior, sob a pena de discorrermos<br />

excessivamente sobre pontos não diretamente relaciona<strong>do</strong>s a nosso trabalho ou<br />

pontos que não poderiam ser alcança<strong>do</strong>s no âmbito de uma comunicação. Portanto,<br />

procuramos apresentar os conceitos chave utiliza<strong>do</strong>s por Kant sempre pautan<strong>do</strong>-nos<br />

pela estrita relação destes conceitos com a refutação <strong>do</strong> idealismo, o que nos leva a<br />

admitir a necessidade de estu<strong>do</strong>s posteriores para complementar de maneira<br />

satisfatória nossa pesquisa. No que concerne ao primeiro pressuposto, a<br />

consideração da experiência como determinação <strong>do</strong> tempo, nos remeteremos à<br />

estética transcendental para compreendermos como o conceito de tempo é<br />

apresenta<strong>do</strong> por Kant e porque ele condiciona a experiência. Correlato <strong>do</strong> espaço, o<br />

tempo será demonstra<strong>do</strong> como uma condição de possibilidade da experiência<br />

enquanto intuição pura, necessária para que se tenham as intuições empíricas<br />

provenientes de nossas apreensões: ―(...)uma representação necessária, a priori,<br />

que fundamenta todas as intuições externas‖ (CRP, A 24). Toda intuição sensível<br />

gerará uma representação, que por sua vez será temporalmente determinada.<br />

Quanto ao segun<strong>do</strong> pressuposto, será necessário uma ida à primeira analogia da<br />

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experiência, onde Kant estabelece a necessidade de um elemento permanente que<br />

subjaza à noção de mudança enquanto sucessão temporal objetiva. Segun<strong>do</strong> Kant,<br />

a consciência que temos de sucessão e simultaneidade pressupõe algo que seja<br />

permanente, e este algo deve ser diferente <strong>do</strong> próprio tempo, já que não o<br />

percebemos em si mesmo. Este algo permanente, que virá a ser a matéria, será o<br />

correlato <strong>do</strong> próprio tempo na experiência. É assim que chegará à noção de<br />

substância <strong>do</strong> fenômeno como permanente, toman<strong>do</strong>-o como substrato de toda<br />

mudança. Estabeleci<strong>do</strong>s estes <strong>do</strong>is pressupostos, Kant implica a necessidade de<br />

um elemento espacial, a matéria, pois este será a única possibilidade aceitável de<br />

permanente para as ditas representações, inclusive para aquelas que temos de nós<br />

mesmos, ou, se preferir-se, de nossa existência. Do conhecimento de nossa<br />

existência aceita pelos idealistas materiais problemáticos, como Descartes, chegar-<br />

se-á à necessidade <strong>do</strong> real no espaço. Passa-se, então, deste idealismo dito<br />

material para um idealismo transcendental, onde o sujeito não é mais a única<br />

certeza que se tem, em detrimento da realidade exterior, e sim possui nele as<br />

condições de conhecimento (garantin<strong>do</strong>-lhe um abrigo contra os realistas), que se<br />

relacionam necessariamente com um mun<strong>do</strong> externo a ele, outorgan<strong>do</strong> realidade<br />

objetiva a este mun<strong>do</strong> (aqui cai por terra o idealismo cartesiano).<br />

Bibliografia<br />

KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 6ª Ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2008.<br />

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FOUCAULT COM KANT<br />

Fernan<strong>do</strong> Padrão de Figueire<strong>do</strong><br />

Mestran<strong>do</strong> - PPGF – UFRJ/ Bolsista <strong>do</strong> CNPq<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Prof. DR. Guilherme Castelo Branco<br />

fepadrao@hotmail.com<br />

Palavras-chave: Foucault; Kant; Aufklärung; Estética da existência; Filosofia<br />

política.<br />

Este trabalho tem a intenção de apresentar e aproximar <strong>do</strong>is autores, considera<strong>do</strong>s<br />

por uma certa tradição, muito distantes um <strong>do</strong> outro. Kant e Foucault, <strong>do</strong>is<br />

pensa<strong>do</strong>res que percorrem caminhos muito específicos na história <strong>do</strong> pensamento.<br />

Foucault com Kant. Esta é uma das hipóteses da comenta<strong>do</strong>ra Mariapaola Fimiani,<br />

na qual diz que o texto foucaultiano pode ser considera<strong>do</strong> como uma reescritura <strong>do</strong><br />

texto kantiano. Assim, pode se dizer que aquele é um palimpsesto deste. (Cf.<br />

FIMIANI, 1998)<br />

Desta maneira, a intenção é, a partir de Foucault, estudar o jogo da tutela e da<br />

liberdade, explicita<strong>do</strong> no texto kantiano, como resposta à pergunta feita pelo pastor<br />

Zöllner, em 1783: O que é o Iluminismo? Liberdade (maioridade) e tutela<br />

(minoridade), jogo que implica a constituição <strong>do</strong> indivíduo como um sujeito autônomo<br />

e <strong>do</strong> jogo da verdade como a coragem de dizê-la. A temática <strong>do</strong> Iluminismo<br />

(Aufklärung) será o ponto central das análises, a possibilidade real de pensar Kant<br />

com Foucault, pois para este aquele é seu maior representante. Eis o que nos diz<br />

Foucault a respeito:<br />

Penso que a Aufklärung, como conjunto de acontecimentos políticos, econômicos,<br />

sociais, institucionais, culturais <strong>do</strong>s quais somos ainda em grande parte<br />

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dependentes, constitui um <strong>do</strong>mínio de análise privilegia<strong>do</strong>. Penso também que,<br />

como empreendimento para ligar por um laço de relação direta o progresso da<br />

verdade e a história da liberdade, ela formulou uma questão filosófica que ainda<br />

permanece colocada para nós. Penso, enfim – tentei mostrá-lo a propósito de Kant -,<br />

que ela constitui uma certa maneira de filosofar. (FOUCAULT, 2005: 1390)<br />

Entre Foucault e Kant, a questão <strong>do</strong> Iluminismo, problematizan<strong>do</strong> a liberdade e o<br />

que ela envolve, ou seja, uma luta nos jogos (ou regimes) de verdade, onde o sujeito<br />

se constitui como sujeito livre, e a estratégia de poder dizê-la. Minoridade e<br />

liberdade para se pensar o problema de uma ética, a questão da transformação e<br />

retorno ao si. Ética que o último Foucault pensou como estética da existência, isto é,<br />

―[...] o problema de uma ética, como forma a dar a sua conduta e a sua vida, é<br />

novamente posta.‖ (FOUCAULT, 2005: 1493) E estética que é transformação de si,<br />

possibilita<strong>do</strong> por um retorno ao si, a vida, a existência, como lugar de elaboração,<br />

criação e invenção. Assim, entende a estética como ―[...] uma forma de estetismo – e<br />

por isto‖, diz, ―eu enten<strong>do</strong> a transformação de si.‖ (FOUCAULT, 2005: 1354)<br />

É a partir da última fase da filosofia de Foucault (1978-1984), que este trabalho tem<br />

o propósito de apresentar. Um <strong>do</strong>s textos centrais para a aproximação de Kant e<br />

Foucault é o texto intitula<strong>do</strong> Qu‟est-ce que les Lumières? Este é especificamente um<br />

artigo, escrito para a Magazine littéraire, em dezembro de 1984. (FOUCAULT, 2005)<br />

Que também é resulta<strong>do</strong> de uma aula dada no Collège de France em 1983, e<br />

reescrita para a mesma revista neste mesmo ano, com o mesmo título, Qu‟est-ce<br />

que les Lumières?. 1<br />

No artigo, de 1984, Qu‟est-ce que les Lumières?, Foucault apóia as suas reflexões<br />

no artigo de Kant, de 1784, intitula<strong>do</strong> de Beantwortung der Frange: Was ist<br />

Aufklärung?, onde problematizará o custo de dizer a verdade (ou seja, a sua<br />

coragem), como a possibilidade real para se constituir como sujeito livre, autônomo.<br />

Kant, logo no início <strong>do</strong> seu texto, desafia seu momento presente: ―Sapere aude!<br />

1 As aulas se encontram no curso, intitula<strong>do</strong> de Le Gouvernement de soi et des autres : cours au<br />

Collège de France (1982-1983). Já o artigo está presente nos Dits et Écrits II, 1976-1988.<br />

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Tenha a coragem de te servir de teu próprio entendimento! Eis a divisa <strong>do</strong><br />

Aufklärung.‖ 1<br />

Assim, Foucault nos apresenta um Kant que tenta responder a sua época,<br />

diagnosticar aquilo que estava acontecen<strong>do</strong>, mostran<strong>do</strong> o preço a se pagar pelo uso<br />

de se pensar por si mesmo, ou pensar por pensar (embora fale especificamente <strong>do</strong><br />

uso da faculdade <strong>do</strong> entendimento no artigo, usa a expressão räzonieren, isto é,<br />

raciocinar por raciocinar). Se para Kant o Esclarecimento (Aufklärung) era seu<br />

momento presente, uma resposta (uma solução) para um questionamento da sua<br />

época, para Foucault serve de signo daquilo que o texto anuncia, isto é, a sua<br />

originalidade, ou um novo mo<strong>do</strong> de filosofar, de pensar. Kant sinaliza um momento<br />

de ruptura, um limite, ou uma máxima que serve de divisa para a sua época, ou<br />

melhor, para a vontade de sua época. Máxima que induz coragem para deixar de ser<br />

aquilo que se é.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, Kant define no começo <strong>do</strong> seu artigo: ―Aufklärung é a saída <strong>do</strong> homem<br />

da sua menoridade de que ele próprio é culpa<strong>do</strong>.‖ 2 Aufklärung que não é uma época<br />

determinada, - ―A Aufklärung‖. Mas ela é um resulta<strong>do</strong>, uma saída de um esta<strong>do</strong><br />

para outro. A minoridade kantiana é para Foucault fruto de um excesso de<br />

autoridade e de falta de coragem. Para sair de seu esta<strong>do</strong> de minoridade, deve-se<br />

ousar, e, assim, permitir se conduzir e governar por si mesmo. O que está em jogo<br />

na mudança de um esta<strong>do</strong> para o outro é o fato de poder pensar, orientar-se por si<br />

mesmo. Pensar por si mesmo é a saída da minoridade, tanto quanto um<br />

desprendimento, pois muda-se a relação com os outros (através de um público),<br />

implican<strong>do</strong> uma mudança consigo. Pensar por si mesmo não é uma consciência ou<br />

um desejo de se conduzir de outra forma. É muito mais uma crítica, é um outro mo<strong>do</strong><br />

de pensar aquilo que é o nosso presente.<br />

1 KANT, Immanuel. "Beantwortung der Frange: Was ist Aufklärung?". In: Schriften zur Anthropologie,<br />

Geschichtsphilosophie, Politik und Pädagogik (Band 9). Werke in zehn Bänden. Herausgegeben von<br />

Wilhelm Weischedel. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1983, p.53. (tradução<br />

portuguesa in: "Resposta à pergunta: que é o Iluminismo?". A paz perpétua e outros opúsculos.<br />

Lisboa: Edições 70, 2004, p.11.)<br />

2 Id.<br />

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Bibliografia<br />

DELEUZE, Gilles. Foucault. São Paulo : Brasiliense, 2005.<br />

FOUCAULT, Michel. Dits et Écrits II, 1976-1988. France: Quarto Gallimard, 2005.<br />

______. Le Gouvernement de soi et des autres : cours au Collège de France (1982-<br />

1983). France: Gallimard, 2008.<br />

HAUSER, Philippe. Foucault et la Critique. In : Michel Foucault : les jeux de la verité<br />

et du pouvoir. Sous la dir. De Alain Brossat. Nancy: Press Universitaire de Nancy,<br />

1994.<br />

KANT, Immanuel. Beantwortung der Frange: Was ist Aufklärung?. In: Schriften zur<br />

Anthropologie, Geschichtsphilosophie, Politik und Pädagogik (Band 9). Werke in<br />

zehn Bänden. Herausgegeben von Wilhelm Weischedel. Darmstadt:<br />

Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1983. (tradução portuguesa in: "Resposta à<br />

pergunta: que é o Iluminismo?". A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições<br />

70, 2004.)<br />

_______. Qu‘est-ce que les Lumières? In : Aufklärung : Les Lumières allemandes.<br />

Textes et commentaires par Gérard Raulet. Paris: Flammarion, 1995.<br />

_______. Que significa orientar-se no pensamento?. In: A paz perpétua e outros<br />

opúsculos. Lisboa: Edições 70, 2004.<br />

FIMIANI, Mariapaola. Critique, clinique, esthétique de l‘existence. In : Michel<br />

Foucault : trajectoires ao coeur du présent. Sous la direction de Lucio D‘Alessandro<br />

et A<strong>do</strong>lfo Marino. Paris : L‘Harmattan, 1998.<br />

TERRA, Ricar<strong>do</strong>. Foucault, leitor de Kant: da antropologia à ontologia <strong>do</strong> presente.<br />

In: Passagens: estu<strong>do</strong>s sobre a filosofia de Kant. Rio de Janeiro: Editora UFRJ,<br />

2003.<br />

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DA POSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO DO CARÁTER MORAL EM KANT<br />

Palavras-Chave: Kant, Caráter, Moral, Antropologia, Formação<br />

Carlos Eduar<strong>do</strong> Neres Lourenço<br />

Mestran<strong>do</strong> PUC/PR<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Prof. Dr. Daniel Omar Perez<br />

lourenço@sociedadedeadvoga<strong>do</strong>s.com.br<br />

Kant tem verdadeira preocupação com a formação <strong>do</strong> caráter moral <strong>do</strong> ser humano,<br />

e tal preocupação é visível em toda sua obra. Em sua obra Antropologia, ao falar em<br />

sinais distintivos <strong>do</strong> homem como ser natural, a estes dá o nome de Caráter Físico.<br />

Já como ser racional, aos sinais que distinguem o homem como ser provi<strong>do</strong> de<br />

liberdade nomina-se Caráter Moral.<br />

O objetivo <strong>do</strong> presente trabalho é tão somente indagar da possibilidade de que o<br />

caráter moral <strong>do</strong> ser racional finito, no pensamento kantiano, seja forma<strong>do</strong> por algum<br />

processo exógeno em contraponto à possibilidade de que este caráter seja inato.<br />

Para os objetivos <strong>do</strong> presente trabalho consideraremos tão somente a idéia de um<br />

caráter moraliza<strong>do</strong>, ou um bom caráter numa abordagem coloquial.<br />

Kant, já na Critica da razão pura volta sua atenção às questões tocantes à formação<br />

deste caráter moral <strong>do</strong> caráter ou <strong>do</strong> caráter <strong>do</strong> ser racional finito. Na obra o filósofo<br />

já trata <strong>do</strong>s problemas e desordens que uma má formação ou falta de<br />

desenvolvimento ou cultivo causa à sociedade. Utilizan<strong>do</strong> uma ―ação de arbítrio,...,<br />

uma mentira mal<strong>do</strong>sa, mediante a qual um homem trouxe uma certa confusão à<br />

sociedade 1 ” como exemplo, o pensa<strong>do</strong>r sentencia.<br />

1 (Werke. Band IV. p. 503)<br />

Seja examinada em primeiro lugar, quanto às motivações a partir das quais<br />

emergiu e, em seguida, julga-se como ela pode ser imputada ao agente<br />

juntamente com suas consequências. Com o primeiro propósito, remonta-se<br />

o seu caráter empírico às suas fontes, as quais serão detectadas numa<br />

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educação defeituosa, em más companhias, em parte também na<br />

malignidade de uma ín<strong>do</strong>le insensível à vergonha; (KANT, I, 1983, pg.<br />

281). 1 (Grifo nosso)<br />

Verifica-se com clareza que o autor não poupa reprovação ao ato mentiroso<br />

causa<strong>do</strong>r de danos a sociedade. Ainda deixa claro que as fontes empíricas da<br />

atitude reprovável remetem à uma educação defeituosa, uma má formação<br />

educativa. É visível que o autor remete a um caráter moral mal forma<strong>do</strong>. Ele repudia<br />

o ato como imoral, evidencian<strong>do</strong> no ato um caráter mal forma<strong>do</strong> e atribui um nexo de<br />

causalidade entre este e uma educação defeituosa. Contrário senso, é possível<br />

afirmar que o autor deixa antever que uma boa educação agregada a alguns outros<br />

elementos, pode produzir um caráter moraliza<strong>do</strong>, móbil de ações morais. Ele<br />

confirma a possibilidade de formação <strong>do</strong> caráter moral a partir de mecanismos<br />

externos, exógenos.<br />

Na segunda Crítica, mais uma vez ele aborda o assunto da formação <strong>do</strong> caráter<br />

moral ao levantar as orientações preparatórias fundamentais para que o homem<br />

ainda não forma<strong>do</strong> possa tornar-se receptivo à moral pura. Tratan<strong>do</strong> da<br />

“meto<strong>do</strong>logia da razão prática” (Methodenlehre), exemplificamos, ele salienta que a<br />

mesma é “o mo<strong>do</strong> como se pode proporcionar às leis da razão prática pura acesso<br />

ao ânimo humano, de mo<strong>do</strong> a provocar uma influência sobre as máximas <strong>do</strong><br />

mesmo, isto é, como se pode fazer a razão objetivamente prática também<br />

subjetivamente prática”. (Kant, 2002, p.239). 2<br />

1 [...] so nehme nam eine willkürliche Handlung, z. E. Eine boshafte Lüge, durch die ein Mensch eine<br />

gewise Verwirrung in die Gesellschaft gebracht hat, un die man zuerst ihren Bewegurschen nach,<br />

woraus sie entstanden, untersucht, und darauf beurteilt, wie sie samt ihrem Folgen ihm zugerechnet<br />

weden könne. In der ersten Absicht geht man seine empirischen Charakter bis zu dem Quellen<br />

desselben durch, die man ir der shlechten Erziehung, über Gesellschaft, zum Teil auch in der<br />

Bösartigkeit eines für Beschämung unempfindlichen Naturells, aussuchtz, zum Teil auf den<br />

Leichtasinn und Unbesonnenheit scheit; wobei man denn die veranlassenden Gelegenheitsursachen<br />

nicht aus der Acht läβt. In allen diesem verfährt man, wie überhaupt in Untersuchung der Reihe<br />

bestimmender Ursachen zu einer gegedadurch Narturwirkung. (Werke. Band IV. p. 503).<br />

2 Viekmehr wird unter dieser Methodenlehre die Art verstanden, wie man den Gesetzen der reinen<br />

praktischen Vernunft Eingangang in das menschliche Gemüt, Einflub auf die Maximem desselbem<br />

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Com as abordagens supra, o filósofo abre portas para suas outras obras que tratam<br />

da aplicação da ética no espaço da formação <strong>do</strong> caráter <strong>do</strong> homem.<br />

No parágrafo anterior falamos sobre a aplicação da ética no espaço da formação <strong>do</strong><br />

caráter <strong>do</strong> ser racional finito, no entanto, tal assertiva não pode passar ao largo <strong>do</strong><br />

conteú<strong>do</strong> das declarações <strong>do</strong> autor no prefácio de sua Fundamentação da<br />

Metafísica <strong>do</strong>s Costumes, onde afirma o que se segue:<br />

Tanto a filosofia natural quanto a filosofia moral podem cada qual ter a sua<br />

parte empírica, pois aquela tem de determinar as leis da natureza como<br />

objeto da experiência, e esta, as da vontade <strong>do</strong> homem enquanto é afetada<br />

pela natureza; as primeiras, consideran<strong>do</strong>-as como leis segun<strong>do</strong> as quais<br />

tu<strong>do</strong> acontece, a segunda, como leis segun<strong>do</strong> as quais tu<strong>do</strong> deve<br />

acontecer, mas ponderan<strong>do</strong> também as condições pelas quais com<br />

freqüência não acontece o que devia acontecer.<br />

Pode-se chamar empírica toda a filosofia que se baseia em princípios da<br />

experiência; mas a que apresenta as suas teorias derivan<strong>do</strong>-as<br />

exclusivamente de princípios a priori denomina-se filosofia pura. Essa,<br />

quan<strong>do</strong> é simplesmente formal, chama-se Lógica; porém se limita a<br />

determina<strong>do</strong>s objetos <strong>do</strong> entendimento, recebe então o nome de Metafísica.<br />

Dessa forma, surge a idéia de uma dupla Metafísica, uma metafísica da<br />

Natureza e uma Metafísica <strong>do</strong>s Costumes. A Física terá, pois, sua parte<br />

empírica, mas também uma parte racional; da mesma forma a Ética, se bem<br />

que nesta a parte empírica se poderia chamar especialmente antropologia<br />

prática, enquanto a parte racional seria a Moral propriamente dita. (Kant,<br />

1984, p.103). 1<br />

verschffen, d. i. die objekiv-praktiche Vermunft auch subjektiv praktisch machen könne. (Werke. Band<br />

VII. 287).<br />

1 Dagegen können, sowohl die natürliche, als sittliche Welweisheit, jede ihren empirischen Teil haben,<br />

weil jene der Natur, als einen Gegenstande der erfahrung, diese aber dem Willen des Menschen, so<br />

fern er durch die Natur affiert wird, ihre Gesetze bestimmen muβ, die erstern zwar als Gesetze, nach<br />

denen alles geschieht, die zweiten als solche, nach denen alles geschehen soll, aber <strong>do</strong>ch auch mit<br />

Erwägung der bendingungen, unter denen es öfters nicht geschieht.<br />

Man kann alle Philosophie, so fern sie sich auf Gründer der Erfahrung fuβt, empirische, die<br />

aber, so lediglich aus Prinzipien a priori ihre Lehren vorträgt, reine Philosophie nennen. Die letztere,<br />

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Daí lembrar-se que para o filósofo, ao referir-se ao termo ética, tornar-se<br />

indispensável ter claro que este possui dupla acepção, sen<strong>do</strong> a primeira referente à<br />

sua parte empírica e a segunda à sua parte racional. No tocante à parte empírica o<br />

termo refere-se a uma antropologia prática, enquanto em sua parte racional faz<br />

referencia à Moral propriamente dita. Neste mesmo diapasão, Kant prossegue<br />

entenden<strong>do</strong> necessária uma antropologia prática para que o ser racional finito tenha<br />

favorecida a capacidade de receber. Capacidade de interiorizar, em sua voluntas,<br />

por educação e exercício, uma legislação moral, e afirmá-la eficaz. É assegura<strong>do</strong><br />

pelo pensa<strong>do</strong>r que "o homem, afeta<strong>do</strong> por inclinações, é na verdade capaz de<br />

conceber a ideia de uma razão pura prática, mas não é tão facilmente <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> da<br />

força necessária para a tornar eficaz in concreto no seu comportamento" (Kant,<br />

1984, p.103). 1<br />

Fundamenta<strong>do</strong> na afirmação supra, o pensamento kantiano afirma, para a fixação<br />

desta legislação moral, a necessidade indispensável de uma Metafísica <strong>do</strong>s<br />

Costumes. Não apenas para fins de especulação das fontes <strong>do</strong>s princípios práticos<br />

que residem a priori na razão <strong>do</strong>s seres racionais finitos, mas para fixação <strong>do</strong><br />

princípio supremo da moralidade (Kant, 1984, pp.103-104). E este para que sirva<br />

como fio condutor ou vetor, norma suprema <strong>do</strong> julgamento <strong>do</strong> ser racional finito. Esta<br />

norma dada a priori, exigirá ―ainda uma faculdade de julgar apurada pela<br />

experiência, para por um la<strong>do</strong>, distinguir em que caso ela tem aplicação e, por outro,<br />

wenn sie bloβ formal ist, heiβt Logik; ist sie aber auf bestimmte Gegenstände des Vertandes<br />

eingeschränkt, so heiβt sie Metaphysik.<br />

Auf solche Weise entspringt die idee einer zwiefchen Metaphysik, einer Metaphysik der Natur<br />

unde einer Metaphysik der Sitten. Die Physik wir also ihren emprisichen, aber auch einen rationalen<br />

Teil haben; die Ethik gleichafalls; wiewohl hier der empirische Teil besonders praktische Antropologie,<br />

der rationale aber eigentlich moral heiβen könnte. (Werke Band VI, VII p.11-12)<br />

1 [...] des Menschen und Nachdruck zur Ausünbung zu verschaffen, da diese, als sebst mit so viel<br />

Neigungen affiziert, der Idee einer praktischen reinen Vernunft zwar fähig, aber nicht so leicht<br />

vermögend ist, sie in seinem Lebenswandel in concreto wirksam zu machem (Werke. Band VII. p.13-<br />

14).<br />

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assegurar-lhe entrada na vontade <strong>do</strong> homem e eficácia na sua prática” (Kant,<br />

1984, pp.103-104) 1 (Grifo nosso).<br />

Do supra exposto, é conclusão deste trabalho que em contestação a qualquer<br />

possibilidade de um caráter moral inato, como uma lex aeterna scripta in omnis<br />

corde, é claro para o filósofo de Königsberg que este caráter moral é adquiri<strong>do</strong>,<br />

forma<strong>do</strong>, desenvolvi<strong>do</strong> pelo e no ser racional finito<br />

As condições de possibilidade desta formação <strong>do</strong> caráter moraliza<strong>do</strong> no ser racional<br />

finito deverão ser objeto de pesquisa outra, já que impossível nestas poucas linhas<br />

dar cabo de tal missão, no entanto claro no pensamento <strong>do</strong> autor que ao próprio<br />

homem incumbe a missão de avançar na busca da moralização.<br />

Referências<br />

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução de Valério Rohden e U<strong>do</strong> Baldur<br />

Moosburger. 2ª ed. SP: Abril Cultural, 1983.<br />

________. Crítica da Razão Prática. Trad. de Valerio Rohden. São Paulo: Martins<br />

Fontes, 2002.<br />

________. Fundamentação da Metafísica <strong>do</strong>s Costumes. Traduzida <strong>do</strong> Alemão por<br />

Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70 Ltda., 1984.<br />

________. Werke in zehn Bänden. Darmstadt: Wissenchaftliche Buchgesellchaft,<br />

1983.<br />

1 [...] die freilech noch durch Erfahrung geschärfte Urteilskraft erfodern, um teils zu unterscheiden, in<br />

welchen Fällen sie ihre Anwendung haben, teils ihnen Eingang in den Willen des Menschen und<br />

Nachdruck zur Ausünbung zu verschaffen, da diese, als sebst mit so viel Neigungen affiziert, der idee<br />

einir praktischen reinen [...] (Werke. Band VII. p.13-14)<br />

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A INTUIÇÃO EM KANT<br />

Christian Carlos Kuhn<br />

2° Filosofia – UNICENTRO/PR<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Marciano Adilio Spica<br />

chrisckuhn@hotmail.com<br />

Seria estranho pesquisar a teoria <strong>do</strong> conhecimento em Kant isolan<strong>do</strong>-a das<br />

influências da literatura em especial <strong>do</strong> Romantismo e Iluminismo. Além desses<br />

movimentos, destaca-se também a participação de duas correntes filosóficas, o<br />

Empirismo e o Racionalismo. A primeira, privilegia a sensação e a experiência como<br />

media<strong>do</strong>res no conhecimento, e a segunda tem a Razão como guia seguro para o<br />

mesmo, esse poden<strong>do</strong> transcender a toda experiência possível, como o<br />

conhecimento de Deus, da alma, etc. É evidente que Kant não poderia deixar de se<br />

envolver nessas discussões, primeiramente aderin<strong>do</strong> ao racionalismo de Leibniz,<br />

Wollf e Espinosa por exemplo, sen<strong>do</strong> que este corresponde ao perío<strong>do</strong> considera<strong>do</strong><br />

pré-critico e, posteriormente a constatação de seus fascínio pelo empirismo de<br />

Locke e Hume, preponderante no perío<strong>do</strong> crítico.<br />

Confesso francamente: foi a advertência de David Hume que, há muitos anos, interrompeu<br />

o meu sono <strong>do</strong>gmático e deu às minhas investigações no campo da filosofia especulativa<br />

uma orientação inteiramente diversa. (KANT, 1988, p.17)<br />

Ao analisar os discursos de ambas as partes, Kant expõe os princípios<br />

fundamenta<strong>do</strong>res <strong>do</strong> conhecimento, até então suficientes para a metafísica da<br />

época: O princípio de contradição, o princípio de necessidade, e o conceito de<br />

causalidade. O primeiro expressa que nada pode ser e não ser ao mesmo tempo<br />

sob a mesma relação, o segun<strong>do</strong> indica que algo é necessário sob uma perspectiva<br />

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lógico-formal quan<strong>do</strong> sua negação é impossível ou implica contradição. O último fica<br />

bem exposto nas palavras de Kant:<br />

Hume partiu essencialmente de um único, mas importante, conceito de metafísica, a saber,<br />

a conexão de causa e efeito (portanto, também os seus conceitos consecutivos de força e<br />

acção, etc.) e intimou a razão, que pretende te-lo gera<strong>do</strong> no seu seio, a explicar-lhe com<br />

que direito ela pensa que uma coisa pode ser de tal mo<strong>do</strong> constituída que, uma vez posta,<br />

se segue necessariamente que a outra deve ser posta. (KANT, 1988, p. 14)<br />

O autor retoma a crítica de Hume e expõe um <strong>do</strong>s aspectos limita<strong>do</strong>res da razão na<br />

Metafísica. Esta ciência que, segun<strong>do</strong> Kant, pretendia por meio da Razão Pura<br />

pensar a priori relações causais não necessárias.<br />

Ele provou de mo<strong>do</strong> irrefutável que é absolutamente impossível a razão pensar a priori e a<br />

partir <strong>do</strong>s conceitos uma tal relação, porque esta encerra uma necessidade; mas, não é<br />

possível conceber como é que, porque algo existe, também uma outra coisa deva existir<br />

necessariamente, e como é que a priori se pode introduzir o conceito de uma tal conexão.<br />

(KANT, 1988, p. 14)<br />

É a partir dessas influências kantianas que buscamos o esclarecimento de um<br />

conceito utiliza<strong>do</strong> e desenvolvi<strong>do</strong> por Kant, a saber, o conceito de ―Die Anschauung‖<br />

(traduzi<strong>do</strong> como A Intuição).<br />

Para que possamos clarear o uso que Kant faz de tal conceito precisamos<br />

primeiramente nos ater nas discussões que tal autor faz a respeito da sensibilidade<br />

e <strong>do</strong> entendimento. Para isso tentaremos reconstruir a resposta que Kant dá a três<br />

questões fundamentais da teoria <strong>do</strong> conhecimento: Como eu tenho acesso aos<br />

objetos sensíveis? O que é o conhecimento? De que mo<strong>do</strong> ele é possível?<br />

Como veremos, ao tentar responder essas questões, Kant percebe que o<br />

conhecimento não é puro conceito racional, mas também não é somente conteú<strong>do</strong><br />

empírico, no entanto adverte que são os objetos que devem se regular ao primeiro e<br />

não o inverso como foi o erro cometi<strong>do</strong> até então pela metafísica, sen<strong>do</strong> necessário<br />

repensá-la. Assim, antes de fazer metafísica seria necessário perguntar-se se a<br />

metafísica é realmente possível. Cito Kant: ―A minha intenção é convencer to<strong>do</strong>s os<br />

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que creem na utilidade de se ocuparem de metafísica, de que lhes é absolutamente<br />

necessário interromper o seu trabalho, considerar como inexistente tu<strong>do</strong> o que se<br />

fez até agora e levantar antes de tu<strong>do</strong> a questão: .‖ (KANT, 1988, p.12)<br />

Ao expor o erro da Metafísica, Kant esboça <strong>do</strong>is aspectos particulares da Razão,<br />

porém complementares. (...) ―tentamos tornar clara a grande diferença entre os <strong>do</strong>is<br />

usos da razão, a saber, o discursivo segun<strong>do</strong> conceitos e o intuitivo mediante a<br />

construção de conceitos‖ (KANT, 1996, p.433, A747).<br />

Mas antes de expormos um exemplo da utilização desse termo (A Intuição) por Kant,<br />

é necessário esclarecer ainda sobre os juízos ou proposições. Toda proposição ou<br />

juízo consiste num sujeito lógico <strong>do</strong> qual se diz algo, e um predica<strong>do</strong>, que é aquilo<br />

que se diz desse sujeito.<br />

O autor diferencia <strong>do</strong>is tipos de juízos, os analíticos e os juízos sintéticos. Os<br />

primeiros são juízos de análise em que o predica<strong>do</strong> está conti<strong>do</strong> no sujeito e a ele<br />

nada acrescenta, e os últimos são juízos construtivos onde o predica<strong>do</strong> acrescenta<br />

algo ao sujeito. Ao elucidar os primeiros, utiliza-se da Matemática para expor seu<br />

conceito de intuição.<br />

Mas, se não me quiserem conceder isso, bem, então restrinjo a minha proposição à<br />

matemática pura, cujo conceito já implica que não contém um conhecimento empírico, mas<br />

um puro conhecimento a priori. Poder-se-ia, antes de mais, pensar que a proposição<br />

(7+5=12) é uma simples proposição analítica, que resulta <strong>do</strong> conceito de uma soma de sete<br />

e cinco, em virtude <strong>do</strong> princípio de contradição. Mas, olhan<strong>do</strong> de mais perto, descobre-se<br />

que o conceito da soma de sete e cinco não contém mais nada senão a reunião de <strong>do</strong>is<br />

números em um só, sem que pense minimamente o que seja esse único número, que<br />

compreende os <strong>do</strong>is. O conceito de <strong>do</strong>ze de mo<strong>do</strong> algum está pensa<strong>do</strong> pelo simples fato de<br />

eu pensar essa reunião de sete e cinco, e por mais que analise longamente o meu conceito<br />

de tal soma possível, não encontrarei no entanto, aí o número <strong>do</strong>ze. É preciso ultrapassar<br />

esses conceitos, recorrer a intuição que corresponde a um <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is números, por exemplo<br />

os seus cinco de<strong>do</strong>s ou cinco pontos, e assim acrescentar, uma após outra, as unidades <strong>do</strong><br />

cinco da<strong>do</strong> pela intuição ao conceito de sete. (KANT, 1988, p.27)<br />

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Com o que vimos até aqui, mostra-se que o objetivo deste trabalho é o de além de<br />

esboçar alguns elementos da teoria <strong>do</strong> conhecimento Kantiana, expor nosso projeto<br />

de pesquisa sobre a intuição em Kant. Busca-se entender o conceito de intuição e<br />

seu papel na teoria <strong>do</strong> conhecimento de Immanuel Kant, além de analisar<br />

minuciosamente as faculdades <strong>do</strong> conhecimento, tentan<strong>do</strong> encontrar o papel da<br />

intuição na formação de juízos sintéticos a priori. Para que isso seja possível,<br />

utilizamos como méto<strong>do</strong> a pesquisa bibliográfica <strong>do</strong> autor, bem como a leitura de<br />

comenta<strong>do</strong>res sobre o tema em questão.<br />

Referências bibliográficas<br />

CAYGILL, H. Dicionário Kant. Tradução, álvaro Cabral; revisão técnica, Valério<br />

Rohden. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.<br />

KANT, I. Prolegómenos a toda metafísica futura que queira apresentar-se como<br />

ciência. Lisboa; Vozes, 1988.<br />

KANT, I. Crítica da Razão Pura. São Paulo: Nova Cultural, 1996.<br />

PASCAL, G. Compreender Kant. 4 ed. Petrópolis; Vozes, 2008.<br />

RODRIGUES, C. Tradução e interpretação. São Paulo: UNESP, 2000.<br />

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O CONCEITO DE ALMA DO MUNDO NO TIMEU DE PLATÃO<br />

André Wowk Nunes<br />

3º Filosofia, UNICENTRO-PR,<br />

Pesquisa<strong>do</strong>r ICV/UNICENTRO-PR<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Manuel Moreira da Silva<br />

inraia@yahoo.com.br<br />

Palavras-chave: Platão, Timeu, Ontologia, Alma <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>, Corpo <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>.<br />

Trata-se de uma explicitação da concepção platônica da Alma <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>, tal como<br />

exposta na primeira parte <strong>do</strong> Timeu (27d-38c); mais precisamente, <strong>do</strong> lugar e da<br />

função da Alma <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> no âmbito da criação <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> enquanto vivente eterno e<br />

no que concerne à união entre a Alma <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> e o Corpo <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> (34c-38c). Em<br />

sua exposição acerca da Alma <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>, Platão enumera como suas características<br />

fundamentais a composição dialética, a estrutura harmônica, a significação<br />

astronômica, a função motriz e a função cognitiva; estas características são<br />

desenvolvidas de mo<strong>do</strong> a dar conta <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> em que, para o filósofo, a Alma <strong>do</strong><br />

Mun<strong>do</strong> é anterior ao Corpo <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>. Com isso ele não só justifica essa<br />

anterioridade, mas antes estabelece como que uma realidade intermediária entre o<br />

inteligível e o sensível, a qual é preenchida pela Alma <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>. Assim, partin<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

problema da criação <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> (30c-34b), discutiremos em que medida a Alma <strong>do</strong><br />

Mun<strong>do</strong> se forma e por que motivo ela é anterior ao Corpo <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> (34b-36b), bem<br />

como <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> como ela se relaciona com este (36d-38c).<br />

Segun<strong>do</strong> Platão, ten<strong>do</strong> decidi<strong>do</strong> formar o mun<strong>do</strong> o máximo possível à semelhança<br />

<strong>do</strong> mais belo, Deus fez dele um vivente único, visível, conten<strong>do</strong> no seu interior to<strong>do</strong>s<br />

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os viventes que por sua natureza são da mesma forma que ele. Neste senti<strong>do</strong><br />

poderia ser o caso de se perguntar se existe apenas um céu único ou há uma<br />

pluralidade de céus, ou mesmo um número infinito; contu<strong>do</strong>, essa questão,<br />

aparentemente complexa, se resolve como que facilmente pela primeira alternativa,<br />

isto é, de que há somente um céu, pois em se aceitan<strong>do</strong> que este fora construí<strong>do</strong><br />

segun<strong>do</strong> a imitação de um modelo eterno, só poderá haver um céu – o que então<br />

fará com que o mun<strong>do</strong> se apresente como a imagem em movimento da própria<br />

eternidade. Contu<strong>do</strong>, esta solução aparentemente fácil exige que se leve em conta<br />

pelo menos <strong>do</strong>is problemas aí implica<strong>do</strong>s: o <strong>do</strong> ser eterno e o <strong>do</strong> efêmero. Por um<br />

la<strong>do</strong>, o eterno é o não nasci<strong>do</strong>, que pode ser atingi<strong>do</strong> pela intelecção e pelo<br />

raciocínio, exatamente por nunca mudar; no dizer de Platão, quanto mais<br />

meditarmos sobre a sua natureza, apesar de toda e qualquer mutação de nossa<br />

constituição, mais ele será identifica<strong>do</strong> conosco ou dele mais nos aproximaremos –<br />

Platão chama-o de o Mesmo, associan<strong>do</strong>-o à perfeição, à imobilidade, à<br />

continuidade da alma. Por outro la<strong>do</strong>, o efêmero é o que sempre nasce, jamais<br />

ten<strong>do</strong> existência, sen<strong>do</strong> sempre <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> ilusório; Platão chama-o de o Outro,<br />

associan<strong>do</strong>-o ao imperfeito, à mobilidade e a imperfeição da matéria (35a). Isto<br />

significa que para algo como o Mun<strong>do</strong>, ou melhor, o Corpo <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> possa existir,<br />

há que haver antes dele próprio alguma coisa que unifique o Mesmo e o Outro numa<br />

composição tal que permita a ambos desenvolverem sua natureza constitutiva; o<br />

que não é senão a Alma <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>.<br />

O fato da Alma <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> ser anterior ao Corpo <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> remete a uma idéia tanto<br />

de liberdade como de indestrutibilidade, pois seria absur<strong>do</strong> ter si<strong>do</strong> o Corpo forma<strong>do</strong><br />

antes da Alma. Desse mo<strong>do</strong>, a Alma é considerada primeira pelo fato de ter si<strong>do</strong><br />

feita para comandar o que ainda estaria para ser cria<strong>do</strong>; neste caso, ela já deveria<br />

ter si<strong>do</strong> estabelecida antes <strong>do</strong> próprio Corpo <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>. No dizer de Platão, isso se<br />

deu através da mistura da substância indivisível, que se comporta sempre de<br />

maneira invariável, e da substância divisível, que está nos corpos, da qual resultara<br />

uma terceira espécie de substância, isto é, uma substância intermediária que, como<br />

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tal, compreende a natureza <strong>do</strong> Mesmo e a <strong>do</strong> Outro em uma estrutura harmônica<br />

(35a). De acor<strong>do</strong> com essa estrutura, que se determina sobretu<strong>do</strong> pelo grau de<br />

resistência que no caso da Alma <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> se opera na mescla <strong>do</strong> Mesmo e <strong>do</strong><br />

Outro, pode-se dizer, a título de exemplo, que enquanto a Alma humana se<br />

caracteriza pelo Outro mais Mesmo/2, mais Outro/2, a Alma <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> se caracteriza<br />

pelo Mesmo mais o Outro mais Mesmo/2, mais Outro/2; razão pela qual esta é<br />

capaz de suportar melhor que aquela a resistência <strong>do</strong> Outro, o ordenan<strong>do</strong> segun<strong>do</strong> o<br />

Mesmo, <strong>do</strong> qual falta uma parcela na primeira, fazen<strong>do</strong>-a mais suscetível à variação<br />

e à mudança (35b). Em vista disso, a Alma <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> possui uma significação<br />

astronômica que, como tal, funda a própria coexistência <strong>do</strong> movimento <strong>do</strong> círculo<br />

exterior <strong>do</strong> céu, que não é senão o movimento <strong>do</strong> Mesmo e se orienta no senti<strong>do</strong> de<br />

um paralelogramo, da esquerda para a direita, e o círculo interior, que não é senão o<br />

movimento <strong>do</strong> Outro e se orienta segun<strong>do</strong> a diagonal, ou da direita para a esquerda<br />

(36c), demonstran<strong>do</strong> assim a união de ambos segun<strong>do</strong> a aceitação de um modelo<br />

eterno. Ainda de acor<strong>do</strong> com Platão, ao termo da criação da Alma <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>,<br />

através de uma precipitação divina, lhe foi dada vida racional e inextinguível,<br />

fazen<strong>do</strong> assim com que, mediante sua função motriz, nascesse de um la<strong>do</strong> o corpo<br />

visível <strong>do</strong> céu e de outro, como partícipe <strong>do</strong> cálculo e da harmonia, o invisível ou a<br />

própria Alma, ―a mais bela das realidades engendradas pelo melhor <strong>do</strong>s seres<br />

inteligíveis que são eternamente‖ (37a). Por isso, no que concerne a sua função<br />

cognitiva, a Alma <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> se move por si mesma em círculo, retornan<strong>do</strong> sempre<br />

sobre si mesma; bem como, ao entrar em contato com um objeto, seja a substância<br />

deste divisível ou indivisível, ela proclama, moven<strong>do</strong>-se, através de to<strong>do</strong> o seu<br />

próprio ser, a que substância tal objeto é idêntico e de que substância ele se<br />

diferencia; o que ocorre pela intelecção e a ciência (ibid.).<br />

Enfim, pode-se dizer que a Alma <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> se apresenta como um objeto<br />

multifaceta<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> ao mesmo tempo considerada no âmbito da dialética, da<br />

harmônica e da astronômica; apresentan<strong>do</strong>-se ainda como princípio motor e<br />

princípio cognitivo não só em si mesma, mas também daquilo que ela envolve, vale<br />

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dizer, <strong>do</strong> próprio Mun<strong>do</strong>. Isso significa que a Alma <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> deve ser considerada<br />

pelo menos sob <strong>do</strong>is pontos de vista básicos, sen<strong>do</strong> o primeiro, o seu próprio<br />

des<strong>do</strong>bramento dialético a partir de sua composição até a sua caracterização<br />

propriamente astronômica; bem como o segun<strong>do</strong>, o mo<strong>do</strong> como ela própria se<br />

apresenta como cumprin<strong>do</strong> uma função ao mesmo tempo motriz e cognitiva. De um<br />

la<strong>do</strong> a Alma <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> deve ser considerada em um âmbito propriamente inteligível,<br />

como que perfazen<strong>do</strong> o limite <strong>do</strong> inteligível; de outro, ela também tem que ser<br />

considerada em um âmbito sensível, pois envolve o Corpo <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> e com ele se<br />

relaciona de certa maneira. No primeiro caso está em exposição a constituição da<br />

Alma <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> enquanto tal em sua dimensão inteligível, já no segun<strong>do</strong> o seu<br />

caráter de principio ou a sua função motriz e cognitiva enquanto aquilo que informa o<br />

Corpo <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>.<br />

Referências<br />

PLATÃO. Timeu. Trad. Maria José Figueire<strong>do</strong>. Lisboa: Instituto Piaget, 2003.<br />

_____. Filebo; Timeo; Critias. Traducciones, Introducciones y Notas por Maria<br />

Ángeles Durán y Francisco Lisi. Madrid: Editorial Gre<strong>do</strong>s, 1992.<br />

_____. Timeo o de la naturaleza. Traducción del griego, preámbulo e notas por<br />

Francisco de P. Samaranch. In: ___. Obras completas. Madrid: Aguilar, 1969, p.<br />

1103-1179.<br />

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TRANS-MODERNIDADE E GEOPOLÍTICA DA HISTÓRIA EM DUSSEL<br />

Elias Dallabrida<br />

DEFIL – UNICENTRO/PR<br />

edall@pop.com.br<br />

Palavras-chave: Trans-modernidade, inclusão, geopolítica, culturas mundiais.<br />

Discute-se nestas últimas décadas, o projeto e o discurso da modernidade, seus<br />

modelos de explicação, sua suposta crise e solução. Um clima de perplexidade<br />

permeia o ambiente intelectual nas universidades, círculos de debate, congressos e<br />

encontros. Há uma dificuldade em teorizar e explicar o que vem acontecen<strong>do</strong> nas<br />

diversas instâncias da produção <strong>do</strong> conhecimento histórico: ―Qualquer ‗meta-<br />

discurso‘ ou tentativa de teorizar o mun<strong>do</strong> completo ou a sociedade global tornou-se<br />

impossível devi<strong>do</strong> ao colapso irremediável das crenças nos valores de qualquer tipo<br />

e numa hierarquização deles que seja válida universalmente‖. (CARDOSO,1996,<br />

p.6). Tem-se aponta<strong>do</strong> como uma crise de valores intra-modernos e da práxis de<br />

seus estatutos. Alguns intelectuais têm justifica<strong>do</strong> tal crise como um desvio <strong>do</strong>s<br />

acontecimentos históricos e falta de credibilidade nas ideologias modernas, como<br />

por exemplo, o Marxismo e Positivismo. Outros alimentam a tese da ilusão das<br />

correntes ideológicas, das utopias e até mesmo <strong>do</strong> ―fim‖ da própria história. Esta<br />

última ―boa nova‖ tem si<strong>do</strong> uma vertente no discurso da Pós-modernidade, que<br />

proclama o fim da história com a aparente vitória <strong>do</strong> capitalismo globalizante,<br />

aponta<strong>do</strong> como o estágio ideal para a humanidade no Terceiro Milênio: ―Muita gente<br />

hoje quer nos convencer de que com o capitalismo acabou a história e que um além<br />

<strong>do</strong> capitalismo é inecessário ou mesmo impossível. Assim, querem nos obrigar a<br />

pensar dentro <strong>do</strong> capitalismo e limitar nossa ação a, no máximo tratar de melhorá-lo,<br />

polin<strong>do</strong> as suas arestas mais duras para a vida social e individual.‖ (VELASCO<br />

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,1991, p. 161). Curiosamente, quan<strong>do</strong> a noção de senti<strong>do</strong> na história sofre os mais<br />

duros ataques, uma corrente de pensamento alimentada na esteira <strong>do</strong>s<br />

acontecimentos que culminaram com a queda <strong>do</strong> muro de Berlim, em 1989, projeta-<br />

se sobre o princípio teleológico da filosofia da história moderna. ―Fala-se hoje em dia<br />

de estarmos ingressan<strong>do</strong> numa época pós-moderna (...) em que não mais se creria<br />

numa história que faça senti<strong>do</strong> e tenha duração, tratar-se-ia, antes de um perío<strong>do</strong><br />

em que as teorias globais de qualquer tipo seriam impossíveis ou perderiam<br />

credibilidade mobiliza<strong>do</strong>ra‖. (CARDOSO, 1996, p. 7). No século XX produziu-se na<br />

França o movimento <strong>do</strong>s ―Annales‖, com a proposta de uma ―nova história‖,<br />

despreocupada com causas finais e essencialmente fascinada pelo brilho <strong>do</strong>s<br />

temas, méto<strong>do</strong>s e objetos de análise. Este grupo de historia<strong>do</strong>res tem se<br />

caracteriza<strong>do</strong> com raras exceções, pela heterogeneidade presente desde os<br />

primórdios e por pragmatismo meto<strong>do</strong>lógico que os une. Por outro la<strong>do</strong>, o quadro de<br />

uma sociedade ―pós-moderna‖ os diferencia, instalan<strong>do</strong>-se uma profunda crise da<br />

razão: ―No momento em que o vento da história soprava para construir uma<br />

sociedade nova os pensa<strong>do</strong>res buscavam o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> futuro humano e inscreviam<br />

o presente na lógica racional. De Kant a Marx, sem esquecer Hegel, temos a<br />

compreensão <strong>do</strong>s fundamentos das batalhas em curso pela liberdade. Ao contrário,<br />

quan<strong>do</strong> as resistências às mudanças triunfam, no momento em que as esperanças<br />

são frustradas, em que a desilusão se enraíza, assiste-se a recusa da racionalização<br />

global <strong>do</strong> real (...) a história perde, então, to<strong>do</strong> o senti<strong>do</strong>, fragmenta-se em múltiplos<br />

segmentos‖. (DOSSE, 1994, p. 8). Diante <strong>do</strong> impasse a respeito das discussões<br />

sobre uma eventual crise de modelos explicativos, de uma possível fragmentação <strong>do</strong><br />

conhecimento histórico, já denunciada por Dosse, o pensamento latino-americano<br />

encontra-se talvez, neste início de milênio, em uma situação de menor tensão para<br />

encontrar sua racionalidade, esta será a hipótese central dessa investigação<br />

científica. A questão que se coloca é de outra natureza. A visão eurocêntrica que<br />

tais filosofias da história apresentam em seus fundamentos teóricos e<br />

meto<strong>do</strong>lógicos, portanto sua natureza particular, regional que exclui a história as<br />

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maiorias da população <strong>do</strong> planeta. O retorno à consciência das maiorias de seu<br />

inconsciente histórico excluí<strong>do</strong> se coloca como uma exigência ética e um <strong>do</strong>s<br />

maiores desafios proposto aos profissionais da história após a queda <strong>do</strong> muro de<br />

Berlim em plena ‖Era da Globalização‖. Entre tantos intelectuais que se opõem ao<br />

Eurocentrismo situa<strong>do</strong>s na periferia <strong>do</strong> Sistema-Mun<strong>do</strong> destaca-se a figura de<br />

Enrique Dussel. Este pensa<strong>do</strong>r critica a visão eurocêntrica da história mundial.<br />

Dussel defende a tese que o fenômeno da modernidade tem si<strong>do</strong> um discurso<br />

europeu, portanto, possui uma conotação geopolítica de centro da história universal.<br />

Em sua obra ‖Ética da Libertação‖, na idade da globalização e da exclusão (2002, p.<br />

77) critica a periodização ideológica da história em antiga, medieval e moderna que<br />

segun<strong>do</strong> ele é ingenuamente de origem helenocêntrica e eurocêntrica. Toman<strong>do</strong><br />

como exemplo a historia das ideias filosóficas, Dussel afirma categoricamente a<br />

necessidade desta disciplina e das academias que se ocupam dela, se libertarem da<br />

função meramente interpretativa de textos filosóficos provenientes <strong>do</strong> centro <strong>do</strong><br />

Sistema-Mun<strong>do</strong>: ―Até o presente, a comunidade hegemônica filosófica (européia,<br />

norte-americana) não outorgou nenhum reconhecimento aos discursos filosóficos<br />

<strong>do</strong>s mun<strong>do</strong>s que hoje se situam na periferia <strong>do</strong> Sistema-Mun<strong>do</strong>‖ (DUSSEL, 2002, p.<br />

77). Dentro desta ótica, um <strong>do</strong>s maiores desafios da historiografia contemporânea é<br />

o de incluir o maior número possível das populações mundiais <strong>do</strong>s países que<br />

compõem a periferia <strong>do</strong> Sistema-Mun<strong>do</strong> e dar-lhes por questão ética, prioridade na<br />

comunidade real de comunicação. O que implica, afinal de contas a comunicação de<br />

histórias que não sejam transcrições <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> eurocêntrico? Dussel, em seus<br />

escritos aponta e sugere classificações, categorias, conceitos e méto<strong>do</strong> de análise<br />

que poderão ser aplica<strong>do</strong>s à investigação <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> sobre as distintas culturas<br />

mundiais. Portanto, o autor propõe o paradigma da Trans-Modernidade, isto é, um<br />

projeto que consiste em estudar as culturas mundiais em sua alteridade, além da<br />

visão européia. Portanto, a presente pesquisa visa contribuir no avanço da<br />

investigação da história com ênfase na questão da geopolítica em âmbito planetário.<br />

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Referências<br />

CARDOSO, C.F. No limiar <strong>do</strong> Século XXI. In: Revista Tempo. Rio de Janeiro: Vol.1<br />

N. 2, 1996.<br />

DOSSE, F. A história em migalhas. Dos Annales à nova história. Campinas: Ensaio,<br />

1994<br />

DUSSEL, E. Ética da libertação. Na idade da globalização e da exclusão. Petrópolis,<br />

Vozes, 2002.<br />

VELASCO, S. L. Reflexões sobre a Filosofia da Libertação. Campo Grande: CEFIL,<br />

1991.<br />

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NARRATIVA E IDENTIDADE EM PAUL RICOEUR<br />

Palavras-chave: Ricoeur, Narrativa, identidade<br />

Ruth Rieth Leonhardt<br />

DEFIL – UNICENTRO/PR<br />

Investiga-se a identidade narrativa inclusa entre as habilidades <strong>do</strong> homem capaz<br />

com o objetivo de determinar a relação que, em Paul Ricoeur, existe entre a<br />

identidade pessoal e a narrativa de uma vida.<br />

O homem é um ser condiciona<strong>do</strong> pelo espaço-tempo em que se situa e pelas<br />

influências <strong>do</strong>s relacionamentos que firma. A valoração de um ato pressupõe a<br />

ascrição, ou seja, a atribuição <strong>do</strong> ato a alguém determina<strong>do</strong> pois, sem agente, a<br />

ação é destituída de significa<strong>do</strong>. Releva, assim, a necessidade de conhecer o autor<br />

<strong>do</strong> ato. O processo de identificação e reconhecimento, entretanto, não é ponto<br />

pacífico porque sobre ele convergem fatores intervenientes que provocam<br />

impedimentos na identidade pessoal. A simples enunciação <strong>do</strong> nome não é<br />

suficiente. Há que se encontrar um traço estrutural distintivo de permanência que<br />

suporte mudanças e transformações.<br />

Em Temps et récit encontra-se a questão narrativa relacionada ao problema <strong>do</strong><br />

tempo. A investigação da identidade pessoal, metodicamente desenvolvida em O si<br />

mesmo como um outro, parte <strong>do</strong>s diversos significa<strong>do</strong>s da palavra mesmo. Este é<br />

um conceito de relações entre realidades objetivas.<br />

Perquirin<strong>do</strong> o termo mesmo, Paul Ricoeur encontra nele os senti<strong>do</strong>s de: identidade<br />

absoluta, igualdade plena e irrestrita; simultaneidade, concomitância temporal;<br />

similitude, parecença, analogia; igualdade quantitativa dessa forma sugerin<strong>do</strong><br />

ambigüidades. Para saná-las, busca nas expressões latinas idem e ipse os<br />

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referenciais que servem para esclarecer o problema da identidade da pessoa que<br />

por um la<strong>do</strong> é sempre a mesma <strong>do</strong> nascimento até a morte e por outro, mostra-se<br />

diferente com o passar <strong>do</strong> tempo, seja no aspecto físico seja nos mo<strong>do</strong>s de ser.<br />

Transposta a questão para a identidade pessoal, entende que no sujeito convergem<br />

a mesmidade idem em que há o entendimento de ser alguém sempre o mesmo,<br />

idêntico e a ipseidade, que emprega a dialética <strong>do</strong> si mesmo que se descobre outro<br />

no movimento <strong>do</strong> tempo e nas agregações configurantes. A mesmidade é a<br />

identidade objetivamente considerada e a ipseidade a compreensão subjetiva de<br />

permanência, da existência de disposições estáveis que servem de apoio às<br />

mudanças tal como é o caráter. Assim é possível afirmar que alguém pode ser<br />

reconheci<strong>do</strong> a mesma pessoa ao longo de toda sua vida.<br />

A narração é uma das formas primeiras de comunicação entre os homens<br />

transmitin<strong>do</strong> saberes, tradições e normas e tem implícitos a existência de um<br />

narra<strong>do</strong>r, um destinatário e uma ação. Aristóteles, na Poética, quan<strong>do</strong> trata da<br />

tragédia diz que o enre<strong>do</strong> introduz concordância entre fatos, eventos díspares,<br />

dan<strong>do</strong>-lhes forma, configuração única e delimitan<strong>do</strong>-os entre começo e fim. Toda a<br />

narração tem como função mimetizar a ação relatada. Entende-se por ação fatos,<br />

acontecimentos passíveis de serem narra<strong>do</strong>s. Personagem é quem faz a ação. Para<br />

Ricoeur, na narração os fatos aconteci<strong>do</strong>s, os personagens da história adquirem<br />

distinção própria e são sempre, outra vez, reconheci<strong>do</strong>s porque no enre<strong>do</strong>, ou seja,<br />

nos fatos que compõem as ações, são entreteci<strong>do</strong>s em unidade temporal a história<br />

<strong>do</strong> personagem e os elementos aleatórios, imprevisíveis, fortuitos que a ela aderem.<br />

Tem-se, então, conjuga<strong>do</strong>s no personagem a concordância da unicidade de uma<br />

vida singular que dá unidade à história narrada e a discordância <strong>do</strong>s eventos.<br />

A vida da pessoa, reunida e guardada na memória pode ser contada pelo<br />

personagem que constrói então sua identidade narrativa. Importante ressaltar que o<br />

personagem tem a iniciativa e o poder de determinar o começo e o fim <strong>do</strong>s<br />

acontecimentos relata<strong>do</strong>s refiguran<strong>do</strong>-os, diferentemente da pessoa, cuja vida é<br />

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objeto <strong>do</strong> relato, que não conhece os fatos sobre sua concepção e nascimento que<br />

dizem respeito a outras vidas que não a própria e aos referentes à sua morte que só<br />

os que sobreviverem a ela poderão descrever.<br />

A narração de vida pode misturar experiências vividas e fabulização da história<br />

constituin<strong>do</strong>-se assim em história fictícia ou ficção histórica de acor<strong>do</strong> com o que é<br />

escolhi<strong>do</strong> para ser traduzi<strong>do</strong> no enre<strong>do</strong>.<br />

Na narração são ressalta<strong>do</strong>s os conteú<strong>do</strong>s éticos das ações por meio de<br />

julgamentos e avaliações. Em Ricoeur a narrativa assume, então, o papel media<strong>do</strong>r<br />

entre o momento descritivo e o prescritivo em que a identificação da pessoa se torna<br />

fator fundamental. A narratividade é, pois, uma introdução, uma propedêutica à<br />

ética.<br />

Portanto, pode-se afirmar que mesmo se uma narrativa de vida não guarda<br />

fidelidade histórica aos fatos narra<strong>do</strong>s, é fiel à identidade pessoal na identidade<br />

narrativa <strong>do</strong> personagem. Na unidade de uma vida, totalidade temporal e singular<br />

mostrada na identidade <strong>do</strong> personagem emerge a identidade pessoal dialeticamente<br />

estruturada entre a permanência no tempo e a mudança, entre a mesmidade e a<br />

ipseidade, entre o si mesmo como outro.<br />

Bibliografia<br />

HAHN, E. L. A filosofia de Paul Ricoeur. Lisboa: Piaget, [1997].<br />

RICOEUR, Paul. O si mesmo com um outro. Campinas: Papirus, 1991.<br />

_____ . A metáfora viva. São Paulo: Loyola, 2000.<br />

_____ . Da metafísica à moral. Lisboa: Piaget [1997].<br />

_____ . Temps et récit vol. I L‘ intrigue et Ie récit historique. Paris: Du Seuil, [2006].<br />

_____. Tempo e narrativa II. Campinas: Papirus, 1995.<br />

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_____. Anthologie. Textes choisis et presentes par Michael Foessel et Fabian<br />

Lamouche. Paris: Seuil, 2007.<br />

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A REFUTAÇÃO KANTIANA DO IDEALISMO<br />

Palavras-chave: Kant, Descartes, eu, consciência, idealismo.<br />

Adriel José Macha<strong>do</strong><br />

3º Filosofia, UNICENTRO/PR,<br />

Pesquisa<strong>do</strong>r: ICV/UNICENTRO<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Manuel Moreira da Silva<br />

adriel@unicentro.br<br />

Trata-se de um estu<strong>do</strong> em torno da Refutação kantiana <strong>do</strong> Idealismo ―material‖ ou<br />

empírico de René Descartes, o qual, na Crítica da Razão Pura de 1787, é defini<strong>do</strong><br />

como ―a teoria que considera a existência <strong>do</strong>s objetos fora de nós‖ enquanto<br />

―simplesmente duvi<strong>do</strong>sa e indemonstrável‖ (KrV, B 274). Segun<strong>do</strong> tal idealismo,<br />

tenho de considerar como falso tu<strong>do</strong> que é incerto, o que é justamente o caso da<br />

existência <strong>do</strong>s objetos no espaço fora de mim; contu<strong>do</strong>, mesmo que eu considere<br />

que não há mun<strong>do</strong> algum e nada corpóreo, não posso duvidar de minha própria<br />

existência – pois, ao duvidar, é necessário que eu seja alguma coisa (Meditações, I,<br />

§§3-12). Assim, o enuncia<strong>do</strong> ―eu penso, logo sou‖ (ego cogito, ergo sum) aparece<br />

como prova da minha própria existência e definição da substância <strong>do</strong> eu como coisa<br />

pensante (res cogitans); pois, toda vez que eu penso, tenho consciência da minha<br />

existência, e, se o ato <strong>do</strong> pensamento é a única condição para a existência, então<br />

ele é a substância deste ser que pensa. To<strong>do</strong>s os pensamentos envolvem ideias,<br />

que são manifestações, atos <strong>do</strong> pensamento e representações de objetos externos;<br />

tais representações pressupõem a existência <strong>do</strong>s objetos externos, mas não provam<br />

por si sós a necessidade da existência desses objetos fora <strong>do</strong> pensamento, pois as<br />

causas das representações podem ser outras representações ou o próprio sujeito.<br />

Logo, a existência das coisas externas é duvi<strong>do</strong>sa e indemonstrável ao nível das<br />

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representações, ao passo que a existência <strong>do</strong> eu é indubitável e demonstrada pelo<br />

cogito (Med., II, §§7-9). Para refutar essa teoria é necessário provar<br />

indiscutivelmente a existência real e objetiva (a realidade atual para usar um temo<br />

cartesiano) das coisas externas. Este será o intento de Kant: demonstrar que ―temos<br />

também experiência e não apenas imaginação das coisas exteriores‖, a partir da<br />

tese de que ―a nossa experiência interna, indubitável para Descartes, só é possível<br />

mediante o pressuposto da experiência externa‖ (KrV, B 275).<br />

O ponto de partida da prova é o argumento da consciência de minha existência<br />

temporal. Quer dizer, sou consciente de que existo no tempo. As minhas próprias<br />

representações me dizem isto ao passo que são instáveis, isto é, são sucessivas<br />

mudanças de esta<strong>do</strong>s da minha consciência. Logo as representações são mutáveis<br />

e temporais. Mas só posso determinar o que é temporal com base numa sucessão<br />

de mudanças com referência a algo permanente. Ou como Kant diz na Observação<br />

2: ―só podemos perceber toda a determinação de tempo pela mudança nas relações<br />

externas (o movimento) com referência ao que é permanente no espaço‖ (KrV, B<br />

277). Isto significa que só podemos determinar que algo muda (que é temporal)<br />

relacionan<strong>do</strong>-o com uma sucessão de diferentes esta<strong>do</strong>s deste algo com referência<br />

a algo permanente. Qual é então este permanente necessário para a determinação<br />

da minha existência no tempo? Temos três possibilidades: (1) o permanente é<br />

representação; (2) o permanente é um objeto externo; (3) eu sou este permanente.<br />

Quanto à primeira opção é evidente que o permanente não pode ser mais uma<br />

representação, pois seria também mutável e a posteriori, mas é necessário que seja<br />

algo distinto da representação como algo anterior que a sustente. Porém, se o<br />

permanente é um objeto externo, posso eu representá-lo sob a condição de algo<br />

permanente, externo e independente de mim, o que faz com que o permanente<br />

nunca saia <strong>do</strong> nível da representação. Estas objeções nos permitem inferir que eu<br />

próprio sou este permanente. Afinal, enquanto sujeito das representações sou algo<br />

distinto delas, aquele que representa o que é representa<strong>do</strong>. Além disso, permaneço<br />

o mesmo apesar das mudanças que ocorrem em mim. Não obstante, se percebo tal<br />

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movimento é necessário que eu seja algo permanente, que resiste durante a<br />

sucessão das representações. Mas Kant não aceita que o permanente seja eu nem<br />

representação, até porque não refutaria Descartes, mas concordaria com ele e<br />

apenas reformularia seu idealismo. Para Kant, ―este permanente não pode ser algo<br />

em mim‖ e ―a percepção deste permanente só é possível através de uma coisa<br />

exterior a mim e não pela mera representação de uma coisa exterior a mim‖ (KrV, B<br />

275). Isto porque uma vez que existo no tempo não posso ser a minha própria causa<br />

enquanto ser finito. Também não pode ser algo em mim (representação), ao passo<br />

que deve ser a priori. Até aqui Kant não dá conta de refutar o idealismo, pois o<br />

problema <strong>do</strong> permanente permanece irresolvi<strong>do</strong>. Mas Kant apresenta um segun<strong>do</strong><br />

argumento que é o da distinção entre experiência e imaginação.<br />

Na nota da Observação 1 Kant declara que a questão <strong>do</strong> idealismo é a de<br />

considerar que há apenas um senti<strong>do</strong> interno e nenhum externo; isto significa dizer<br />

que todas as coisas externas não passam de imaginação. Mas o ponto é que<br />

―mesmo para imaginarmos algo como externo é necessário que já tenhamos um<br />

senti<strong>do</strong> externo‖, isto porque a imaginação é apenas ―reprodução de antigas<br />

percepções externas‖ (KrV, B 278). Ou seja, só podemos imaginar algo com base<br />

em objetos externos já percebi<strong>do</strong>s anteriormente pelos senti<strong>do</strong>s externos. E de certa<br />

forma concorda Descartes quan<strong>do</strong> diz que ―as coisas que nos são representadas no<br />

sono são como quadros e pinturas, que só podem ser forma<strong>do</strong>s à semelhança de<br />

algo real e verdadeiro‖ e que os pintores mesmo quan<strong>do</strong> pintam seres fictícios, ―não<br />

lhes podem, todavia, atribuir formas e naturezas inteiramente novas‖ (Med., I, §6).<br />

Depois deste argumento Kant acredita ter prova<strong>do</strong> que ―a experiência interna em<br />

geral só é possível mediante a experiência externa em geral‖ (KrV, B 278 - B 279).<br />

Isto é, todas as representações têm como causas primeiras necessariamente<br />

objetos externos permanentes, <strong>do</strong>s quais derivam direta ou indiretamente.<br />

Ao analisar a refutação kantiana <strong>do</strong> idealismo, pode-se dizer que a mesma não<br />

alcança seu objetivo e não oferece uma ruptura definitiva com Descartes, no máximo<br />

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o faz objeção. O primeiro argumento de que a consciência de uma relação entre<br />

nossa consciência empírica e coisas que persistem fora de nós não é suficiente para<br />

provar a real existência das coisas externas. Mesmo que eu perceba a minha<br />

existência com referência à existência de objetos externos, estes podem apenas ser<br />

representa<strong>do</strong>s nessa condição, então o permanente não sai <strong>do</strong> nível da<br />

representação. Quanto ao segun<strong>do</strong> argumento, a impossibilidade de representar<br />

algo totalmente novo demonstra que a faculdade da imaginação (a capacidade de<br />

produzir idéias fictícias) depende de representações de objetos da experiência, o<br />

que também não prova a existência de objetos externos, mas continua apenas os<br />

pressupon<strong>do</strong>, e apenas formula o problema das causas das ‗primeiras‘<br />

representações, que não poderia ser o sujeito, mas também não requer a<br />

necessidade de que sejam os objetos das representações em sua realidade externa<br />

ao pensamento.<br />

Referências<br />

DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. Tradução de Maria Galvão e Homero<br />

Santiago. São Paulo : Martins Fontes, 2000.<br />

_______. Oeuvres Philosophiques. Tome II (1638-1642). Édition de Ferdinand<br />

Alquié. Garnier, Paris, 1992.<br />

KANT, Immanuel. Critica da razão pura. 5 ed. Tradução de Manuela P. <strong>do</strong>s Santos e<br />

Alexandre F. Morujão. <strong>Fundação</strong> Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001.<br />

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O HOMEM EM ROUSSEAU: EDUCAÇÃO POLÍTICA<br />

Roberto Valim de Almeida<br />

4° Filosofia – UNICENTRO/PR<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Darlan Faccin Weide<br />

valim_8@hotmail.com<br />

Trata-se de uma pesquisa bibliografia de cunho pedagógico educacional basean<strong>do</strong>-<br />

se no filósofo iluminista Jean Jaques Rousseau. Com esse assunto, quer-se<br />

entender até que ponto o projeto educacional proposto pelo filósofo contribui para o<br />

bom convívio <strong>do</strong> cidadão dentro da sociedade, para que os membros sejam felizes e<br />

não se maltratem prejudican<strong>do</strong>-se mutuamente e nem o meio no qual vivem. Então<br />

Rousseau, filósofo suíço propõe um mo<strong>do</strong> de educar, a saber: o mo<strong>do</strong> natural. Em<br />

que consiste tal teoria? Para ele, a natureza é a melhor forma de educar, ela forma<br />

tu<strong>do</strong> em seu devi<strong>do</strong> tempo e momento e como tal existe perfeição natural no objeto<br />

forma<strong>do</strong>, no entanto, surge o homem que a modifica totalmente, aliás, esse modifica<br />

totalmente esse meio natural, pois quan<strong>do</strong> o homem age na sociedade ele a<br />

transforma, interrompe o processo natural e de certo mo<strong>do</strong> tal mudança nem sempre<br />

é para o bem da espécie.<br />

Então, com esse acontecimento o filósofo denomina de segun<strong>do</strong> nascimento, ou<br />

seja, nasce para o convívio social, para o relacionamento entre os demais, com isso<br />

o autor percebe a necessidade da evolução, <strong>do</strong> crescimento, visto que viver no<br />

esta<strong>do</strong> ideal é bom, é o melhor, no entanto tal mo<strong>do</strong> deixa o homem um tanto quanto<br />

aliena<strong>do</strong>, aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> as leis da própria natureza, e essa necessariamente elimina<br />

os mais fracos.<br />

Portanto, há que cuidar da espécie, pois um homem aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> se colocaria como<br />

o mais desfigura<strong>do</strong> de to<strong>do</strong>s os seres, pois há a necessidade <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> <strong>do</strong>s recém<br />

nasci<strong>do</strong>s, por exemplo, devi<strong>do</strong> o homem nascer desprovi<strong>do</strong> de tu<strong>do</strong>, faltan<strong>do</strong> o<br />

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básico para a manutenção da vida. Com isso, precisa ensinar o homem sabe usar<br />

corretamente o que her<strong>do</strong>u naturalmente, e consequentemente educá-lo em virtude<br />

da corrupção humana manchar a pureza natural, <strong>do</strong> desenvolvimento causar um<br />

cidadão descomprometi<strong>do</strong> com os outros membros e assim viverem pratican<strong>do</strong> o<br />

mal, prejudican<strong>do</strong>-se mutuamente.<br />

Por isso, o filósofo propõe um modelo educacional basea<strong>do</strong> no esta<strong>do</strong> natural é o<br />

famoso ―bom selvagem‖, pois para ele o homem nasce livre, é livre e o meio no qual<br />

vive é que o corrompe, o deixa corrupto, ignorante e arrogante. Seu projeto<br />

pedagógico educacional propõe que a natureza é a melhor estratégia para educá-lo,<br />

daí a pergunta <strong>do</strong> próprio autor, para formar esse homem ideal, raro, que deve ser<br />

feito? Com certeza muita coisa, é a sua resposta, porém a principal é impedir que a<br />

ação humana nada faça, essa somente faria um cidadão corrupto com sua moral<br />

voltada para satisfazer as necessidades supérfluas <strong>do</strong> homem, sen<strong>do</strong> essas<br />

motivadas pelas artes e pelas letras.<br />

Para que isso aconteça não precisa fazer muita coisa, basta deixar que a natureza<br />

siga seu curso normal, isto é, a formação <strong>do</strong> homem político deve impedir que a vida<br />

em sociedade contamine o homem puro, bom, livre e feliz. Tal educação é política<br />

em Rousseau porque está conectada com a vida, e a política por analisar o<br />

comportamento e as relações <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> de vida <strong>do</strong>s homens, a convivência, a plena<br />

liberdade humana para fazer aquilo que bem quiser deve ser instruída para que esse<br />

homem atue sem prejudicar os demais. Isso justifica a educação pedagógica política<br />

no pensamento de Rousseau.<br />

Porém, o homem carrega um para<strong>do</strong>xo em suas ações, o da mudança <strong>do</strong> esta<strong>do</strong><br />

natural para o esta<strong>do</strong> social, por isso há que haver um equilíbrio ou deve haver,<br />

entre o esta<strong>do</strong> natural e o social e essa acontece com a política, com a pedagogia<br />

educacional em que o homem ético se preocupa em não agredir, a violar as leis<br />

naturais e as artificiais que deve favorecer a comunidade como um to<strong>do</strong>.<br />

As pesquisas realizadas por diversos estudiosos que vê na obra de Rousseau um<br />

vasto e âmbito material de cunho político, porem é possível entendê-lo por um víeis<br />

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educacional cuja preocupação é melhor formar o cidadão, tentan<strong>do</strong> superar os<br />

para<strong>do</strong>xos e as contradições existentes no pensamento nas interpretações que se<br />

tem atualmente acerca desse intelectual iluminista. Seu raciocínio é importante por<br />

que o modelo educacional rousseauniano ofereci<strong>do</strong> sem grande pretensão a uma<br />

mãe para educar seu filho, cuja proposta é clara acerca da formação <strong>do</strong> homem:<br />

impedir que o meio na qual ele vive seja afeta<strong>do</strong> por más inclinações.<br />

Com a falta de uma educação adequada o homem fica desorienta<strong>do</strong> e aceita que<br />

qualquer um o <strong>do</strong>mine e impõe suas, leis, normas, assim subjuga-o. Por isso a<br />

necessidade de educá-lo para exercer sua liberdade e cidadania, sen<strong>do</strong> essas<br />

perdidas pelo homem quan<strong>do</strong> aceitou a superioridade <strong>do</strong> outro, quan<strong>do</strong> se<br />

convenceu de que o outro era mais forte, portanto um tinha o poder de mandar, de<br />

<strong>do</strong>minar estabelecen<strong>do</strong> uma relação desigual e o outro por aceitar que seu<br />

adversário era mais forte deixou-se ser <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> e manipula<strong>do</strong> ao ponto da<br />

corrupção instruir um ser cujas desgraças estão lhe afetan<strong>do</strong> e a infelicidade é<br />

grande.<br />

Portanto, quan<strong>do</strong> o homem perde a liberdade a desigualdade passa <strong>do</strong> esta<strong>do</strong><br />

natural em que visa somente à sobrevivência e passa para o esta<strong>do</strong> social cujo mais<br />

importante agora e se destacar em relação aos demais. E os homens viven<strong>do</strong> nesse<br />

esta<strong>do</strong> livremente, se expon<strong>do</strong>, queren<strong>do</strong> ser uns melhores que os outros geram<br />

conflitos e uma desordem, daí eles precisam abdicar alguns de seus direitos para<br />

não atingir à vontade, a vontade geral que é regula<strong>do</strong>ra, tal conceito é elaboração da<br />

proposta educacional em Rousseau, cuja vontade geral garantiria o bem social, a<br />

ordem social sem que haja prejuízo ou perca para nenhuma parte da sociedade.<br />

Então a saída é aderir a um contrato idea<strong>do</strong> pelo próprio homem de respeito a todas<br />

as coisas em comum, isso seria um acor<strong>do</strong> de respeito mutuo, é o que se dá com o<br />

pacto social, abdicar de sua vontade individual para que uma vontade geral garanta<br />

a liberdade humana bem como o bom relacionamento entre os envolvi<strong>do</strong>s, alias<br />

essa é uma condição primordial no pensamento <strong>do</strong> autor, pois um homem que não<br />

seja livre não pode ser denomina<strong>do</strong> de homem, quan<strong>do</strong> se diz que um ser é homem<br />

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a liberdade é o fator determinante nessa caracterização, isso só é possível quan<strong>do</strong><br />

seu projeto educacional se coloca a serviço da comunidade e o resulta<strong>do</strong> disso seria<br />

uma comunidade cuja felicidade estaria em to<strong>do</strong>s e esses sentiriam prazer em fazer<br />

o bem, em respeitar a lei.<br />

Referências<br />

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social..<br />

__________Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os<br />

homens.<br />

__________Discurso sobre as ciências e as artes. Tradução de Lourdes Santos<br />

Macha<strong>do</strong>: São Paulo. Abril Cultural (Os Pensa<strong>do</strong>res), 1973.<br />

_______Emílio ou da Educação. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.<br />

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LIBERDADE EM PLATÃO<br />

Leandro A. Xitiuk Wesan<br />

3º Filosofia, UNICENTRO/PR,<br />

Pesquisa<strong>do</strong>r: PAIC/UNICENTRO<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Manuel Moreira da Silva<br />

leandroxw@hotmail.com<br />

Palavras-chave: Platão; Liberdade; Cuida<strong>do</strong> de Si; Conhecimento de Si.<br />

Trata-se de um estu<strong>do</strong> sobre a questão da liberdade em Platão, enquanto esta se<br />

mostra emergente da problemática fundamental <strong>do</strong> conhecimento e cuida<strong>do</strong> de si. A<br />

questão da liberdade está presente em vários diálogos de Platão, todavia, a análise<br />

limita-se ao diálogo O Primeiro Alcibíades. A Filosofia tem por princípio o problema<br />

<strong>do</strong> si e é com o momento socrático-platônico, e em particular no texto Alcibíades,<br />

que verificamos a emergência <strong>do</strong> problema <strong>do</strong> autoconhecimento na reflexão<br />

filosófica. Em Platão a problemática fundamenta-se no preceito <strong>do</strong> templo de Apolo,<br />

a inscrição délfica conhece-te a ti mesmo (gnôthi seautón). A tentativa de desvendar<br />

o significa<strong>do</strong> da proposição Délfica implica na especulação <strong>do</strong> que é o Homem, na<br />

medida em que este especula sobre o conteú<strong>do</strong> de tal imperativo, indagan<strong>do</strong>-se<br />

sobre o Si que deve conhecer e ocupar-se. Os resulta<strong>do</strong>s de tal especulação<br />

culminam, segun<strong>do</strong> o desenvolvimento <strong>do</strong> diálogo, à emergência da questão da<br />

liberdade, que surge como mandamento necessário àquele que busca governar-se a<br />

si mesmo e participar <strong>do</strong> governo da cidade.<br />

Examinar-se-á o texto para, concomitantemente, ver surgirem as questões acima<br />

elucidadas. O diálogo inicia com Sócrates fazen<strong>do</strong> Alcibíades notar que dentre seus<br />

amantes ele é o único que nunca o abor<strong>do</strong>u, resolven<strong>do</strong>-se por isso apenas naquele<br />

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momento. Tal abordagem ocorre devi<strong>do</strong> a pretensão de Alcibíades de participar <strong>do</strong><br />

governo da cidade, que leva Sócrates a lhe propor a seguinte questão: se Alcibíades<br />

tivesse que escolher, por determinação divina, continuar vivo com o que<br />

presentemente possui, ou morrer caso não pudesse aumentar seu cabedal? Por<br />

certo que Alcibíades escolheria a morte (OPA, 105a). Ora, se Alcibíades possui tal<br />

ambição e pretende dedicar-se ao governo da cidade, por certo que terá que<br />

enfrentar os inimigos que suas ambições lhe irão opor, ou seja, terá de enfrentar os<br />

inimigos da cidade para que possa conquistar o vasto cabedal a qual ambiciona.<br />

Assim passa-se ao exame das capacidades de Alcibíades e de seus inimigos, a fim<br />

de verificar se Alcibíades tem condições de sobrepujar seus inimigos e levar à termo<br />

suas ambições. Alcibíades possui riqueza, descendência, no senti<strong>do</strong> de possuir os<br />

deuses como guardiões, e educação inferior à de seus inimigos (OPA, 120e-<br />

124b).Esta é a introdução à reflexão <strong>do</strong> conhecimento de Si no diálogo. Após<br />

determina<strong>do</strong> que Alcibíades não possui capacidade suficiente para cumprir com sua<br />

ambição e bem governar a cidade, Sócrates o adverte usan<strong>do</strong> a inscrição Délfica<br />

―conhece-te a ti mesmo‖, buscan<strong>do</strong> fazer com que Alcibíades conheça sua limitação<br />

e incapacidade, e que reconheça que só será possível alcançar seus objetivos se<br />

ele se dedicar ao conhecimento, pois apenas pela indústria e pelo saber lhe será<br />

possível sobrepujar seus inimigos (OPA, 124b). Então o primeiro senti<strong>do</strong> atribuí<strong>do</strong> à<br />

reflexão <strong>do</strong> conhecimento de Si é o <strong>do</strong> retorno a si mesmo a fim de realizar uma<br />

análise crítica para conseguir conhecer a situação real a que se encontra, ou seja,<br />

quais são suas limitações e capacidades.<br />

Verificou-se que a reflexão <strong>do</strong> conhecimento de Si emerge da necessidade de<br />

conhecer a Si mesmo para ficar ciente de suas limitações e capacidades para<br />

superá-las. Ora, é necessário que Alcibíades ocupe-se consigo mesmo para deixar a<br />

condição serviu e consiga levar à termo sua ambição. Todavia, desta reflexão surge<br />

o segun<strong>do</strong> momento da questão <strong>do</strong> Si, que é, justamente, a pergunta qual é o Si ao<br />

qual devemos conhecer e ocupar-nos? A inscrição Délfica manda que se deve<br />

buscar o conhecimento de Si, todavia, ela não determina o que seja este Si. Ora, se<br />

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não sabemos qual é o Si que devemos conhecer e nos ocupar, podemos correr o<br />

risco de nos dedicarmos a algo adverso à própria essência deste Si. Nesta<br />

perspectiva, surge a questão <strong>do</strong> que é o homem? Identifican<strong>do</strong> o homem com o Si<br />

da questão. Na investigação sobre a natureza <strong>do</strong> homem, levantam-se três<br />

hipóteses: o homem pode ser, corpo, alma ou a união ente eles (OPA, 130 a). É<br />

refutada a primeira e a terceira hipótese, sen<strong>do</strong> admitida a segunda como a hipótese<br />

correta, de mo<strong>do</strong> que o homem, o Si da questão, é alma (OPA, 130c).<br />

Dos momentos da problemática <strong>do</strong> Si, surge a questão da Liberdade como sen<strong>do</strong><br />

um mandamento necessário ao governante, que para libertar-se é necessário<br />

dedicar-se ao conhecimento e ao cuida<strong>do</strong> de Si. A questão da Liberdade, tal como<br />

no primeiro momento da problemática <strong>do</strong> Si, se mostra como sen<strong>do</strong> a superação das<br />

suas limitações, para que a alma, tal como o segun<strong>do</strong> momento da problemática <strong>do</strong><br />

Si, possa passar ao nível <strong>do</strong> governo, resulta<strong>do</strong> alcança<strong>do</strong> somente no final <strong>do</strong><br />

diálogo, e libertar-se das condições servis (OPA, 135b - 135e).<br />

Referências<br />

PLATÃO. Fedro, Cartas; O Primeiro Alcibíades. Tradução de Carlos Alberto Nunes.<br />

Belém: UFPA, 1975.<br />

PLATON. Oeuvres complètes. Traduction nouvelle et notes par Léon Robin. Paris:<br />

Pléiade, 1950. (2 vols).<br />

PLATON. Alcibiade. Texte établi et traduit par Léon Robin. 4. Ed. Paris: Belles<br />

Letres, 1949.<br />

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SOCIEDADE E O PROBLEMA DA REFLEXÃO MORAL EM HUME<br />

Palavras-chave: Hume; Sociedade; Moral.<br />

Ricar<strong>do</strong> Zolinger Zanin<br />

4° Filosofia – UNICENTRO/PR<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Marciano Adílio Spica<br />

ricar<strong>do</strong>rzz8@hotmail.com<br />

Hume propõe uma ciência <strong>do</strong> homem e sua perspectiva meto<strong>do</strong>lógica pretende<br />

descrever a capacidade <strong>do</strong> ser humano de desenvolver crenças empíricas sobre o<br />

comportamento <strong>do</strong>s objetos exteriores e julgamentos morais <strong>do</strong> caráter de outros<br />

homens. Nessa ciência ele defende a primazia <strong>do</strong>s fatos experimentalmente<br />

constata<strong>do</strong>s sobre o pensamento e as emoções, isto é, a dimensão social <strong>do</strong><br />

homem. Sua abordagem é uma recusa da natureza humana dita como<br />

―racionalidade‖ puramente conjectural – impressões e idéias não são propriedades<br />

de um ―eu‖ que serve de substrato para essas idéias, mas seu arranjo constitui esse<br />

―eu‖ -, assim, ao tratar <strong>do</strong> problema moral, Hume procede de forma imanente: a<br />

aquisição de julgamentos e avaliações morais pelo homem não se refere a um<br />

padrão transcendente <strong>do</strong> que é bom ou mau, mas deriva integralmente <strong>do</strong>s<br />

sentimentos de aprovação ou desaprovação diante de certas ações, ―virtudes‖ e<br />

―vícios‖, e das conseqüências práticas dessas avaliações para a sociedade.<br />

Nesse senti<strong>do</strong> Hume é um sociólogo e sua obra mostrará que as duas formas sob<br />

as quais a mente é afetada são, totalmente, o emocional e o social. Mesmo o<br />

entendimento vai se encarregar apenas de tornar sociável as ―paixões‖; tornar social<br />

um interesse egoísta. A base da moral está na própria sociedade que reclama de<br />

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seus membros o exercício de reações constantes diante desses interesses que<br />

levam à ação individual. Por outro la<strong>do</strong>, concebe a sociedade como meio indireto<br />

para satisfação <strong>do</strong>s mesmos. Seu questionamento vai atacar padrões metafísicos<br />

para a moral e até mesmo os limites da razão científica. Mas, é claro, não ter<br />

padrões absolutos não quer dizer não ter padrão algum. Ele pensava que agir<br />

moralmente sem modelos metafísicos é uma demanda da própria vida em<br />

sociedade: o que é bom para as pessoas individualmente é, por definição, pessoal e<br />

nenhuma generalização moral pode ser baseada nisso. Mas quan<strong>do</strong> se fala em<br />

―virtudes‖ e ―vícios‖, quan<strong>do</strong> há deliberação moral, então fala-se nos valores em<br />

comum de uma sociedade; ―virtudes‖ e ―vícios‖ podem ser generaliza<strong>do</strong>s. Certos<br />

comportamentos (coragem, honestidade, etc.) são úteis ou agradáveis e uma regra<br />

social deriva assim <strong>do</strong> sentimento <strong>do</strong> que é bom para o to<strong>do</strong> e não da razão; sem<br />

inferência a ser feita, sem aplicação necessária, sem regra absoluta. Na prática da<br />

moral o difícil é desviar a parcialidade egoísta.<br />

Ninguém tem as mesmas simpatias que outra pessoa, há pluralidade de interesses e<br />

assim violência. É essa a parte da natureza e a simpatia é como o egoísmo, então,<br />

que importância tem a observação segun<strong>do</strong> a qual o homem não é egoísta mas<br />

solidário? O que muda é a perspectiva e o senti<strong>do</strong> de uma sociedade considerada a<br />

partir <strong>do</strong> egoísmo ou da simpatia. Com efeito, o egoísmo teria que se limitar, ser<br />

nega<strong>do</strong>; com a simpatia há uma integração positiva. O que Hume critica nas teorias<br />

<strong>do</strong> contrato é que elas apresentam uma imagem abstrata e falsa da sociedade,<br />

definida de maneira negativa: limitação de egoísmo e interesses, em vez de um<br />

empreendimento coletivo e inventa<strong>do</strong> pela deliberação moral. O que se encontra na<br />

natureza são famílias, assim o esta<strong>do</strong> de natureza é distinto de egoísmo. Isso quer<br />

dizer que o mun<strong>do</strong> social não se reduz a um instinto moral originário; o mun<strong>do</strong> moral<br />

afirma sua realidade quan<strong>do</strong> o egoísmo se dissipa e o contato é possível e substitui<br />

a violência pela estima às instituições e há a instauração de um sistema invariável,<br />

não natural, mas artificial. To<strong>do</strong>s os elementos da moralidade (simpatias) são da<strong>do</strong>s<br />

naturalmente, mas, por si mesmos, são impotentes para constituir um mun<strong>do</strong> social.<br />

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Por ser artificial, as relações morais se distinguem <strong>do</strong> interesse natural e particular,<br />

no caso da propriedade tem-se o interesse de deixar o outro na posse de seus bens,<br />

por exemplo, para que ele aja da mesma maneira. Nesse caso, a convenção de<br />

propriedade é o artifício pelo qual a ação de cada um se relaciona com a <strong>do</strong>s outros.<br />

A sociedade é um conjunto de convenções fundadas na utilidade e não em<br />

obrigações de um contrato. Socialmente, então, a lei não vem primeiro mas supõe<br />

uma instituição que ela limita e caracteriza. Por exemplo, o estu<strong>do</strong> da história revela<br />

relações, motivo-ação no máximo de circunstâncias historicamente dadas e mostra a<br />

uniformidade das paixões humanas; são os nexos entre necessidades (paixões) e<br />

instituições (sociedade com um meio de realizá-las). Por isso Hume pode afirmar<br />

que o direito é estabeleci<strong>do</strong> por interesse coletivo.<br />

Concluin<strong>do</strong>, o essencial para Hume é estabelecer um to<strong>do</strong> da moralidade e ter a<br />

justiça como instituição e a instituição como princípio da sociedade e sistema geral<br />

de realização de interesses. A obra <strong>do</strong> pensa<strong>do</strong>r escocês é um elogio à capacidade<br />

<strong>do</strong> homem de ser solidário, de sentir compaixão.<br />

Referências bibliográficas<br />

HUME, David. Trata<strong>do</strong> da natureza humana. São Paulo: Unesp, 2009.<br />

HUME, David. Investigações sobre o entendimento humano e sobre os<br />

princípios da moral. São Paulo: Unesp, 2004.<br />

DELEUZE, Gilles. Empirismo e subjetividade. São Paulo: Editora 34, 2001.<br />

RORTY, Richard. Ensaios sobre Heidegger e outros: Escritos Filosóficos II. Rio<br />

de Janeiro: Relume Dumará, 1999.<br />

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DISCUSSÃO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES A PARTIR DA OBRA ÉDIPO REI<br />

DE SÓFOCLES<br />

Julio Cezar de Lima<br />

UNICENTRO/PR<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Ernesto Maria Giusti<br />

ebemidbar@gmail.com<br />

Palavras-chave: Poética, Tragédia, Peripécia, Reconhecimento, Catarse.<br />

Este resumo tem como objetivo analisar a obra Édipo Rei, escrita por Sófocles, a<br />

partir <strong>do</strong>s conceitos que delineiam uma peça trágica no Livro Poética de Aristóteles.<br />

Segun<strong>do</strong> a poética de Aristóteles, que é toda produção artística, a tragédia, gênero<br />

literário de que se trata a peça de Sófocles, consiste na imitação de ações de caráter<br />

eleva<strong>do</strong> com linguagem nobre, cuja finalidade é despertar o sentimento de piedade e<br />

terror. Outros elementos importantes que serão analisa<strong>do</strong>s no contexto da peça são:<br />

a peripécia, ―alteração das ações‖ (ARISTÓTELES, 1999, p. 49), isto é, uma ação<br />

inesperada que muda o rumo da ação futura; o reconhecimento, passagem <strong>do</strong><br />

desconheci<strong>do</strong> ao conheci<strong>do</strong>; a catarse, que significa neste caso, purificação: ocorre<br />

quan<strong>do</strong> é desperta<strong>do</strong> o sentimento de horror e piedade; a fábula, por sua vez é o<br />

conjunto de ações organizadas. Para começar é fundamental entender que a peça é<br />

divida em duas partes: a primeira é o enre<strong>do</strong>, que trata <strong>do</strong> início da<br />

desfecho, que se dá no término <strong>do</strong> reconhecimento e no início da catástrofe. Logo<br />

no início da história percebemos as nobres qualidades <strong>do</strong> caráter de Édipo pelas<br />

suas atitudes, estas qualidades se expressam através de ações também nobres;<br />

como aquela na qual Édipo, após ter amaldiçoa<strong>do</strong> o assassino, declara que a<br />

maldição cairia sobre ele, caso ele fosse o criminoso. A tragédia se dá na imitação<br />

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das ações de homens superiores que caem no infortúnio, não por depravação ou<br />

vildade, mas por um erro, que no caso de nosso personagem, acontece pelo incesto<br />

e pelo assassinato <strong>do</strong> pai, realiza<strong>do</strong> de forma involuntária. A partir <strong>do</strong> conselho de<br />

Creonte, o rei manda chamar o adivinho Tirésias que, inicialmente, se nega a dizer<br />

quem é o assassino, no entanto, termina a discussão revelan<strong>do</strong> que Édipo não é<br />

somente o autor <strong>do</strong> homicídio, mas também culpa<strong>do</strong> por profanar o leito de seu pai,<br />

pois casara-se com a própria mãe. Neste momento da peça observamos claramente<br />

a realização <strong>do</strong> que Aristóteles chama de peripécia, o inespera<strong>do</strong> acontece de uma<br />

forma surpreendente, porém, ainda não é o momento <strong>do</strong> reconhecimento. A rainha<br />

Jocasta, toman<strong>do</strong> conhecimento <strong>do</strong> infortúnio entre Tirésias e Édipo, e que este<br />

acusava a Creonte de traição, pede para se acalmarem e conta que o filho que traria<br />

a futura desgraça a Laio, já estaria morto e que Laio teria si<strong>do</strong> assassina<strong>do</strong> por<br />

saltea<strong>do</strong>res. Édipo, determina<strong>do</strong> a solucionar o problema manda chamar o único que<br />

havia escapa<strong>do</strong> com vida dentre aqueles que acompanharam o rei. Todas as<br />

decisões tomadas por Édipo se desenvolvem de tal forma que tu<strong>do</strong> acabaria por<br />

desembocar no reconhecimento de quem ele realmente era. Neste momento chega<br />

um mensageiro de Corinto, declaran<strong>do</strong> a morte de Pólibo e a escolha de Édipo como<br />

rei. Segun<strong>do</strong> o pensamento aristotélico, aqui ocorre mais uma peripécia, pois se<br />

Édipo é declara<strong>do</strong> rei em Corinto, naturalmente ele é filho de Pólibo e não de Laio,<br />

sen<strong>do</strong> assim ele não é o assassino. Entretanto, o mensageiro com a intenção de<br />

acalmar o rei conta a verdadeira história, e Édipo descobre não ser filho de Pólibo.<br />

Jocasta, agin<strong>do</strong> como se soubesse de algo, sai de cena. O servo finalmente chega e<br />

acaba declaran<strong>do</strong> que ele teria, por compadecimento, salvo a vida de Édipo quan<strong>do</strong><br />

este era ainda bebê, entregan<strong>do</strong>-o para um pastor de ovelhas que era justamente o<br />

mensageiro que ali estava. Neste instante tu<strong>do</strong> parece vir a tona, está acontecen<strong>do</strong><br />

o ponto culminante da tragédia. A inesperada (peripécia) história contada pelo<br />

mensageiro e pelo servo levam Édipo ao reconhecimento. De acor<strong>do</strong> com<br />

Aristóteles o reconhecimento se dá quan<strong>do</strong> a personagem toma consciência <strong>do</strong> seu<br />

inexpugnável e por isso trágico destino. Os sentimentos de terror e pena são<br />

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inevitáveis, surgin<strong>do</strong> através da união desses <strong>do</strong>is sentimentos, o que, cabe<br />

reafirmar, neste caso Aristóteles chama de catarse, ou seja, a purificação da<br />

tragédia. Depois destas revelações vem a notícia de que Jocasta suici<strong>do</strong>u-se. Édipo<br />

num ato desespera<strong>do</strong> fere os próprios olhos e suplica a Creonte que permita-lhe<br />

tocar suas filhas pela última vez. Deste mo<strong>do</strong>, conforme o pensamento de<br />

Aristóteles, a peça trágica de Sófocles é vista em três momentos principais, os <strong>do</strong>is<br />

primeiros constam das peripécias e <strong>do</strong> reconhecimento, e o terceiro, da catástrofe. A<br />

peripécia e o reconhecimento acontecem de forma simultânea na obra quan<strong>do</strong> o<br />

servo revela a verdadeira identidade <strong>do</strong> herói. Após o reconhecimento vem a<br />

catástrofe da peça onde Jocasta comete homicídio e Édipo fere os próprios olhos.<br />

Nisso podemos perceber claramente o término <strong>do</strong> enre<strong>do</strong> e o começo <strong>do</strong> desfecho<br />

da peça, o enre<strong>do</strong> se dá <strong>do</strong> inicio até o reconhecimento e o desfecho <strong>do</strong> término <strong>do</strong><br />

reconhecimento até o final da peça. A peça segun<strong>do</strong> o modelo aristotélico deve ter<br />

uma extensão apropriada, nem muito longa nem muito curta, possibilitan<strong>do</strong> uma<br />

compreensão integrada da obra. O sentimento de terror e compaixão se tornam<br />

presentes através das peripécias e <strong>do</strong> reconhecimento, concebi<strong>do</strong>s durante a<br />

apresentação, como também da compreensão total que se tem da peça, e é a partir<br />

da relação <strong>do</strong> caráter <strong>do</strong> herói com o infortúnio em que desembocou a peça que<br />

acontece a catarse. A peça se inicia com o heroísmo de Édipo e termina com a sua<br />

desgraça, caminho que uma peça trágica deveria percorrer, segun<strong>do</strong> os conceitos<br />

usa<strong>do</strong>s nesta análise. A peça de Sófocles é considera por Aristóteles como<br />

complexa, pois ela se desenvolve de uma forma que as mudanças ocorridas<br />

acontecem através de peripécias e reconhecimentos. Em Édipo o reconhecimento<br />

se inicia a partir <strong>do</strong>s acontecimentos que o antecedem, tornan<strong>do</strong> assim a peça<br />

surpreendente. Conclui-se que não é em vão que a peça Édipo Rei escrita por<br />

Sófocles é tida como um clássico da tragédia grega, sen<strong>do</strong> ela impecável na<br />

organização de suas ações, escrita de uma forma a<strong>do</strong>rnada, repleta de ações<br />

inesperadas até chegar ao reconhecimento, com personagens nobres e o que é de<br />

extrema importância, não modifica o mito, que é a matéria-prima da tragédia. O<br />

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trabalho de Aristóteles em elaborar uma teoria sobre os elementos que uma peça<br />

trágica deveria ter, é inédito na filosofia, pois anteriormente não havia uma<br />

prescrição rigorosa em que uma peça desta natureza pudesse basear-se, nisto<br />

reside então a importância <strong>do</strong> esforço filosófico que culminou no livro que hoje<br />

conhecemos como a Poética de Aristóteles.<br />

Referencias<br />

ARISTÓTELES. Poética. (Os Pensa<strong>do</strong>res) Trad. Baby Abrão; Editora Nova Cultura.<br />

São Paulo - 1999<br />

SÓFOCLES. Édipo Rei Trad. J. B. Mello e Souza; Editora Ediouro. Rio de Janeiro -<br />

2002<br />

BRANDÃO, Junito de Souza. Teatro Grego:Tragédia e Comédia 7º edição Editora<br />

Vozes. Rio de Janeiro - 1985<br />

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CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CIÊNCIAS HUMANAS E A ANTROPOLOGIA<br />

FILOSÓFICA EM HENRIQUE CLÁUDIO DE LIMA VAZ<br />

Palavras-chave: Lima Vaz, Ciências humanas, Antropologia filosófica<br />

Hugo José Rhoden<br />

Ms. Filosofia – UNIOESTE<br />

O problema epistemológico entre a filosofia e as outras ciências é uma discussão<br />

atual e pertinente. Lima Vaz, na propedêutica de sua antropologia filosófica coloca a<br />

questão: qual a relação da antropologia filosófica com as ciências <strong>do</strong> homem?<br />

Trata-se da questão <strong>do</strong>s pressupostos epistemológicos da antropologia filosófica.<br />

Esta relação se estabelece no plano <strong>do</strong>s problemas filosóficos que se apresentam<br />

nas diversas ciências empírico-formais e hermenêuticas. Isto exige um exercício de<br />

interdisciplinaridade, pois os objetos de muitas ciências não estão ainda defini<strong>do</strong>s, e<br />

a complexidade e a pluralidade desses discursos sobre o homem devem, de alguma<br />

maneira, estar presentes no campo de visão da antropologia filosófica, enquanto<br />

esta se entrega à tarefa de elaboração, no nível da conceptualização filosófica, da<br />

ideia <strong>do</strong> homem.<br />

Sen<strong>do</strong> assim, o presente estu<strong>do</strong> tem como objeto <strong>do</strong>is aspectos relevantes: a<br />

relação da antropologia filosófica e as ciências humanas e os problemas filosóficos<br />

das ciências <strong>do</strong> homem.<br />

Com o advento das novas ciências, já nos fins <strong>do</strong> século XVIII, o estu<strong>do</strong> sobre o<br />

homem passou a exigir novos méto<strong>do</strong>s e critérios dentro <strong>do</strong> ambiente científico que<br />

despontava.<br />

Inicialmente esta nova situação e exigência de mudança provocam uma crise no<br />

campo da antropologia filosófica. Segun<strong>do</strong> Lima Vaz, foi M. Scheler (1874-1928),<br />

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considera<strong>do</strong> inicia<strong>do</strong>r da Antropologia Filosófica no senti<strong>do</strong> da<strong>do</strong> na filosofia<br />

contemporânea, que, entre outros, aprofun<strong>do</strong>u o senti<strong>do</strong> desta questão (LIMA VAZ,<br />

1991, p.10).<br />

São duas as vertentes desta crise: a histórica e a meto<strong>do</strong>lógica. Do ponto de vista<br />

histórico a dificuldade se encontra na sobreposição das diferentes imagens <strong>do</strong><br />

homem que se constituíram na cultura ocidental: o homem clássico, o homem cristão<br />

e o homem moderno (LIMA VAZ, 1991, p.10). A crise na vertente meto<strong>do</strong>lógica<br />

resulta de uma fragmentação nas diversas ciências <strong>do</strong> homem <strong>do</strong> próprio objeto da<br />

antropologia filosófica.<br />

Os <strong>do</strong>is pólos da natureza e da cultura influenciaram fortemente os conceitos com os<br />

quais a antropologia filosófica procura explicar o que é o homem. E da antropologia<br />

como discurso filosófico, sobre o homem, segun<strong>do</strong> Lima Vaz, exige-se três tarefas<br />

fundamentais: a elaboração de uma ideia <strong>do</strong> homem que leve em conta, de um la<strong>do</strong>,<br />

os problemas e temas presentes ao longo da tradição filosófica e, de outro, as<br />

contribuições e perspectiva abertas pelas recentes ciências <strong>do</strong> homem; uma<br />

justificação crítica dessa ideia, de sorte a que possa apresentar-se como<br />

fundamento da unidade <strong>do</strong>s múltiplos aspectos <strong>do</strong> fenômeno humano implica<strong>do</strong>s na<br />

variedade das experiências com que o homem se exprime a si mesmo, e<br />

investiga<strong>do</strong>s pelas ciências <strong>do</strong> homem; uma sistematização filosófica dessa idéia <strong>do</strong><br />

homem ten<strong>do</strong> em vista a constituição de uma ontologia <strong>do</strong> ser humano capaz de<br />

responder ao problema clássico da essência: O que é o homem? (LIMA VAZ, 1991,<br />

p.10-11).<br />

E aqui se coloca a questão: qual a relação da antropologia filosófica com as ciências<br />

<strong>do</strong> homem? Esta relação se estabelece no plano <strong>do</strong>s problemas filosóficos que se<br />

apresentam nas diversas ciências empírico-formais e ciências hermenêuticas.<br />

Nesta relação da Antropologia Filosófica com as ciências sobre o homem que se<br />

des<strong>do</strong>bram em múltiplas direções, esta se propõe encontrar o centro conceptual que<br />

unifique as múltiplas linhas de explicação <strong>do</strong> fenômeno humano e no qual se<br />

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inscrevem as categorias fundamentais que venham a constituir o discurso filosófico<br />

sobre o ser <strong>do</strong> homem ou constituam a antropologia como ontologia (LIMA VAZ,<br />

1991, p.11).<br />

Três são os pólos epistemológicos fundamentais: a) pólo das formas simbólicas –<br />

situa<strong>do</strong> no horizonte das ciências da cultura; b) pólo <strong>do</strong> sujeito – situa<strong>do</strong> no horizonte<br />

das ciências <strong>do</strong> indivíduo e <strong>do</strong> agir individual, social e histórico; c) pólo da natureza -<br />

situa<strong>do</strong> no horizonte das ciências naturais <strong>do</strong> homem (LIMA VAZ, 1991, p.12).<br />

A Antropologia filosófica, no seu esforço teórico de elaborar uma visão unitária,<br />

ten<strong>do</strong> diante de si um quadro complexo e fragmenta<strong>do</strong> de ciências, cujo saber e<br />

conhecimentos sobre o objeto-homem exercem grande influxo, deve ser – segun<strong>do</strong><br />

Lima Vaz – uma antropologia integral, isto é, uma articulação entre esses três<br />

pólos que não ceda ao reducionismo e não se contente com simples justaposição,<br />

mas proceda dialeticamente, integran<strong>do</strong> os três pólos da natureza, <strong>do</strong> sujeito e da<br />

forma na unidade das categorias fundamentais <strong>do</strong> discurso filosófico sobre o homem<br />

(LIMA VAZ, 1991, p.13).<br />

Constata-se um vasto campo das ciências que concorrem no debate atual na<br />

discussão sobre o homem; tem grande importância as ciências naturais e as<br />

ciências hermenêuticas. Mas a relação da antropologia filosófica com estas ciências<br />

acontece nos problemas reconheci<strong>do</strong>s propriamente como filosóficos que cada uma<br />

dessas ciências levanta.<br />

A Filosofia, segun<strong>do</strong> Lima Vaz, recebe de duas fontes principais seus da<strong>do</strong>s e<br />

problemas: chama de pré-compreensão os da<strong>do</strong>s e problemas que vem da<br />

experiência natural; e chama compreensão explicativa, os da<strong>do</strong>s que vem<br />

propriamente da ciência. Ambas as fontes, no caso da antropologia filosófica,<br />

voltam-se ao próprio homem, que é a um tempo, sujeito e objeto da interrogação<br />

filosófica (LIMA VAZ,1991, p.13).<br />

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Daí a importância da distinção entre a antropologia puramente como objeto nos seus<br />

campos particulares; a antropologia filosófica estuda o homem como ―sujeito-objeto‖<br />

e na sua dimensão de globalidade.<br />

Os problemas filosóficos das ciências <strong>do</strong> homem podem ser organiza<strong>do</strong>s em torno<br />

<strong>do</strong> pólo da natureza, forman<strong>do</strong> as ciências empírico-formais ou ciências naturais <strong>do</strong><br />

homem; e em torno <strong>do</strong>s pólos <strong>do</strong> sujeito e da cultura, constituin<strong>do</strong>-se desta forma as<br />

ciências hermenêuticas.<br />

No campo das ciências da natureza, <strong>do</strong>is são os problemas sobre o homem com<br />

grande implicação na filosofia: a questão da gênese <strong>do</strong> homem e a da sua estrutura.<br />

Os principais problemas filosóficos no horizonte atual das ciências hermenêuticas<br />

são: da cultura, da sociedade, <strong>do</strong> psiquismo, da história, da religião, e <strong>do</strong> ethos, a<br />

condição teleológica e axiológica <strong>do</strong> agir <strong>do</strong> homem.<br />

Desta forma, o vasto campo das ciências humanas oferece um panorama de<br />

problemas que juntamente com os da<strong>do</strong>s permanentes da experiência natural irá<br />

constituir o <strong>do</strong>mínio objetivo <strong>do</strong>s saberes <strong>do</strong> homem sobre si mesmo que a reflexão<br />

filosófica deverá tematizar e organizar em torno <strong>do</strong> centro último de inteligibilidade<br />

<strong>do</strong> homem, que é a sua auto-posição como sujeito (LIMA VAZ, 1991, p.14-17).<br />

Referências<br />

LIMA VAZ, H.C. Antropologia Filosófica I, S. Paulo: Loyola, 1991<br />

LIMA VAZ, H.C. Antropologia Filosófica II, S. Paulo: Loyola, 1992<br />

LOBATO, A. Antropologia y metantropologia: los caminos actuales de accesso al<br />

hombre. In: Seminarium, n.1 (1980).<br />

PALÁCIO, Carlos (Org.) Cristianismo e História. S. Paulo: Loyola, 1982<br />

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VVAA. Semana filosófica em homenagem ao Pe. Vaz, in: Síntese Nova Fase, vol.<br />

18, n. 55, 1991.<br />

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O ESTADO DE DIREITO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA<br />

Ítalo Biancardi Neto<br />

Gradua<strong>do</strong> em Direito.<br />

1º Filosofia - UNICENTRO/PR.<br />

italo-biancardi@yahoo.com.br.<br />

Palavras-chave: <strong>Esta<strong>do</strong></strong> de Direito, Dignidade da Pessoa Humana, Iluminismo,<br />

Kant.<br />

Muitas discussões têm si<strong>do</strong> realizadas ao longo <strong>do</strong> tempo a respeito da<br />

complexidade da vida humana, as relações entre as pessoas, a tolerância, as<br />

guerras e toda gama de dificuldades pela qual o homem atravessa os séculos.<br />

Apesar disso, nunca se chega a um desiderato comum capaz de mitigar os<br />

malefícios das mazelas que norteiam o mun<strong>do</strong>, que caminham com o ser onde quer<br />

que ele esteja, provocadas, na maioria das vezes, pela sua própria conduta ou<br />

atividade. Todavia, a saída <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de beligerância, de lutas acirradas, de<br />

contendas, de brigas intermináveis, estão longe de se acabarem. A fraqueza<br />

humana o torna incapaz de reagir aos diversos obstáculos que encontra em seu<br />

caminho na busca da felicidade. Desde uma certa perspectiva, podemos entender<br />

que a vida <strong>do</strong> homem, muitas vezes, é determinada por um conjunto de sofrimentos<br />

e de vícios, mas, a ideia <strong>do</strong> Iluminismo, originada nos pensamentos <strong>do</strong>s grandes<br />

escritores e filósofos <strong>do</strong>s séculos XVI e XVII, jungi<strong>do</strong>s aos pensamentos <strong>do</strong>s pré-<br />

socráticos, até os dias atuais, ganham força na medida em que, diante daquela<br />

interpretação acima mencionada, a incapacidade <strong>do</strong>s homens de saírem de seu<br />

vazio, continua lhe afligin<strong>do</strong>, angustian<strong>do</strong>, preocupan<strong>do</strong> e tornan<strong>do</strong>-o escravo de si<br />

mesmo e de outros que a ele se subsumiram desde seu nascimento.<br />

Resumidamente, será trata<strong>do</strong> no discorrer <strong>do</strong> texto o homem dentro de um certo<br />

entendimento e sua condição humana, indican<strong>do</strong> em geral a necessidade de<br />

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reafirmar o contratualismo diante da visão egocêntrica da pessoa humana, passan<strong>do</strong><br />

pela religião e seu papel na diminuição dessa condição de tendência, para somente<br />

após demonstrar o significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Esta<strong>do</strong></strong> de Direito e sua contraposição ao <strong>Esta<strong>do</strong></strong><br />

de Natureza, com ênfase para o significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> Iluminismo em Kant, de seu propósito<br />

Universal com as várias proposições por ele apresentadas, terminan<strong>do</strong> por concluir<br />

por uma necessidade de orientarmos no pensamento alheio; percorrer também as<br />

irradiações <strong>do</strong> que seja dignidade da pessoa humana, através <strong>do</strong>s princípios de<br />

liberdade, de igualdade e seus significa<strong>do</strong>s e importância atuais para o avanço da<br />

humanidade, mediante a aplicação <strong>do</strong> princípio da razoabilidade para a busca da<br />

felicidade, dentro <strong>do</strong> contexto de um <strong>Esta<strong>do</strong></strong> Democrático de Direito, para concluir,<br />

ao final, de que sem o respeito a tais questões de extrema relevância e aplicações<br />

gerais, não se é possível, no atual modelo, ter dignidade humana na ausência <strong>do</strong><br />

<strong>Esta<strong>do</strong></strong> de Direito idealiza<strong>do</strong> por Kant. O projeto apresenta<strong>do</strong> irá percorrer alguns<br />

institutos jurídicos oriun<strong>do</strong>s da razão humana daqueles grandes idealistas que<br />

estiveram vivos dentro <strong>do</strong> Iluminismo, em específico Immanuel Kant, cria<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />

―<strong>Esta<strong>do</strong></strong> de Direito‖, inobstante ser aclama<strong>do</strong> como anti-iluminista na concepção<br />

alemã de idealismo, tu<strong>do</strong> como forma de se caminhar para um mun<strong>do</strong> cada vez<br />

melhor, porque to<strong>do</strong>s desejam, mas precisam da orientação alheia, bem como<br />

conhecer para saber orientar-se por si mesmo. Percorrer, pois, os conceitos <strong>do</strong><br />

―<strong>Esta<strong>do</strong></strong> de Direito‖, idealiza<strong>do</strong> por Kant ―in Doutrina <strong>do</strong> Direito‖, de 1797, em<br />

contraposição ao ―<strong>Esta<strong>do</strong></strong> de Natureza‖ de Hobbes, ―in Leviatã‖, com breves<br />

dissertações sobre os princípios da liberdade, igualdade, da dignidade da pessoa<br />

humana, conforme comentários de José Afonso da Silva, ―in Curso de Direito<br />

Constitucional Positivo‖, 1990, cujos Direitos se acham insculpi<strong>do</strong>s na Carta Magna<br />

<strong>do</strong> Constituinte originário de 1988, os quais devem ser garanti<strong>do</strong>s pelo ente jurídico<br />

<strong>Esta<strong>do</strong></strong>, a fim de evitar os abusos individuais ou coletivos, no senti<strong>do</strong> de que to<strong>do</strong>s<br />

possam almejar a paz e felicidade desejada, poden<strong>do</strong> ser àquela mesma esposada<br />

por Kant.<br />

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Neste trabalho realiza<strong>do</strong>, mais que as discussões sociais e humanas, está em<br />

questão nosso <strong>Esta<strong>do</strong></strong> de Direito, porque to<strong>do</strong>s os problemas existentes em nossa<br />

sociedade, principalmente àqueles mais graves, como <strong>do</strong> crime organiza<strong>do</strong> ou<br />

daquelas situações de penúria em que vivem a maioria <strong>do</strong>s indivíduos, ordens<br />

invertidas que se contrapõe as exigências legais e <strong>do</strong> bem comum, as quais ocorrem<br />

em to<strong>do</strong>s os pontos <strong>do</strong> território nacional e, portanto, são locais em que as pessoas<br />

não estão ao abrigo <strong>do</strong> artigo 1º., da Constituição Federal, eis que ali estão<br />

vigoran<strong>do</strong> leis feitas sob o nume <strong>do</strong> tráfico de drogas, <strong>do</strong> roubo, da morte, da<br />

desonra; em muitos lugares, não existe nem mesmo a Lei de Talião que pressupõe<br />

uma vítima forte, capaz de enfrentar o ofensor. Nessas áreas, sob <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> mais<br />

forte, vige regras imorais e desumanas, escravizan<strong>do</strong> pessoas a viverem em<br />

condições altamente indignas, sem poder de reação, nem mesmo possuem<br />

condições de manifestar o pensamento e de serem ouvidas, atendidas<br />

merecidamente, estão viven<strong>do</strong> no silêncio, com me<strong>do</strong> e angústias, condutas estas<br />

incompatíveis à dignidade da pessoa humana, pois tais indivíduos afeta<strong>do</strong>s pelas<br />

mazelas alheias e pela força <strong>do</strong> mais forte, estão coagidas a suportar em silêncio<br />

tu<strong>do</strong>, inclusive o me<strong>do</strong>. Mais importante que debelar tu<strong>do</strong> isso, vitória que será<br />

passageira, está em manter neste país a luz <strong>do</strong> <strong>Esta<strong>do</strong></strong> Democrático de Direito.<br />

To<strong>do</strong> trabalho neste senti<strong>do</strong> pode ser falho, decorrente <strong>do</strong> ato humano, contu<strong>do</strong>, o<br />

significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> respeito às boas Leis e aos indivíduos, uns pelos outros, e entre estes<br />

pelo <strong>Esta<strong>do</strong></strong>, reciprocamente, é afirmar que o <strong>Esta<strong>do</strong></strong> de Direito, idealiza<strong>do</strong> por Kant,<br />

uma conquista <strong>do</strong> Iluminismo, momento em que a humanidade saiu da sua<br />

incapacidade, orientan<strong>do</strong>-se pelo pensamento alheio, existe e, pela força da<br />

consciência <strong>do</strong>s indivíduos e <strong>do</strong> próprio <strong>Esta<strong>do</strong></strong> na consecução <strong>do</strong> bem comum,<br />

impõe-se o respeito à lei e aos Direitos Humanos, buscan<strong>do</strong> tirar as pessoas de<br />

suas condições de indignidade, portanto, melhoran<strong>do</strong> a paz social e a tranqüilidade<br />

pública, bens supremos de uma sociedade bem ordenada ou equilibrada, que por<br />

consequência, possibilita a busca da felicidade humana.<br />

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Referências bibliográficas<br />

KANT, Immanuel. A Paz Perpétua e outros Opúsculos. Lisboa: Portugal: Edições 70,<br />

1995.<br />

KELSEN, Hans. Teoria Pura <strong>do</strong> Direito. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.<br />

BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. 6ª ed. Brasília: Editora<br />

Universidade de Brasília, 1992.<br />

BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense,<br />

1994.<br />

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª ed. São Paulo:<br />

Editora Revista <strong>do</strong>s Tribunais Ltda., 1990.<br />

HOBBES, Thomas. Leviatã. 1ª ed. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002.<br />

KIERKEGAARD, Sören. O Desespero Humano. 1ª ed. São Paulo: Editora Martin<br />

Claret, 2002.<br />

RUSSEL, Bertrand. A Conquista da Felicidade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.<br />

INGENHEIROS, José. O Homem Medíocre. 1ª ed. Curitiba: Editora Livraria <strong>do</strong><br />

Chain, 2003.<br />

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FOUCAULT E A VERDADE<br />

Palavras-chave: Verdade, Ciência, História, Arqueologia.<br />

Jussara Tossin Martins Bezeruska<br />

Mestre em Filosofia – UNIOESTE/Tole<strong>do</strong><br />

caixapostaldaju@hotmail.com<br />

Três obras principais marcam o perío<strong>do</strong> inicial das pesquisas de Michel Foucault<br />

designadas pelo filósofo de arqueologia. Nestas obras o filósofo coloca questões<br />

que deflagram uma nova relação com a verdade, estabelecen<strong>do</strong> rupturas no<br />

pensamento contemporâneo que deram nova forma aos saberes médicos e<br />

psiquiátricos e às relações com o poder. O trabalho ora apresenta<strong>do</strong> pretende<br />

analisar o estatuto desta noção de verdade surgida a partir das pesquisas<br />

foucaultianas. Busca-se entender de que forma os direcionamentos meto<strong>do</strong>lógicos e<br />

conceituais das pesquisas de Foucault propiciaram a elaboração de um novo regime<br />

de verdade.<br />

História da loucura, a primeira obra <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>, critica as histórias da psiquiatria e<br />

das ciências que projetam sobre o passa<strong>do</strong> suas verdades terminais e que nele<br />

procuram indícios <strong>do</strong>s primeiros passos de uma ciência, cuja evolução propiciou que<br />

fossem desvendadas as verdades cientificas aceitas tão prontamente na atualidade.<br />

História da loucura visa, sobretu<strong>do</strong>, demonstrar que esta evolução científica não<br />

passa de uma ilusão retrospectiva da história da psiquiatria. Uma questão<br />

importante colocada pelo filósofo, indaga pelos limites e objetos próprios de uma<br />

disciplina científica em to<strong>do</strong> o seu rigor. O conceito para esta é a expressão da<br />

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verdade, ou seja, somente ele define a racionalidade científica. Segun<strong>do</strong> Macha<strong>do</strong><br />

(2006, p. 74), para Foucault, <strong>do</strong> ponto de vista da ciência, em senti<strong>do</strong> rigoroso, a<br />

psiquiatria não é ciência, mas uma teoria com pretensão de cientificidade, uma vez<br />

que se utiliza <strong>do</strong>s discursos da medicina para abordar seu objeto. Assim, ao tomar<br />

por objeto os conceitos da psiquiatria, Foucault prescinde <strong>do</strong>s discursos científicos<br />

como objeto exclusivo e não toma a ciência como critério de suas pesquisas<br />

históricas. Desta forma, História da loucura desloca as fronteiras com relação às<br />

histórias das ciências, pois, analisa também os discursos não-científicos, como os<br />

filosóficos e literários. Sen<strong>do</strong> assim, toda pesquisa empreendida por Foucault, tanto<br />

em História da loucura, quanto em obras posteriores, não aborda com exclusividade<br />

o discurso científico, mas, pretende dar conta <strong>do</strong> conceito levan<strong>do</strong> em consideração<br />

um conjunto heterogêneo de discursos, sejam eles científicos ou não.<br />

As palavras e as coisas, em relação à História da loucura, é um livro que apresenta<br />

modificações tanto na questão da amplitude <strong>do</strong>s saberes aos quais estende sua<br />

análise, quanto no que diz respeito à forma como Foucault empreende a pesquisa<br />

arqueológica. Nesta obra o filósofo formula pela primeira vez a noção de epistémê<br />

que se constitui no objeto principal da análise realizada em As palavras e as coisas<br />

e que, devi<strong>do</strong> a especificidade com que se caracteriza, possibilita que a arqueologia,<br />

frente às histórias das ciências e das idéias, seja não só diferente destas histórias,<br />

mas, sobretu<strong>do</strong>, configure-se como uma nova forma de análise. Nela, o saber<br />

configura-se como o nível específico no qual se dá a análise arqueológica. Isto faz<br />

com que a arqueologia se diferencie das outras histórias, pois, não se trata de<br />

priorizar o discurso científico. O simples fato de que Foucault utiliza para sua análise<br />

os discursos da economia, da biologia e da filologia demonstra a flexibilidade da<br />

análise com relação às fronteiras das disciplinas científicas.<br />

Ao expandir os <strong>do</strong>mínios de As palavras e as coisas para além das fronteiras de<br />

uma única disciplina, Foucault não faz história das ciências ou tenta descrever o<br />

processo de evolução de um conceito. Discute com elas, na medida em que coloca<br />

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em questão seus méto<strong>do</strong>s e seus problemas. O ponto que separa a arqueologia da<br />

epistemologia é a forma como os da<strong>do</strong>s da ciência são trata<strong>do</strong>s e aborda<strong>do</strong>s pela<br />

história arqueológica. Não é relevante para a arqueologia determinar quais saberes<br />

de uma época pertencem ao conhecimento legitima<strong>do</strong> pela tradição e quais saberes<br />

pertencem ao <strong>do</strong>mínio obscuro da ignorância. Da mesma forma, Foucault não faz<br />

arqueologia toman<strong>do</strong> em conta um sujeito originário ou uma consciência auto-<br />

constituída, tal como a filosofia, de Descartes a Sartre, assim o compreende. Trata-<br />

se de uma análise pela qual o sujeito é compreendi<strong>do</strong> como objeto historicamente<br />

constituí<strong>do</strong> por processos exteriores a ele.<br />

Em Arqueologia <strong>do</strong> saber, Foucault tem como objetivo fazer uma reflexão profunda e<br />

rigorosa sobre os usos meto<strong>do</strong>lógicos e conceituais executa<strong>do</strong>s nos escritos<br />

anteriores, sem a intenção de construir, a partir daí, um méto<strong>do</strong> de pesquisa<br />

histórica. As polêmicas e críticas surgidas após a publicação de História da loucura e<br />

As palavras e as coisas são alguns <strong>do</strong>s motivos que levaram o filósofo a escrever<br />

sobre estas obras procuran<strong>do</strong> caracterizar melhor sua análise com o objetivo de<br />

superar dificuldades originárias da pesquisa e outras apontadas por críticos e<br />

estudiosos. Constitui-se em uma revisão crítica e reflexiva que busca homogeneizar<br />

e retificar as opções teóricas e as práticas de pesquisa que deram origem à História<br />

da loucura e As palavras e as coisas. A arqueologia <strong>do</strong> saber responde em eco às<br />

obras que a precederam. Sua tarefa é questionar os méto<strong>do</strong>s, os limites e os temas<br />

da história em sua forma tradicional, sobretu<strong>do</strong> em suas referências a um suposto<br />

sujeito funda<strong>do</strong>r. Busca desfazer as últimas sujeições antropológicas sacralizadas<br />

pela velha história, ao mesmo tempo em que quer demonstrar como foram<br />

formadas. A arqueologia <strong>do</strong> saber pretende ser a forma mais acabada e mais<br />

coerente das pesquisas realizadas anteriormente que foram, – de certa forma e<br />

segun<strong>do</strong> Foucault –, esboçadas em desordem, um pouco imperfeitamente, exigin<strong>do</strong><br />

que fosse estabelecida uma articulação que desse à arqueologia uma forma mais<br />

geral. Foucault, com suas pesquisas, pergunta pelos mecanismos e instâncias que<br />

fazem com que um discurso científico, por exemplo, funcione como verdade.<br />

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Fundamentalmente a questão é saber quais os caminhos que levam à produção de<br />

um certo regime de verdade e quais são os seus efeitos. A análise empreendida por<br />

Foucault nas três obras citadas faz-nos concluir que a pesquisa arqueológica é uma<br />

tentativa de construção de uma forma de estu<strong>do</strong> que evita as formalizações e que,<br />

por este motivo, pretende possibilitar a abordagem de <strong>do</strong>mínios <strong>do</strong> saber em<br />

campos diversos prescindin<strong>do</strong> da necessidade de limitar-se ao uso de conceitos<br />

epistemológicos clássicos nas abordagens destes <strong>do</strong>mínios. Assim, a arqueologia<br />

apresenta-se como um instrumento que possibilita refletir sobre as ciências e sobre<br />

os saberes, sobre o formal e sobre o não científico, sobre o legítimo e sobre o<br />

periférico.<br />

Referências<br />

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências<br />

humanas. 8 ed. Tradução de Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes,<br />

1999.<br />

_____. História da loucura: na Idade clássica. 8 ed. Tradução de José Teixeira<br />

Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 2007.<br />

_____. Arqueologia <strong>do</strong> saber. 7 ed. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. Rio de<br />

Janeiro: Forense Universitária, 2007.<br />

MACHADO, Roberto. Foucault, a ciência e o saber. 3 ed. Rio de Janeiro: Jorge<br />

Zahar, 2006.<br />

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Uma publicação <strong>do</strong> Departamento de Filosofia<br />

E-mail: defil.unicentro@yahoo.com.br<br />

Fone: (42) 3621-1097<br />

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