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histórias contadas sobre camacã: filha pródiga de canavieiras

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FACULDADE OLGA METTING<br />

CENTRO DE ESTUDOS DE PÓS-GRADUAÇÃO OLGA METTING<br />

MARIA JOAQUINA MOURA PINTO<br />

HISTÓRIAS CONTADAS SOBRE<br />

CAMACÃ: FILHA PRÓDIGA DE<br />

CANAVIEIRAS<br />

SALVADOR<br />

2004


MARIA JOAQUINA MOURA PINTO<br />

HISTÓRIAS CONTADAS SOBRE<br />

CAMACÃ: FILHA PRÓDIGA DE<br />

CANAVIEIRAS<br />

Monografia apresentada ao Centro <strong>de</strong><br />

estudos <strong>de</strong> Pós-Graduação da Faculda<strong>de</strong><br />

Olga Metting, como requisito parcial à<br />

obtenção do <strong>de</strong> grau <strong>de</strong> Qualificação<br />

Docente para o Magistério Superior em<br />

Turismo.<br />

Orientadora: Profª. Vera Fartes<br />

SALVADOR<br />

2004


Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Damares <strong>de</strong> Oliveira.<br />

P72 PINTO, Maria Joaquina Moura.<br />

Histórias <strong>contadas</strong> <strong>sobre</strong> Camacã [manuscrito]: <strong>filha</strong> <strong>pródiga</strong> <strong>de</strong><br />

Canavieiras / por Maria Joaquina Moura Pinto – 2004.<br />

162 f. : il.<br />

Monografia (especialização) – Faculda<strong>de</strong> Olga Metting, Centro<br />

De Estudos De Pós-Graduação Olga Metting, 2004.<br />

Orientação: Profª.:Vera Fartes.<br />

1. Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Camaçã – Bahia - História. 2. Cacau - Bahia – I.<br />

Título.<br />

CDU – 911


MARIA JOAQUINA MOURA PINTO<br />

HISTÓRIAS CONTADAS SOBRE CAMACÃ: FILHA<br />

PRÓDIGA DE CANAVIEIRAS<br />

Esta Monografia foi julgada e aprovada para obtenção do<br />

<strong>de</strong> grau <strong>de</strong> Qualificação Docente para o Magistério Superior em<br />

Turismo.<br />

Salvador, Bahia, _____/_________ <strong>de</strong> 2004.<br />

BANCA EXAMINADORA<br />

_____________________________________<br />

Profª. Vera Fartes (Faculda<strong>de</strong> Olga Metting)<br />

Orientadora<br />

_____________________________________<br />

Prof.: (Instituição)<br />

_____________________________________<br />

Prof.: (Instituição)


A minha mãe aquela que me ensinou<br />

a enfrentar o mundo;<br />

A meu pai e minha avó raízes da minha inquietação<br />

pela busca do saber; e,<br />

Aos meus filhos e netos razão dos meus <strong>de</strong>safios.


AGRADECIMENTOS<br />

Agra<strong>de</strong>ço a Professora Vera Fartes<br />

que me introduziu com “Liberda<strong>de</strong>”<br />

nos primeiros passos<br />

pelo mundo dos registros.


Folha para escrever aqui sua epígrafe.


RESUMO<br />

Reconstruindo a história <strong>de</strong> minha vida, solicitação requerida pela profissão<br />

abraçada (terapeuta <strong>de</strong> família), <strong>de</strong>frontei-me com as minhas origens e a<br />

história <strong>de</strong> Camacã. A inexistência <strong>de</strong> qualquer registro histórico quanto<br />

aos primeiros movimentos exploratórios à região, fez-nos sentir na<br />

obrigação <strong>de</strong> aprofundarmos essas informações, junto aqueles que<br />

conviveram com as figuras responsáveis pela idéia, pelo <strong>de</strong>sbravamento<br />

<strong>de</strong>stas matas e que também, viveram o processo <strong>de</strong> colonização <strong>de</strong>sta área:<br />

os pioneiros <strong>de</strong>sta terra, hoje chamada Camacã. Da origem <strong>de</strong> cacau no<br />

mundo, do consumo <strong>de</strong> chocolate e da sua expansão, chegamos a<br />

Canavieiras, berço da cacauricultura baiana e sua emancipação como<br />

formação do primeiro núcleo social <strong>de</strong> Camacã até a sua emancipação<br />

como cida<strong>de</strong>. Através <strong>de</strong> entrevistas abertas retratadas com fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong><br />

originária, percorremos a história <strong>de</strong>sta região que alcançou, no período <strong>de</strong><br />

apogeu da cacauricultura baiana, a condição <strong>de</strong> município mais rico, pelo<br />

volume <strong>de</strong> produção e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cacau. O registro originário <strong>de</strong>ssas<br />

entrevistas expressa a preocupação em fornecer primeiros passos da<br />

história às próximas gerações para questionamentos, aprofundamento,<br />

compreensão ou interpretação <strong>de</strong> fatos sociais, históricos, econômicos e<br />

políticos <strong>de</strong> uma região, que com a cultura <strong>de</strong> uma época, <strong>de</strong>ixou marcado<br />

um certo modo <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sta Região.<br />

Palavras-Chave: Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Camaçã – Bahia – História; Cacau – Bahia.


ABSTRACT<br />

Reconstructing the history of my life, request required for the hugged<br />

profession (therapeutic of family), I confrotted with my origins and the<br />

history of Camacã. The inexistence of any historical register how much to<br />

the first exploratórios movements to the region, it ma<strong>de</strong> to feel us in the<br />

obligation to <strong>de</strong>epen these information, together those that had coexisted<br />

the responsible figures for the i<strong>de</strong>a, for the <strong>de</strong>sbravamento of these bushes<br />

and that also, had lived the process of settling of this area: the pioneers of<br />

this land, today called Camacã. Of the origin of cacao in the world, of the<br />

consumption of chocolate and its expansion, we arrive the Canavieiras,<br />

cradle of the bahian cacauricultura and its emancipation as formation of the<br />

first social nucleus of Camacã until its emancipation as city. Through<br />

portraied open interviews with originary allegiance, we cover the history of<br />

this region that reached, in the period of apogee of the bahian<br />

cacauricultura, the condition of richer city, for the volume of production<br />

and quality of cacao. The originary register of these interviews express the<br />

concern in supplying first steps of history to the next generations<br />

questionings, <strong>de</strong>epening, un<strong>de</strong>rstanding or interpretation of social,<br />

historical, economic facts and politicians of a region, that with the culture<br />

of a time, left marked a certain way of being of this Region.<br />

Keywords: City of Camaçã - Bahia - History; Cacao - Bahia.


SUMÁRIO<br />

1 INTRODUÇÃO .......................................................................... 11<br />

2 UMA CULTURA ENVOLTA DE LENDAS E MITOS ................ 19<br />

3 A ONDE MEU TIO QUERIA CHEGAR<br />

.....................................<br />

4 FAZENDA LAGOS: SIMBOLO DA LUTA PELA<br />

INDEPENDÊNCIA DA BAHIA ......................................................<br />

5 OS PRIMOS: JOÃO ELIAS E MÃE CALÚ ............................. 44<br />

6 A FESTA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO<br />

...................<br />

6.1 LEMBRANÇAS DO PASSADO: RELÍQUIAS DE UM TEMPO . 56<br />

7 “MISSÃO CUMPRIDA” ............................................................ 59<br />

8 UM SONHO, UMA LUTA, UMA CONQUISTA ......................... 66<br />

9 “CACAURICULTORES DE PÉS DESCALSOS” .................... 96<br />

10 CONCLUSÃO ........................................................................... 115<br />

REFERÊNCIAS ........................................................................ 118<br />

ANEXOS: DOCUMENTAÇÕES E ILUSTRAÇÕES<br />

...................<br />

f.<br />

26<br />

39<br />

51<br />

119


1 INTRODUÇÃO<br />

Ao lermos qualquer historia construímos um cenário próprio<br />

certamente diferente <strong>de</strong> quem nos conta, uma idéia própria. Com isso,<br />

sempre nossa subjetivida<strong>de</strong> interfere comprometendo algumas vezes,<br />

aquilo que nos foi transmitido, mas é com essa preocupação <strong>de</strong> espírito,<br />

que aqui tentarei ser a mais fiel possível às informações a mim passadas. E,<br />

antes <strong>de</strong> começar a contar a história do nascimento da região <strong>de</strong> Camacã,<br />

minha terra “com gosto <strong>de</strong> chocolate”, não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> contar outra<br />

história <strong>de</strong> como nasceu essa vonta<strong>de</strong>.<br />

Des<strong>de</strong> criança, muito curiosa, como diziam os mais velhos, me<br />

interessava profundamente, pelo relato dos mesmos quando relembravam<br />

os anos idos das suas existências. Assim, já acumulava muito cedo, cenas<br />

construídas na minha mente da história da família <strong>de</strong> origem <strong>de</strong> minha mãe,<br />

oriunda da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Canavieiras.<br />

Professora primária inicialmente, carreira que mais aten<strong>de</strong>u ao<br />

<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> minha mãe, não tar<strong>de</strong>i pular para outras ativida<strong>de</strong>s profissionais<br />

com as quais, mais me i<strong>de</strong>ntificava.<br />

Pertencendo a uma geração ainda <strong>de</strong> fortes repressões à mulher,<br />

carrego lembranças marcadas, por exclusões, que talvez nem consciência<br />

ainda naquela época tivesse, mas que fizeram toda a diferença nos meus


projetos, alguns já até mesmo esquecidos ou superados na trajetória da<br />

vida.<br />

Descen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> família <strong>de</strong> origem rural, sem tradições familiares<br />

ligadas a cultura acadêmica, vi-me na Universida<strong>de</strong> fazendo o curso <strong>de</strong><br />

Serviço Social sem maior consciência do meu ato. Mais uma vez escolhia<br />

outra profissão eminentemente feminina, talvez inconscientemente<br />

aten<strong>de</strong>ndo novamente minha mãe, preocupada com separações conjugais<br />

futuras, em que argumentava que o “magistério público”, por certo,<br />

protegeria o casamento, contra o consolo <strong>de</strong> qualquer colega <strong>de</strong> trabalho do<br />

sexo oposto.<br />

De estudante <strong>de</strong> Serviço Social, lí<strong>de</strong>r estudantil <strong>de</strong> esquerda a<br />

vida profissional, o caminho foi rápido entrecortado pelo golpe militar <strong>de</strong><br />

Estado <strong>de</strong> 1964, quando boa parte daquela gente abandonou os i<strong>de</strong>ais<br />

socialistas ou os reprimiu.<br />

Casamento, filhos, reflexões, inquietações e eis que recebo um<br />

convite para participar <strong>de</strong> um grupo interessado no estudo da Psicanálise.<br />

Começando por nossa análise, não tardamos a iniciar a formação<br />

psicanalítica com renomados professores argentinos que nos vinham<br />

mensalmente ministrar os seminários.<br />

Já daí, começávamos as nossas inquietações, quanto a nossa<br />

história <strong>de</strong> origem. Agora frente a conhecimentos extremamente<br />

revolucionários da Psicanálise, talvez como <strong>de</strong>fesa frente às frustrações e a


ealida<strong>de</strong> política ainda repressora, mudava o foco quanto aos<br />

questionamentos dos sofrimentos humanos, provindos da cultura, da vida<br />

cotidiana.<br />

Interessada sempre pela <strong>de</strong>nuncia quanto aos movimentos <strong>de</strong><br />

opressão quer pela família ou pela cultura, ou pela socieda<strong>de</strong>, que afligem o<br />

homem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância, adolescência até a fase adulta, exercida através<br />

das i<strong>de</strong>ologias políticas, econômicas ou sociais <strong>de</strong> uma época, consegui<br />

redirecionar as minhas angustias em busca <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a lidar com essa<br />

nova forma <strong>de</strong> intervir, <strong>de</strong> contribuir para estimular a capacida<strong>de</strong> auto<br />

reflexiva do ser humano.<br />

Agora <strong>de</strong> uma forma menos agressiva, mas <strong>de</strong> resultados<br />

extremamente profundos, responsáveis e conscientes, junto à daqueles que<br />

compartilhavam e se i<strong>de</strong>ntificavam com essas idéias, partia em direção a<br />

uma nova aventura.<br />

Mais uma vez mergulhava numa utopia, que me fazia dar um<br />

significado mais digno a minha existência.<br />

Sempre direcionada ao estudo da família, essa intrigante<br />

instituição, que vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a representação <strong>de</strong> um santuário a fabrica <strong>de</strong><br />

loucos, não tar<strong>de</strong>i a me interessar pela Terapia <strong>de</strong> Família e Casal<br />

estruturada a partir <strong>de</strong> 1950 nos EEUU e Europa.<br />

A pobreza em publicações no Brasil, nesta área, fez-me recorrer<br />

às obras importadas da Argentina, celeiro na época, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s


contribuições culturais. Aos poucos fui construindo um saber, com ajuda<br />

valiosa <strong>de</strong> Marta Berlin, psicanalista e terapeuta <strong>de</strong> família argentina, que<br />

me introduziu a um novo conceito <strong>de</strong> mulher e a conseqüente<br />

resignificação <strong>de</strong> família. Mergulhava agora no inquietante <strong>de</strong>safio <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>cifrar: o que sou? Quem eu sou? (a família).<br />

Alguns anos se passaram quando num curso em Massachuset<br />

vivenciando um trabalho <strong>sobre</strong> a TOF (Terapia <strong>de</strong> Família <strong>de</strong> Origem)<br />

comecei a dar maior forma a essa construção. Era o ano <strong>de</strong> 1997, quando<br />

nos foi pedido que <strong>de</strong>ixasse vir à mente algo que representasse a nossa<br />

família <strong>de</strong> origem. A idéia logo se transformou numa imagem <strong>de</strong> uma vaca<br />

holan<strong>de</strong>sa <strong>de</strong> tetas esvaídas... E foi ai que a história começou... Talvez um<br />

presságio <strong>de</strong> uma crise por vir.<br />

De posse já <strong>de</strong> algumas narrativas, abriram-se outras curiosida<strong>de</strong>s<br />

que retornando ao Brasil, às pressas, recorri a minha mãe que um dia me<br />

disse: “<strong>de</strong>ixe os mortos em paz” para não dizer não me faça lembrar do que<br />

é difícil para mim... Ou “você esta querendo saber <strong>de</strong>mais...”.<br />

O tempo passava e a construção seguia. Conversas na mesa, nas<br />

tar<strong>de</strong>s <strong>de</strong> domingo, a parada na casa <strong>de</strong> minha mãe para o cafezinho com<br />

leite após a volta do trabalho, tudo isso me fazia retornar ao tempo no meu<br />

imaginário. Era fantástico acompanhar as historias, os casos que nas<br />

páginas seguintes iremos relatar com a <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za, com a inocência <strong>de</strong> uma<br />

época que jamais retornará.


À medida que avançávamos <strong>sobre</strong> o passado mais fascinantes<br />

eram as cenas e personagens <strong>de</strong>scritas. Inigualáveis relatos foram me<br />

levando a um lugar comum: a origem, o nascimento <strong>de</strong> uma região, a<br />

esperança <strong>de</strong> um povo, a busca <strong>de</strong> um novo, o sempre recomeçar da própria<br />

natureza humana, e eis que <strong>de</strong> uma forma simples, ru<strong>de</strong>, aventureira, esse<br />

antepassados fundam um lugar hoje Camacã.<br />

Durante 10 anos saí coletando todos os tipos <strong>de</strong> informações que<br />

podiam me chegar às mãos, através <strong>de</strong> <strong>histórias</strong> orais gravadas, filmadas,<br />

<strong>de</strong> fotografias, <strong>de</strong> publicações em jornais e correspondências da época, hoje<br />

um banco <strong>de</strong> dados que me impõem a obrigação <strong>de</strong> registrá-los, como um<br />

acervo, que não mais me pertence e sim, às futuras gerações,<br />

particularmente à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Camacã.<br />

Sem pretensões <strong>de</strong> publicar um inusitado trabalho, <strong>de</strong>sejamos<br />

apenas <strong>de</strong>ixar registrada aqui uma história que passou por nossas<br />

mãos e que servirão no futuro <strong>de</strong> subsídios para a compreensão <strong>de</strong><br />

fatos sociais, históricos, econômicos e políticos <strong>de</strong> uma região que com<br />

a cultura <strong>de</strong> sua época <strong>de</strong>ixou marcado um certo modo <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sta<br />

Região.<br />

Quero aqui ressaltar a gran<strong>de</strong> contribuição dada a esse trabalho a<br />

pessoa <strong>de</strong> um tio meu Boaventura Ribeiro <strong>de</strong> Moura (vê anexo, fig. 1), sem<br />

o qual, essa pesquisa não seria possível. Dele tirei as maiores contribuições<br />

<strong>de</strong>ste trabalho através dos seus relatos, estímulos, e muita força.


No transcurso <strong>de</strong>sse escrito usarei as suas próprias palavras e dos<br />

<strong>de</strong>mais colaboradores, como uma forma <strong>de</strong> manter intacto o conteúdo do<br />

mesmo e a conseqüente preservação do original, tentando com isso manter<br />

melhor fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> para as interpretações futuras.<br />

Lembro-me da sua figura, um lí<strong>de</strong>r natural carismático que já não<br />

se “fabrica” mais, não mais se encontra, nesta “mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> liquida”<br />

segundo o sociólogo Bauman.<br />

Temperamento explosivo, on<strong>de</strong> escondia uma profunda<br />

sensibilida<strong>de</strong>, um bom pai, íntegro, inteligente, <strong>de</strong> memória invejável,<br />

sempre otimista, poucas vezes o vi “surumbático” nem mesmo no meio das<br />

“vassouras <strong>de</strong> bruxa”. Lembro-me também, talvez para consolo, várias<br />

vezes ele brincando com sua esposa Licia dizendo: “mulher... mulher...<br />

quando eu morrer, quero morrer em pé e ela dizia: ih! Que <strong>de</strong>funto feio. E<br />

isso terminava sempre com muita risada”.<br />

Mas acredito que foi realmente assim que ele morreu, lutando.<br />

Já com uma saú<strong>de</strong> frágil, priorizava sempre os compromissos<br />

assumidos. Em Brasília <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo os interesse da região sentiu-se mal,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> interpelado pelo então Ministro da Agricultura quando lhe<br />

perguntou se ainda acreditava na lavoura do cacau. Isso o <strong>de</strong>ixou<br />

extremamente furioso e conseqüentemente <strong>de</strong>sapontado. Voltando <strong>de</strong><br />

Brasília seu estado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> agravou-se vindo a falecer meses <strong>de</strong>pois no dia<br />

20 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2000, <strong>de</strong>ixando um vazio na Região, e muitas sauda<strong>de</strong>s.


Quero também <strong>de</strong>stacar aqui, a gran<strong>de</strong> contribuição que muitas<br />

outras pessoas me <strong>de</strong>ram, principalmente quando não mais tinha a presença<br />

viva <strong>de</strong> meu tio Boaventura, como as <strong>de</strong> tia Lour<strong>de</strong>s, 90 anos, que mesmo<br />

convalescente, com muito entusiasmo completou as informações por mim<br />

solicitadas. A minha mãe, Rosalina, 89 anos que com meu sobrinho Marcos<br />

<strong>de</strong>talharam outras, embora com certa resistência <strong>de</strong>sta, em fornecer dados<br />

que consi<strong>de</strong>rava ina<strong>de</strong>quado o registro dos mesmos.<br />

A meu tio Luís Moura, 69 anos, quase meu irmão, filho caçula <strong>de</strong><br />

minha avó, Nanhinha, que me acresceu muito, quanto à história <strong>de</strong> meu avô<br />

Joviano Moura.<br />

A Zé Campos, que me surpreen<strong>de</strong>u com o seu nível <strong>de</strong><br />

informação, quanto a <strong>de</strong>terminados aspectos, registrados neste trabalho. A<br />

tia Carmelita, que vibrava ao ver as lembranças da sua infância resgatadas.<br />

A Pastora, com sua peculiar irreverência e suas <strong>de</strong>núncias quanto a<br />

violações aos “bons costumes”.<br />

A Maria Rita, 88 anos, última companheira <strong>de</strong> João Vargens, e<br />

por fim, mais recentemente, Sr. Rosalvo Bião, 82 anos, antigo trabalhador<br />

rural dos Ribeiros e <strong>de</strong> Joviano Moura, posteriormente, fazen<strong>de</strong>iro .<br />

Quero ainda registrar aqui, o meu <strong>de</strong>sapontamento <strong>de</strong> não ter<br />

conseguido entrevistar, um número maior <strong>de</strong> trabalhadores daquela época,<br />

e que com isso, pu<strong>de</strong>ssem retratar, <strong>de</strong>ntro da sua ótica, a história <strong>de</strong><br />

Camacã. Várias tentativas foram feitas, e pouco até agora consegui,


entretanto não fechei essa possibilida<strong>de</strong>, uma vez que ainda continuo a<br />

busca <strong>de</strong>ste encontro.<br />

Aproveito, entretanto, a oportunida<strong>de</strong> para citar alguns nomes<br />

dos trabalhadores <strong>de</strong> meu avô e homenageá-los em nome <strong>de</strong> todos aqueles,<br />

que com seus braços fortes, ajudaram a erguer esta Região.<br />

Foram eles: Domingos do Nascimento, Domingão (vê anexo, fig.<br />

2) como chamávamos, negro alto, esguio, homem bom, fiel escu<strong>de</strong>iro <strong>de</strong><br />

meu avô que o acompanhou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> criança, pai da professora Edna<br />

Nascimento, Martinho Apolinário, Antonio Bispo, Zé Tomas, Juca,<br />

Afrodísio, João Bimba e tantos outros. Trabalhadores que com suor da sua<br />

faina, chegaram muitos <strong>de</strong>les até condição <strong>de</strong> fazen<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> cacau.<br />

Homenagem especial a Mestre Augusto (vê anexo, fig. 3), o “tropeiro” da<br />

Fazenda Santa Maria, que quando lá chegávamos, no fim do<br />

ano, nos conduzia nos burros e nos contava os “causos” da<br />

caipora. Comadre Ângela, sua esposa, circunspecta, senhora<br />

convicta do po<strong>de</strong>r das suas orações, curan<strong>de</strong>ira dos “maus<br />

olhados”, era a reza<strong>de</strong>ira da fazenda on<strong>de</strong> sempre nos<br />

entregamos para nos tirar os maus espíritos. Figuras lendárias<br />

da nossa região. Doces recordações!


2 UMA CULTURA ENVOLTA EM LENDAS E MITOS<br />

Des<strong>de</strong> estudante e como uma boa “virginiana” sempre tinha<br />

dificulda<strong>de</strong> em memorizar assuntos <strong>de</strong> história ou geografia cujo<br />

aprendizado passasse apenas pelo “<strong>de</strong>coreba” (leia-se <strong>de</strong>corar) sem<br />

nenhuma vinculação com a realida<strong>de</strong>, sem nenhuma imagem real, que<br />

pu<strong>de</strong>sse dar significado ao dito ou ao fato.<br />

Lembro-me, certa vez, nos idos anos <strong>de</strong> 1953, estudante do<br />

curso <strong>de</strong> ginásio do Instituto Feminino da Bahia, aspirando mais<br />

conhecimento além daqueles contidos no único livro <strong>de</strong> história indicado<br />

pela professora, resolvi por conta própria buscar informações em outras<br />

fontes <strong>sobre</strong> o assunto em questão.<br />

O fracasso foi total, viajei tanto, tanto que na prova tirei nota<br />

três. A professora surpresa com o meu <strong>de</strong>sempenho, pois era boa aluna<br />

em história, resolveu me dar uma outra chance quando aí, abandonando a<br />

referida “pesquisa”, voltei-me para o velho livro que continha as<br />

perguntas das provas e tudo voltou ao normal.<br />

Talvez por esses “traumas” persiga hoje a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

contextualizar qualquer informação por mim repassada. E é <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste<br />

espírito que trago um pouco da história do cacau no mundo antes <strong>de</strong>


começar a contar <strong>sobre</strong> a origem da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Camacã - Canavieiras,<br />

cuja história se confun<strong>de</strong> com a história do cacau na Bahia.<br />

Hoje, falar das coisas que se passaram no mundo não é mais<br />

“bicho <strong>de</strong> sete cabeças”. Com a tecnologia oferecendo a instantaneida<strong>de</strong><br />

dos fatos “ao vivo” e “a cores” agregamos informações investigadas que<br />

facilitam a compreensão do conhecimento que se busca.<br />

A humanida<strong>de</strong>, com isso, nunca fora tão rápida na sua<br />

evolução como tem sido nestes últimos séculos. Entretanto, longo, foi o<br />

período em que o homem no seu percurso pela humanida<strong>de</strong>, passou da<br />

condição <strong>de</strong> tribo nôma<strong>de</strong> a um povo se<strong>de</strong>ntário e dai para a sua fixação<br />

ao solo. De uma estrutura inicialmente caçadora-pastoral, transformou-se<br />

gradativamente numa socieda<strong>de</strong> agrária. Portanto, não faz sentido<br />

imaginar, a existência naquela época, <strong>de</strong> longos períodos para colha.<br />

Decorreram-se assim, milênios <strong>de</strong> anos do período que vai da<br />

catagem <strong>de</strong> frutos silvestres até o início do período para que o homem<br />

começasse a fase do plantio <strong>de</strong> sementes, <strong>de</strong> ciclos curtos em princípio,<br />

até que chegasse ao cultivo <strong>de</strong> árvores e arbustos <strong>de</strong> ciclos maiores.<br />

Com a introdução <strong>de</strong> um cultivo <strong>de</strong> ciclos perenes na<br />

agricultura inaugurou-se um novo ciclo da humanida<strong>de</strong> e a árvore do<br />

cacau foi provavelmente uma das primeiras a ser cultivadas pelos<br />

Olmecs no Golfo do México (1200 a c. – 300 a c.) atravessando<br />

posteriormente o vasto território Maia.


Numa perfeita interação entre a natureza e a cultura estrutura-<br />

se um novo período da humanida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> a agricultura e o homem<br />

evoluíam influenciando-se mutuamente.<br />

Atravessando civilizações dos Olmcs, dos Toltecs, (900 – 900)<br />

seguindo dos Astecas, os quais viveram na antiga região Maia, a árvore<br />

do cacaueiro continuou a ser cultivada pelo homem. A árvore era<br />

consi<strong>de</strong>rada por esses povos como uma dádiva dos <strong>de</strong>uses, plantadas por<br />

eles, enquanto a semente germinada no seio da <strong>de</strong>usa Terra era<br />

conduzida e cultivada pela mão do homem.<br />

É neste período da humanida<strong>de</strong> que aprece pela primeira vez a<br />

<strong>de</strong>usa do cacau que vem se juntar aos grupos dos <strong>de</strong>uses agrários.<br />

Po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>duzir que a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong>sta árvore vem complementar a<br />

série <strong>de</strong> plantas <strong>sobre</strong> as quais se baseia a economia maia.<br />

A crença dos povos primitivos conduzia a que toda a natureza<br />

tornava-se susceptível <strong>de</strong> revelar-se como sagrado e o sagrado significa<br />

transmutação da realida<strong>de</strong> para uma realida<strong>de</strong> <strong>sobre</strong>natural, significa ser,<br />

po<strong>de</strong>r, perenida<strong>de</strong> e eficácia.<br />

E o cacau expandia-se levando consigo toda essa história. Mas,<br />

é na civilização dos Astecas (vê anexo, fig. 4) que vamos então<br />

encontrar, <strong>de</strong> uma forma mais reveladora o cacaueiro, chamado<br />

“cacahault”, tido como sagrado, <strong>de</strong> origem divina, planta nobre, <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> beleza <strong>de</strong>corativa, cujo cultivo se acompanhava <strong>de</strong> solenes


liturgias. Esse significado religioso provavelmente influenciou o<br />

botânico sueco Carolus Linneu (1707 – 1778), que <strong>de</strong>nominou a planta<br />

<strong>de</strong> Theobroma cacao, chamando-a assim, <strong>de</strong> “manjar dos <strong>de</strong>uses”.<br />

Nesta socieda<strong>de</strong>, as sementes <strong>de</strong> cacau eram tão valiosas que o<br />

povo usava como moedas. O imperador Montezuma (vê anexo, fig. 5)<br />

costumava receber 200 xiquipil (1,6 milhões <strong>de</strong> sementes) como tributo<br />

da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Tabasco correspon<strong>de</strong> hoje a trinta sacas <strong>de</strong> 60 quilos.<br />

Conclui-se, portanto, que os Astecas no México, os Maias na<br />

América Central, e outros povos da Bacia Amazônica cultivavam o<br />

cacau bem antes da chegada dos colonizadores espanhóis quando o<br />

chocolate já era apreciado por estes quando já preparavam infusão das<br />

amêndoas <strong>de</strong> cacau.<br />

O imperador Asteca Momtezuma (1440 – 1469) tinha fama <strong>de</strong><br />

beber 50 frascos <strong>de</strong> chocolate ao dia, e como tal bebida representava uma<br />

gran<strong>de</strong> fonte <strong>de</strong> vitalida<strong>de</strong>, o Imperador sempre ingeria um cálice antes<br />

<strong>de</strong> visitar seu harém.<br />

A história relata que no século XVI o imperador Montezuma apreciador<br />

contumaz do chocolate, convidou Hernan Cortés (vê anexo, fig.<br />

6), conquistador espanhol, a experimentá-la <strong>de</strong>pois da conquista<br />

<strong>de</strong> Tenochititlán, em 1519. Embora Cortés não tenha se<br />

mostrado interessado, mas observou, entretanto o alto valor<br />

nutritivo das amêndoas que sustentavam os guerreiros, dias após<br />

dia, em suas longas marchas. Posteriormente entusiasmado pelo<br />

rápido e gran<strong>de</strong> valor econômico dos frutos do cacau, presenteou<br />

o rei Chales V com brown gold (ouro marrom) em 1580.<br />

A história também relata que o cacaueiro originário da cabeceira<br />

da Bacia Amazônica se dispersou em duas direções (vê anexo, fig. 7): para


o leste, ao longo do rio Amazonas, dando origem ao tipo <strong>de</strong>nominado<br />

“Forasteiro” ou “Amelonado”, sendo, portanto este consi<strong>de</strong>rado o<br />

verda<strong>de</strong>iro cacau brasileiro com superfície lisa, sementes violeta escuro ou,<br />

algumas vezes, quase preto.<br />

Para o norte e oeste, cruzando os An<strong>de</strong>s, e avançando para o rio<br />

Orinoco penetrando pela América Central até o sul do México, originou-se<br />

o tipo “Criollo”, <strong>de</strong> frutos e sementes gran<strong>de</strong>s, com o interior branco ou<br />

violeta pálido.<br />

Do Pará, planta nativa da região, o cacaueiro foi introduzido na<br />

Bahia em 1746, com sementes trazidas pelo colono francês Fre<strong>de</strong>rico<br />

Warneou e, plantadas por Antônio Dias Ribeiro na Fazenda Cubículo (vê<br />

anexo, fig. 8), à margem direita do rio Pardo, no atual município <strong>de</strong><br />

Canavieiras, como planta ornamental.<br />

Continuando a sua expansão, o cacaueiro do Brasil foi<br />

introduzido na Ilha <strong>de</strong> Príncipe em 1822 pelo Coronel português Ferreira<br />

Gomes e na Ilha <strong>de</strong> São Tomé pelo Barão <strong>de</strong> Água. Em 1879 os<br />

espanhóis o levaram para Fernando Pó, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> foi introduzido em<br />

Ghana, então Costa do Ouro, por intermédio <strong>de</strong> um ferreiro <strong>de</strong> nome<br />

Tetteh Quarshie, natural daquela ex-colonia inglesa e <strong>de</strong> Ghana foi para<br />

diversos países do Golfo da Guiné, como Nigéria, Costa do Marfim,<br />

Camarões e outros da África, chegando aos países asiáticos.


Mas, foram realmente os espanhóis àqueles que incluíram no<br />

preparo do chocolate além do açúcar, o leite, e introduziram e o<br />

transformaram em bebida favorita da aristocracia em toda a Europa,<br />

cabendo, entretanto, aos padres missionários da América Espanhola, que<br />

viajando com os conquistadores, a gran<strong>de</strong> colaboração na melhoria dos<br />

processos do chocolate e difusão do seu uso entre o povo, permitindo<br />

que fosse servido nas igrejas.<br />

Cita-se que as damas mais ricas costumavam assistir as missas<br />

acompanhadas <strong>de</strong> escravos que lhes serviam chocolate em taça <strong>de</strong> ouro<br />

ricamente gravada. Dizia-se que Louis XII trouxe para a França em<br />

1615, por ocasião do seu casamento, o chocolate para “adoçar” a infanta<br />

espanhola Anne da Áustria. E foi graças a certos casamentos e ao<br />

comércio, que o chocolate correu pela Europa.<br />

Entretanto, nem sempre o chocolate foi consi<strong>de</strong>rado um<br />

“alimento sagrado”. Em 1624 Francisco Pauch afirmava que o chocolate<br />

era uma bebida estimulante e <strong>de</strong>via ser proibida nos mosteiros pelas<br />

supostas proprieda<strong>de</strong>s.<br />

Mas, a partir do Séc. XVIII o chocolate já passava ser feito pelos monges e<br />

freiras e com a permissão <strong>de</strong> Car<strong>de</strong>al Brancato o chocolate<br />

líquido passou a ser ingerido, não comprometendo o jejum e<br />

conquistando toda a Europa. Todavia ainda, se constituía artigo<br />

<strong>de</strong> luxo custando um quilo “60 sous”, o equivalente a quatro dias<br />

<strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> um camponês.<br />

O chocolate tinha um lugar especial na corte francesa (vê anexo,<br />

fig. 9) citações abaixo dão conta disso, confirmam essa afirmação: Mazain


nunca foi a lugar nenhum sem seu “fazedor <strong>de</strong> chocolate”. Quando Maria<br />

Teresa da Áustria casou-se com Luís XIV <strong>de</strong>clarou que ela tinha duas<br />

paixões: o chocolate e o Rei, levando consigo uma criada muito hábil no<br />

preparo do chocolate. Conta-se que o Car<strong>de</strong>al Richelieu bebia chocolate<br />

“para acalmar seu mau humor e difícil temperamento. Madame <strong>de</strong> Sevigne<br />

disse a sua <strong>filha</strong> que não havia nada igual a: “truffes, une potage <strong>de</strong> céleri”<br />

e um chocolate. Casanova colocava o chocolate no topo da lista dos seus<br />

estimulantes favoritos.<br />

Em 1702, Louis Lemery escreveu que “o chocolate tinha<br />

proprieda<strong>de</strong>s que estimulava o ardor <strong>de</strong> Vênus”. Talvez supostas pesquisas<br />

tenham produzido evidências <strong>de</strong> ingredientes no chocolate como<br />

estimulantes sexuais.


3 A ONDE MEU TIO QUERIA CHEGAR<br />

Muitas foram às vezes que sentados na varanda da sua casa na<br />

Fazenda ou no gabinete <strong>de</strong> sua residência em Salvador, ouvia atentamente<br />

as <strong>histórias</strong> que meu tio Boaventura contava <strong>sobre</strong> a Família Ribeiro, <strong>sobre</strong><br />

Camacã e Canavieiras. A cerca <strong>de</strong>sta última, ele sempre iniciava fazendo<br />

questão <strong>de</strong> comentar <strong>sobre</strong> a passagem do Arquiduque da Áustria<br />

Maximiliano, por Canavieiras em 1815, registrando as suas impressões por<br />

essas terras. (COSTA, 1963, p. 17-18).<br />

Em 1860:<br />

O Arquiduque visitou ainda nos arredores da Bahia, o engenho<br />

<strong>de</strong> açúcar do Barão <strong>de</strong> Geremoabo, no Recôncavo da Bahia e<br />

perto <strong>de</strong> Ilhéus, a fazenda <strong>de</strong> café e <strong>de</strong> cacau do Barão<br />

Ferdinando Steiger, <strong>de</strong> Munsingen (Suíça), filho <strong>de</strong> uma família<br />

patrícia <strong>de</strong> Berna que possuía também proprieda<strong>de</strong>s na Áustria.<br />

De Ilhéus seguiu viagem ao Rio e dali retornou a Europa<br />

Maximiliano da Áustria, futuro Imperador do México,<br />

posteriormente foi morto, fuzilado entre o período <strong>de</strong> 1865/67.<br />

(WILDBERGER, 1971, p. 29, 64, 65, grifo meu).<br />

Era curioso como meu tio se referia ao “Príncipe”, como assim ele o chamava,<br />

on<strong>de</strong> o visitante mencionava ter visto pés <strong>de</strong> cacau nos quintais,<br />

além <strong>de</strong> observações quanto aos indígenas, quanto à fauna, etc.<br />

Eu ouvia, mas não entendia a inquietação que isso lhe provocava<br />

e on<strong>de</strong> ele queria chegar até que um certo dia, eu lhe comuniquei<br />

que iria conseguir algumas teses da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da<br />

Bahia, <strong>sobre</strong> o cacau. E foi o que fiz. Passei às suas mãos as<br />

teses <strong>de</strong> Angelina Garcez e <strong>de</strong> Antônio Guerreiro, bem como<br />

outros materiais que me chegaram às mãos, após uma laboriosa<br />

garimpagem.<br />

Fizemos algumas visitas em busca <strong>de</strong> mais subsídios como, uma <strong>de</strong>las, a Sra,<br />

Verena Willdberg, a procura <strong>de</strong> um livro editado por seu pai<br />

Arnold Wildberger, mas sem sucesso. Embora a família tivesse


conhecimento do fato, não sabia como conseguir um exemplar.<br />

Mas, a vida tem certas coisas interessantes, neste período<br />

conversando <strong>sobre</strong> o assunto, com um amigo meu, Ernesto<br />

Drehmer o mesmo dissera-me possuir um livro na sua biblioteca<br />

<strong>sobre</strong> esse tema, oferecido ao sogro <strong>de</strong>le por Arnold Wildberger<br />

Noticias Históricas <strong>de</strong> Wildberger & Cia 1829 – 1942. E, para<br />

quem coleciona rarida<strong>de</strong>s, como essa, sabe o que isso significa.<br />

Um achado <strong>de</strong>sse equivale a um orgasmo as tais “sublimações”<br />

que tanto o velho Freud falava.<br />

De posse <strong>de</strong>sse exemplar prontamente entreguei a tio Boaventura e esse logo<br />

se <strong>de</strong>bruçou <strong>sobre</strong> todas essas informações. As conversas<br />

continuaram e eu então convi<strong>de</strong>i para um almoço em minha casa<br />

o mestre Guerreiro e tio Boaventura. A conversa foi longa,<br />

informações trocadas, um bom “papo” um almoço num dia <strong>de</strong><br />

domingo a beira <strong>de</strong> frondosas árvores, on<strong>de</strong> durante muitos anos<br />

residia. Fizemos uma viagem também a Canavieiras, on<strong>de</strong><br />

tivemos uma entrevista com o filho <strong>de</strong> Norete Reis, Fernando<br />

Reis, conhecedor profundo da história <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>, cuja<br />

entrevista também tenho gravada.<br />

Durante anos coletamos através fita casset e<br />

ví<strong>de</strong>os todas essas conversas, que tivemos durante esse<br />

tempo, e que estão registradas neste trabalho.<br />

Procurando sempre ser fiel a suas idéias e a <strong>de</strong><br />

todos que contribuíram para esse acervo, fiz apenas<br />

alguns cortes em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> repetições transmitindo<br />

informações, as mais isentas possíveis <strong>de</strong> interpretações<br />

pessoais, salvo quando <strong>de</strong>claradas.<br />

Em princípio, logo cheguei a conclusão <strong>de</strong> que<br />

para se conhecer melhor a história do cacau na Bahia,<br />

difícil seria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> trazer um pouco também a<br />

história <strong>de</strong> Canavieiras e até chegarmos a Camacã.<br />

Tio Boaventura começava a contar a história <strong>de</strong><br />

Canavieiras pelos nativos, isto é, os índios, e com isso, nos<br />

fornece subsídios para compreen<strong>de</strong>r a origem pacata<br />

<strong>de</strong>sta Região e por extensão Camacã. Sem maiores<br />

aprofundamentos, inicia ele:<br />

Queremos salientar a existência dos<br />

primeiros habitantes da região, ou seja, os<br />

índios que se caracterizavam como tribos<br />

nôma<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vido às condições climáticas e<br />

a <strong>de</strong>nsa umida<strong>de</strong> das regiões da mata.


Apresentavam-se mais pacíficos em<br />

Canavieiras, chegando a serem<br />

brincalhões até em excesso, daí a<br />

compreensão <strong>de</strong> não serem registrados<br />

informações <strong>de</strong> ataques indígenas nesta<br />

região, mais propicia a cultura do cacau,<br />

enquanto que em Ilhéus se apresentavam<br />

[os índios] mais agressivos.<br />

(BOAVENTURA MOURA, 2004) 1<br />

Isso me fez lembrar a antropóloga Margaret<br />

Mead (1979), que estudando <strong>sobre</strong> a população aborígine<br />

<strong>de</strong> Samoa, i<strong>de</strong>ntifica dois comportamentos adversos<br />

naquele povo: um grupo provindo <strong>de</strong> uma cultura on<strong>de</strong> a<br />

agressivida<strong>de</strong> era estimulada pelos mais velhos, gerando<br />

comportamento aguerrido, distinto daquele outro grupo,<br />

que cultuava atitu<strong>de</strong>s mais pacíficas.<br />

Esses fatos nos trazem subsídios para melhor<br />

enten<strong>de</strong>r a inexistência <strong>de</strong> graves conflitos registrados<br />

nesta região, em contrastes com outras, bem lembradas<br />

na literatura <strong>de</strong> Jorge Amado.<br />

As tribos dos Ran-Ran-Ran, Camacans, e<br />

Patachos viviam a maior parte do tempo<br />

nas regiões litorâneas <strong>de</strong>vido (também) a<br />

alimentação fácil, comprovada pelo<br />

registro, até muito tempo, da presença <strong>de</strong><br />

“sambaquis” e “caeras” na beira da praia,<br />

<strong>de</strong>struídas posteriormente, hoje áreas<br />

conhecidas como <strong>de</strong> pecuária.<br />

(BOAVENTURA MOURA, 2004).<br />

Isso ele repetia muito, <strong>de</strong>monstrando o<br />

sentimento <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> tão valioso sítio arqueológico.<br />

As condições iniciais da colônia no século<br />

XVI, como todos sabem, tiveram como a<br />

1 Todas as falas <strong>de</strong> Boaventura Moura contida no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>ste trabalho é expressa <strong>de</strong> informação verbal.


primeira ativida<strong>de</strong> comercial o<br />

extrativismo da ma<strong>de</strong>ira do jacarandá e<br />

do pau-brasil por durante 300 anos. Os<br />

indivíduos viviam da economia <strong>de</strong><br />

subsistência, isto é, pesca, mandioca,<br />

cereais como milho, arroz, cana <strong>de</strong><br />

açúcar, cujo próprio nome, canavieiro,<br />

fornece um indicio <strong>de</strong>sta ativida<strong>de</strong>,<br />

entretanto, o alto índice pluviométrico<br />

comprometia, gerando uma baixa<br />

produção <strong>de</strong>stes produtos.<br />

(BOAVENTURA MOURA, 2004).<br />

Quanto ao nome da cida<strong>de</strong>, conta-se ter sido um<br />

<strong>de</strong>sejo da família dos Vieiras, em ligar o nome<br />

Canavieiras a estes, entretanto não havia receptivida<strong>de</strong><br />

da população em aceitar essa vinculação, dado a má<br />

fama em torno do patriarca da família, cujo caso mais<br />

esdrúxulo Costa (1963 apud EDMUNDO (19-), p. 393-394),<br />

nos conta e eu aqui transcrevo na integra:<br />

O mais curioso e o mais feroz, porém, <strong>de</strong><br />

todos os casos explicados pelo abuso <strong>de</strong><br />

autorida<strong>de</strong> paterna no Brasil <strong>de</strong> outros tempos, é<br />

o que está revelado numa memória arquivada no<br />

Instituto Histórico <strong>de</strong>sta Cida<strong>de</strong>, escrita por<br />

Tristão <strong>de</strong> Araripe.<br />

Note-se que o episódio ao qual nos<br />

referimos ocorreu sete anos <strong>de</strong>pois da<br />

nossa in<strong>de</strong>pendência, isso quando, ao<br />

sôpro da civilização, que começa a entrar<br />

no Brasil, os ditatorias do Páter-famílie<br />

vinham singularmente diminuindo.<br />

Horrível caso. Pedro Vieira era<br />

português das ilhas e tinha um engenho<br />

em Canavieiras. Sobravam-lhes recursos.<br />

E temperamento. Um tanto velho, pai e


filhos já casados, já avó, viviam,<br />

entretanto, entre as suas canas-<strong>de</strong>-açúcar,<br />

como um sátiro feliz, a caçar ninfas<br />

negras. Ora, acontece que um dia, o<br />

veterano e caprino caçador, babando<br />

luxuria e raiva, em meio a sua diversão<br />

mitológica, <strong>de</strong>scobre que justamente a<br />

ninfa preferida dos seus <strong>de</strong>svelos havia<br />

cedido a outro, e logo a quem? Ao seu<br />

filho <strong>de</strong> sua própria carne! Como pai e<br />

Juiz, pensa um pouco no caso e resolve,<br />

tranqüilamente, mandar mata-lo. Quer,<br />

porém, faze-lo com requinte. Para isso<br />

manda chamar outro filho, o mais velho.<br />

Chega este e humil<strong>de</strong>mente indaga do pai<br />

o que <strong>de</strong>seja:<br />

- Tens contigo garrucha?<br />

- Tenho, senhor pai!<br />

- Pois trate <strong>de</strong> aperrá-la melhor, e com ela<br />

mata o infame <strong>de</strong> seu irmão que, <strong>de</strong><br />

matá-lo eu próprio, até me enojo. E já. São<br />

or<strong>de</strong>ns.<br />

Parte o outro. Volta, entretanto<br />

momentos após.<br />

- Mataste-o? Indaga o homem<br />

ignominioso ao filho trêmulo, que chega,<br />

baixa os olhos e fala:<br />

- Ainda não. Senhor pai. É que o mano<br />

manda pedir a vossa mercê perdão, e diz<br />

que compromete a <strong>de</strong>saparecer, fugir,<br />

abandonar o lugar e a província, com ele<br />

levando, apenas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que vossa mercê<br />

assim consinta, a mocinha e a vida.


- Não. Não quero. Não perdôo. Ele terá<br />

que morrer. É a minha vonta<strong>de</strong>, diz o pai.<br />

Volta. Mate-o.<br />

- No dia imediato, Carlos Augusto<br />

Peixoto <strong>de</strong> Alencar, Padre Coadjutor da<br />

pequena Freguesia <strong>de</strong> Canavieiras,<br />

recebeu uma carta do ilhéu. Essa carta,<br />

que consta da memória <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se<br />

extraem estas notas, começa assim:<br />

Reverendíssimo Senhor Padre Coadjutor.<br />

Como Deus foi servido que mandasse<br />

matar meu filho, rogo-lhe o favor <strong>de</strong><br />

chegar até essa sua casa, a fim <strong>de</strong> assistir<br />

o enterro do rapaz...<br />

No seu caixão singelo, um Cristo <strong>de</strong> prata<br />

entre dois círios trêmulos já estava o<br />

corpo do infeliz cercados das lágrimas <strong>de</strong><br />

toda a família, inclusive as <strong>de</strong> sua<br />

própria esposa e mais as duas filhinhas<br />

menores <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos. O quadro é na<br />

verda<strong>de</strong> horrível!<br />

Então, tio Boaventura continua contando a sua<br />

história <strong>sobre</strong> a origem <strong>de</strong> Camacã:<br />

Pertencendo a capitania <strong>de</strong> Ilhéus, a<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Canavieiras surgiu em 1700 da<br />

colonização <strong>de</strong> brasileiros e portugueses<br />

refugiados <strong>de</strong> Ilhéus em conseqüência dos<br />

constantes ataques dos índios patachos.<br />

Fixaram-se no inicio na região, on<strong>de</strong> foi<br />

fundada em 1718, a freguesia do Puxim<br />

pelo arcebispo <strong>de</strong> Salvador D. Sebastião<br />

da Vi<strong>de</strong>. Posteriormente alguns colonos<br />

esten<strong>de</strong>ram a sua ocupação até a uma<br />

gran<strong>de</strong> ilha na embocadura do rio Pardo,


mais favorável a agricultura pela<br />

fertilida<strong>de</strong>, e passando a se chamar mais<br />

tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> Canavieiras, a Princesa do Sul.<br />

Em 1746 chega a Canavieiras, proce<strong>de</strong>nte<br />

do Pará, as primeiras sementes do cacau,<br />

que acreditamos nós, ter sido mudas, pois<br />

não nos parece, estas, suportassem uma<br />

viajem pelas linhas tórridas do Equador<br />

<strong>de</strong> aproximadamente 30 dias e chegar<br />

com capacida<strong>de</strong> germinativa. Além do<br />

mais, se assim fosse não teria sido um pé.<br />

Tais mudas ou sementes foram trazidas<br />

pelo francês Luís Fre<strong>de</strong>rico Warneux por<br />

solicitação <strong>de</strong> Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cairú,<br />

estadista <strong>de</strong> visão e entusiasta do livre<br />

comércio e introduzidas na fazenda<br />

Cubículo freguesia <strong>de</strong> São Boaventura do<br />

Puxim por Antônio Dias Ribeiro.<br />

(BOAVENTURA MOURA, 2004).<br />

E, assim, continua ele a nos contar:<br />

Em 1798 registra-se operação comercial<br />

<strong>de</strong> exportação <strong>de</strong> cacau em torno <strong>de</strong> 2.160<br />

kg Guerreiro, os registros arquivados<br />

[acima já mencionados] mostram a visita<br />

do Príncipe Maximiliano da Áustria a<br />

região <strong>de</strong> Ilhéus e Canavieiras e alusões<br />

que fez quanto a presença <strong>de</strong> fruteiras <strong>de</strong><br />

cacau em quintais particulares nesta<br />

última. Isso nos leva a concluir que a fase<br />

inicial da exploração do cacau teve a sua<br />

origem nas margens do rio Pardo em<br />

Canavieiras. (BOAVENTURA MOURA,<br />

2004).


Aí meu tio começa a me dar pistas a on<strong>de</strong> ele<br />

queria chegar. Daí, ele segue contando mais história:<br />

A partir <strong>de</strong> 1825 surge o cacau como um<br />

outro significado, isto é, <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong><br />

econômica. Adaptado ao clima da região,<br />

o cacaueiro respon<strong>de</strong>u <strong>de</strong> uma forma<br />

“excepcional”, Mais do que certo, <strong>de</strong>u<br />

resultado, e o cacaueiro atravessou<br />

estágios até chegar aos nossos tempos. Os<br />

seus frutos foram distribuídos e<br />

disseminados por todo o sul e zona<br />

litorânea do estado da Bahia,<br />

inicialmente como iguarias, árvore<br />

exótica nos pomares encontrados <strong>de</strong><br />

Itaparica até Porto Seguro. Nos quintais,<br />

o cacau se misturava com outras<br />

fruteiras, chegando a ter mais ou menos<br />

20 a 30 pés. Já em 1825 surge as chácaras<br />

com aproximadamente 100 pés como<br />

exemplo temos a Fazenda Lagos.<br />

As “buraras” que já imprimiam a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “<strong>de</strong>rruba”, para plantar<br />

exclusivamente cacau, situadas nas<br />

partes baixas e com isso nasce a cultura<br />

racional do cacau, 100 pés em diante.<br />

Como roças alcança-se pressupões-se 500<br />

pés para baixo. De 1835 a 1850 as<br />

proprieda<strong>de</strong>s já se caracterizavam como<br />

fazenda acima <strong>de</strong> 1000 pés <strong>de</strong> cacaueiros<br />

em diante.<br />

A partir <strong>de</strong> 1850, através <strong>de</strong> Ilhéus, o<br />

cacau adquire força e se expan<strong>de</strong> pelos<br />

vales dos quatro rios: Rio <strong>de</strong> Contas, Rio<br />

Almada e Cachoeira, Rio Pardo e Rio


Jequitinhonha. Seu plantio iniciado nas<br />

barrancas dos rios, foi aos poucos se<br />

transformando em ativida<strong>de</strong> econômicas<br />

nas regiões litorâneas, entretanto com a<br />

escassez <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>ste tipo, bem como<br />

dos conflitos <strong>de</strong> terra e enchentes<br />

<strong>de</strong>vastadoras, seguiu-se a interiorizarão e<br />

com ela uma revisão do processo,<br />

direcionando o plantio para regiões altas<br />

da mata.<br />

Enquanto isso, o Big Bang das minas do<br />

“Salobro”, região conhecida como<br />

possuidora dos melhores diamantes do<br />

mundo, na época, atraia pessoas pelo<br />

enriquecimento rápido, gerando a<br />

escassez <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra nas outras<br />

regiões. Ante à crise da Europa, e na<br />

busca <strong>de</strong> novas oportunida<strong>de</strong>s, registra-se<br />

aproximadamente entre 1845 a 1848, a<br />

chegada dos primeiros europeus, André e<br />

Felipe Keller (vê anexo, fig. 10),<br />

banqueiros suíços. Os Kellers vieram<br />

tentar a vida na América do Sul.<br />

Nesta época era Canavieiras e Lavras <strong>de</strong> Andaraí.<br />

[Lençóis] Consulado <strong>de</strong> Lavras do Andaraí em França, se<br />

constituíam os dois gran<strong>de</strong>s pólos urbanos. Atraídos<br />

então, os Kellers, pelas minas <strong>de</strong> diamantes do Salobro<br />

[Canavieiras] maior conglomerado na época com 12 mil<br />

habitantes, logo foram chamadas as atenções quanto ao<br />

perigo que esta região representava. Com isso,<br />

resolveram arriscar ir para Canavieiras. Lá chegando<br />

viram, e interrogaram, o que era isso? Empreen<strong>de</strong>dores<br />

<strong>de</strong> tradição, suíços acostumados ao consumo dos<br />

chocolates <strong>de</strong> pronto i<strong>de</strong>ntificaram o cacau, concluíram<br />

que “o ouro estava ali” naquela fruta.<br />

Retornando um <strong>de</strong>les a Europa a busca<br />

<strong>de</strong> capitais, já por volta <strong>de</strong> 1855, a


Inglaterra começava a liberar recursos<br />

para o financiamento do plantio do<br />

cacau. Passam então os Kellers, a<br />

<strong>de</strong>sempenharem na história do cacau, na<br />

Bahia, um gran<strong>de</strong> papel: o <strong>de</strong> estimular e<br />

transformar a cacauricultura como uma<br />

ativida<strong>de</strong> comercial. (BOAVENTURA<br />

MOURA, 2004).<br />

Neste período, próximo às minas do Salobro, em princípio fazenda Jacarandá<br />

(vê anexo, fig. 11), <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> do Capitão Francisco Afrânio<br />

Peixoto, situada à margem esquerda do Rio Pardo prosperando,<br />

tornando-se distrito <strong>de</strong> Canavieiras. Celebrizou-se em<br />

<strong>de</strong>corrência do fluxo <strong>de</strong> garimpeiros atraídos pela riqueza das<br />

jazidas diamantíferas do Salôbro, tornando-se um núcleo político<br />

irredutível, um centro comercial <strong>de</strong> larga importância econômicofinanceira.<br />

Ali prosperaram Antônio Martins Pereira Lima, Saback<br />

& Cia, Anísio Sabino Loureiro, Pedro Borges, Carlos Costa,<br />

Muller & Cia.<br />

Cap. F. Afrânio Peixoto era também pai <strong>de</strong> Afrânio Peixoto (vê anexo fig. 12),<br />

escritor, que produziu <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> muitas obras, duas pérolas da<br />

literatura regional “Maria Bonita” e “Fruto do Mato” retratando <strong>de</strong><br />

forma singular a historia <strong>de</strong>sta região,<br />

Com a hecatombe <strong>de</strong> 1914 (enchente) iniciou-se o <strong>de</strong>clínio <strong>de</strong>sse povoado,<br />

<strong>de</strong>saparecendo totalmente a sua vida com o carregamento do<br />

comercio para o porto da Vila <strong>de</strong> Mascote e a conseqüente<br />

formação do povoado <strong>de</strong> Santa Luzia, à beira da estrada Vargito-<br />

Canavieiras. Continua meu tio:<br />

Em 1886 (85) a 1890 começa o esgotamento<br />

das Minas do Salobro e inicia-se o êxodo,<br />

promovendo a mobilização da população,<br />

agora por terra <strong>de</strong> cacau, e nessa<br />

dispersão foi-se levando: semente, a<br />

cultura e a mentalida<strong>de</strong> do cacau como<br />

ativida<strong>de</strong> econômica para essas regiões.<br />

(BOAVENTURA MOURA, 2004).<br />

Crescia a busca <strong>de</strong> capitais para o financiamento<br />

do plantio do cacau para a região através <strong>de</strong> firmas<br />

como Jezler Keller e Companhia e como <strong>de</strong>sdobramento,<br />

as subseqüentes correntes migratórias.


No mesmo ano <strong>de</strong> 1890, em que foi aberta<br />

a filial do Rio <strong>de</strong> Janeiro, eram abertas<br />

também outras duas filiais, a saber: uma<br />

em Ilhéus e outra em Canavieiras, ambas<br />

no Estado da Baia, especialmente para a<br />

compra <strong>de</strong> cacau, pois os negócios neste<br />

produto vinham a certo tempo tomando<br />

gran<strong>de</strong> incremento, tornando aquelas<br />

duas zonas muito prósperas. Em 1890<br />

exportava-se já <strong>de</strong> Ilhéus cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z mil<br />

sacos <strong>de</strong> cacau, e <strong>de</strong> Canavieiras um<br />

pouco mais do que a citada quantida<strong>de</strong>.<br />

(WILDBERGER, 1942, p. 29, grifo meu).<br />

Retomando a história do meu tio, ele <strong>de</strong>strincha:<br />

Assim se consolidava a exploração <strong>de</strong><br />

cacau como economia racional e <strong>de</strong><br />

exportação. O sucesso <strong>de</strong>sta agricultura<br />

garantia a aquele que plantasse cacau<br />

com 3 anos teria ressarcido o seu<br />

empréstimo. De 1876 a 1877 o Big Bag [do<br />

cacau]: 15 anos <strong>de</strong> enriquecimento rápido<br />

e escassez <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra na agricultura.<br />

A alta rentabilida<strong>de</strong> do cacau<br />

proporcionou a formação <strong>de</strong> uma<br />

socieda<strong>de</strong> constituída <strong>de</strong> uma classe <strong>de</strong><br />

alto po<strong>de</strong>r aquisitivo, alto lucro <strong>de</strong>sta<br />

comercialização e o crescente aumento da<br />

migração, concretizava-se assim o mito<br />

do enriquecimento rápido e fácil. Todos<br />

movidos pelo alto lucro que repercutem<br />

na Europa instalam-se firmas comerciais<br />

francesas, “os suíços” e alemães,<br />

promovendo o <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> pessoas<br />

para esta Região.


Com a escassez <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra, num<br />

período on<strong>de</strong> não há registro <strong>de</strong> senhor <strong>de</strong><br />

escravos, e conseqüentemente escravos. O<br />

momento em que a economia começa a<br />

ficar po<strong>de</strong>rosa, já era uma época que se<br />

falava em liberda<strong>de</strong> dos escravos. A<br />

economia cacaueira surgia com a idéia<br />

da abolição. A socieda<strong>de</strong> canavierence da<br />

época era constituída por uma elite que<br />

dividia o seu domicílio entre Canavieiras<br />

e Europa. Com uma produção 1 500<br />

arrobas famílias viviam <strong>de</strong> uma forma<br />

nobre, meta<strong>de</strong> do ano em Paris como<br />

exemplo disso, temos: Nicolau Pinheiro<br />

“As Peltier”.<br />

A partir <strong>de</strong> 1870 a 1880 em diante a<br />

migração européia era direcionada para<br />

a região do cacau <strong>de</strong>vido a crise<br />

econômica da Europa. Após a chegada<br />

dos Keller, seguiu-se os franceses:<br />

Blanchet, Granchet, Wounoux, Lachet,<br />

Louba<strong>de</strong>, Ma<strong>de</strong>ira; os italianos:<br />

Magnavita (1890), Te<strong>de</strong>sco. Minervino<br />

[aos últimos], Lavigne; os alemães: Weber,<br />

Fucs; os americanos: White, Bouch, Boida;<br />

os ju<strong>de</strong>us: Bejanmim, Saback. Os últimos<br />

foram os árabes, espanhóis e portugueses.<br />

Depois <strong>de</strong> 1880 surgem os colonos árabes,<br />

os caxixes, como comerciantes.<br />

A migração européia provocou uma<br />

verda<strong>de</strong>ira revolução <strong>de</strong> mentalida<strong>de</strong>.<br />

Além das contribuições <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />

econômicas, físicas, etc, o europeu<br />

também introduziu um comportamento


ético, que mo<strong>de</strong>lou os valores da época. Os<br />

aspectos morais rígidos da cultura dos<br />

estrangeiros refletiram-se nos princípios<br />

da comercialização do cacau. A serieda<strong>de</strong><br />

européia, pela qual as Companhias<br />

praticavam o comércio do cacau, fazia<br />

com que fazen<strong>de</strong>iros entregassem as<br />

[suas] fazendas às firmas para<br />

administrar e viajassem. Havia<br />

serieda<strong>de</strong> com 5 anos eram pagos os juros.<br />

De 1860 a 1870 vamos encontrar um novo<br />

contingente populacional interno que se<br />

dirige para a região <strong>de</strong>corrente aos<br />

seguintes fatores: negro liberto,<br />

proce<strong>de</strong>nte da guerra do Paraguai; o<br />

nor<strong>de</strong>stino, fugitivo da seca <strong>de</strong> 1870; e<br />

uma população proce<strong>de</strong>nte do recôncavo<br />

provindos do <strong>de</strong>clínio da cana <strong>de</strong> açúcar;<br />

e por fim o sergipano. Além <strong>de</strong> presenças<br />

significativas <strong>de</strong>stes últimos, os<br />

sergipanos trouxeram também uma<br />

outra mentalida<strong>de</strong> comercial<br />

contribuindo para a formação histórica<br />

da organização comercial da Região. Esse<br />

processo migratório veio a <strong>de</strong>clinar entre<br />

1886 a 1890.<br />

Evi<strong>de</strong>ntemente já existia nesta época<br />

registro <strong>de</strong> exportação <strong>de</strong> amêndoas para<br />

Lisboa <strong>de</strong> pequenas e inespressíveis<br />

experiências <strong>de</strong> remessas eventuais <strong>de</strong><br />

cacau. Lembro que nesta época a gran<strong>de</strong><br />

exportação brasileira <strong>de</strong> cacau era da<br />

província do Pará. Segundo prof.<br />

Guerreiro já em 1798 houve uma operação


<strong>de</strong> cacau em torno <strong>de</strong> 2 160 kg.<br />

Entretanto, ele próprio reconhece <strong>de</strong> que<br />

só muito tempo <strong>de</strong>pois iria se tornar<br />

realida<strong>de</strong> tal ativida<strong>de</strong>. Segundo<br />

professor Guerreiro, Aline Garcez e<br />

Fre<strong>de</strong>rico E<strong>de</strong>lwiss todo unânimes em<br />

afirmar <strong>de</strong> que só a partir <strong>de</strong> 1830 a 1840<br />

surgiu <strong>de</strong> modo inespressível as primeiras<br />

exportações regulares <strong>de</strong> cacau<br />

originadas da Bahia. A morosida<strong>de</strong> no<br />

processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

agricultura do cacau <strong>de</strong>veu-se a falta <strong>de</strong><br />

colonização estrangeira, que neste<br />

período tanto contribuiu com a sua<br />

participação no <strong>de</strong>senvolvimento do sul<br />

do País.<br />

Sabemos <strong>de</strong> que realmente só a partir <strong>de</strong><br />

1835 o produto cacau passou a ser artigo<br />

regular e constante na ponta <strong>de</strong><br />

exportação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> agricultura, talvez<br />

a mais importante <strong>de</strong>las, que nascia no<br />

estado da Bahia. No dizer <strong>de</strong> Fre<strong>de</strong>rico<br />

E<strong>de</strong>lweis, como exploração comercial o<br />

cacau teve origem mo<strong>de</strong>sta em seu<br />

principio. Na produção agrícola <strong>de</strong>ve-se o<br />

seu inicio sem nenhuma dúvida a<br />

margens do rio Prado o principio da<br />

cultura cacaueira na Bahia.<br />

(BOAVENTURA MOURA, 2004, grifo<br />

meu).<br />

Neste trecho percebe-se que ele chegou on<strong>de</strong><br />

queria. E, continua a <strong>de</strong>screver a história:<br />

Inicialmente sem objetivar nenhuma tese<br />

<strong>sobre</strong> o assunto já estudado e analisando


por diversos autores, mesmo assim,<br />

chamo atenção para o fato <strong>de</strong> todos eles,<br />

sem exceção, apresentarem em suas teses<br />

do histórico referente ao cacau a partir<br />

<strong>de</strong> 1746 e posteriormente focalizar o eixo<br />

Ilhéus Itabuna, a partir <strong>de</strong> 1880 como<br />

resultado final. Concluímos então, que<br />

embora sem referências calcadas [em<br />

maiores] documentos, a dura realida<strong>de</strong> é<br />

<strong>de</strong> que: é mesmo nas margens estreitas do<br />

rio Pardo, em Canavieiras, que a cultura<br />

racional do cacau, como ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

exportação comercial, teve inicio.<br />

Confesso, entretanto, ser realmente<br />

escassas as informações <strong>sobre</strong> esse período<br />

com esclarecimentos convincentes, sem<br />

interesse <strong>de</strong> indivíduos, organizações ou<br />

região. Com estas citações nós, apenas,<br />

preten<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>monstrar <strong>de</strong> que a fase<br />

inicial da consolidação <strong>de</strong> exploração<br />

comercial tem sua origem nas margens<br />

do rio Pardo em Canavieiras.<br />

Ao que parece esta ativida<strong>de</strong> com este<br />

objetivo só começa atingir Ilhéus por<br />

volta <strong>de</strong> 1860 a 1870, por uma série <strong>de</strong><br />

fatores (alguns já acima citados) que<br />

teriam sido como causa a lentidão do<br />

processo <strong>de</strong> expansão da cultura<br />

Cacaueira. (BOAVENTURA MOURA,<br />

2004, grifo meu).<br />

Tio Boaventura acrescenta concluindo:<br />

Pois se observarmos com atenção <strong>de</strong>vida,<br />

verificamos que o crescimento das<br />

exportações do cacau em amêndoas, só


atinge ao estágio significativo realmente<br />

a partir <strong>de</strong> 1880, quando a rigor começa a<br />

entrar em regime <strong>de</strong> produção, as<br />

extensas áreas geográficas <strong>de</strong> Ilhéus e<br />

adjacências. Existe um espaço em branco<br />

nas diversas narrativas <strong>de</strong>ste período. É<br />

bom lembrar <strong>de</strong> que a vila <strong>de</strong> Canvieiras<br />

era parte do todo da Comarca <strong>de</strong> Ilhéus só<br />

vindo a se separar <strong>de</strong>sta, em 13 <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1832 que tinha como limites,<br />

ao sul do rio Jequitinhonha, ao norte o rio<br />

Jequiriçá, portanto não vejo nada <strong>de</strong><br />

anormal quando se diz que a cultura do<br />

cacau surgiu na Bahia no município <strong>de</strong><br />

Ilhéus.<br />

Ora, nós <strong>de</strong> Canavieiras [aí ele resgata o<br />

seu débito <strong>de</strong> gratidão a essa cida<strong>de</strong>], não<br />

preten<strong>de</strong>mos reescrever a história, mas<br />

esclarecer fatos obscuros, não<br />

<strong>de</strong>vidamente esclarecidos ao longo do<br />

percurso <strong>de</strong>ste processo entre 1746 e 1880,<br />

on<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhamos notável papel<br />

histórico na lavoura cacaueira, como<br />

ativida<strong>de</strong> comercial explorativa, É do<br />

nosso interesse, e <strong>de</strong> modo especial para<br />

Canavieiras, o esclarecimento que<br />

envolve o inicio da ativida<strong>de</strong> cacaueira<br />

até a sua consolidação e posteriormente<br />

<strong>de</strong> sua expansão a partir <strong>de</strong> 1880.<br />

(BOAVENTURA MOURA, 2004).<br />

Recentemente, entretanto, “fusando os alfarapos”<br />

após a morte <strong>de</strong> meu tio, <strong>de</strong>parei-me com a seguinte<br />

informação proce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> uma outra publicação <strong>de</strong>


Arnold Wildberger no seu livro Notícias Históricas <strong>de</strong><br />

Wildberger & Cia 1829 <strong>de</strong> 1942 (pág, 29) diz:<br />

No mesmo ano <strong>de</strong> 1890, em que foi aberta<br />

a filial do Rio <strong>de</strong> Janeiro, eram abertas<br />

também outras duas filiais, a saber: Uma<br />

em Ilhéus, e outra em Canavieiras, ambas<br />

no Estado da Bahia, especialmente para a<br />

compra <strong>de</strong> CACAU, pois os negócios neste<br />

produto vinham a certo ponto tomando<br />

gran<strong>de</strong> incremento, tornando aquelas<br />

duas zonas muito prosperas. Em 1890<br />

exportava-se <strong>de</strong> Ilhéus cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z mil<br />

sacos <strong>de</strong> cacau, e <strong>de</strong> Canavieiras um<br />

pouco mais do que a citada quantida<strong>de</strong><br />

(vê anexo fig. 13).<br />

Encerrando este trabalho retrospectivo,<br />

que vem documentar 113 anos <strong>de</strong><br />

existência profícua, na Baia, <strong>de</strong> uma das<br />

firmas que mais se <strong>de</strong>senvolveu no<br />

<strong>de</strong>correr do tempo, <strong>de</strong>sejamos salientar,<br />

com particular carinho, que as firmas<br />

C.F. Keller & Cia., Braem Wildberger &<br />

Cia e Wildberger & Cia, foram por assim<br />

dizer as pioneiras do crédito agrícola no<br />

Sul do Estado da Baia. Essas firmas, com<br />

a facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crédito <strong>de</strong> que dispunham<br />

nos mercados europeus, conseguiram<br />

sempre o numerário necessário para o<br />

financiamento dos lavradores baianos,<br />

especialmente <strong>de</strong> cacau. Inúmeros são os<br />

fazen<strong>de</strong>iros abastados nas zonas do Sul do<br />

estado que <strong>de</strong>vem o seu crescimento<br />

progressivo a estas três firmas.


Quanto ainda a vida social da época (vê anexo<br />

fig. 14, 15 e 16), nas entrevistas feita, registramos ainda<br />

importantes informações que, por certo, serão úteis em<br />

futuras especulações com relação a essa socieda<strong>de</strong>:<br />

O amor <strong>de</strong> hoje era diferente do amor <strong>de</strong><br />

antigamente... Não <strong>de</strong>ixava faltar nada.<br />

Médico... Médico... Morria uma pessoa <strong>de</strong><br />

parto porque o marido não <strong>de</strong>ixava<br />

olhar... Morria. Os homens eram machões,<br />

a mulher daquela época não comprava<br />

um sapato, quem comprava era o marido,<br />

não ia a loja. O medo da <strong>filha</strong> com o olhar<br />

da mãe... Se obe<strong>de</strong>cia. (Perguntava-se)<br />

você quer ir a festa?... não... não queria...<br />

Punição: palmatória, orelhas, não <strong>de</strong>u a<br />

lição... Rosvaldo [irmão <strong>de</strong> entrevistada]<br />

coitadinho foi trancado no quarto escuro<br />

pela professora.Ela foi para a rua.<br />

Quando minha mãe... Todo mundo aflito e<br />

quando minha mãe foi encontrar... Nada<br />

se percebia porque o povo era calado a<br />

mulher sofria calada.<br />

D. Nina, dizem que morreu virgem<br />

dizem que nunca foi homem o marido<br />

<strong>de</strong>la... Outra Dininha, Adélia <strong>de</strong><br />

Persival... Isso não se falava. Formada: O<br />

<strong>de</strong>staque maior passava pela condição <strong>de</strong><br />

professora. Havia o curso suplementar,<br />

bacharela em ciências e letras. A<br />

preocupação era botar os filhos para<br />

estudar em Salvador, dar uma educação,<br />

internato.


Havia uma preocupação com a aquisição<br />

<strong>de</strong> conhecimentos... Pensionato já havia<br />

Soleda<strong>de</strong>, Sacramentina, Antônio Vieira e<br />

Maristas. Os paquetes iam cheios <strong>de</strong><br />

estudantes.<br />

Preconceitos: No Baiano <strong>de</strong> Tênis não<br />

entrava no clube, nos conventos também,<br />

as freiras <strong>de</strong> cor, só comungavam <strong>de</strong>pois<br />

que os brancos comungavam. No colégio<br />

interno as que tinham dinheiro eram<br />

muito bem tratadas, <strong>de</strong>stacava-se Cintra<br />

Monteiro, Manoel Joaquim <strong>de</strong> Carvalho<br />

elas eram internas, 6 horas da manhã<br />

elas telefonavam para o pai para tomar a<br />

benção... Mas como era Cintra Monteiro...<br />

Tia Naninha [minha avó] tinha o sonho<br />

<strong>de</strong> um filho padre. Havia um padre na<br />

família Ribeiro que gostava <strong>de</strong> dançar, <strong>de</strong><br />

noites saia para dançar. O padre irmão<br />

<strong>de</strong> Leocadia... De minha tia Sussu. Tirava<br />

a batina e mandava brasa lá pela rua da<br />

Jaqueira... O povo falava. Iara Sabino<br />

fazia versos... É tia <strong>de</strong> Dr. Mário Sabino,<br />

o pai era rábula, mais preparado que os<br />

formados. (PASTORA, 2004).


4 FAZENDA LAGOS: SÍMBOLO DA LUTA PELA<br />

INDEPENDÊNCIA DO BRASIL<br />

A história da Fazenda Lagos teve o seu começo quando Leandro<br />

Ribeiro, chamado a participar das forças nacionalistas da Bahia,<br />

ocorrido um ano após a in<strong>de</strong>pendência do Brasil, proclamada pôr<br />

D. Pedro I, recebeu como recompensa uma sesmaria.<br />

Engajando-se como membro do famoso batalhão dos Periquitos,<br />

assim chamado pôr trazerem nos seus “chapéus <strong>de</strong> palha” fitas<br />

ver<strong>de</strong> e amarela, símbolo da nacionalida<strong>de</strong>, conseguem realizar a<br />

façanha histórica memorável na batalha <strong>de</strong> “Cabritos e Pirajá”<br />

expulsando <strong>de</strong>finitivamente as tropas portuguesas sediadas na<br />

Bahia, comandadas pelo general Ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo em 2 <strong>de</strong> Julho<br />

<strong>de</strong> 1889, data essa a qual se comemora a in<strong>de</strong>pendência da<br />

Bahia.<br />

De natureza extremamente aguerrida, esses convocados “era<br />

uma gente tão boa” que vieram <strong>de</strong>pois, esses [mesmos]<br />

combatentes, a matar o general comandante do batalhão,<br />

batalhão esse dissolvido posteriormente por “Leal”. Esse era o<br />

tipo <strong>de</strong> homem que se compunha [as forças armadas da época]<br />

não são anjos são ferras. (BOAVENTURA MOURA, 2004).<br />

Concluiu Boaventura <strong>de</strong> Moura.<br />

Como recompensa pela sua participação, em<br />

tão glorioso feito, recebeu como soldo uma<br />

sesmaria assim como também seus<br />

companheiros, nas margens do rio Pardo no<br />

atual município <strong>de</strong> Canavieiras. A área<br />

recebida, segundo constava em pergaminho<br />

assinado pelo Imperador D. Pedro I<br />

correspondia a uma légua – 6 km <strong>de</strong> Rio Pardo<br />

e o fundo o quanto pu<strong>de</strong>sse explorar [...] o<br />

quanto quisesse.<br />

Leandro Ribeiro, filho natural <strong>de</strong> um médico português com uma<br />

índia, conseqüentemente mameluco, natural do recôncavo<br />

baiano, <strong>de</strong> Nazaré das Farinhas, <strong>de</strong> classe média baixa, família<br />

humil<strong>de</strong>, exercia ativida<strong>de</strong> agrícola, possuindo plantações <strong>de</strong><br />

açúcar com um primo.


seguinte:<br />

No seu regresso, [da guerra] voltando pôr Santo Amaro, entrou<br />

em litígio por problema <strong>de</strong> mulher e o primo mandou matá-lo<br />

[...] a gravida<strong>de</strong> era mulher [...] tinha essa modalida<strong>de</strong>. Primo<br />

carnal ilegítimo, agora proscrito pela justiça, perseguido pela<br />

justiça [o parente <strong>de</strong>via ser uma pessoa <strong>de</strong> influência política],<br />

para se proteger, refugiou-se.<br />

Leandro Ribeiro passando por Nazaré das Farinhas, casa-se com<br />

uma parenta, Felipa com 12 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> procedência<br />

portuguesa, segundo consta natural <strong>de</strong> Catú, neta <strong>de</strong> um médico.<br />

Neste período casamento entre parentes eram freqüentes, havia<br />

poucas famílias e 50 % da população era <strong>de</strong> escravos.<br />

Felipa mulher simples, mas com forte espírito <strong>de</strong> religiosida<strong>de</strong>,<br />

meiga, com uma fé inquebrantável em Deus e Leandro, homem<br />

ru<strong>de</strong> e <strong>de</strong>terminado partiram para Canavieiras levando na<br />

bagagem amor, espírito <strong>de</strong> luta e <strong>de</strong>terminação. Lá chegando em<br />

1826, Leandro Ribeiro localizando a terra, começou a explorar<br />

na região <strong>de</strong> Estreito, implantando a Fazenda Lagos, terra<br />

<strong>pródiga</strong>, região rica em cana. Leandro <strong>de</strong>dicou-se a lavoura <strong>de</strong><br />

subsistência: arroz, milho, mandioca, vindo a se transformar,<br />

posteriormente esta fazenda, num poço <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e<br />

religiosida<strong>de</strong>.<br />

Em condições ambientais extremamente adversas, Leandro<br />

durante o processo <strong>de</strong> implantação da fazenda saía <strong>de</strong> sua cabana<br />

e ao chegar ao local <strong>de</strong> trabalho “<strong>de</strong>rrubava a mata ‘nu’”. O suor<br />

rapidamente estragava as roupas e como roupa era cara e difícil,<br />

ele tirava, porém não se afastava do seu “mosquetão”. [tipo <strong>de</strong><br />

arma usada na época].<br />

Região habitada por índios podia-se ouvir a reação dos mesmos<br />

ao longo da mata quando na <strong>de</strong>rrubada das árvores. Conta-se<br />

também que fiel ao seu atavismo, sua herança indígena,<br />

mameluco, Leandro Ribeiro também urrava durante o processo<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>rruba das arvores. Ao seu lado Felipa, com espingarda na<br />

mão e rosário, vigiava o entorno. (BOAVENTURA MOURA,<br />

2004).<br />

E, para dar continuida<strong>de</strong> a esse episodia, Zé Campos nos conta o<br />

O “velho” Leandro veio <strong>de</strong> Ambupe <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter participado da<br />

Guerra da In<strong>de</strong>pendência da Bahia e dos combatentes recebeu<br />

uma sesmaria [...]. Aqui se casou teve filhos. Foram João José<br />

Silveira, meu avô. Que era gêmeo, o outro faleceu, eles ficaram<br />

explorando os Lagos eram praticamente autos suficientes só


contando que:<br />

compravam o que não podia produzir, compravam em<br />

Canavieiras, compravam sal, criavam gado, trouxeram gado <strong>de</strong><br />

Canavieiras, tinham ricas pastagens na Lagoa Gran<strong>de</strong>, Lagoa do<br />

Alfaiate, regiões também alagadiças com a enchente do rio do<br />

Pardo [...] até hoje. (ZÉ CAMPOS, 2004).<br />

Ainda <strong>sobre</strong> esse episódio, Boaventura retoma a história nos<br />

Leandro e Felipa tiveram muitos filhos entre eles Simião o mais<br />

velho João Elias e José. A família morava em jirau <strong>sobre</strong><br />

palafitas no rabo da lagoa em cima da lagoa, numa posição<br />

estratégica [...] tinha que vir <strong>de</strong> peito com a saída na retaguarda<br />

em caso <strong>de</strong> ataque <strong>de</strong> índios. Quando a família à noite se<br />

recolhia, removia a escada que dava acesso a parte superior do<br />

abrigo, enquanto a área abaixo era cercada para maior proteção.<br />

Com todas as evidências <strong>de</strong> perigo, Leandro não admitia medo<br />

por parte <strong>de</strong> seus filhos. Dizem que por ser mais velho seu filho<br />

Simião sofreu muito.<br />

Um certo dia Leandro, exímio atirador, mandou seu filho Simião<br />

pegar um pato morto por ele, <strong>de</strong>ntro da lagoa cheia <strong>de</strong> jacaré.<br />

Simião tremendo <strong>de</strong> medo nada em busca do pato, enquanto<br />

Leandro com sua repetição observava o movimento dos jacarés<br />

pronto para disparar um tiro certeiro, enquanto Felipa rezava<br />

fervorosamente pedindo proteção para o seu filho. Leandro era<br />

convicto <strong>de</strong> que com sua espingarda seria capaz <strong>de</strong> salvar o<br />

menino.<br />

Conta-se também que um certo dia estando os pais na roça e os<br />

filhos pequenos no terreiro, [esses] perceberam a proximida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

uma onça, rapidamente recolheram-se e com gran<strong>de</strong> esforço<br />

Simião, o mais velho, puxava com uma corda a escada que dava<br />

acesso ao jirau, enquanto a onça espreitava balançando o rabo.<br />

Leandro também costumava colocar armadilhas [para caça] e os<br />

filhos eram quem olhavam. Um dia, um <strong>de</strong>les, foi olhar a<br />

armadilha escorregou e caiu, quando ouviu uma gargalhada do<br />

índio e ele tremendo <strong>de</strong> medo voltou correndo e contou a mãe<br />

[...]. Se ele contasse ao pai só faltava matar <strong>de</strong> porrada [...]<br />

pancada. Não admitia que o homem tivesse medo, homem para<br />

ele não podia ter medo, filho com 11[...] 12 anos já era homem<br />

para Leandro. Mais tar<strong>de</strong> a mãe conseguiu com jeito contar o<br />

fato ao marido.


Patriarca feroz não era surpresa que a mulher fosse tratada como<br />

escrava naquela época. Felipa dispunha <strong>de</strong> apenas um quilo <strong>de</strong><br />

sabão por ano e ainda ouvia reclamação do marido.<br />

Leandro Ribeiro <strong>de</strong> físico avantajado, mãos gran<strong>de</strong>s, com uma<br />

força física <strong>de</strong> “Hércules” era acatado e respeitado pela<br />

redon<strong>de</strong>za pela sua impulsivida<strong>de</strong>.<br />

Dias <strong>de</strong> domingo ia para “bo<strong>de</strong>ga”. Certo dia, estando numa<br />

bo<strong>de</strong>ga e estimulado pôr um grupo, <strong>de</strong>safia jogando cachaça no<br />

olho <strong>de</strong> um índio, aí, conta tia Lour<strong>de</strong>s, cada um dos presentes<br />

dizia que era o índio, o mais forte, outros diziam que era<br />

Leandro [...] então fizeram um joguinho [...] vamos ver quem é o<br />

mais forte. No fim o velho Leandro saiu vitorioso <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>struir, na luta, a bo<strong>de</strong>ga <strong>de</strong> sopapo.<br />

Machão por excelência, reflexo <strong>de</strong> uma época [...] aí, quem<br />

bulisse com as bonecas <strong>de</strong>le [...] [<strong>filha</strong>s]. Num <strong>de</strong>terminado<br />

período houve um fato <strong>de</strong> um trabalhador ter bulido com a<br />

boneca <strong>de</strong>le [...] e lá em Minas [...] ele levou 3 anos matando<br />

gente daí, até Januário porque roubou a <strong>filha</strong> <strong>de</strong>le [...] e quando<br />

a <strong>filha</strong> se per<strong>de</strong>u gritava para a mulher: “mulher por que pariu<br />

feme”. A preferência era por um filho homem, a Igreja<br />

influenciava. (BOAVENTURA MOURA, 2004).<br />

Acrescentou Boaventura Moura:<br />

Entretanto, Leandro era uma figura que por essa ou aquela razão<br />

<strong>de</strong>saparecia, on<strong>de</strong> fez vários filhos, muitas famílias ele <strong>de</strong>ve ter<br />

<strong>de</strong>ixado [...] fabricou [...] mameluco [...] o processo o qual ele<br />

foi gerado ele também [...] o método por aí ele continuou [...] era<br />

uma epopéia cheia <strong>de</strong> casos [...]. Quando saia não procurava<br />

saber se em casa o que faltava, o que tinha [...] a mulher era que<br />

tomasse as providências. A mulher assumia. Numa <strong>de</strong>ssas crises<br />

periódicas, ele <strong>de</strong>sapareceu. Os gêmeos que eram mais moços<br />

agüentaram a mãe, um <strong>de</strong>les era o João Elias Ribeiro.<br />

Anos <strong>de</strong>pois, alguns anos <strong>de</strong>pois, aparece o tal Leandro [...] foi<br />

muito bem recebido por todo mundo, mas um belo dia Leandro,<br />

era realmente uma fera, absolutamente agressivo, intempestivo<br />

para a modalida<strong>de</strong> da época, quis dar pancada neles. O nosso<br />

avô, João Elias, do qual <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>mos a nossa prole, tinha 16<br />

anos, chorando abraçou a mãe [...] essa parte é a mais<br />

sentimental da família disse: nós não vamos embora não, você<br />

nos <strong>de</strong>ixou numa casa <strong>de</strong> palha e passando fome, hoje nós temos<br />

uma casa <strong>de</strong> telha, casa <strong>de</strong> farinha [...] e foi <strong>de</strong>screvendo o que<br />

eles fizeram.


Leandro então emocionado abraçou os filhos e a mulher e disse:<br />

abençoados vocês até a próxima 3 ª e 4 ª geração [...] essa é uma<br />

parte muito bonita da família [...] isso são tópicos que<br />

caracterizam a família no vale do Rio Pardo. (BOAVENTURA<br />

MOURA, 2004).<br />

Esse fato foi também registrado com <strong>de</strong>staque durante a<br />

entrevista que fizemos com Antonieta Ribeiro, <strong>filha</strong> do primeiro casamento<br />

<strong>de</strong> Boaventura Ribeiro, falecida em 2000. Comenta Antonieta:<br />

Dizem que ele também arranjou uma mulher, não sei se é<br />

verda<strong>de</strong> ou mentira e arribou no mundo [Leandro Ribeiro] e<br />

tinha uma tal <strong>de</strong> farinheira, e o que eu acho muito bonito da<br />

família é essa passagem: vocês não bulam na minha farinheira,<br />

por favor, arribou [Leandro] ninguém sabia on<strong>de</strong> andava [...] às<br />

vezes a família po<strong>de</strong> até não gostar [...] ele viajou, ai os meninos<br />

<strong>de</strong>ixaram o mato tomar conta da farinheira. Então, conta João<br />

Elias e Manoel: Eles foram à fazenda <strong>de</strong> Zé <strong>de</strong> Souza [...] pediu<br />

um dinheiro emprestado para fazer [...] montar um forno, fazer<br />

a farinha, mas que quando ele ven<strong>de</strong>sse a farinha logo, logo eles<br />

pagariam o dinheiro que ele emprestou [...] para comprar o<br />

forno não sei [...] lá forno. Quando eles fizeram a farinha foram<br />

lá levar o dinheiro a Zé <strong>de</strong> Souza, fazen<strong>de</strong>iro, e aí dizem que Zé<br />

<strong>de</strong> Souza disse: não vocês não precisam pagar agora, já vi que<br />

vocês são homens, os dois. Vou emprestar para vocês<br />

suspen<strong>de</strong>rem a farinheira <strong>de</strong> vocês [...] e vocês vão me pagando<br />

as percentagens. Aí eles suspen<strong>de</strong>ram [...] anos [...] o meu avô:<br />

o tal Leandro, voltou. Quando voltou viu a farinheira <strong>de</strong>ntro dos<br />

matos, a <strong>de</strong>le, e a dos meninos construída e eles fazendo farinha.<br />

Aí ele disse: meus filhos vocês <strong>de</strong>ixam eu entrar? E eles: po<strong>de</strong><br />

entrar meu pai. Então disse que Leandro disse: abençoado <strong>de</strong><br />

Deus e da Virgem Maria sejam vocês. O que sei dos Ribeiros<br />

que achei bonito foi isso. Só o capricho <strong>de</strong>les <strong>de</strong> serem honrados,<br />

<strong>de</strong> pagarem a Zé <strong>de</strong> Souza, e assim como também ter amor<br />

próprio, não buliam na farinheira do pai. Mostrou que eram<br />

homens. (ANTONIETA RIBEIRO, 2004).<br />

Percebemos pelas entrevistas feitas que esse fato<br />

representou para a família um marco simbólico, um sentimento<br />

<strong>de</strong>spertado <strong>de</strong> força, <strong>de</strong>safio, honestida<strong>de</strong> e re<strong>de</strong>finições <strong>de</strong><br />

valores que vem se perpetuando como um brasão, como uma<br />

herança a ser cumprida pelas futuras gerações.


5 OS PRIMOS: MÃE CALÚ E JOÃO ELIAS<br />

Carolina Severiana Ribeiro (vê anexo fig. 17), Mãe Calú, como<br />

era chamada, era prima <strong>de</strong> João Elias, <strong>filha</strong> <strong>de</strong> sua tia Aurelina, mulher essa<br />

<strong>de</strong> gênio forte e estourado, proce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Alagoinhas. Depois <strong>de</strong> ter<br />

recebido uma carta, um convite, porque estavam precisando <strong>de</strong> uma pessoa<br />

para ajudar na fazenda, Carolina aportou em Canavieiras com seu esposo,<br />

um filho e grávida <strong>de</strong> outro.<br />

Entretanto, uma tragédia abateu-se <strong>sobre</strong> sua família, quando seu<br />

marido veio a falecer, três meses <strong>de</strong>pois da sua chegada. Dos seus dois<br />

filhos, Pedro e Marcolino, <strong>de</strong>sta primeira relação <strong>de</strong> Carolina, ambos<br />

vieram a falecer mais tar<strong>de</strong> sendo um <strong>de</strong>les, <strong>de</strong> morte violenta.<br />

João Elias Ribeiro (vê anexo fig. 18) era natural <strong>de</strong> Canavieiras,<br />

nasceu em 20 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1812, filho <strong>de</strong> Leandro Ribeiro <strong>de</strong> Sousa e Felipa<br />

S. Thiago e Sousa.<br />

Carolina, <strong>de</strong>samparada, sozinha, foi acolhida por João Elias<br />

Ribeiro, seu primo solteiro, ‘bicho livre’ como dizia o meu tio Boaventura.<br />

“aí a vonta<strong>de</strong>” porém sensível preocupado com a moral da prima lhe pe<strong>de</strong><br />

em casamento e esta aceita.


João Elias e Carolina Ribeiro casaram-se em 1872. Dessa união<br />

nascera um profundo sentimento <strong>de</strong> companheirismo, <strong>de</strong> amor e<br />

fraternida<strong>de</strong>. Conta-nos a história que Carolina e João Elias preservando os<br />

vínculos que os tornaram tão cúmplices na vida, continuaram na intimida<strong>de</strong><br />

para o resto da vida a se tratarem com a forma afetiva <strong>de</strong> primo e prima.<br />

Todavia, Boaventura relata esta história:<br />

Enquanto João Elias, originário do Baixo Rio Pardo, tipicamente mateiro, homem rígido e <strong>de</strong>cidido, sem nenhuma cultura,<br />

gênio estourado; Carolina Ribeiro procedia <strong>de</strong> um outro centro, ela veio <strong>de</strong> Catú [...] Alagoinhas [...] Salvador, era uma mulher<br />

sensível e meiga <strong>de</strong> profundo senso religioso, carismática, empreen<strong>de</strong>dora, <strong>de</strong> percepção aguçada quanto a negócios e educação,<br />

preocupava-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo, com o futuro <strong>de</strong> seus filhos. Deste lastro nasce a Família Ribeiro proce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> classe média baixa,<br />

agricultores, gente humil<strong>de</strong>, <strong>de</strong>terminada para o crescimento, para ser alguma coisa na vida e profundamente religiosa.<br />

João Elias e Carolina tiveram vários filhos: Manoel, Antônio,<br />

João, Boaventura, Josefa, Joaquina, Belmira, Ana, e Maria<br />

Carolina.<br />

João Elias, homem muito farto, e mãe Calú, mulher muito<br />

caridosa, inicialmente cultivaram mandioca, on<strong>de</strong> se usava<br />

colocar a mandioca num saco <strong>de</strong>ntro do rio ou prensava. Tinham<br />

feijão, arroz, milho, aipim, criatório <strong>de</strong> galinha, coco não faltava,<br />

da banana produzia-se o vinagre, faziam sabão em gran<strong>de</strong>s<br />

tachos, doces e licor <strong>de</strong> jenipapo e várias outras frutas, bolo <strong>de</strong><br />

fubá, só compravam e armazenavam querosene, sal, massa<br />

proce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Jacarandá centro florescente da época.<br />

Companheira na luta pela conquista <strong>de</strong> algo maior, Mãe Calú<br />

embrenhava-se pela mata em companhia <strong>de</strong> seu marido para a<br />

luta diária.<br />

Conta tia Lour<strong>de</strong>s um fato que um certo dia, quando já haviam<br />

se tornados produtores <strong>de</strong> cacau, Mãe Calú tirando cacau quando<br />

<strong>de</strong>sceu uma cobra e se enrolou no braço <strong>de</strong>la [...] e ela jogou pra<br />

lá: [exclamando] Valei-me Nossa Senhora! Entretanto, fatos<br />

como esse faziam parte da rotina da vida daquela época.<br />

(BOAVENTURA RIBEIRO, 2004).<br />

Contava, também, tio Boaventura Ribeiro que minha avó (Mãe Calú) gostava<br />

muito <strong>de</strong> peixe:<br />

Então, ela um dia resolveu comer um peixe <strong>de</strong> escama pela beira<br />

<strong>de</strong> rio [...] no rio Prado uma vereda <strong>de</strong> estrada [...] quando ela<br />

chegou lá, leva os 3 meninos [...] tudo pequeno 7, 8 anos qual o<br />

nome <strong>de</strong>les eu não sei [...] quando ela disse: me esqueci do meu


“cacumbu” uma faca pequena para cortar peixe etc [...]<br />

Mandou o mais velho voltar para pegar o “cacumbu” que ela<br />

<strong>de</strong>ixara em casa [...] mas sentido <strong>de</strong> mãe. (BOAVENTURA<br />

RIBEIRO, 2004).<br />

Continua essa história, tio Boaventura Moura:<br />

Ela pressentiu alguma coisa, quando ela volta [...] ela viu o pé do<br />

menino e o rastro da onça, ela saiu como uma gata quando<br />

exatamente a onça ia pegando o menino. O grito <strong>de</strong>la [...] a onça<br />

evadiu. Isso era a soma <strong>de</strong> um fato comum para as famílias da<br />

época, eram os perigos que eles viviam concluiu.<br />

(BOAVENTURA MOURA, 2004).<br />

Uma certa vez, conta tio Boaventura Moura que:<br />

Maus amigos aconselharam o marido [João Elias] a se meter<br />

com alambique <strong>de</strong> cana, ela [Mãe Calú] vinha <strong>de</strong> uma região e<br />

sabia que não dava certo, então lutou e tiveram sérios<br />

aborrecimentos [o casal]. Em <strong>de</strong>corrência disso João Elias entrou<br />

numa crise econômica muito difícil e então logrou [leia-se<br />

resultou] com isso os 2 filhos mais velhos não pu<strong>de</strong>ram vir<br />

estudar para po<strong>de</strong>r ajudar a eles sair da crise que foram Manoel e<br />

Antônio [...] os dois primeiros. E disseram: vamos fazer dos<br />

nossos irmãos doutores. Carolina Ribeiro era o cérebro da<br />

família, disciplinada “botava os pingos nos iis”.<br />

Mãe Calú, conhecedora do processo aqui do recôncavo e não<br />

aceitava, a religiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong>la não permitia o abuso, a violência.<br />

Na fazenda havia muitos agregados e 4 escravos que tinham<br />

liberda<strong>de</strong> tanto quanto os outros tinham [...]. Tratava muito bem<br />

os escravos, tanto que quando se <strong>de</strong>u a abolição haviam 4<br />

escravos que continuaram lá [...] tinha uma escrava chamada<br />

Benedita (vê anexo fig. 19).<br />

Carolina Ribeiro, para que pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>sempenhar tão bem o seu<br />

papel <strong>de</strong> companheira <strong>de</strong> João Elias, recebeu <strong>de</strong> sua irmã<br />

Rosalina inestimável apoio para a criação dos seus filhos, que<br />

com gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>voção assumiu esse papel <strong>de</strong> mãe substituta [...]<br />

quando ela tinha filho [...] eu vi meu tio João e mamãe<br />

confirmava, ela entregava os filhos pequenos a sua tia, ela tinha<br />

uma verda<strong>de</strong>ira autorida<strong>de</strong> e obe<strong>de</strong>ciam severamente.<br />

(BOAVENTURA MOURA, 2004).


Para completar, Lour<strong>de</strong>s Moura, também relata que: “Contava-se<br />

que um dos seus filhos João ‘Vargens’ disse um dia: não sei das duas quem<br />

mais quero bem, se minha mãe ou minha tia, [...] por que minha mãe tinha<br />

obrigação”.<br />

A relação <strong>de</strong> tia Rosalina com os sobrinhos <strong>de</strong>ixou marcas<br />

profundas <strong>de</strong> gratidão, fazendo com que sua sobrinha Ana, minha avó, em<br />

homenagem a essa tia <strong>de</strong>sse o seu nome a sua segunda <strong>filha</strong>. João Elias,<br />

embora homem ru<strong>de</strong> possuía uma sensibilida<strong>de</strong> e gestos que o fez capaz <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong>s atos.<br />

Já Maria Rosalina nos conta que:<br />

Elias Ribeiro [como também era conhecido] era um<br />

homem valente, na época da revolução, ele e o irmão<br />

encontraram os soldados que pegaram as espingardas e<br />

apontaram para eles [Elias Ribeiro e o irmão] e pediram<br />

para que <strong>de</strong>ssem as armas e ele falou: só se for o que<br />

tiver <strong>de</strong>ntro – ‘chumbo’ - e o que tá fora não [espingarda].<br />

E o soldado disse: <strong>de</strong>ixem esses bravos e fortes rapazes<br />

seguirem. Isso ocorreu aproximadamente logo após a<br />

in<strong>de</strong>pendência. (MARIA ROSALINA, 2004).<br />

Acrescenta Boaventura Moura: “Figura <strong>de</strong>stemida, conhecida<br />

como único que tinha a coragem no Rio Pardo <strong>de</strong> sair da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Canavieiras remando contra maré”.<br />

abaixo:<br />

Mas também sensível e capaz <strong>de</strong> escrever versos como esse


Bem-ti-vi<br />

Eu vi bem-ti-vi cantando<br />

Triste vida é a tua<br />

Te vejo em tão mau estado<br />

Andando assim pela rua<br />

Vejo muitos indivíduos<br />

Que não querem trabalhar<br />

Só querem é boa roupa<br />

Cavalo para passear<br />

E hoje para viverem<br />

Estão fazendo cassuá<br />

Valei-me Nossa Senhora<br />

Meu Deus do que será<br />

Com tantos filhos e mulher<br />

Sem eu pu<strong>de</strong>r sustentar<br />

Foi no romper da aurora<br />

Que eu vi bem-ti-vi cantar.<br />

******* ******** *******<br />

Caixa <strong>de</strong> Rapé<br />

Abre-te caixa do rio<br />

Toma tabaco, sucena<br />

Meu avô tinha<br />

Duas caixas<br />

Uma gran<strong>de</strong><br />

Outra pequena<br />

Em uma tomava mais<br />

Na outra tomava menos<br />

Quando tomava gostava<br />

E como gostava chorou<br />

No reino do céu se veja<br />

Que o bom Tabaco inventou


****** ******** ******<br />

A folhinha <strong>de</strong> alecrim<br />

Cheira mais quando pisado.<br />

Há muita gente que é assim,<br />

Quer mais bem se <strong>de</strong>sprezado...<br />

(Versos <strong>de</strong> João Elias Ribeiro).<br />

João Elias veio a falecer no dia 12 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1908, (vê anexo fig.<br />

20, periódico, Monitor do Sul <strong>de</strong> 19/04/1908). “Vítima <strong>de</strong> tétano, causado<br />

pôr um prego que lhe perfurara o pé”. (BOAVENTURA MOURA, 2004),<br />

“[...] e continuou calcando o sapato, ele foi a Canavieiras, quando voltou<br />

aos Lagos adoeceu”. (ZÉ CAMPOS, 2004).<br />

Retornando a história <strong>de</strong> Mãe Calú, conta-se também um fato, fato esse que,<br />

como mãe, registro como a maior significância quanto ao espírito<br />

<strong>de</strong> abnegação e humanida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ante <strong>de</strong> Deus <strong>de</strong>sta mulher.<br />

Relata tia Lour<strong>de</strong>s:<br />

Numa certa ocasião, ela recebeu um pedido <strong>de</strong> ajuda <strong>de</strong><br />

comida <strong>de</strong> um preso, cujo preso havia morto um dos seus<br />

filhos do primeiro matrimonio. E ela diante do pedido<br />

enviou o alimento. Quando as pessoas comentaram<br />

censurando, ela disse: Ele mandou pedir pelo amor <strong>de</strong><br />

Deus. Sua bonda<strong>de</strong> a fez querida <strong>de</strong> toda aquela<br />

população ribeirinha. (LURDES MOURA, 2004).<br />

E, ela continua narrando: “Mãe Calú, como era conhecida<br />

Carolina Ribeiro, era morena, usava bata e no cabelo um coque.<br />

Matriarca era uma mulher forte e tinha o hábito <strong>de</strong>la mesmo ven<strong>de</strong>r<br />

o cacau junto a firma compradora em Canavieiras”.<br />

Lur<strong>de</strong>s Moura (2004) acrescenta:<br />

Mulher forte, reconhecendo que havia chegado a sua hora<br />

dirigiu-se a sua <strong>filha</strong> Joaquina dizendo: “traga essa Nossa<br />

Senhora porque estou no final [...] traga a minha médica [...].<br />

Começou a rezar o ofício quando “Quininha”, como era<br />

chamada tia Joaquina, sentiu que ela estava cansada e disse:


mamãe fique rezando, fixe no seu pensamento, e assim ela se<br />

foi.<br />

Mãe Calú, como era carinhosamente chamada, aos 75 anos vítima<br />

<strong>de</strong> um aneurisma, diagnosticado pelo seu filho médico, João Vargens, veio<br />

a falecer no dia 12 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1924, conforme consta no periódico<br />

local da época, o “Progressista” (vê anexo fig. 21). Seu corpo foi removido<br />

para Canavieiras on<strong>de</strong> foi sepultada as 17:00 do mesmo dia. O percurso<br />

feito <strong>de</strong> canoa foi várias vezes, interrompido, por aqueles que queriam vê-la<br />

pela última vez. “Carolina Ribeiro figura marcante por possuir uma<br />

inteligência brilhante, imprimiu um caráter respeitável, <strong>de</strong>terminada, esse<br />

processo conservador que eles [a família] mantém até hoje”.<br />

(BOAVENTURA MOURA, 2004).


6 A FESTA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO<br />

Era o dia 8 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2003 quando eu, minha<br />

<strong>filha</strong> Cristiana, minha irmã Vitória, meu genro e meu neto, nos<br />

movíamos em direção a fazenda Lagos para mais uma<br />

comemoração e celebração da festa <strong>de</strong> Nossa Senhora da<br />

Conceição.<br />

Após <strong>de</strong>ixarmos a BR 101, trecho Camacã, alcançamos<br />

a estrada <strong>de</strong> acesso a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Canavieiras, e num atalho,<br />

chegamos aos Lagos on<strong>de</strong> tudo parecia que o tempo não<br />

passara.<br />

Ao penetrarmos na se<strong>de</strong> da fazenda, enquanto o carro <strong>de</strong>slizava<br />

pela estrada e a medida que <strong>de</strong>scortinávamos os “Lagos”, o silêncio me<br />

fez sentir, como uma criança, inebriada pela fantasia. Passávamos pelas<br />

velhas jaqueiras, pela farinheira e eis que lá estava a “velha” e a “nova<br />

casa” cheia <strong>de</strong> gente como há 125 anos (vê anexo fig. 22).<br />

Ao darmos acesso a “casa gran<strong>de</strong>” (vê anexo fig. 23)<br />

encontramos João Elias, neto do velho João Elias, conversando com o<br />

Padre. Estava também, além <strong>de</strong> muitos outros, “Caçula” (Cecília Félix dos<br />

Santos), terceira esposa <strong>de</strong> Boaventura Ribeiro, mulher <strong>de</strong> fibra, cuja


imagem trago na lembrança, quando um dia a vi, alguns anos atrás, com<br />

um gran<strong>de</strong> chapéu <strong>de</strong> palha empunhando uma enxada. Hoje, com 78 anos<br />

mantém, com seu filho João Elias, a tradição secular da família acolhendo a<br />

todos com o carisma <strong>de</strong> uma guardiã <strong>de</strong> um velho templo.<br />

Enquanto isso, minha <strong>filha</strong> Cristiana, sensível a imagens,<br />

fotografava como uma arqueóloga as marcas do passado. Seus olhos<br />

<strong>de</strong>slizavam e se prendiam a objetos dos quais sua avó Rosalina tanta vida<br />

os <strong>de</strong>u, nos relatos da sua infância... O tacho gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer sabão (vê<br />

anexo fig. 24), a talha <strong>de</strong> água no mesmo canto...<br />

Ah! A dispensa que fazia lembrar a história da “cabaça” que<br />

minha tia Lour<strong>de</strong>s com tanta sauda<strong>de</strong> nos contou que, a cozinha, a mesa<br />

comprida com bancos compridos laterais e mais, uma mesa também com<br />

bancos compridos, local preferido para as conversas <strong>de</strong> família, as mesmas<br />

mesas que serviam uma para as visitas e a outra para as pessoas <strong>de</strong> casa.<br />

Enfim, um perfeito registro memorável do mobiliário <strong>de</strong> uma época.<br />

Ao <strong>de</strong>ntrarmos a casa nova, como ainda é chamada, do lado<br />

direito da varanda que circula toda a casa, junto a um gran<strong>de</strong> e velho sino<br />

(vê anexo fig. 25), uma senhora cuidadosamente assentava os nomes das<br />

crianças que haviam <strong>de</strong> receber o sagrado sacramento do batismo.<br />

Após preparativos, a missa começou a ser celebrada na velha<br />

capela da “casa nova”, a mesma capela que assistiu silenciosamente a<br />

celebração <strong>de</strong> muitos casamentos e batizados. Algumas crianças com seus


trajes domingueiros circulavam pela varanda a espera do momento do<br />

batismo.<br />

Enquanto a missa corria meus olhos se <strong>de</strong>tinham nas portas e<br />

pare<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> pouca coisa dava sinal <strong>de</strong> mudança, exceto ponto <strong>de</strong> luz ali e<br />

acolá, como sinal da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> segurança dos novos tempos. A capela<br />

anexada a gran<strong>de</strong> sala como nos mostra as fotos (vê anexo fig. 25),<br />

representava para a família, o lugar sagrado da casa, local <strong>de</strong> recolhimento<br />

e preces.<br />

Antigamente, na distância das paróquias, localizadas nas cida<strong>de</strong>s,<br />

as famílias dos proprietários <strong>de</strong> terra erguiam altares preservados com o<br />

maior zelo e respeito. Não havia fazenda que se prezasse que não houvesse<br />

um altar no qual se pu<strong>de</strong>sse receber uma visita <strong>de</strong> um padre. O acervo <strong>de</strong><br />

fotos (da região) (vê anexo fig. 26, 27 e 28) <strong>de</strong> altares existentes revela a<br />

realida<strong>de</strong> da época como um símbolo sagrado e importância do significado<br />

da religião católica para as famílias da Região.<br />

A existência do local sagrado abria-se o acesso às pessoas que<br />

quisessem a esse se dirigir. A religião proporcionava a união entre patrões e<br />

empregados diante do temor e po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Deus.<br />

Essas famílias em ocasiões especiais recebiam a visita do “Santo<br />

Padre” e “Senhor Bispo” Dom Eduardo (vê anexo fig. 29) como um sinal<br />

<strong>de</strong> mérito e prestigio social. O prestigio da presença <strong>de</strong> representantes do<br />

clero (vê anexo fig. 30) <strong>de</strong>ixava em pavorosa a fazenda. A vida pacata se


transformava num “corre-corre” “um <strong>de</strong>us nos acuda” para que tudo saísse<br />

conforme ano ou até anos planejado. A cozinha enchia-se das comadres<br />

que viam dar um “adjutório”. As galinhas, os porcos, os carneiros cevados<br />

eram sacrificados nesta época e os padres e bispos se empanturravam das<br />

<strong>de</strong>liciosas comidas feitas com o maior esmero e carinho. Oito dias antes já<br />

se começava a ralar o coco para os bolos, para a festa <strong>de</strong> Nossa Senhora da<br />

Conceição.<br />

A história da vida religiosa da fazenda Lagos contava tia Lour<strong>de</strong>s<br />

e tio Boaventura, começou quando Carolina “Mãe Calú” chegando da<br />

região do recôncavo baiano, Alagoinhas, trouxe consigo a imagem <strong>de</strong><br />

Nossa Senhora da Conceição.<br />

A festa <strong>de</strong> Nossa Senhora da Conceição representava para a<br />

fazenda Lagos e toda a vizinhança das margens do rio Pardo uma<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> congraçamento on<strong>de</strong> todos participavam e contribuíam.<br />

“No período <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro”, lembra tia Lour<strong>de</strong>s com emoção:<br />

Beijemos todos contritos<br />

A Conceição <strong>de</strong> Maria<br />

Havia a novena <strong>de</strong> Nossa Senhora, era rezada à noite por todos<br />

os presentes os presentes, no final quando terminava a ladainha<br />

<strong>de</strong> Nossa Senhora todos cantavam:<br />

Louvemos a mãe <strong>de</strong> Deus<br />

Louvemos com alegria<br />

Em seguida todos da família e <strong>de</strong>mais que estavam presentes<br />

iam beijar o altar [...]. (LOURDES MOURA, 2004).


Emocionada tia Lour<strong>de</strong>s interrompeu a sua fala. Refeita da<br />

emoção, provocada pela lembrança, acrescenta:<br />

Detalhes [...] eu fico com um pouco <strong>de</strong> cerimônia, <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>mos<br />

<strong>de</strong> uma família humil<strong>de</strong> e esta festa <strong>de</strong> Nossa Senhora nunca<br />

faltava nada, mas um certo dia era festa <strong>de</strong> Nossa Senhora da<br />

Conceição, eu nunca ouvi minha mãe contar [...] A minha tia<br />

Joaquina que não era <strong>de</strong> mentira ou anedotas contava que as<br />

duas estavam cantando o hino [Joaquina e Josefa] (vê anexo fig.<br />

31 e 32) ao tempo em que contavam as “patacas” para a festa <strong>de</strong><br />

Nossa Senhora da Conceição quando uma <strong>de</strong>las disse para a<br />

outra: oh! Minha irmã esta faltando! [...] e aí ouviram um<br />

“tirintimtim” <strong>de</strong> dinheiro e apareceu a “pataca”. As duas se<br />

abraçaram e ficaram comovidas com aquilo e muito agra<strong>de</strong>cidas<br />

a Nossa Senhora. (LOURDES MOURA, 2004).<br />

Concluiu mais uma vez emocionada tia Lour<strong>de</strong>s.<br />

A festa da Conceição não somente era marcada pelo sagrado, mas<br />

também pelo profano. Havia a parte folclórica, como relata, ainda Lur<strong>de</strong>s<br />

Moura:<br />

E eu era menina como meus netos [...] então ali mesmo na<br />

fazenda faziam-se aqueles “Ternos <strong>de</strong> Reis” [...] fechava-se a<br />

porta, o violão tocando [...]um conjuntinho com ban<strong>de</strong>iras,<br />

meninotas fantasiadas com guirlandas, ban<strong>de</strong>irolas, tocando os<br />

pan<strong>de</strong>irinhos [...] porta fechada [...] janela fechada [...] naquela<br />

época era assim, elas tinham que cantar e a dona da casa abria a<br />

porta: Dona da casa [...] garrafa <strong>de</strong> vinho [...] doce <strong>de</strong> araçá [...]<br />

ela então abria a porta cumprimentavam Nossa Senhora na<br />

capela dos Lagos e <strong>de</strong>pois ela [...] tinha danças ali mesmo no<br />

salão. (LOURDES MOURA, 2004).<br />

Boaventura Moura (2004) conta que:<br />

Mas a fazenda Lagos, cuja se<strong>de</strong> situava-se no alto, não só<br />

abrigava a população vizinha em épocas <strong>de</strong> festa, mas também<br />

nos períodos das gran<strong>de</strong>s enchentes do Rio Pardo (vê anexo fig.<br />

33), on<strong>de</strong> toda a população ribeirinha abandonava a suas casas e<br />

se abrigavam nos Lagos. Assim, a fazenda Lagos cumpria a sua<br />

função também humanitária.


Contava minha avó “Naninha”, Ana Ribeiro <strong>de</strong><br />

Moura, <strong>filha</strong> <strong>de</strong> João Elias Ribeiro que quando havia<br />

enchente, todo aquele povo subia em busca <strong>de</strong><br />

acolhimento e ali ficavam até que as águas baixassem.<br />

Neste período <strong>de</strong> enchentes que eram freqüentes “as<br />

panelas não restavam [...] latas <strong>de</strong> gás. Matava-se boi,<br />

contavam os mais velhos”.<br />

Maria Rosalina (2004) completa:<br />

O Senhor Bispo, D. Eduardo, durante as<br />

“missões” tinha o hábito <strong>de</strong> ir <strong>de</strong>scansar<br />

na fazenda Lagos, ocasião que nos seus<br />

aposentos privados fazia uso para o seu<br />

asseio pessoal <strong>de</strong> bacia e jarro antigo, que<br />

hoje se encontram em mãos <strong>de</strong> Maria<br />

Rosalina [minha mãe] neta <strong>de</strong> João Elias<br />

e Mãe Calú. Em Ilhéus além da Catedral<br />

construída no Pontal por esse Bispo, há<br />

um museu retratando a sua vida. Dom<br />

Eduardo é venerado pela população <strong>de</strong><br />

Ilhéus que lhe atribui milagres realizados<br />

junto a população. Conta-se que um casal<br />

<strong>de</strong> Ilhéus se separou e o marido arranjou<br />

outra mulher. O Bispo já havia falecido e<br />

a esposa em lágrimas pediu misericórdia<br />

a Dom Eduardo que aparecendo ao<br />

marido apontava para direção da antiga<br />

casa <strong>de</strong>le. E ele voltou pedindo <strong>de</strong>sculpa<br />

para a mulher.


6.1 LEMBRANÇAS DO PASSADO: RELÍQUIAS DE UM TEMPO<br />

Aqui são registradas lembranças que tia Lour<strong>de</strong>s me<br />

passou, fruto dos seus momentos <strong>de</strong> recordações da sua infância e<br />

que nos presenteia e nos revelam a forma <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> uma época,<br />

<strong>de</strong> um tempo que não volta mais.<br />

Escova <strong>de</strong> <strong>de</strong>nte do pobre era um pedaço <strong>de</strong> saboeira, faziam uma espécie <strong>de</strong><br />

pincel. Cigarros <strong>de</strong> fumar, eles mesmo faziam os cigarros.<br />

Também tinha uma latinha pequena <strong>de</strong> rapé, fumo <strong>de</strong>smanchado<br />

e carregavam nos bolsos da calça, ofereciam aos amigos.<br />

Festas junina, muita laranja, licor <strong>de</strong> jenipapo, os amigos se<br />

presenteavam trocando prato <strong>de</strong> canjica.<br />

do sapato.<br />

Não havia graxa para pobre, usavam graxa vermelha para limpeza<br />

Não tinham dinheiro para comprar perfume, lavavam suas roupas<br />

com folhas <strong>de</strong> patixuli.<br />

Quando tinham <strong>de</strong> ir a uma festa, colocavam a roupa <strong>de</strong><br />

preferência, enrolada numa toalha no braço, andavam quilômetros pés<br />

<strong>de</strong>scalços e sapato nas mãos até a festa.<br />

Na igreja, faziam promessas, ajoelhados, entravam <strong>de</strong> pé<br />

<strong>de</strong>scalços até o altar, algumas vezes com vela acesa.<br />

Quando morria um amigo, mandavam ban<strong>de</strong>jas <strong>de</strong> flores, uma<br />

ban<strong>de</strong>ja <strong>de</strong> esmalte com o nome no fundo. Acompanhavam o enterro,


aianas carregando as ban<strong>de</strong>jas, <strong>de</strong>mais flores erram carregadas numa<br />

cocha, quatro pessoas carregando.<br />

Os palitos eram feitos com talo <strong>de</strong> folhas <strong>de</strong> palmeira <strong>de</strong> ouricuri.<br />

As meninas brincavam <strong>de</strong> guisado, cozinhavam com as<br />

amiguinhas. As amiguinhas levavam arroz, feijão e assim faziam seu<br />

cozinhado.<br />

Natal festa que toda a família se reunia como hoje em vez <strong>de</strong> ser<br />

este comércio, todo mundo fazia seus bolos, sequilhos, bolacinhas <strong>de</strong><br />

goma, peru, assado <strong>de</strong> porco. Papai Noel trazia presentes pondo nos<br />

sapatos..<br />

Quando a mãe esperava um neném, o anjo trazia ou a cegonha, eu<br />

achava muito era daquela época.<br />

Noite <strong>de</strong> Reis, havia ternos com roupas, diversos arcos com<br />

lanternas <strong>de</strong> papel, conjunto <strong>de</strong> violão, cavaquinho, flauta, visitavam o<br />

presépio <strong>de</strong>pois ia para uma casa amiga e aí dançavam toda à noite.<br />

Pote, com concha <strong>de</strong> pau. Cafeteira <strong>de</strong> flan<strong>de</strong>, para coar o café e o<br />

coador. Uma moringa tendo como tampa, uma pecinha <strong>de</strong> crochê. Cuia <strong>de</strong><br />

cabeça para farinheira e cabaça pequena, saboneteira. Vassoura e<br />

vassourinha para varrer chão batido.<br />

Frufú <strong>de</strong> castanha torrada, feita em triângulo <strong>de</strong> papel.


Cestinha <strong>de</strong> papel <strong>de</strong> seda cortado para colocar queimadas.<br />

Cocada preta <strong>de</strong> cortar. Pé-<strong>de</strong>-moleque, coco farinha e rapadura, aufere <strong>de</strong><br />

rapadura.<br />

Almofada para fazer renda com bilros <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. Bastidor para<br />

bordar. Bonecas <strong>de</strong> pano preta, cor-<strong>de</strong>-pele, mulata.


7 “MISSÃO CUMPRIDA”<br />

Com a expansão da cacauricultura na região <strong>de</strong><br />

Canavieiras, precisamente vale do Rio Pardo <strong>de</strong> clima<br />

quente úmido e solos férteis, a agricultura do cacau veio<br />

a florescer passando a Bahia a <strong>de</strong>spontar como<br />

produtora e conseqüentemente, exportadora do produto.<br />

Neste período, João Elias passa a ser agricultor<br />

<strong>de</strong> cacau juntamente com seus dois filhos mais velhos:<br />

Manoel e Antônio uma vez que os dois mais moços, já<br />

havia <strong>de</strong>ixado a fazenda e ido para a “Bahia” (diga-se<br />

Salvador, como assim se dizia) a fim <strong>de</strong> darem início a<br />

sua formação acadêmica, Boaventura como engenheiro,<br />

e João “Vargens” como médico. Ambos, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

formados abandonaram suas profissões a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong><br />

excelentes convites <strong>de</strong> trabalho em São Paulo e Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, retornando às suas terras <strong>de</strong> origem.<br />

Entretanto, embora a região apresentasse<br />

condições favoráveis ao plantio do cacau, situações<br />

adversas como terras sujeitas a freqüentes enchentes e<br />

aos limites do vale do rio Pardo, fizeram com que João<br />

Elias e seus filhos resolvessem procurar terras altas e<br />

férteis como alternativa para novas plantações.<br />

Diante <strong>de</strong>ssas circunstâncias, João Elias após<br />

analisar, planejar, resolveu por em pratica sua idéia <strong>de</strong><br />

realizar uma expedição e, conseqüentemente, a<br />

ocupação <strong>de</strong> uma área hoje chamada <strong>de</strong> Camacã.<br />

Quero crer que ele já conhecia a região pelas<br />

razões <strong>de</strong> tanta certeza, em sua afirmação aos seus<br />

filhos, na orientação da primeira excursão a bacia do<br />

Panelão. Possivelmente, como caçador ou como<br />

explorador <strong>de</strong> minérios, pois nesta época, pouco antes <strong>de</strong><br />

sua intenção em cultivar na bacia hidrográfica do


Panelão, tributário do Rio Pardo, ele exerceu por algum<br />

tempo, ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garimpeiro, ativida<strong>de</strong> esta, que<br />

fazia dos indivíduos verda<strong>de</strong>iros <strong>de</strong>sbravadores.<br />

Ano fins <strong>de</strong> 1888, o ano em que minha mãe<br />

nasceu, penúltima <strong>filha</strong> do casal Carolina Severiano<br />

Ribeiro e João Elias Ribeiro, possivelmente, no verão,<br />

mas como eles eram religiosissímos embora planejava<br />

para 1888 teria sido realmente em fins <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro a<br />

janeiro <strong>de</strong> 1889 a ocorrência do fato, ou seja: em pleno<br />

verão, melhor probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contar como meio mais<br />

favorável, e, portanto, logo após o Natal uma festa<br />

máxima da fazenda Lagos.<br />

Homem <strong>de</strong>terminado, conhecido como único que<br />

tinha a coragem no Rio Pardo ao sair da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Canavieiras remando contra a maré, o seu horário <strong>de</strong><br />

viagem, não importava se era vazante ou enchente, não<br />

lhe interessava se por ventura atrasasse ou adiantasse<br />

na sua viagem, o horário e a data eram para ser<br />

cumprida a qualquer preço!<br />

No entanto, não havia razões ou motivos que<br />

pu<strong>de</strong>sse alterar o seu comportamento, compromisso e<br />

horário são coisas sagradas.<br />

Mas, nem sempre, os fatos ocorrem como<br />

gostaríamos que acontecesse, e ele João Elias Ribeiro,<br />

adoece as vésperas da data fatídica. Duas alternativas<br />

lhe ocorrem: mudar a data, adiando a incursão, ou,<br />

transferindo o comando ao seu filho mais velho com<br />

apenas 19 anos.<br />

Fiel a seus princípios, e amargurado por não<br />

po<strong>de</strong>r partir, chama Manoel Ribeiro 19 anos (vê anexo<br />

fig. 34) e Antônio Ribeiro, então com 16 anos (vê anexo<br />

fig. 35), e os transfere o comando e <strong>de</strong>terminações a<br />

serem cumpridas rigorosamente neste trajeto <strong>de</strong> 30 dias<br />

entre saída e o regresso.<br />

Acostumado ao rigor da or<strong>de</strong>m paterna,<br />

ninguém ousava contestar, e então <strong>sobre</strong> o comando <strong>de</strong>


dois imberbes, 15 homens aceitando o <strong>de</strong>safio, partem<br />

para esta memorável jornada <strong>de</strong> <strong>de</strong>sbravadores.<br />

A missão proposta por Elias Ribeiro era subir Rio<br />

Pardo <strong>de</strong> canoa até a <strong>de</strong>sembocadura do Rio Panelão, no<br />

Rio Pardo, disseminando em locais favoráveis e que<br />

pu<strong>de</strong>ssem, sementes <strong>de</strong> cacau ao longo do caminho e daí<br />

até subirem, ainda encontrar o rio Aliança, percorrendo<br />

o mesmo até chegar ao mar. Esta expedição tinha or<strong>de</strong>ns<br />

<strong>de</strong> João Elias Ribeiro <strong>de</strong> regressar <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um prazo <strong>de</strong><br />

trinta dias, período este que garantia o sucesso ou<br />

insucesso da expedição.<br />

Região habitada por índios (vê anexo fig. 36, 37 e<br />

38), contam os expedicionários que jamais chegou a<br />

avistar neste trajeto, qualquer índio, não <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong><br />

perceber, contudo, a presença dos mesmos através <strong>de</strong><br />

sons, movimentos das árvores, etc. Levavam uma<br />

pequena e leve bagagem individual, bijuterias espelhos e<br />

argolas etc. como presentes para os índios, como um<br />

meio <strong>de</strong> acalmá-los.<br />

Conta Antônio Ribeiro, o filho mais novo da<br />

incursão, que jamais viu um índio, mas que, no entanto,<br />

inúmeras vezes abatiam uma caça e não conseguia<br />

apanhá-la pois o índio chegava primeiro. Concluíam eles,<br />

portanto <strong>de</strong> que estavam sendo seguidos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o estuário<br />

do rio Panelão em todo o seu trajeto.<br />

Passos, movimentos <strong>de</strong> galho assobios, etc. todos<br />

esses indícios, mantinha toda a equipe em estado <strong>de</strong><br />

alerta. Até chegar as nascentes do Panelão numa serra<br />

escarpada hoje divisória dos municípios <strong>de</strong> Jussarí, Una,<br />

e Camacã Arataca.<br />

A seguir veremos o relato <strong>de</strong> Boaventura Moura<br />

<strong>sobre</strong> a primeira e a segunda expedição:<br />

Primeira expedição:<br />

A primeira expedição, segundo Antônio<br />

Ribeiro, foi atingido aproximadamente


quando era cerca <strong>de</strong> mais ou menos três<br />

horas da tar<strong>de</strong>, local <strong>de</strong> uma pedreira<br />

encostada na serra, o Panelão um filete<br />

<strong>de</strong> água, <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Antônio Ribeiro<br />

e Manoel que <strong>de</strong> posse <strong>de</strong> um facão<br />

escarifica a rocha, <strong>de</strong>ixa sua marca como<br />

referência e mais e mais alguns cortes <strong>de</strong><br />

machado num pé <strong>de</strong> Jequitibá bem<br />

próximo e disse: Missão cumprida e<br />

sentou-se exausto.<br />

O regresso <strong>de</strong>sta expedição se <strong>de</strong>u por<br />

sugestão <strong>de</strong> Manoel Ribeiro, por outro<br />

caminho que pretendia alcançar os<br />

campos da Fabiana, evitando encontrar<br />

“estrepes” caso voltasse pela trilha. Todos<br />

se acercaram <strong>de</strong>le e disse a palavra que<br />

atenciosamente aguardavam: “vamos<br />

voltar”. Ele Manoel sisudo, calado falou:<br />

por on<strong>de</strong>? Por unanimida<strong>de</strong> falaram<br />

todos: pelo mesmo lugar que viemos.<br />

Antônio aguardou Manoel falar. E<br />

Manoel bradou: Não por aí não. Antônio<br />

sem enten<strong>de</strong>r perguntou: por que não? –<br />

eles estão nos esperando com “estrepes”<br />

[significa armadilhas].<br />

Antônio foi logo categórico: eu<br />

acompanho meu irmão! Ante o fato, todos<br />

concordaram, concordaram com Manoel<br />

e aí eles acamparam para reiniciar a<br />

viagem <strong>de</strong> retorno, na orientação<br />

pre<strong>de</strong>terminada por Manoel em que<br />

pretendia alcançar os Lagos [fazenda]<br />

pelos campos da Fabiana.


O trajeto escolhido era complemente<br />

diferente da ida, e em breve, observava-se<br />

não mais a companhia suspeita e<br />

intranqüilo dos índios. Salvo a incomoda<br />

condução do enfermo, nada registrar até<br />

mais ou menos a serra, hoje serra <strong>de</strong> Rio<br />

Branco, no atual município <strong>de</strong> Arataca -<br />

Especialmente agora em que um<br />

imprevisto ocorreu: um doente sendo<br />

conduzido numa re<strong>de</strong>, e em plena mata<br />

também, não era novida<strong>de</strong> para eles <strong>de</strong><br />

que os índios estavam a pouco dali, e que<br />

eles embora <strong>de</strong> acampamento em<br />

acampamento <strong>de</strong>ixavam lembranças <strong>de</strong><br />

bijuterias, mas nas estradas dos índios,<br />

foram praticados alguns estragos,<br />

especialmente para se fazer passar re<strong>de</strong><br />

com o doente, ou seja, cortar cipós que<br />

obstaculavam o trânsito, e isso, em<br />

estradas dos índios, equivale <strong>de</strong>clarar<br />

guerra.<br />

O velho João Elias havia orientado que<br />

eles <strong>de</strong>scessem a serra e saíssem nos<br />

campos para ser mais fácil no litoral, por<br />

isso, que eu acho que ele conhecia a região<br />

como caçador. Desciam eles a serra em<br />

coluna indiana quando inesperadamente,<br />

um brado <strong>de</strong> alerta, tendo como causa<br />

[cheiro <strong>de</strong> fumaça], pois havia a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se irromper um<br />

acampamento indígena e<br />

conseqüentemente haveria luta, mas para<br />

felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos era uma “pioneira<br />

farinheira” em pleno funcionamento.


Quando eles saíram no córrego estavam<br />

as mulheres fazendo farinha, quando as<br />

mulheres olharam os caras com barbas<br />

<strong>de</strong>ste tamanho, não ficou ninguém [...] e<br />

aí eles gritavam: ei gente [...] somos <strong>de</strong><br />

paz [...] eu sou filho <strong>de</strong> João Elias Ribeiro.<br />

Eles gritavam, mas as mulheres correram<br />

com os filhos todos [...] gritavam para a<br />

mata: [...] po<strong>de</strong> aparecer [...]. Naquela<br />

época mulher não tinha confiança, todo<br />

mundo era bandido, fugitivo [...].<br />

Mais tar<strong>de</strong> apareceu um cara, o marido<br />

<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las, que tinha trabalhado na<br />

fazenda Lagos e conheciam o velho<br />

patriarca da família Ribeiro, e aí foram<br />

bem recebidos, reconhecidos e<br />

i<strong>de</strong>ntificados, entraram comeram<br />

“farinha fresquinha” – as primeiras<br />

penetrações agrícolas. Depois da<br />

confraternização, esse cara levou eles <strong>de</strong><br />

canoa, saiu dali <strong>de</strong> Rio Branco e levou<br />

eles até em baixo, [o rio era muito mais<br />

perene do que hoje] do Rio Branco até<br />

quase [...] eu acredito adiante on<strong>de</strong> é a<br />

fazenda <strong>de</strong> Marcelo Ge<strong>de</strong>on, porque daí<br />

eles tiraram uma reta para <strong>de</strong>ntro<br />

pegaram os campos e foram sair em<br />

Canavieiras.<br />

A preocupação <strong>de</strong> Manoel <strong>de</strong> agora em<br />

diante era <strong>sobre</strong> “prazos concedidos pelo<br />

seu pai” consi<strong>de</strong>rando o atraso que o<br />

doente ocasionou neste percurso, e pela<br />

máxima brevida<strong>de</strong>, ele sabia que o tempo<br />

seria estourado e as conseqüências que


haveria <strong>de</strong> advir, portanto tratou ao<br />

máximo <strong>de</strong> acelerar o regresso. Nesta<br />

altura o velho João Elias <strong>de</strong>u um prazo a<br />

eles <strong>de</strong> voltar e eles já tinham<br />

ultrapassado 2 dias e já tinha reunido 20<br />

homens para ir a trás <strong>de</strong>les.<br />

Mesmo assim o doente era um problema<br />

em se transportar. Gastou-se uma semana<br />

do atual Rio Branco a fazenda Lagos,<br />

on<strong>de</strong> o velho patriarca João Elias Ribeiro<br />

já se preparava para partir em busca dos<br />

filhos com mais <strong>de</strong> 30 homens<br />

<strong>de</strong>vidamente preparados para toda sorte<br />

<strong>de</strong> circunstâncias.<br />

Tudo aquilo a risca programado no dia<br />

tal, no dia tal olhe lá... no dia tal... a<br />

volta... Não sei quantos dias eles subiram<br />

rio Prado e entraram no Panelão.<br />

A mãe Calú já preocupada pela ausência<br />

dos filhos, aí vem a influência..., Deixava<br />

ele intranqüilo, ficou preocupadíssima<br />

pela briga da mulher. Entretanto, Manoel<br />

sabia do pai <strong>de</strong>le... E mandou um cara na<br />

frente que esperasse eles que eles estavam<br />

chegando. Ao chegarem, João Elias, já se<br />

preparava para ir a busca dos<br />

expedicionários, com 30 homens<br />

preparados para qualquer tipo <strong>de</strong><br />

embate.<br />

Essa é a primeira missão exploradora da<br />

bacia Hidrográfica do Panelão.<br />

(BOAVENTURA MOURA, 2004).


Segunda Expedição:<br />

Em 1894 partia segunda expedição<br />

comandada pelo seu i<strong>de</strong>alizador João<br />

Elias Ribeiro, que ao alcançar as áreas<br />

semeadas pela expedição anterior, on<strong>de</strong> é<br />

hoje o Vargito, confluência do Panelinha<br />

com Panelão, e <strong>de</strong>frontando-se com as<br />

mudas <strong>de</strong> cacau com tamanha e<br />

exuberância, com lágrimas nos olhos<br />

disse: “Gostaria <strong>de</strong> ter menos <strong>de</strong> vinte<br />

anos. Oh! quanto tempo perdido! Aqui<br />

esta o sucesso e a Glória.”<br />

João Elias explorando a Região ainda<br />

nesta mesma ocasião, alcançando a atual<br />

local da Fazenda Santa Maria, sentado<br />

admirando a cachoeira [que<br />

posteriormente passou <strong>de</strong>pois a ter o seu<br />

nome] disse: “Se eu conheço aqui há vinte<br />

anos atrás teria feito os meus Lagos aqui!”<br />

(BOAVENTURA MOURA, 2004) (vê<br />

anexo fig. 39).<br />

Existe, entretanto, uma outra versão<br />

apresentada por José Campos, filho <strong>de</strong> Antônio Ribeiro,<br />

que embora haja uma divergência quanto as primeiras<br />

expedições não compromete o teor da essência, mas achei<br />

<strong>de</strong> bom senso trazer ao conhecimento do leitor para que<br />

esse, faça a sua própria conclusão.<br />

Para Zé Campos, como familiarmente o<br />

conhecemos, a 1 ª expedição vieram João Elias, Manoel o<br />

pai <strong>de</strong> Jaci, eles chegando na região dos Campos, o<br />

cozinheiro disparou a arma nele mesmo, em vista disso<br />

eles voltaram, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 3 ou 4 dias, eles voltaram foram


para Canavieiras para levar ao conhecimento das<br />

autorida<strong>de</strong>s o que tinha ocorrido.<br />

Então prepararam uma segunda expedição, foi<br />

quando o velho João Elias adoeceu e não po<strong>de</strong> vir. Essa<br />

segunda expedição tinha o itinerário totalmente diverso.<br />

A primeira expedição viria dos Lagos cortando o<br />

Salobro que já tinha... Tinha direta pra aqui. A segunda,<br />

eles vieram para o oci<strong>de</strong>nte e visitar o lugar on<strong>de</strong> o<br />

aci<strong>de</strong>ntado ficou sepultado... Se morreu?.... Morreu<br />

imediatamente, dizem que jorrava sangue pelo pescoço<br />

parecendo um boi.<br />

A segunda expedição eles vieram até esse ponto<br />

para daí ir em direção ao rio Pardo e daí começaram a<br />

subí-lo margiando. Foram sair em Cachoeirinha <strong>de</strong><br />

Camacã, foram a Una, <strong>de</strong> Una foram para<br />

Comandatuba a Canavieiras, <strong>de</strong> Camacã subiram o Rio<br />

Pardo sem nada <strong>de</strong> profícuo, sem nada observarem nesta<br />

expedição porque praticamente foi a primeira, porque a<br />

primeira foi frustrada. Na segunda expedição já sim,<br />

eles a<strong>de</strong>ntraram na mata e vieram acampar aqui na<br />

confluência do Rio Panelão e Panelinha.<br />

“Eu vi o esteio aí no chão, é no alto aqui daqui, a<br />

100 metros daqui, atravessando o Panelinha aí”. (ZÉ<br />

CAMPOS, 2004).


8 UM SONHO, UMA LUTA, UMA CONQUISTA<br />

Como todo começo, esse não foi diferente para os<br />

primeiros colonizadores que penetraram nestas virgens<br />

matas. Isolamento, solidão e nevoeiro constante. Segundo<br />

meu tio avô, Boaventura Ribeiro, o <strong>de</strong>nso nevoeiro<br />

causado pelo alto índice pluviométrico, inviabilizava<br />

uma maior penetração nas florestas, recém <strong>de</strong>scobertas.<br />

Nessas circunstâncias, para aqui vieram esses<br />

homens, os “doidos”, assim chamados, que <strong>de</strong>ixando a<br />

civilização, embrenharam-se nestas matas em busca <strong>de</strong><br />

um sonho. O nome da cida<strong>de</strong>, Camacã, representa uma<br />

justa homenagem aos verda<strong>de</strong>iros proprietários da<br />

terra, os índios da tribo dos Camacãs, que pacificamente<br />

recuavam, <strong>de</strong> ante da ocupação dos homens brancos.<br />

De acordo com essas afirmações, Zé Campos<br />

(2004) corrobora:<br />

A cida<strong>de</strong>, hoje Camacã, <strong>de</strong>ve-se a Dr. João Vargens “doutor <strong>de</strong><br />

cacaio nas costas” como era carinhosamente tratado pelos<br />

íntimos pela atitu<strong>de</strong> altruísta <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriar parte <strong>de</strong> sua<br />

fazenda, Camacã, situada na bacia do rio Panelão, <strong>de</strong>stinando<br />

graciosamente lotes <strong>de</strong> terra a todo aquele que ai <strong>de</strong>sejasse<br />

estabelecer residência, ou um ponto comercial.<br />

Orlando Midlej e Silva, por ocasião das<br />

comemorações dos nove anos da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Camacã, num<br />

artigo publicado no jornal TABU, em 1977, Canavieiras,<br />

<strong>de</strong>fine a ortografia correta da palavra Camacã. Camacã<br />

na língua indígena significa “pedra alta”.<br />

Contamos, para esse capítulo, com um maior número <strong>de</strong> entrevistados, todos<br />

eles pessoas que conviveram na intimida<strong>de</strong>, com os<br />

<strong>de</strong>sbravadores <strong>de</strong>sta região, hoje Camacã. Po<strong>de</strong>ríamos contar,<br />

entretanto, com um número um pouco maior, caso não tivesse<br />

um prazo a cumprir. Porém, acredito que pela coincidência das<br />

informações, as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> equívocos, são bastante<br />

reduzidas, conforme documentações consultadas e anexadas ao<br />

trabalho.


Os entrevistados para essa sessão foram os seguintes: Boaventura<br />

Ribeiro <strong>de</strong> Moura, nasceu em: 11/12/1925 (vê anexo fig. 40), e faleceu em:<br />

20/05/2004; José Campos (Zé Campos) nascido em: 31/12/1926(vê anexo<br />

fig. 41); Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Ribeiro <strong>de</strong> Moura (vê anexo fig. 42), nascida<br />

em: 15/04/1913; Maria <strong>de</strong> Rosalina Moura Pinto (vê anexo fig. 43), nascida<br />

em: 06/03/1915; Maria Carmelita Ribeiro <strong>de</strong> Moura (vê anexo fig. 44),<br />

nascida em: 08/07/.....; Luis Moura (vê anexo fig. 45); Maria Pastora<br />

Martins (vê anexo fig. 46), nascida em: 09/12/1914; e, Rosalvo Bião (vê<br />

anexo fig. 47), nascido em 13/04/1918; Maria Rita (vê anexo fig. 48)<br />

Após a 1 a e a 2 a expedição eles semeavam,<br />

vinham aqui, olhavam e voltavam e<br />

foram expandindo as plantações. Houve<br />

várias excursões para a região, até que<br />

eles se estabelecerem <strong>de</strong>finitivamente.<br />

(BOAVENTURA MOURA, 2004).<br />

A Revista “Camacã e o Cacau” (1988), falando <strong>de</strong><br />

Boaventura Moura, traz a seguinte informação:<br />

Em 1897 é feita uma gran<strong>de</strong> plantação <strong>de</strong><br />

cacau nas terras novas <strong>de</strong>scobertas, ricas<br />

às margens do rio Panelão. Foram <strong>de</strong>z<br />

mil pés plantados, “trazidos nas costas<br />

até aqui”, como gosta <strong>de</strong> frisar o pioneiro<br />

Boaventura Moura, primeiro prefeito <strong>de</strong><br />

Camacã. A partir <strong>de</strong> 1905, com a gran<strong>de</strong><br />

enchente, “avassaladora” ocorrida nesta<br />

época, é que surgem as primeiras<br />

“buraras” (pequenas plantações <strong>de</strong> cacau)


iniciando assim o movimento <strong>de</strong> fixação<br />

à região.<br />

A esta Revista, Boaventura Moura, faz a<br />

seguinte <strong>de</strong>claração:<br />

Decorridos cinco anos, em 1902, retorna a<br />

expedição às terras novas <strong>de</strong>scobertas e<br />

novamente a expectativa é superada: os<br />

<strong>de</strong>z mil pés <strong>de</strong> cacau plantados estão<br />

plenos <strong>de</strong> produção. (BOAVENTURA<br />

MOURA, 1988).<br />

A sesmaria [Fazenda Lagos] <strong>de</strong> João Elias, que recebeu, era<br />

muita terra <strong>de</strong> campo. Pra cacau era na margem do rio Pardo,<br />

terreno fertilíssimo, mas <strong>de</strong> dimensões muito pequenas. Com o<br />

crescer da família, chegaram a conclusão que a renda não era<br />

suficiente, então tentaram explorar isso aqui, solos próprios para<br />

cacau. João Elias nunca se instalou aqui em Camacã, ele veio<br />

apenas chefiando e comandando as expedições, orientando. Só<br />

os filhos tiveram proprieda<strong>de</strong>s aqui. (ZÉ CAMPOS, 2004).<br />

E, Boaventura Moura (2004), completa: “Em 1907<br />

Boaventura Ribeiro e João Vargem, formados, após<br />

rejeitarem convites profissionais em outros Estados,<br />

retornam a Canavieiras”.<br />

E, assim, continua Zé Campos (2004):<br />

Com o intuito <strong>de</strong> complementar e ajudar<br />

a obra <strong>de</strong> seu pai. [Boaventura Ribeiro e<br />

João Vargens], aí, morre o velho [...]. O<br />

velho <strong>de</strong>ve ter morrido mais ou menos em<br />

1906, 1907 [...] <strong>de</strong> tétano <strong>de</strong> um espinho ou<br />

prego no pé, continuou calçando o sapato.<br />

Isso era muito comum naquela época. Ele<br />

foi a Canavieiras quando voltou aos<br />

Lagos adoeceu.[...] vindo a falecer<br />

posteriormente.<br />

Com a crise, Antônio Ribeiro e João Vargem, vieram e fizeram o primeiro rancho <strong>de</strong> palha, <strong>de</strong>pois foram reformando, <strong>de</strong><br />

ma<strong>de</strong>ira, <strong>de</strong> taipa. Plantaram um cacaueiro aqui, não sei se você conheceu o cacaueiro plantado aqui [...] foi o primeiro<br />

cacaueiro da região plantado aqui. Morreu com a construção da barragem na Santa Maria, a água ficou represada e terminou


matando, mas antes <strong>de</strong>le morrer, eu tirei, eu tive o cuidado <strong>de</strong> tirar sementes <strong>de</strong>le e plantei aqui, filho <strong>de</strong>le, era uma árvore que<br />

dava mais <strong>de</strong> duas arrobas por ano. Cada colha era uma caixa, três a quatro arrobas, um saco <strong>de</strong> cacau.<br />

As casas eram <strong>de</strong> palha, todas. Antônio Ribeiro ficou aqui, João<br />

Vargem também ficou aqui, [na fazenda Vargito], mas<br />

explorando lá pelo lado <strong>de</strong> Camacã, a serra <strong>de</strong> Itamutinga<br />

Tapitanga e se instalaram aqui <strong>de</strong>pois do casamento <strong>de</strong>les, a<br />

exceção <strong>de</strong> tio João que a mulher não quis vir [...] menos dona<br />

Luíza. Dona Luiza só veio aqui para morrer, há 5 a 6 anos atrás,<br />

ficou na casa <strong>de</strong> Neuza [sua nora] e foi enterrada em Camacã.<br />

O fato é que em aqui chegando <strong>de</strong>finitivamente no início do<br />

século passado, puseram-se os Ribeiros imediatamente e <strong>de</strong><br />

facão em punho a “cabruncar” mata virgem no intuito do plantio<br />

do cacau.<br />

O artigo “terra” era facílima obtenção, portanto milhares e<br />

milhares <strong>de</strong> quilômetros quadrados <strong>de</strong> floresta intocada aguardavam por<br />

quem quisesse e pu<strong>de</strong>sse explorá-las. Já o mesmo infelizmente não<br />

acontecia para quem tão somente procurava trabalho, emprego, isso em<br />

<strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> ser o serviço executado nas fazendas em processo <strong>de</strong><br />

formação, responsabilida<strong>de</strong> única dos seus próprios familiares. Só mais<br />

tar<strong>de</strong> essa situação viria modificar-se com o emprego <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra.<br />

Tal circunstância ocorria simplesmente pelo fato <strong>de</strong> serem os<br />

primeiros cacauricultores, <strong>de</strong> um modo geral faltosos <strong>de</strong> maiores recursos<br />

financeiros, contando apenas com a força dos seus braços e a infalível<br />

proteção Divina.<br />

Como vimos sem qualquer tipo <strong>de</strong> ajuda governamental, quer<br />

fosse <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m financeira, médica ou social, estavam os bravos lutadores a<br />

mercê dos mais completo <strong>de</strong>samparo porem nem por isso tiveram suas<br />

forças arrefecidas, muito pelo contrário, quais mo<strong>de</strong>rnas fênix, tiveram-se


edobradas, dispostos a enfrentar toda espécie <strong>de</strong> adversida<strong>de</strong>: chuva,<br />

diluviais, índios, febres palustres, escassez <strong>de</strong> alimentos, feras sem número,<br />

serpentes as mais peçonhentas eram apenas algumas dificulda<strong>de</strong>s a<br />

enfrentar no seu espinhoso caminho.<br />

Todavia venceram-nas todas sem inconteste <strong>de</strong> que o trabalho e a<br />

perseverança quando alicerçados em base sólida tornam-se in<strong>de</strong>strutíveis,<br />

mesmo diante <strong>de</strong> obstáculos consi<strong>de</strong>rados intransponíveis.<br />

Conclui-se, então, que inicialmente eles vieram sozinhos.<br />

Posteriormente Antônio Ribeiro casa-se com professora Chiquinha (vê<br />

anexo fig. 48) e fixa residência no Vargito, já João Vargem, embora casado<br />

com professora Luíza (vê anexo fig. 49), veio sozinho, negando-se a<br />

mesma acompanhá-lo, talvez pelas condições precárias <strong>de</strong> vida da época,<br />

vindo apenas para a região muito tempo <strong>de</strong>pois, on<strong>de</strong> fixou residência e<br />

terminou seus dias.<br />

Conforme Boaventura Moura (2004): “Inicia-se<br />

assim, o processo migratório para a bacia Hidrográfica<br />

do Papelão” Zé Campo (2004), por sua vez diz: “Muita<br />

gente não quis mais plantar cacau [nas regiões sujeitas a<br />

inundações] e então preferiu ir pra lá com todas as<br />

dificulda<strong>de</strong>s”. E, completa Boventura Moura (2004):<br />

“Tudo isso era muito <strong>de</strong>vagar, não era veloz como hoje<br />

em dia”.<br />

Assim, narra Zé Campos (2004):<br />

Em todo esse período <strong>de</strong> exploração, Antônio Ribeiro<br />

nunca viu índio, embora estes <strong>de</strong>ixassem marcas <strong>de</strong> sua<br />

passagem, através <strong>de</strong> água toldada, dos cipós lacticínios,<br />

ainda vazando o leite, que os índios torciam <strong>de</strong> propósito,<br />

para <strong>de</strong>monstrar a presença <strong>de</strong>les aqui; mas visualmente


nunca teve contato, dava presentes, facão, machados,<br />

espelhos tudo isso ele dava. Chegava nos acampamentos<br />

dos índios, <strong>de</strong>positava lá, nos acampamentos dos índios e<br />

os índios recuando pacificamente, vendo que não havia<br />

nenhuma hostilida<strong>de</strong> pelos intrusos.<br />

Uma conquista totalmente pacifica o que não aconteceu<br />

com os exploradores <strong>de</strong> Santa Rosa [hoje Pau Brasil]. Nós<br />

tínhamos aqui, uma flecha <strong>de</strong> índio manchada <strong>de</strong> sangue,<br />

agora, com a morte do “velho” <strong>de</strong>sapareceu, não sei on<strong>de</strong>,<br />

foi tirado das costas <strong>de</strong> um agricultor <strong>de</strong> Santa Rosa, ele<br />

invadiu as terras e os índios em represália mataram.<br />

Enfrentando as mata virgens, esses pioneiros,<br />

<strong>de</strong>frontava-se com todos os tipos <strong>de</strong> adversida<strong>de</strong> e um certo dia<br />

conta Zé Campos (2004):<br />

Eles estavam num acampamento, chovia muito, meu pai<br />

levantou para urinar, naquele tempo não tinha lanterna<br />

elétrica, era um facho, se protegia esse facho com muito<br />

cuidado, era <strong>de</strong> casca <strong>de</strong> biriba, tirava as ripas e forma o<br />

facho e é <strong>de</strong> fácil combustão, contanto que não molhe.<br />

Eles tinham mais cuidado com o facho, do que com eles<br />

próprios. Eles podiam se molhar, mas o facho não, era a<br />

única recomendação que tinham. [...] riscavam o fósforo<br />

[...] Na volta, o facho clareou e ele viu em baixo da tarimba<br />

<strong>de</strong> meu tio João [tarimba era uma espécie <strong>de</strong> cama com<br />

quatro forquilhas on<strong>de</strong> são estendidas varas paralelas e<br />

em cima <strong>de</strong>ssas varas, eles <strong>de</strong>positavam um couro <strong>de</strong> boi<br />

curtido, com um tosco travesseiro e uma coberta e ai<br />

dormiam], o mobiliário, e não dispensavam a fogueira. O<br />

rancho permitia a fácil ventilação, não permitia<br />

dificulda<strong>de</strong>s.<br />

[...] Ele viu dois olhos clareando em baixo da cama <strong>de</strong> tio João e<br />

ele percebeu que se tratava <strong>de</strong> uma cobra gigantesca ele disse:<br />

Oh João! Oh João! Oh João! (tio João tinha um sono pesado) e<br />

João disse: o que é? João esfrie o corpo e saía <strong>de</strong>vagarinho <strong>de</strong><br />

sua tarimba e João perguntou: por que? Porque em baixo tem<br />

uma cobra muito gran<strong>de</strong> [...] parecia que João tinha sido<br />

impulsionado por uma mola, pulou já fora do rancho e aí ele<br />

atirou com o “parabelo” que ele tinha na cobra, <strong>de</strong> quase dois<br />

metros <strong>de</strong> comprimento. Ela tinha entrado ou a noite ou durante<br />

o dia, eles estavam trabalhando fora, era um “pico <strong>de</strong> jaca”.<br />

Depois <strong>de</strong>sse relato, Zé Campos (2004), informou<br />

ainda que: “Boaventura (vê anexo fig. 50) já como<br />

engenheiro, começa a fazer as primeiras medições,


locações, abrindo as primeiras estradas <strong>de</strong> pe<strong>de</strong>stres que<br />

serviam para <strong>de</strong>limitar as áreas <strong>de</strong> ocupação”.<br />

Ao que relatou Boaventura Moura (2004):<br />

Ele filosoficamente não admitia gran<strong>de</strong>s<br />

áreas, não permitia latifúndio. O sujeito<br />

media 30, 40 ha. [...] era uma retaliação<br />

incrível, mas mesmo assim, ele não<br />

aceitava. Ele como Delegado <strong>de</strong> Terra<br />

dava 30 a 40 ha. e quem quisesse <strong>de</strong>pois<br />

mais, isto é, <strong>de</strong>pois que tivesse explorado<br />

a área dada.<br />

Todo este movimento <strong>de</strong> ocupação da<br />

terra <strong>de</strong>corria, sob a vigilância <strong>de</strong><br />

Delegacia <strong>de</strong> Terra dirigida pelo Dr. João<br />

Marques e Dr. Boaventura Ribeiro que<br />

através <strong>de</strong> doações <strong>de</strong> títulos com o<br />

máximo <strong>de</strong> 50 ha. Com isso prevenia ação<br />

dos caxixeiros e gananciosos <strong>de</strong> terras,<br />

bem como futuros conflitos <strong>de</strong> lutas pela<br />

terra tão literariamente narrada em<br />

outros municípios da Região. Aquele<br />

negócio <strong>de</strong> dizer aquela área é minha,<br />

não tinha nada disso. (BOAVENTURA<br />

MOURA, 2004).<br />

Questionei, entretanto, a meu tio Boaventura<br />

Moura: Se as áreas obe<strong>de</strong>ciam a esse limite, que<br />

explicação havia, <strong>de</strong>pois, para as gran<strong>de</strong>s fazendas na<br />

Região? A explicação a mim dada foi que as gran<strong>de</strong>s<br />

áreas foram geradas para comprar das pequenas áreas e<br />

como prova disso, essas gran<strong>de</strong>s áreas eram ou ainda são<br />

constituídas <strong>de</strong> várias escrituras.<br />

Mas Dr. Boaventura Moura, colonizador emérito<br />

da Região, não se notabilizou apenas por esse fato, mas<br />

também teve um outro gran<strong>de</strong> mérito: “O cuidado <strong>de</strong>


selecionar as sementes ao ser conduzida do rio Pardo<br />

para o Panelão, esta seleção garantiu ao longo tempo, o<br />

melhor cacau <strong>de</strong> exportação da Bahia tanto pelo<br />

tamanho da amêndoa, como pelo teor <strong>de</strong> gordura.” (grifo<br />

meu).<br />

Após locadas as áreas [...] tia Naninha escolheu a Santa Maria.<br />

(vê anexo fig. 51) Antônio Ribeiro já tinha escolhido a Santa<br />

Maria, mas em vista da irmã se enamorar pela Santa Maria,<br />

<strong>de</strong>clinou, ce<strong>de</strong>u a irmã, e tio Boaventura ficou mais longe, no<br />

Chororão (vê anexo fig. 52), e Manoel ficou aqui algum tempo,<br />

e <strong>de</strong>pois migrou para o Prado. Lá então subiu o rio Jucurussu [?]<br />

e fez a primeira fazenda na atual cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> [...] entre Eunápolis e<br />

Teixeira <strong>de</strong> Freitas, antigamente Dois Irmãos, e a fazenda hoje<br />

pertence aos her<strong>de</strong>iros [...] irmãos [...] eu não sei se ele plantou<br />

cacau lá também [...] o essencial lá é pecuária [...] Itamarajú<br />

levava oito dias subindo o rio Jucurussú, Prado, até chegar a<br />

Fazenda Dois Irmãos. (ZÉ CAMPOS, 2004).<br />

Aqui se estabelece o marco on<strong>de</strong> Manoel Ribeiro, filho mais<br />

velho <strong>de</strong> João Elias, que conduziu a primeira expedição, se afasta<br />

<strong>de</strong>finitivamente da Região.<br />

João Vargens morava no início [também] no Vargito (vê anexo<br />

fig. 53), aos domingos ele sempre vinha para a casa do “Velho”.<br />

Foi médico aqui e era alcunhado <strong>de</strong> “médico <strong>de</strong> cacaio nas<br />

costas” por que saia antes <strong>de</strong> mudar para Itamutinga, <strong>de</strong> manhã,<br />

<strong>de</strong> madrugada, quer fizesse sol ou chuva, ia para lá, se <strong>de</strong>sse<br />

tempo para voltar ele voltava, se não <strong>de</strong>sce, lá ficava e ele já<br />

levava a “bagaceira” <strong>de</strong>le toda nas costas: cobertor, roupa e<br />

muitas e muitas vezes as “raparigas” <strong>de</strong>le ficavam aí. Ele não<br />

teve uma só, teve Anita que eu conheci, Arlete que conheci<br />

muito, ela gostava muito <strong>de</strong> mim porque eu chamava ela <strong>de</strong> tia,<br />

Maria Rita ainda é viva e mora em Camacã. (ZÉ CAMPOS,<br />

2004).<br />

Carmerlita Moura (2004), também relata esta<br />

história: “João Vargens na roça, juntamente com os<br />

trabalhadores, plantando cacau, rezava o ofício <strong>de</strong><br />

Nossa Senhora: Estrela do mar saú<strong>de</strong> certa. É porta que<br />

estais para o céu aberta”.


E, Zé Campos (2004), explica:<br />

João Elias nunca se instalou aqui em<br />

Camacã, o filho, João Elias, é que <strong>de</strong>u o nome, o<br />

nome a uma fazenda aí vizinha a Camacã <strong>de</strong><br />

João Elias, se chamava antigamente <strong>de</strong> “A<br />

Criminosa”, porque uma cobra havia picado o<br />

trabalhador e esse trabalhador morreu. Havia um<br />

córrego, puseram o nome do córrego da<br />

Criminosa por causa da cobra.<br />

Ele [João Vargens] não tinha tempo para política, em um espaço<br />

<strong>de</strong> tempo, ele plantou cacau, um milhão <strong>de</strong> cacaueiros, sem<br />

comprar roça <strong>de</strong> ninguém, tudo feito por ele e os trabalhadores.<br />

[...] ele era a<strong>de</strong>pto do “Briga<strong>de</strong>iro” [...] ele era “u<strong>de</strong>nista”<br />

militante. Era uma personalida<strong>de</strong> totalmente inversa do irmão<br />

Antônio; ele tinha mais afinida<strong>de</strong> com tio Boaventura que<br />

gostava da “pan<strong>de</strong>ga”. Antônio Ribeiro era um homem sério não<br />

admitia bebida, mulher e os irmãos não. Ele era Capitão da<br />

Guarda Nacional, ele se dizia: Capitão não sóis nada. Este<br />

título, eu acredito que tenha sido homologado pelos ancestrais<br />

do velho Leandro... General Marques <strong>de</strong> Souza <strong>de</strong>pois Con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Porto Alegre.<br />

Quando ele sumia havia um berrante, chifre <strong>de</strong> boi, para [tia<br />

Chiquinha] chamá-lo na roça, até pouco tempo tinha aí, eu vou<br />

procurar o berrante [...]. A abertura <strong>de</strong> estradas, contatos e<br />

ocupações <strong>de</strong> áreas, implicavam num relacionamento e<br />

segurança através <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> vizinhança que imprimia um<br />

cunho especial a esta socieda<strong>de</strong> que nascia. Nesta região a chuva<br />

era em <strong>de</strong>masia, chovia quase 350 dias no ano [...] eu me lembro<br />

[...] minha mãe dizia o seguinte: uma certa feita ela anotou num<br />

ca<strong>de</strong>rno em 1917, ela notou no ca<strong>de</strong>rno os dias <strong>de</strong> sol no ano, foi<br />

uma semana, tudo mais é chuva e eu alcancei daqui pra lá a lama<br />

dava no joelho, não tinha essas botas <strong>de</strong> borracha, usava<br />

tamanco, metia o pé no atoleiro o pé saia puro e o tamanco<br />

soterrado.<br />

Os Ribeiros nunca fora afeitos a isso... O único movimento <strong>de</strong><br />

jagunços foi Guerreiro, que foi pôr questão <strong>de</strong> vida ou morte e<br />

não foi jagunço propriamente dito, porque jagunço recebe<br />

dinheiro, foram os amigos que se prontificaram a vir <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r e,<br />

os trabalhadores daqui, que eram poucos, uma meia dúzia talvez.<br />

Eu tenho um subsídio interessante <strong>sobre</strong> isso: 1928 ou 1929<br />

apareceram aqui dois trabalhadores aqui, famintos, mal trajados,<br />

esgotados pedindo um pouso, uma ajuda, meu pai conversou<br />

com... Acorrentando-nos no tronco, evi<strong>de</strong>ntemente ele mostrou<br />

o pé ferido nas pernas das correntes. Basilínho que você <strong>de</strong>ve


conhecer chegou a ver o tronco. Esse pessoal ficou aqui fugido,<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> algum tempo.<br />

O velho recebeu uma carta <strong>de</strong> Leonidio Guerreiro pedindo que<br />

os trabalhadores fossem <strong>de</strong>volvidos. Então o “velho” respon<strong>de</strong>u<br />

a ele, que ele não era autorida<strong>de</strong> policial para obrigar os homens<br />

a voltar. Os homens voltariam se quisessem... Fez uma carta e<br />

mandou para ele. Ele não ficou satisfeito com a carta e mandou<br />

outra, dizendo que se não fosse remetido os trabalhadores, viria<br />

buscá-los. Mas aí o “velho” se preparou, eu era menino tinha 3<br />

pra 4 anos, eu me lembro, aí nesta varanda aí, repleta <strong>de</strong><br />

trabalhadores, gente <strong>de</strong> toda a redon<strong>de</strong>za, tinha armas... Não sei<br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong> apareceu tanta arma esperando Guerreiro, e ele aqui não<br />

apareceu.<br />

Caluniou muito o “velho” em Canavieiras, mas no final a<br />

verda<strong>de</strong> triunfou, os homens não foram <strong>de</strong>volvidos e ele, a título<br />

<strong>de</strong> vingança, mandou um jagunço tirar a vida <strong>de</strong> meu pai aqui.<br />

Este jagunço foi preso, e confessou o local on<strong>de</strong> ele se escondia,<br />

era uma pimenteira. Esse <strong>de</strong>poimento foi prestado em<br />

Canavieiras no cartório <strong>de</strong> João Flores, <strong>de</strong>ve estar ainda lá.<br />

Quando ele afirmava que teve o velho Antônio Ribeiro, diversas<br />

vezes sob a mira da repetição, da arma, mas que no momento<br />

que ele ia pressionar o gatilho, surgia na frente <strong>de</strong>le, uma mulher<br />

vestida <strong>de</strong> azul e branco e não conseguia atirar. Tanto que<br />

quando lhe prestou esse <strong>de</strong>poimento, o Juiz disse: uma moita <strong>de</strong><br />

pimenteira? Como uma moita <strong>de</strong> pé <strong>de</strong> pimenteira po<strong>de</strong><br />

escon<strong>de</strong>r um homem durante dois ou três dias? Ele disse: po<strong>de</strong>...<br />

E eu me escondi... Tanto que o juiz remeteu pra aqui um<br />

retratista acompanhado <strong>de</strong> um oficial <strong>de</strong> justiça para fotografar<br />

essa pimenteira.<br />

Ele fotografou e levou pra lá e ele se convenceu então. Era uma<br />

pimenteira gigantesca, o solo fértil, recentemente aberto, a mata.<br />

Foi isso... Depois, houve uma série... A polícia tentou invadir os<br />

Lagos, cercou a casa, mas Antônio Ribeiro não entregou os<br />

pontos, resistiu a tudo e a todos e terminou vencedor.<br />

(CARMELITA MOURA, 2004)<br />

O processo <strong>de</strong> migração e circulação <strong>de</strong>sta região, eixo<br />

Canavieiras Camacã, era feito inicialmente <strong>de</strong> canoa através do rio Pardo,<br />

amplamente navegável, passando por Jacarandá, distrito <strong>de</strong> maior


<strong>de</strong>senvolvimento da época, povoado <strong>de</strong> Mascote e por fim Vargito –<br />

Camacã.<br />

Quanto ainda ao acesso era rodoviário, as conquistas nem sempre<br />

foram tão fáceis, lutas <strong>de</strong> interesses políticos, tiveram que ser travadas<br />

pelos Ribeiros, para que pu<strong>de</strong>ssem alcançar os objetivos que beneficiariam<br />

esta Região.<br />

Em “Jacarandá e Salobro” <strong>de</strong> Alci<strong>de</strong>s Costa (1968), vamos<br />

encontrar as seguintes informações:<br />

1915, já agora em <strong>de</strong>corrência da intensificação da lavoura<br />

cacaueira para o interior do Município, neste ano iniciada, graças<br />

à iniciativa dos Drs. João Ribeiro Vargens, Boaventura Ribeiro e<br />

seus irmãos, e que se utilizaram do seu porto e do seu comércio.<br />

Diferentes interesses conduziam a Canavieiras se ligasse a<br />

Itabuna com um projeto <strong>de</strong> uma estrada <strong>de</strong> rodagem pelo<br />

Instituto <strong>de</strong> Cacau.<br />

Dr. João Vargem e seus irmãos, os Ribeiros, já por aquela época<br />

os maiores produtores <strong>de</strong> cacau da zona centro do município,<br />

opuseram-se tenazmente a esse <strong>de</strong>sejo, conseguindo partisse esta<br />

<strong>de</strong> Mascote, atravessando Pimenta, Vargito e Secador, em busca<br />

<strong>de</strong> Camacã, suas proprieda<strong>de</strong>s. Jacarandá, <strong>de</strong> prospera que era,<br />

<strong>de</strong> florescente 2 o distrito <strong>de</strong>ste Município, tornou-se “terra <strong>de</strong><br />

ninguém”, mudada a sua se<strong>de</strong> para Santa Luzia.<br />

Maria Rosalina (2004), nos conta que:<br />

Josefa Ribeiro, <strong>filha</strong> <strong>de</strong> João Elias,<br />

possuía uma canoa gran<strong>de</strong> [transporte usado na<br />

época] chamada “Primavera” símbolo <strong>de</strong> prestígio<br />

social, daquele tempo, <strong>de</strong>corrente da herança<br />

<strong>de</strong>ixada pelo seu falecido marido. Todo esse<br />

trajeto quer seja das pessoas ou da produção<br />

agrícola, era feito <strong>de</strong> canoa (vê anexo fig. 54).<br />

Posteriormente seguiram-se as lanchas (vê anexo<br />

fig. 55), transporte mais rápido, também muitas<br />

vezes fretado pelas famílias. Entretanto, para que<br />

se alcançasse as áreas já exploradas, o acesso<br />

inicialmente era feito à pé, e se quisesse ir <strong>de</strong>


urros, ter-se-ia que fazê-lo pelo mato, obrigandose<br />

a uma gran<strong>de</strong> volta. Eram essa as or<strong>de</strong>ns do<br />

Dr. Nelson Batista, engenheiro responsável pelas<br />

estradas.<br />

Já Zé Campos (2004), por sua vez diz:<br />

Uma das maiores [dificulda<strong>de</strong>s] referente ao abastecimento, não<br />

só no que tange aos gêneros <strong>de</strong> primeiras necessida<strong>de</strong>s, como<br />

aos <strong>de</strong>mais, inclusive ao <strong>de</strong> insumos para agricultura, sem os<br />

quais sofria essas limitações imprevisíveis. A situação em foco<br />

estava sendo agravada ainda face ausência quase absoluta <strong>de</strong><br />

meios <strong>de</strong> transporte e comunicação, haja vista que uma viagem<br />

do Vargito a Canavieiras durava em média uma semana, sendo o<br />

percurso inicial até Mascote realizado em não menos <strong>de</strong> três<br />

dias, vencido a pé ou em lombo <strong>de</strong> burro, através uma simples<br />

vereda em mata aberta, digo em mata bruta, a golpes <strong>de</strong> facão,<br />

assim mesmo variando sua duração, <strong>de</strong> acordo a intensida<strong>de</strong> das<br />

chuvas caídas e obviamente ao estado <strong>de</strong> “conservação”<br />

geralmente um atoleiro só.<br />

O último trecho da “via crucis” [Mascote – Canavieiras]<br />

cumprindo em canoas que transportavam o cacau até esse porto,<br />

era realizado em não menos <strong>de</strong> dois dias, <strong>de</strong> extremo cansaço.<br />

Somente <strong>de</strong>corrido algum tempo, ou seja, no início dos anos<br />

trinta, seria inaugurado após o trabalho insano, o primeiro trecho<br />

rodoviário da Região (vê anexo fig. 56) ligando o porto fluvial<br />

<strong>de</strong> Mascote ao Vargito, numa extensão <strong>de</strong> vinte e cinco<br />

quilômetros, estrada essa inicialmente utilizada com imensa<br />

dificulda<strong>de</strong>, face ao diluviano regime pluviométrico então<br />

vigente no sul da Bahia, consi<strong>de</strong>rado um dos mais elevados <strong>de</strong><br />

todo o País.<br />

Os atoleiros multiplicavam-se a todo instante, tornando-se<br />

mesmo insuperável, constante a erosão em <strong>de</strong>corrência, abria<br />

enormes fendas no “gra<strong>de</strong>” da via recém construída arrastando<br />

todo o material aí <strong>de</strong>positado, inviabilizando, por conseguinte o<br />

trafego, muitas vezes por até meses. O trabalho em busca <strong>de</strong> algo<br />

revestidor do solo era redobrado, utilizavam-se pedras, cascalho,<br />

torras <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, tudo isso em vão, pois a terra encharcada,<br />

empapada, numa fome voraz, a tudo engolia, impossibilitando<br />

<strong>de</strong>sse modo a passagem dos frágeis caminhões (vê anexo fig.<br />

57), durante as quadras mais chuvosas do ano, ou seja, o<br />

inverno.<br />

Tal situação perduraria durante muito tempo, até quando a<br />

“Companhia Viação Sul Baiana”, construtora e concessionária<br />

da rodovia, num momento <strong>de</strong> rara felicida<strong>de</strong>, adotasse radicais


modificações em sua estrutura administrativa, criando nos pólos<br />

on<strong>de</strong> prestava serviços, superintendências regionais<br />

proporcionando-lhes, em conseqüência, uma maior viabilida<strong>de</strong><br />

no seu trabalho.<br />

Coube então a rodovia Mascote – Vargito, o privilégio <strong>de</strong> ter<br />

como seu primeiro Superinten<strong>de</strong>nte, o engenheiro Nelson<br />

Batista, jovem recém formado pela escola Politécnica da Bahia<br />

on<strong>de</strong> fora o primeiro aluno <strong>de</strong> sua turma, profissional <strong>de</strong><br />

inigualável competência, cujo caráter <strong>de</strong> integrida<strong>de</strong> a toda<br />

prova, fora sem dúvida fator <strong>de</strong> capital importância no êxito<br />

enorme do seu primeiro cargo a frente da “SULBA” em nossa<br />

Região. Alias-se esses raros dotes do Nelson, um outro, quiçá<br />

maior, fiel amigo sempre presente em todos os instantes <strong>de</strong><br />

tristeza ou alegria, prestando sempre solidarieda<strong>de</strong> irrestrita<br />

aqueles a quem <strong>de</strong> votava a sua sincera amiza<strong>de</strong>.<br />

Sob sua gestão prestaria a nova “companhia” inestimáveis<br />

serviços a lavoura cacaueira do futuro município, começando<br />

por normalizar o trafego da rodovia até então viável somente na<br />

quadra da estiagem, mediante um intenso trabalho <strong>de</strong><br />

encascalhamento e uma rigorosa fiscalização a fim <strong>de</strong> evitar o<br />

trânsito <strong>de</strong> “tropas” pelo leito da mesma. Louve-se ainda a<br />

construção <strong>de</strong> mais quatro quilômetros esten<strong>de</strong>ndo a rodovia até<br />

o “Secador”, ponto terminal para canoas que <strong>de</strong>scendo o rio<br />

Panelão, eram responsáveis pelo escoamento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

produção cacaueira do seu alto custo.<br />

Além do mais esse prolongamento seria como parte inicial da<br />

rodovia que iria <strong>de</strong>ntro em breve ligar o Vargito, a futura cida<strong>de</strong>.<br />

Diante dos fatos agora narrados, acreditamos ser Camacã<br />

<strong>de</strong>vedora <strong>de</strong> uma justa homenagem àquele que em vida, muito contribuiu<br />

<strong>de</strong> maneira direta e insofismável, não só pela sua fundação, como também<br />

para o progresso e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> toda micro região amada pelo Dr.<br />

Nelson Batista como se seu filho fosse.<br />

Apesar da gigantesca melhoria observada no setor das<br />

comunicações, persistiam, no entanto, os males quanto ao abastecimento,<br />

graças ao estrangulamento do setor, causada pela precaríssima modalida<strong>de</strong>


<strong>de</strong> transporte fluvial vigente entre os portos <strong>de</strong> Canavieiras e Mascote, todo<br />

ele, realizado através <strong>de</strong> simples canoas impulsionadas a custo do esforço<br />

tirânico dos canoeiros, dia e noite, subindo e <strong>de</strong>scendo o rio Pardo na<br />

incontida fauna <strong>de</strong> conduzir a seiva vivificante <strong>de</strong> um povo, que em tempo<br />

algum, jamais, apren<strong>de</strong>ra a conjugar o verbo temer.<br />

Lour<strong>de</strong>s Moura (2004), afirma que:<br />

O transporte do cacau, nesta época, era<br />

feito através das tropas <strong>de</strong> burros que chegava a<br />

alcançar 30 a 40 animais e eram guiadas pela<br />

conhecida “Madrinha da Tropa” (vê anexo fig. 58)<br />

que portando um peitoral com sinos, atraia com o<br />

seu som os outros animais, arrastando-os para o<br />

<strong>de</strong>stino almejado. Essa movimentação <strong>de</strong> animais<br />

era feita sem interrupção, não havia <strong>de</strong>scanso.<br />

Quando chegou a rodagem a situação melhorou,<br />

ai se po<strong>de</strong> ter caminhão, automóvel e hoje temos<br />

esse progresso ligando todo o Brasil.<br />

Zé Campos (2004), ainda fala: “As casas eram <strong>de</strong> palha,<br />

todas, só com a criação <strong>de</strong>ssas estradas ligando Camacã... Entrava<br />

governo, saia governo, não atendia a essa aspiração <strong>de</strong>le”. Neste<br />

momento Zé Campos refere-se ao trecho Canavieiras –Vargito. E,<br />

continua:<br />

Foi ai que entrou Luís Viana nomeou<br />

para Secretário <strong>de</strong> Obras Públicas um colega <strong>de</strong><br />

turma <strong>de</strong> tio Boaventura. Quando tio Boaventura<br />

soube <strong>de</strong>sta história, fez uma carta pedindo que<br />

ele se interessasse junto ao governo do Estado<br />

no sentido... O que antes... Implantasse essa<br />

estrada... Fez uma explanação minuciosa,<br />

arrazoada, os interesses da zona do Vargito, <strong>de</strong><br />

toda essa Região.<br />

Então o Governador mandou uma<br />

comissão <strong>de</strong> engenheiros para estudar a<br />

viabilida<strong>de</strong> econômica e técnica da referida


estada. Chegou aí a comissão, fez a explanação<br />

precaríssima até a beira dos pântanos, mangues<br />

alagados, chegaram aí, empurraram uma vara,<br />

até a beira do pântano, mangue, alagadiço.<br />

Voltaram para Canavieiras e Salvador e fizeram<br />

um relatório ao Governador afirmando ser inviável<br />

a construção, por dificulda<strong>de</strong> inviável, a preço<br />

elevadíssimo, a preço astronômico.<br />

O Secretário remeteu uma cópia a tio Boaventura, tio<br />

Boaventura então “tomou uma duas” fez uma carta ao<br />

Governador, que o Governador tivesse o cuidado <strong>de</strong> na próxima<br />

vez mandar para locar a estrada um... De engenheiro e não uma<br />

tropa <strong>de</strong> burro que ele mandou para aqui e... Mas vieram para<br />

aqui, beber cachaça e comer capim....<br />

Quando o Secretário recebeu essa carta ficou alucinado, foi ao<br />

Governador: por favor, atenda esse homem porque ele não nos<br />

[vai] <strong>de</strong>ixar sossegado, nem a mim nem a V. S. e no final ele<br />

disse que assume a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construir a estrada e se<br />

não construísse a estrada, queimaria em praça publica, o diploma<br />

<strong>de</strong> engenheiro. Aí o Governador não teve outra saída, mandou<br />

procurar o Secretário e resolveu construir a estrada. Fez uma<br />

carta a tio Boaventura aceitando a oferta <strong>de</strong>le, para a construção<br />

da estrada.<br />

Dr. Boaventura começou a construir a estrada. Com um ano e<br />

pouco... E venceu o tal obstáculo intransponível que era o<br />

alagadiço. Já pronta esta parte, os senhores construam o resto e...<br />

Voltou ao o Chororão. Depois recebeu uma carta do Secretário,<br />

colega <strong>de</strong>le, acompanhando a carta um cheque como bonificação<br />

dos trabalhos prestados ao Estado. Tio Boaventura recebeu o<br />

cheque rasgou todo, botou <strong>de</strong>ntro do envelope e remeteu para ele<br />

dizendo que não era corrupto, nem vil. A palavra <strong>de</strong>le dada, é<br />

que construiria a estrada gratuitamente e tinha que ser assim.<br />

(ZÉ CAMPOS, 2004).<br />

O nome do trecho da estrada Canavieiras – Vargito, a qual se<br />

refere o Zé Campos, chamou-se: “O Canto do Baiano”, e, Pastora (2004),<br />

completa: “o único engenheiro que drenou, foi Boaventura”.<br />

Boaventura Moura (2004), prossegue:


A partir <strong>de</strong> 1910 ao caracterizarem-se as<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> êxito, evi<strong>de</strong>ntemente,<br />

começam a aparecer algumas famílias <strong>de</strong><br />

expressão da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Canavieiras<br />

timidamente e <strong>de</strong>sconfiadas ante os<br />

sofrimentos impostos pelas tremendas<br />

dificulda<strong>de</strong>s que o meio impunha, aos<br />

pioneiros <strong>de</strong>sta leva inicial.<br />

Em 1914 ocorre uma gran<strong>de</strong> enchente<br />

talvez a maior que já ouve no sul do<br />

Estado, comprometendo <strong>de</strong> maneira<br />

<strong>de</strong>struidora todas as plantações do baixo<br />

Rio Pardo, que se levou anos para se<br />

recuperarem.<br />

Muitos agricultores transferiram-se,<br />

engrossando para a bacia do Panelão,<br />

on<strong>de</strong> estaria resguardado <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong><br />

calamida<strong>de</strong>. Incrementam-se assim as<br />

primeiras plantações <strong>de</strong> cacau realmente.<br />

Daqui em diante melhor tentar no<br />

Panelão, que era inicialmente conhecido<br />

como Vargito, on<strong>de</strong> se apresentava uma<br />

realida<strong>de</strong> e não mais uma promessa. E<br />

<strong>de</strong>fine-se o Rio Panelão, particularmente<br />

a localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vargito, a esperança <strong>de</strong><br />

novos tempos.<br />

Dois fatores contribuíram <strong>de</strong> maneira<br />

contun<strong>de</strong>nte e visível para o aumento do processo<br />

migratório, acrescenta tio Boaventura Moura: “Chamo<br />

atenção para a ocupação da bacia hidrografia do<br />

Panelão, para a relação enchentes rio Pardo e seca do<br />

sertão, são adições <strong>de</strong> notável contribuição ao aumento<br />

<strong>de</strong>mográfico da Região.” “O <strong>de</strong>senvolvimento da lavoura


cacaueira estava intimamente ligada as secas do<br />

nor<strong>de</strong>ste”.<br />

Depois <strong>de</strong> <strong>de</strong>flagradas tais situações, revelavamse<br />

sensivelmente o crescimento da produção <strong>de</strong> cacau 4 a<br />

5 anos <strong>de</strong>pois, observa tio Boaventura. A Região “passou<br />

a ser uma espécie <strong>de</strong> refúgio do alto sertão castigado<br />

pela seca”. “1914, 1920, 1930, 1940, 1950 são datas e<br />

referenciais significativas em relação a seca [versus]<br />

enchente que proporcionaram anos após a sensíveis<br />

aumentos <strong>de</strong> produção da economia agrícola cacaueira,<br />

até a sua situação dos idos <strong>de</strong> 1970 a 1980.”<br />

Numa entrevista dada ao Jornal “A Tar<strong>de</strong>”<br />

datada <strong>de</strong> / / . Ana Ribeiro <strong>de</strong> Moura, minha avó,<br />

<strong>filha</strong> <strong>de</strong> João Elias e esposa <strong>de</strong> Joviano Pinheiro <strong>de</strong><br />

Moura, um dos primeiros imigrantes da Região, presta o<br />

seguinte <strong>de</strong>poimento:<br />

Os pioneiros da colonização da região <strong>de</strong><br />

Camacã são os seguintes, a começar pelo<br />

período que antece<strong>de</strong>u a 1920. Antes <strong>de</strong><br />

1920 foram eles: Januário Barbosa, Pedro<br />

Bispo, Joviano Moura, Antônio<br />

Guimarães, Vila Nova, José Torquato,<br />

Davino Figueredo, Cristino Teles<br />

Amorim, Trihutino André da Rocha, José<br />

Izidro da Conceição, João Batista Viana,<br />

José Gerônimo, João Vicente, Manoel<br />

Bahia, João Gonçalves <strong>de</strong> Jesus, Leopoldo<br />

Pereira Santos.<br />

De 1920 a 1930: Eugênio José Santana,<br />

Antônio Barreto, Georgino Guimarães,<br />

Antônio Jaques Weher, Leonidio<br />

Guerreiro, Prisco Passo Viana, Eulino<br />

Vasconcelos, Manoel Badu, Secundino<br />

Delmot, José Maria Oliveira, Anisio<br />

Sabino Loureiro, Francisco Barreto,


Antônio Guimarães, José Cerqueira dos<br />

Anjos, João Flores, Leovigildo Tolentino<br />

Melgaço, Anisio Seabra Veloso, Osvaldo<br />

<strong>de</strong> Oliveira Pinto, Francisco Pereira, e<br />

Cezar Santos.<br />

De 1930 a 1940: Antônio Badaró, Eduardo<br />

Valter, Domingos Carlos, Demóstenes<br />

Vinhas, Edgar Castro, Afrodizio Ribeiro.<br />

De 1940 em diante o fluxo <strong>de</strong> pessoas<br />

para a região foi gran<strong>de</strong>.<br />

Maiores <strong>de</strong>talhamentos <strong>de</strong>ste movimento<br />

migratório, acrescenta tio Boaventura:<br />

Em 1904 chegam os Ribeiros com João<br />

Gonçalves <strong>de</strong> J... Após 1910 os Loureiros,<br />

Barretos, Souza. Em 1914, Joviano Moura.<br />

Após 1920 chegam Antônio Martins,<br />

Engenheiro Lucilo Wolfgand [apelidado<br />

Pau Queimado], Afrodisio Ribeiro,<br />

Manoel <strong>de</strong> Freitas, Leonídio Guerreiro,<br />

Prisco Viana, Domingos Carlos da Silva,<br />

Virgílio Bóia. Fixando-se inicialmente em<br />

suas proprieda<strong>de</strong>s rurais, não houve<br />

nesta época uma concentração urbana<br />

por parte <strong>de</strong>ste, que justificasse a<br />

construção <strong>de</strong> residências em áreas<br />

afastadas da labuta diária. Essa<br />

concentração passa a ser feita pelos<br />

pequenos comerciantes e migrantes sem<br />

maiores vínculos com a ativida<strong>de</strong><br />

agrícola. (BOAVENTURA MOURA,<br />

2004).<br />

Zé Campos (2004), diz que:


Logo as primeiras construções foram surgindo, rudimentares<br />

inicialmente, muita erguida <strong>sobre</strong> rodas numa caracterização<br />

toda particular po<strong>de</strong>ndo mudar <strong>de</strong> localização a capricho dos<br />

seus donos. No início <strong>de</strong> 1946 po<strong>de</strong>r-se-ia já contar as centenas o<br />

número <strong>de</strong> edificações <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira existente na futura cida<strong>de</strong>,<br />

esten<strong>de</strong>ndo-se inicialmente na margem esquerda do Panelão até<br />

o “Tapa”, on<strong>de</strong> algum tempo <strong>de</strong>pois, se estabeleceria o primeiro<br />

“centro noturno <strong>de</strong> lazer”, o que alias, se constituiu no mais<br />

absoluto sucesso, tanto que para as suas vizinhanças ocorreram<br />

alguns bares, pensões, etc., provocando em conseqüência um<br />

sensível movimento (nas noites) até então monótonas e insossas.<br />

A proximida<strong>de</strong> da fazenda, meu tio João morava aqui, então não tinha por que mudar-se para<br />

Camacã se vivo fosse. Mesmo porque ele morreu antes <strong>de</strong> Camacã se <strong>de</strong>senvolver... Camacã era<br />

um acampamento, não tinha uma condição para se instalar uma casa em Camacã. Camacã<br />

durante muito tempo as casas eram feitas <strong>sobre</strong> rodas a margem da BR3.<br />

Essas “casas <strong>de</strong> roda” (vê anexo fig. 59) eram pequenas<br />

habitações movidas a roda, forma mais fácil <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocá-las, cuja replica<br />

po<strong>de</strong>mos encontrar na Pousada Fazenda Rainha do Sul situada a BR 101<br />

km 580, neste mesmo Município.<br />

Essa proximida<strong>de</strong> com o futuro, cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Camacã, não permitia<br />

que eles <strong>de</strong>ixassem seus afazeres, suas moradas <strong>de</strong>ntro da sua<br />

proprieda<strong>de</strong>. Sr Anísio já tinha sua casa pronta aí, os Barretos<br />

também tinham, vocês já tinham a fazenda, instalados, não ia se<br />

mudar para Camacã. Bejamin era comerciante em Canavieiras,<br />

com a evolução ai da fazenda, eles vieram para cá, Tivinha, tio<br />

Antônio Martins. Então só moravam comerciantes, profissionais<br />

liberais,...<br />

As terras <strong>de</strong> Camacan <strong>de</strong> direito não foi doadas, eu acho, não se<br />

<strong>de</strong>u ao trabalho <strong>de</strong> ir para o cartório nem nada, tio João Vargens<br />

mandou que abrissem a mata, cortasse cacau, se preciso, e<br />

construir. O que ele queria a trilogia: cachaça, jogo e mulher.<br />

Em 1945 João Vargem já estava doente foi para Salvador e não<br />

mais voltou, ele não viu Camacã. (ZÉ CAMPOS, 2004).<br />

À medida que Camacã crescia, as residências já <strong>de</strong>finidas nas<br />

proprieda<strong>de</strong>s rurais, com suas instalações melhoradas, dispensava a


necessida<strong>de</strong> ainda maior <strong>de</strong> residências na área urbana <strong>de</strong>ste centro, que se<br />

<strong>de</strong>scortinava muito promissor.<br />

Entretanto um aspecto curioso, quanto a questão imobiliária da<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Camacã, me chamava atenção, principalmente no período áureo<br />

do cacau on<strong>de</strong>, nesta região, jorrava dinheiro. A aparência externa <strong>de</strong> suas<br />

casas revelava um senso estético, distinto daquelas pobres do nor<strong>de</strong>ste,<br />

on<strong>de</strong> até uma casa <strong>de</strong> “sopapo” o seu “reboco” tem a sua beleza. .<br />

Havia também, naquela época, além da falta <strong>de</strong> um centro<br />

urbano, uma pobreza social e conseqüentemente cultural que perdurou<br />

e que ainda em <strong>de</strong>terminados aspectos perduram até hoje, se<br />

confrontarmos a atual realida<strong>de</strong> com a dos períodos áureos do cacau<br />

conforme nota publicada do “Jornal da Bahia” nas comemorações dos<br />

17º aniversário da emancipação <strong>de</strong> Camacã: “Camacã é o 1º na<br />

produção cacaueira” (vê anexo fig. 60).<br />

Não havia ativida<strong>de</strong> social em Camacã, havia uma pobreza muito gran<strong>de</strong> social. Os fazen<strong>de</strong>iros<br />

faziam visitas aos outros fazen<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> canoa. Eu me lembro que vocês vinham a noite eu me<br />

lembro que nós estávamos rezando, porque a ”velha" rezava toda noite oito e meia, nove horas<br />

quando ouvimos aquela algazarra... A lua muito bonita, o que era... O que era... A canoa cheia,<br />

sua mãe, suas tias, sua avó, só não o velho, aquele povo todo tomando banho. Havia um<br />

intercâmbio muito gran<strong>de</strong> entre eles e nós aqui, eles vinham aqui passavam dias, eu ia lá passava<br />

dias na Santa Maria, tomava banho ai na Cachoeira. (ZÉ CAMPOS, 2004).<br />

Retornando ao processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

econômico e conseqüentemente migratório da Região,<br />

vamos ter:


A década <strong>de</strong> 1920 após a Primeira<br />

Gran<strong>de</strong> Guerra Mundial até a quebra das<br />

Bolsas <strong>de</strong> Londres e <strong>de</strong> New York em 1929<br />

e 1930 proporcionou um notável<br />

<strong>de</strong>senvolvimento, com as consolidações<br />

das fazendas, nascimento e implantações<br />

<strong>de</strong> outras garantiam um processo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento com o aparecimento dos<br />

primeiros núcleos <strong>de</strong> habitação como fora<br />

o caso <strong>de</strong> Mascote. Abertura <strong>de</strong> estradas,<br />

contatos e ocupações <strong>de</strong> áreas,<br />

implicavam num relacionamento e<br />

segurança da presença do vizinho como<br />

tranqüilida<strong>de</strong>.<br />

A década <strong>de</strong> 1930 a 1940 representou um<br />

processo <strong>de</strong> crescimento e<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da Região causada pela<br />

crise econômica mundial, mas Vargito<br />

<strong>de</strong>pois Camacan significa [ainda] uma<br />

extensão <strong>de</strong> Canavieiras nos seus aspectos<br />

econômicos, culturais, políticos e sociais.<br />

Em 1946 a estrada alcança a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Itabuna. (BOAVENTURA MOURA,<br />

2004).<br />

José Rosalvo <strong>de</strong> Matos (2004), - o sr. Rosalvo foi o único<br />

trabalhador rural da época, que até agora tivemos acesso e oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

entrevistar, ele diz:<br />

Sou sergipano, nasci em 13 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1918, cheguei aqui<br />

neste pedaço <strong>de</strong> terra dia 27 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1928. Vinte e oito (28)<br />

foi um ano maravilhoso, sempre diziam, 29 foi uma coisa triste,<br />

o pessoal chorava... Aí meu Deus... Eu tinha onze anos e um mês<br />

e pouco, 13 <strong>de</strong> março eu ainda estava Itabaianinha em Sergipe


saímos <strong>de</strong> lá em fevereiro, no inicio <strong>de</strong> fevereiro chegamos aqui<br />

no dia 27 <strong>de</strong> abril do ano <strong>de</strong> 29.<br />

Quando aqui cheguei encontrei Antônio<br />

Faustino da Fonseca era morador daqui<br />

há onze anos, on<strong>de</strong> é hoje o posto<br />

Mangueira. João Vargens falava que<br />

vinha uma rodagem [risada] ai vem a<br />

guerra brava ai o cacau veio pra... Seu<br />

avô Joviano Moura comprava a 5 mil<br />

reis em 29... Em Camacã morava Zé<br />

Barbosa, filho <strong>de</strong> José Barbosa tinha uma<br />

venda pagava a 4 mil reis a @ e quem<br />

tivesse coragem <strong>de</strong> levar para<br />

Canavieiras lá cortava 100 caroços, só um<br />

caroço, pagava 10 mil reis a @, se<br />

encontrasse 3, 4 era [cortava para saber<br />

se tinha mofo] 7, 800. Em 29 amanheceu<br />

assim, o dólar <strong>de</strong>spencou... Ave Maria e<br />

outra: diziam que o corte <strong>de</strong> gado, <strong>de</strong> boi<br />

até meio dia era 2 quilos para um mil<br />

reis, meio dia pra tar<strong>de</strong> era 3 k e em 29<br />

passou o gado para um mil reis o quilo, <strong>de</strong><br />

meio dia pra tar<strong>de</strong> e ate meio dia 800<br />

reis.<br />

A diária do trabalhador era 6 mil reis passou para 2 mil reis ,<br />

mas ninguém pagava porque não podia, eles trabalhavam só para<br />

comer, quando Dr. João Vargens plantou um milhão e tanto <strong>de</strong><br />

pés <strong>de</strong> cacau em Itamutinga, dando <strong>de</strong> comer ao povo que vinha<br />

morrendo <strong>de</strong> fome da seca <strong>de</strong> 31, 30 que arrasou o nor<strong>de</strong>ste.<br />

Trinta e dois (32), trinta (30) chegou a guerra <strong>de</strong> São Paulo e<br />

levém... levém... Só veio melhorar em 38 que cacau <strong>de</strong>u um<br />

preço mais ou menos, em 48 é que <strong>de</strong>u um preço bom, 48 cacau<br />

chegou a dar 400 e tantas a @... O pessoal dizia: se eu soubesse,<br />

se eu soubesse, tinha plantado cacau... (risada). Aí vem Camacã,<br />

o início da rodagem, a rodagem para o Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

começaram a chamar a BA 2.<br />

João Vargens no ano <strong>de</strong> 1943, 44 mandou <strong>de</strong>rrubar um rocadão<br />

para fazer uma cida<strong>de</strong>, fazer uma cida<strong>de</strong> aqui, parece que ele


tinha uma coisa na cabeça... Quando entrou o ano <strong>de</strong> 44, 45,<br />

chuva muito, aí vem a rodagem cortando, ai pessoal começaram<br />

a invadir, aí o filho, Jonga Vargens, estava no Rio veio embora<br />

prá ai só... Faz da rodagem <strong>de</strong> cima para baixo. Aquela<br />

confusão, mas não teve jeito, o pessoal começou a invadir,<br />

invadir e Camacã surgiu.<br />

Osmário Batista era Prefeito <strong>de</strong> Canavieiras, a política <strong>de</strong> 61<br />

fizeram o “plesbicitio” <strong>de</strong> Camacã, Panelinha chamava-se<br />

antigamente o “Rói”, João Gonçalves <strong>de</strong> Jesus e ai eu aju<strong>de</strong>i...<br />

muito dizia ao pessoal: vamos minha gente emancipar Camacã,<br />

porque em vez <strong>de</strong> ir para Canavieiras, tudo em Canavieiras, ai<br />

amanhã a gente vai ter tudo aqui, Banco do Brasil... ó <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong><br />

ser besta... aí emancipou Camacã em 61, o “plesbicitio” o<br />

resultado Camacã, per<strong>de</strong>u por Camacã, não era plebiscito, o<br />

Leoventura, que era os “Quatro” antigo, per<strong>de</strong>u, Jacareci,<br />

também per<strong>de</strong>u, Panelinha ganhou, botamos 284 votos <strong>de</strong><br />

frente. Camacã surgiu em 1961. A primeira eleição foi Boinha<br />

Moura, seu tio, ganhou muito bem. Aí começou Camacã e até<br />

hoje cida<strong>de</strong>.<br />

Eu cheguei aqui <strong>de</strong> Sergipe com meu pai montado em 28, nós<br />

trouxemos uma “cavalhada” [não ficou muito nítida essa<br />

palavra] para Antônio Ribeiro e João Vargens, Boaventura<br />

Ribeiro e Joviano Moura. Mandaram comprar 100 burros lá <strong>de</strong><br />

Sergipe e trazer, cacau <strong>de</strong> um preço bom ,não tinha estrada, tudo<br />

ruim.<br />

Tinha que levar o cacau para Mascote e <strong>de</strong> Mascote <strong>de</strong>scia <strong>de</strong><br />

canoa para Canavieiras para levar para Salvador ou entregar nas<br />

firmas Wil<strong>de</strong>berg, Correia Ribeiro, aquelas firmas importantes,<br />

quer dizer, vendiam ai mesmo, chegavam os navios Ilhéus,<br />

Canavieiras carregavam para Salvador, isso já foi no ano <strong>de</strong> 28<br />

que trouxe a maravilha do preço <strong>de</strong> cacau, 29 foi um arraso.<br />

Ficamos aqui na luta.<br />

No ano <strong>de</strong> 36 Joviano Moura mandou plantar cacau, abrir uma<br />

plantação <strong>de</strong> cacau lá na fazenda Santa Maria, e eu fui mais um<br />

tio, lá fizemos um plantio <strong>de</strong> cacau, uns 10 boqueirão, plantamos<br />

cacau, balizamos mesmo com vara, 100 mil reis, mil pés <strong>de</strong><br />

cacau. Tirei um saldo, vim embora morando aqui mesmo com<br />

meu pai, minha mãe. Botei um negociozinho, mas não <strong>de</strong>u certo,<br />

ficamos aqui mesmo, daqui surgiu Camacã e foi melhorando.<br />

Boinha Moura foi o primeiro Prefeito <strong>de</strong> Camacã. Camacã<br />

surgiu... Um município que segundo me dizem foi o primeiro ou<br />

o segundo município em produção <strong>de</strong> cacau. Ouviu falar isso?<br />

Foi quando Moura Pinto veio com José Moura botaram uma<br />

venda boa, ali, <strong>de</strong>pois não <strong>de</strong>u certo.


O cacau tinha isso, subia e caia. Des<strong>de</strong> que eu cheguei aqui em<br />

28, eu tinha 10 anos. Em 38 <strong>de</strong>u outro preço bom, em 48 <strong>de</strong>u<br />

outro preço mais ou menos o pessoal... em 54 <strong>de</strong>u 550 mil reis a<br />

@ - período áureo passou 77 outro preço <strong>de</strong> 850 uma @ <strong>de</strong><br />

cacau... Caiu... Caiu... Veio o preço mínimo. Juscelino<br />

Kubichek, o preço mínimo em Ilhéus o último preço que <strong>de</strong>u<br />

bom, mas caiu que era o cruzeiro foi em 83 e ai agora pronto.<br />

Eu sei que em 28 os 4 irmão: Antônio João Vargens Boaventura<br />

e Ana <strong>de</strong> Joviano Moura mandaram comprar 100 burros em<br />

Sergipe e trazer gente para trabalhar aqui, aqui não tinha gente,<br />

bem pouca, meu pai conhecia um cara por nome Nicolau<br />

comprar uns animais.. 100 burros e que vieram também e que<br />

vieram também trouxeram... Foi 3 meses e tanto <strong>de</strong> viagem, fez<br />

agora 76 anos foi foguete, foi tudo Ave Maria! , foi uma festa a<br />

chegada da tropa dos burros em Vargito.<br />

Meu pai forneceu algum dinheiro, meu pai trouxe algum negócio<br />

para ven<strong>de</strong>r e teve que ven<strong>de</strong>r no caminho uns animais para<br />

inteirar o dinheiro da viagem, <strong>de</strong> sorte que, os 100 burros que foi<br />

comprado chegou no Vargito 84 burros, mas morreu na estrada,<br />

se estropiou, ou se per<strong>de</strong>u pela mata, outro ven<strong>de</strong>u para interar o<br />

dinheiro para chegar.<br />

Então, Sr. Rosalvo conta a brinca<strong>de</strong>ira:<br />

Aí Antônio diz seu Nicolau... Parece que estou vendo João<br />

Vargens, papai tocava um acor<strong>de</strong>om e João Vargens diz <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />

conversa Antônio, não me fale uma coisa <strong>de</strong>ssa, nós temos que<br />

comprar uma roça pra esse homem. Sair <strong>de</strong> Sergipe com 100<br />

burros e chegar aqui com 84 pra nós 21 Ah! Só indo comprar<br />

uma roça para esse homem com 100 burros e chegou aqui 84<br />

“ganhou <strong>de</strong> boca”. Toca uma coisa, vamos acabar com essa<br />

conversa, uma roça para Nicolau comprar... Soltando foguete...<br />

Em <strong>de</strong>zembro do mesmo ano, voltamos para Sergipe esse. [o<br />

pai] comprou esse lugar aqui essa posse. Voltamos para Sergipe:<br />

eu meu pai e mais uns que... Voltamos, veio eu, meu pai, meu tio<br />

e mais uns dois. Andamos mais ligeiro, da saída para chegar aqui<br />

15 ou 17 <strong>de</strong> fevereiro e chegamos aqui 27 <strong>de</strong> abril, não me<br />

esqueço nunca do ano <strong>de</strong> 29 [?].<br />

Pessoal muito bom, não gostava <strong>de</strong> briga, eram uns homens <strong>de</strong><br />

paz e sempre ajudava o pessoal mais fraco. Aí tinha uns pessoal,<br />

os Guerreiros, bravos, Nossa Senhor, o pessoal trabalhava, tirava<br />

algum dinheiro, dizia que tocaiava e tomava o dinheiro e os<br />

Ribeiros, os Vargens eram diferentes. Eu mesmo trabalhei em 36<br />

plantando um cacau, tirei um saldo <strong>de</strong> 510, 800, o velho que<br />

trabalha com Joviano que era caixeiro do Barração dizia no dia<br />

30 <strong>de</strong> outubro po<strong>de</strong> vir receber seu dinheiro. Quando cheguei lá,


Zé Moura... Cadê aquele dinheiro... Tal... Veio aquele papel <strong>de</strong><br />

500 mil reis, <strong>de</strong>ste tamanho, um negócio amarelo, aí Antônio<br />

Ribeiro, sim senhor... Olhe suas bolsas aí, esse dinheiro aí, é<br />

meio conto <strong>de</strong> reis, segure que dá ali pra você comprar uma<br />

rocinha.<br />

Aí Zé Moura disse: não ele já tem uma rocinha... E você já<br />

médio? [perguntou Antônio Ribeiro] se você quiser meu irmão<br />

Boaventura, é engenheiro e me<strong>de</strong>. A atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse pessoal era<br />

essa assim... Veio me recomendar que eu olhasse os bolsos, e<br />

que aquele dinheiro era meio conto <strong>de</strong>... Antônio Ribeiro... Na<br />

hora que você quiser medir, po<strong>de</strong> falar. Era um pessoal que<br />

faziam muito favor, eram as pessoas que comandavam por aqui,.<br />

Antônio Ribeiro João Vargens Boaventura Ribeiro, Joviano<br />

Moura, eram muito respeitados.<br />

João Vargens era muito amado, eu trabalhei para ele 66 dias no<br />

Camacã, ele [o pai]... Quebrando cacau eu ban<strong>de</strong>irando, quando<br />

ele fez a conta <strong>de</strong> meu pai, ele pegou 3 mil, esse dia <strong>de</strong>u 198 mil<br />

reis, ó eu vou dar 2 mil reis <strong>de</strong> gratificação a Rosalvo e se voltar<br />

aqui vai trabalhar mais eu... Você ban<strong>de</strong>raram cacau muito bem.<br />

Meu pai recebeu em Canavieiras em Wil<strong>de</strong>berg uma or<strong>de</strong>m. O<br />

dinheiro aqui era pouco, tinha, or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> João Vargens, Antônio<br />

Ribeiro <strong>de</strong>sse pessoal, Boaventura Moura, uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>sse<br />

pessoal era dinheiro. Já o outro Guerreiro, Ave Maria! Os<br />

Ribeiros eram <strong>de</strong> paz, harmonia e <strong>de</strong> direito. Os guerreiros eram<br />

<strong>de</strong> matar, pintar o diabo, tomar roça, se acabaram. Guerreiro foi<br />

embora, foi ven<strong>de</strong>ndo coisa... Repetição em baixo do queixo e<br />

acabou.<br />

Tinha a festa do Vargito, a missa do Vargito, naquela época era<br />

no dia 11 <strong>de</strong> novembro, <strong>de</strong> ano em ano, vinha um padre <strong>de</strong><br />

Canavieiras. Para viajar para Itabuna daqui, eu fiz umas duas ou<br />

três viagens para Itabuna montado em um burro, uma mula boa<br />

mesmo <strong>de</strong> 500 mil reis, três dias <strong>de</strong> burro... Morria na estrada...<br />

No ano <strong>de</strong> 38, 39 Antônio Ribeiro tinha rádio né? Juntava 5, 6<br />

rapazes, eu, uns que morreu, Manoel Bahia.... nós saímos daqui<br />

pra ver o rádio no Vargito, <strong>de</strong> pé. Chegava na casa <strong>de</strong> Antônio<br />

Ribeiro lá o rádio tocando, <strong>de</strong>pois a gente vinha embora, <strong>de</strong> vez<br />

em quando a gente ia ver o rádio tocar. Naquele tempo se vivia<br />

alegre, sorrindo.<br />

Aí João Vargens ia para Itamutinga para ver os trabalhos, mas<br />

com meu pai... Ó Zé, nós tinha um canavial... De cana fazia um<br />

café com garapa <strong>de</strong> cana que era bom.Ó dona Zefinha eu quero<br />

meu café com açúcar numa latinha bem lavadinha. Fazia o café e<br />

ele dizia que só queria numa latinha <strong>de</strong> leite e era o café com<br />

garapa.


Eu só vi um lugar em “fiura” igual a Camacã, aqui mesmo na<br />

Bahia, perto <strong>de</strong> Bom Jesus da Lapa... Bem olhado o Camacã é<br />

feio, a topografia... Hoje tá melhor, Antigamente era uma coisa<br />

seria, aquelas la<strong>de</strong>iras... Grotas. Ele dizia queria e <strong>de</strong>u certo, tem<br />

fama mundial, foi o primeiro município em produção <strong>de</strong> cacau.<br />

Tenho 140 há, João Vargens me ensinou a conhecer terra boa.<br />

Conheci e conheço terra boa <strong>de</strong> cacau, <strong>de</strong> primeira, <strong>de</strong> segunda,<br />

são 5 faixas <strong>de</strong> terra que existe aqui.<br />

Boaventura viveu 96 anos, eu estava em Canavieira em 74, veio<br />

se enterrar nos Lagos. Antônio Ribeiro um catolicismo...<br />

Boaventura Ribeiro tomava umas pingas, era uma pessoa muito<br />

popular. Existe uma <strong>de</strong>terminação, meu pai chegou aqui pegou<br />

umas terras ruins, tem outras influências também, tem uma<br />

<strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> vida, uns tem, outros não tem, uns tem mais,<br />

outros têm menos.<br />

Tinha fazen<strong>de</strong>iro que pagava outro não.<br />

João Vargens, Antônio Ribeiro... Você ia<br />

trabalhar com confiança, você ia<br />

comparar uma terra, eles orientavam,<br />

uma terrinha boa, mediam Boaventura...<br />

De Vargito até Panelinha... Veio gente do<br />

norte... Antônio Faustino, João Soares,<br />

tudo tinha posse aqui, Pedro Bispo. Subiu<br />

aí até Itamutinga tudo ligado com os<br />

Vargens, era uma maneira que tinha<br />

respeito. Muitas pessoas eles colocaram,<br />

orientaram.<br />

Numa entrevista [...] dada pelo então Prefeito Luciano<br />

Santana, o mesmo menciona a alta rentabilida<strong>de</strong> das<br />

proprieda<strong>de</strong>s agrícolas antes da queda dos preços e da<br />

“vassoura <strong>de</strong> bruxa” e faziam com que – “[...] os fazen<strong>de</strong>iros<br />

promovessem assistência médica por contra própria aos seus<br />

trabalhadores, além <strong>de</strong> pagar o Funrural.” O Prefeito fez


questão <strong>de</strong> lembrar também o Dr. Osvaldo Valver<strong>de</strong> (vê anexo<br />

fig. 61), o primeiro médico do Município “e que teve<br />

inestimáveis serviços prestados a essa terra”<br />

Mais adiante o agricultor Anizinho Loureiro explicou que a<br />

assistência dada pêlos próprios fazen<strong>de</strong>iros aos seus empregados,<br />

justifica-se pela rapi<strong>de</strong>z com que eles são atendidos e, também, pôr<br />

uma elementar política <strong>de</strong> administrar “não <strong>de</strong>ixando faltar nada, mas<br />

nada mesmo, as pessoas que nos ajudam”.<br />

A região <strong>de</strong> Camacã nasceu com um espírito <strong>de</strong><br />

respeito, <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>, e religiosida<strong>de</strong> cunhado e<br />

plantado nesta terra pelos primeiros <strong>de</strong>sbravadores. A<br />

fazenda Vargito surgiu como primeiro núcleo,<br />

representando durante muito tempo, o centro religioso<br />

da Região.<br />

Fernando Reis, conhecedor profundo da história<br />

<strong>de</strong> Canavieiras e conseqüentemente, dos Ribeiros,<br />

referindo-se a professar da religião católica, me disse,<br />

uma vez, que <strong>de</strong>ssa gran<strong>de</strong> família ele só conheceu uma<br />

pessoa, Luana, que havia migrado para outra religião.<br />

Não nos atrelando aos exageros, mas vamos<br />

realmente encontrar uma forte veia religiosa <strong>de</strong>sta<br />

família herdada daqueles que primeiro pisaram os pés<br />

no solo <strong>de</strong>sta Região.<br />

O acervo que disponho <strong>de</strong> fotografias <strong>de</strong> capelas<br />

encontradas nas residências das zonas rurais, nos<br />

revelam o gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> famílias que também eram<br />

católicas praticantes.


Mas, para tudo, existe um começo, uma história e ninguém<br />

melhor para nos contar essa história do que Zé Campos (2004) que passou<br />

toda a sua vida neste berço <strong>de</strong> religiosida<strong>de</strong>:<br />

Nós fizemos uma viagem até Buerarema<br />

montados no lombo dos burros, passamos<br />

por diversos lugares: Cavaco, Fartura...<br />

Três dias viajando até chegar Buerarema<br />

on<strong>de</strong> era vigário o Pe. Granja, já tinha<br />

sido vigário muitos anos em Canavieiras<br />

e tornou-se amigo do “velho” Antônio<br />

Ribeiro. Lá então embarcamos numa<br />

“marionete”, antigamente se chamava <strong>de</strong><br />

marionete não era ônibus e fomos para<br />

Ilhéus ter uma entrevista com o Bispo D.<br />

Benedito Rosse...<br />

Então expôs que aqui na Fazenda já<br />

tinha uma capela pronta com tudo<br />

necessário para instalação da Paroquia,<br />

só faltava a homologação do Bispo que<br />

imediatamente o fez... Homologou <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> pouco tempo foi enviado o Primeiro<br />

Pároco daqui que foi um padre Manoel<br />

Pere<strong>de</strong>s, um espanhol. A inauguração da<br />

igreja do Vargito foi em fevereiro <strong>de</strong> 1942.<br />

.De lá para cá suce<strong>de</strong>ram-se vários<br />

padres e o último foi.... E ai eu quero<br />

dizer qualquer coisa <strong>sobre</strong> esse último<br />

padre...<br />

Pediu para <strong>de</strong>sligar o gravador, <strong>de</strong>pois<br />

continuou:<br />

O último vigário aqui foi Pe. Mário<br />

Tomasete, italiano, esta vivo, hoje na


igreja da Boa Viagem em Salvador, foi<br />

vigário em Itabuna em Jequié já tinha<br />

sido em Salvador agora retornou para<br />

Boa Viagem, <strong>de</strong>ve Ter uns oitenta e<br />

tantos anos, ainda disposto forte<br />

Enquanto a paróquia era no Vargito,<br />

casamento e batizados eram realizados<br />

aqui. Com o <strong>de</strong>senvolvimento urbano da<br />

cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma compreensiva<br />

resistência da professora Chiquinha em<br />

aceitar a transferência, a se<strong>de</strong> da<br />

Paróquia passou a ser na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Camacã. A igreja <strong>de</strong> Camacã foi<br />

praticamente construída por tio<br />

Boaventura Ribeiro. Doou sacos e mais<br />

sacos <strong>de</strong> cacau. (ZÉ CAMPOS, 2004).<br />

Retornando ainda ao crescimento da Região:<br />

Esta fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento vinculado<br />

ao comércio <strong>de</strong> cacau po<strong>de</strong>remos estendêla<br />

até 1965 com as suas alternâncias <strong>de</strong><br />

preço razoáveis e péssimos, especialmente<br />

pela introdução da violenta política do<br />

confisco cambial aplicada pelo governo<br />

fe<strong>de</strong>ral. (BOAVENTURA MOURA, 2004).<br />

Quanto ainda a formação social-política da<br />

Região vamos ter, conforme Boaventura Moura (2004):<br />

“portanto inicialmente Vargito e posteriormente<br />

Camacã”. “A política era toda ela toda ditada por<br />

Canavieiras”.<br />

Era [Camacã] em princípio uma extensão<br />

<strong>de</strong> Canavieiras, economicamente, cultural<br />

e social, até a década <strong>de</strong> 1940, quando<br />

surge os povoados <strong>de</strong> Santa Rosa hoje Pau


Brasil, o Roi hoje São João do Panelinha<br />

(vê anexo fig. 62), Jacareci, Pimenta,<br />

Leoventura, Belém porém hoje Potiraguá<br />

e, evi<strong>de</strong>nte consi<strong>de</strong>rando a época, sem<br />

nenhum planejamento <strong>de</strong>vido.<br />

A ameaça <strong>de</strong> divórcio político com<br />

Canavieiras começou a pairar na região<br />

quando esses centros urbanos passaram a<br />

serem olhados como ameaça futura a sua<br />

integrida<strong>de</strong> territorial. Eram lançadas as<br />

primeiras sementes da emancipação <strong>de</strong><br />

Camacan e nascia, <strong>de</strong> certo modo, uma<br />

animosida<strong>de</strong> contra a velha Camacan.<br />

Com a morte <strong>de</strong> João Vargens em 1946,<br />

surgiu uma lacuna no mundo político<br />

<strong>de</strong>sta Região, um vazio.Em 1946 o<br />

<strong>de</strong>putado Herbet <strong>de</strong> Castro apresentou<br />

um projeto <strong>de</strong> emancipação <strong>de</strong> Camacan<br />

e uma nova li<strong>de</strong>rança surge. Com o<br />

falecimento <strong>de</strong> João Vargens em 1946,<br />

lí<strong>de</strong>r da região, recebeu-se a princípio a<br />

noticias do projeto, até com certa frieza,<br />

pois eram ainda muito fortes os vínculos<br />

com Canavieiras, mas o amadurecimento<br />

político da região não se fez tardar,<br />

surgindo nos irmãos Moura, os novos<br />

her<strong>de</strong>iros da política local <strong>de</strong> João<br />

Vargens, por sinal também netos do<br />

patriarca João Elias Ribeiro.<br />

O vento das emancipações municipais a<br />

partir <strong>de</strong> 1946 varreram o estado da<br />

Bahia, criando-se <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> municípios<br />

novos, e neste bojo <strong>de</strong> interesse político,


nasce o projeto <strong>de</strong> Camacan apresentado<br />

pelo <strong>de</strong>putado Ramiro Berbet <strong>de</strong> Castro<br />

com vínculo com a Região. As eleições <strong>de</strong><br />

1950 e 1945 consolidaram em <strong>de</strong>finitivo a<br />

li<strong>de</strong>rança José Ribeiro <strong>de</strong> Moura, que<br />

passou a capitanear a luta<br />

reivindicatória da emancipação política<br />

<strong>de</strong> Camacã. Com a tentativa <strong>de</strong> Osmário<br />

Batista, como prefeito, <strong>de</strong> instalar uma<br />

nova oligarquia no município <strong>de</strong><br />

Canavieiras, uma parte da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Canavieiras apoiava a emancipação <strong>de</strong><br />

Camacã como meio <strong>de</strong> diminuir o po<strong>de</strong>r<br />

político do Prefeito.<br />

Nas as eleições <strong>de</strong> 1958, o Sr. José Moura<br />

consegue exercer o mandato <strong>de</strong> <strong>de</strong>putado,<br />

on<strong>de</strong> através <strong>de</strong> uma ação pessoal<br />

consegue da Assembléia do Estado sua<br />

aprovação para o plebiscito, ocorrido<br />

meses e <strong>de</strong>pois, com a aprovação popular<br />

em manchetes <strong>de</strong> jornais da época na<br />

capital do Estado, como “sui generi” e<br />

único do Estado a ter este tipo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sdobramento para a emancipação do<br />

município. Após 2 anos em 1961 houve a<br />

eleição para o primeiro mandato <strong>de</strong><br />

prefeito do novo município.<br />

Eu, Boaventura Ribeiro <strong>de</strong> Moura, sem<br />

ser político <strong>de</strong>sempenhei com a minha<br />

contribuição pessoal em gran<strong>de</strong> esforço<br />

pelos contatos pessoais visando o<br />

plebiscito da emancipação, sem saber,<br />

construí através este contato uma<br />

li<strong>de</strong>rança política, em que não po<strong>de</strong>


<strong>de</strong>svincular por um gran<strong>de</strong> e longo<br />

período <strong>de</strong> anos na política local.” E nas<br />

eleições para o primeiro prefeito embora<br />

relutasse como candidato, cedi as<br />

evidências a concorrente contra Afonso<br />

Castro UDN César e Silva PTB, João<br />

Alfredo do Carmo, João Bitu, fui<br />

consagrado com o resultado <strong>de</strong> 84% dos<br />

votos num atestado vivo <strong>de</strong><br />

agra<strong>de</strong>cimento histórico a família Ribeiro<br />

em minha pessoa Boaventura Ribeiro <strong>de</strong><br />

Moura, neto do patriarca João Elias<br />

Ribeiro.<br />

Partir do nada e realizar algum feito não<br />

é fácil e especialmente quando se <strong>de</strong>para<br />

pela frente forças contrárias e retornados<br />

aos interesse coletivos na intenção do<br />

aproveitamento pessoal as conseqüências<br />

é um tremendo prejuízo a comunida<strong>de</strong>,<br />

como ocorreu com Camacã. As<br />

conseqüências ainda hoje se refletem, pois<br />

a oportunida<strong>de</strong> dificilmente aparece duas<br />

vezes e o que fizeram para prejudicar,<br />

não me atingiu e sim toda comunida<strong>de</strong><br />

atrasando o seu <strong>de</strong>senvolvimento até hoje<br />

sentido.<br />

É claro, o nascimento <strong>de</strong> uma estrutura<br />

social partindo do zero, como não podia<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, surgiu fundamentada nos<br />

valores econômicos e político, temos que<br />

reconhecer ser o seu valor intelectual<br />

muito baixo, consi<strong>de</strong>rando ter recebido o<br />

município com apenas uma única escola<br />

primária. O cidadão, pioneiro da cida<strong>de</strong>


ecém criada, era um indivíduo diferente<br />

do homem rural, habitante do município<br />

há <strong>de</strong>cênios. Os urbanos era bem mais<br />

recentes, sem nenhum vínculo <strong>de</strong> tradição<br />

dos rurais [rurais <strong>de</strong> Canavieiras tinham<br />

uma tradição].Muito tempo <strong>de</strong>pois,<br />

aparece somente com o surgimento<br />

efetivo, necessários ao <strong>de</strong>senvolvimento<br />

urbanos, urbanos procediam <strong>de</strong> Itabuna<br />

eram “aventureiros” que permitira as<br />

consolidações aos conglomerados,<br />

embriões das futuras cida<strong>de</strong>s.<br />

Criação do ginásio, escolas primárias,<br />

serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e ainda uma infraestrutura,<br />

foram <strong>de</strong>safios vencidos e<br />

contra a incompreensão do Governo<br />

Estadual, manipulado por mesquinhos<br />

interesses locais. Por último a instalação<br />

da Comarca que ocasionou<br />

<strong>de</strong>svinculamento final <strong>de</strong> Canavieiras.<br />

Este período conturbado da cida<strong>de</strong> para<br />

mim não <strong>de</strong>ixar sauda<strong>de</strong>s, mas acredito<br />

ter feito o máximo que me foi possível<br />

pela terra. Tenho que registrar a<br />

compreensão da população, que sempre<br />

me apoiou nos momentos mais difíceis,<br />

pois juntos vencemos várias eleições<br />

numa tácita aprovação e legitima<br />

con<strong>de</strong>nação a atuação <strong>de</strong> indivíduos,<br />

contra aos interesses locais.<br />

(BOAVENTURA MOURA, 2004, grifo<br />

meu).


Conforme o jornal “TABU”: A povoação <strong>de</strong><br />

Camacã, a partir <strong>de</strong> então, aumentava rapidamente sua<br />

população e seu comércio e em 1953, através da Lei n.º<br />

628, foi elevada à categoria <strong>de</strong> Distrito <strong>de</strong> Canavieiras.<br />

Oito anos mais tar<strong>de</strong> a Lei Estadual em 29, 30 ou<br />

31 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1961, a Lei Estadual n.º 1.465 criava o<br />

município <strong>de</strong> Camacã, <strong>de</strong>smembrando-o do município <strong>de</strong><br />

Canavieiras. A lei foi assinada [no governo <strong>de</strong> Juracy<br />

Magalhães] pelo então do vice-governador no exercício<br />

do cargo <strong>de</strong> governador, Orlando Moscoso, e pelo<br />

secretário <strong>de</strong> Interior e Justiça, Manso Cabral (vê anexo<br />

fig. 63).<br />

A instalação do novo município, porém somente<br />

ocorreu quase dois anos <strong>de</strong>pois, no dia 6 ou 7 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong><br />

1963, quando tomaram posse seu primeiro prefeito (vê<br />

anexo fig. 64), Boaventura Ribeiro <strong>de</strong> Moura, e sua<br />

primeira Câmara <strong>de</strong> Vereadores. A eleição tinha sido<br />

realizada a 3 <strong>de</strong> outubro do ano anterior.<br />

Nesta mesma reportagem encontramos ainda o seguinte registro:<br />

Camacã situa-se como o município mais rico da Bahia, com um per capita<br />

<strong>de</strong> Cr$ 13 mil, ven<strong>de</strong>ndo uma média <strong>de</strong> 25 carros por mês, <strong>de</strong> acordo com a<br />

recém instalada agência Camacã Veículos. [...] nas ruas não se vê , por<br />

exemplo, um mendigo sequer.<br />

Recentemente, a Ceplac divulgou seu boletim que<br />

dá conta dos maiores produtores <strong>de</strong> cacau do Estado.<br />

Camacã passou a li<strong>de</strong>rar a lista, ultrapassando Ilhéus em<br />

mais <strong>de</strong> 20 mil arrobas. Por outro lado, o município paga<br />

alto o preço da sua condição econômica: tem também,o<br />

maior custo <strong>de</strong> vida do Estado.<br />

Camacã Hoje:


Localizado na Microregião Cacaueira, o Município <strong>de</strong><br />

Camacã, comportando uma área <strong>de</strong> 667 km 2, abriga os<br />

distritos <strong>de</strong> São João do Panelinha, Itamarati, Jacareci, e<br />

Leoventura. Seu relevo é montanhoso e ondulado, verificando-<br />

se a predominância do clima quente e úmido, com temperatura<br />

máxima em torno <strong>de</strong> 33 e mínima <strong>de</strong> 18 graus, com precipitação<br />

pluviométrica superior a 1.300 milímetros. Possuindo vários<br />

rios, o Município tem entre os seus principais, o Pardo, o<br />

Panelão, o Água Preta e o Panelinha.<br />

A cida<strong>de</strong> que sonhamos não é o que hoje<br />

ela apresenta. Per<strong>de</strong>mos substancias<br />

intelectuais, política e econômicas; me<br />

parece... Ainda continua os interesses<br />

pessoais e muito forte. Embora a<br />

socieda<strong>de</strong> tenha dado <strong>de</strong>monstrações<br />

cabais <strong>de</strong> modificar esta situação,<br />

repetindo, as oportunida<strong>de</strong>s não andam<br />

aparecendo sempre, elas são escassas e<br />

passageiras e o tempo perdido é<br />

irrecuperável.<br />

Numa crise econômica <strong>de</strong> monocultura,<br />

com o advento da “Vassoura <strong>de</strong> Bruxa”<br />

ao nosso principal produto e a<br />

incompreensão das autorida<strong>de</strong>s<br />

responsáveis, quero crer, e<br />

lamentavelmente acho o nosso futuro<br />

risonho, comprometido, salvo muita luta,<br />

imaginação e união dos seguimentos da


socieda<strong>de</strong> e como meio <strong>de</strong> virar esta<br />

situação.<br />

Posso assegurar difícil e dificílima a<br />

nossa situação.Entretanto, termino<br />

concluindo: mas não é impossível, é<br />

necessário que se tente e continue a luta,<br />

outrora dos Ribeiros hoje, <strong>de</strong> toda a<br />

comunida<strong>de</strong>.<br />

Deixo aqui o meu amargo registro, <strong>de</strong> que<br />

em todo este trajeto não encontramos a<br />

presença, quer seja do po<strong>de</strong>r Estadual, ou<br />

Fe<strong>de</strong>ral na implantação <strong>de</strong>sta cultura,<br />

realizada por obra e graça único do povo<br />

brasileiro, e <strong>de</strong> forma limitada por<br />

discretos financiamentos <strong>de</strong> firmas<br />

estrangeiras. A única contribuição do<br />

Estado foi em 1930 com a criação do ICB –<br />

Instituo <strong>de</strong> Cacau da Bahia, mesmo assim<br />

com recursos da própria lavoura. A<br />

Ceplac posteriormente em 1958 da parte<br />

do Governo Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Após 30 anos <strong>de</strong> arrecadação forçada da<br />

lavoura, amealhou aproximadamente 4<br />

bilhões <strong>de</strong> dólares, <strong>de</strong>scapitalizando tal<br />

maneira todo o esforço econômico da<br />

região ao longo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cênios, promovendo<br />

<strong>de</strong>ste modo a maior das crises econômicas<br />

que passa a lavoura. Não obstante, juntese<br />

a negligencia, a incapacida<strong>de</strong> e<br />

ambição somadas a irresponsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

alguns dirigentes <strong>de</strong> órgãos.<br />

Deixaram para a lavoura como herança<br />

<strong>de</strong> sua quase má fé, o maior <strong>de</strong> seus


inimigos: a “Vassoura <strong>de</strong> Bruxa”, que<br />

ameaça a todos nós a própria sorte,<br />

<strong>sobre</strong>viventes <strong>de</strong> nossa ativida<strong>de</strong>, neste<br />

naufrágio sem rumo. (BOAVENTIRA<br />

MOURA, 2004).<br />

Em entrevista ao Ca<strong>de</strong>rno Especial do jornal “A Tar<strong>de</strong>” <strong>de</strong><br />

29 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1978, numa reportagem feita, na data <strong>de</strong><br />

aniversário da cida<strong>de</strong> a meu tio Boaventura Moura, o mesmo, num<br />

clamor, apela para a “mocida<strong>de</strong> tomar os <strong>de</strong>stinos <strong>de</strong> Camacã” ao<br />

tempo em que concluiu: “Estamos vivendo os últimos instantes <strong>de</strong><br />

nossa influência, como <strong>de</strong>sbravadores”.


9 “CACAUICULTORES DE PÉS DESCALÇOS”<br />

“Cacauicultores <strong>de</strong> pés <strong>de</strong>scalços” eram assim chamados os<br />

primeiros fazen<strong>de</strong>iros da nossa Região. Trabalhadores e colonizadores,<br />

cúmplices na luta pela conquista da Região, se misturavam em busca <strong>de</strong> um<br />

mesmo i<strong>de</strong>al. Com atitu<strong>de</strong>s simples, e <strong>de</strong> privações que a própria época<br />

impunha, as diferenças entre patrão e empregados eram diminutas.<br />

De origem humil<strong>de</strong>, os primeiros <strong>de</strong>sbravadores,<br />

cunharam nas veias <strong>de</strong>sta terra um jeito próprio <strong>de</strong><br />

viver. Esse “jeito simples” jamais foi perdido ou<br />

esquecido, mesmo quando alcançaram a condição <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong>s fazen<strong>de</strong>iros.<br />

A relação com os trabalhadores também se<br />

mantivera com o mesmo sentimento <strong>de</strong> cumplicida<strong>de</strong>,<br />

parceiros <strong>de</strong> luta, quando muito daqueles também se<br />

tornaram proprietários <strong>de</strong> terra, coisa muito freqüente<br />

naquela época, resultado dos gran<strong>de</strong>s saldos que estes<br />

conseguiam. Esse traço dos Ribeiros, isto é, nas relações<br />

com os trabalhadores rurais, acompanharam seus<br />

<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes através <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s reivindicatórias,<br />

quando cessados os seus recursos financeiros que<br />

costumavam suprir as <strong>de</strong>ficiências que o contexto<br />

impunha, conforme nota anexa.<br />

Neste capítulo <strong>de</strong>dicamos uma justa homenagem<br />

àqueles jovens <strong>de</strong>sbravadores, que em função <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>al, se<br />

embrenharam pelas matas virgens em busca <strong>de</strong> um sonho que<br />

se tornou realida<strong>de</strong>. Antônio Ribeiro e Manoel Ribeiro <strong>de</strong>pois<br />

João Vargens e Boaventura Ribeiro aqui chegaram, trazendo<br />

muita fé e coragem, dignos dos gran<strong>de</strong>s homens.<br />

Seguem-se <strong>de</strong>poimentos extraídos <strong>de</strong> entrevistas feitas<br />

com pessoas que conviveram com os mesmos, durante as suas<br />

vidas. São eles: Zé Campos, filho <strong>de</strong> Antônio Ribeiro, Lour<strong>de</strong>s e<br />

Rosalina, netas do velho João Elias, Antonieta Ribeiro, <strong>filha</strong> <strong>de</strong>


Boaventura Ribeiro, Maria Rita, última companheira <strong>de</strong> João<br />

Vargem.<br />

Antônio Ribeiro:<br />

Lembro-me quando pequena da sua figura esguia e<br />

bonita, sempre a trajar-se <strong>de</strong> palitó na varanda da sua casa no<br />

Vargito e sua esposa professora Francisca ou professora<br />

Chiquinha como a chamavam. Morena, usava coque no cabelo e<br />

vestia bata, não me lembro <strong>de</strong> vê-la sorrir das vezes que<br />

estivemos juntas.<br />

O casal não teve filhos, mas adotaram um sobrinho,<br />

José Campos, mais conhecido por Zé Campos a quem <strong>de</strong>vo os<br />

maiores agra<strong>de</strong>cimentos pela gentileza que repetidas vezes me<br />

recebeu, ele e sua esposa Lúcia, na sua casa da fazenda Vargito<br />

e pelas informações prestadas e aqui registradas.<br />

Relata Zé Campos (2004):<br />

A região aqui girava em torno <strong>de</strong> Antônio Ribeiro, e não<br />

em torno dos irmãos. Ele era semi-analfabeto e os irmãos<br />

eram doutores, formados. Não se movia uma palha que<br />

não se viesse consultar ao Capitão Antônio Ribeiro,<br />

confiabilida<strong>de</strong> ilimitada. Ele era Capitão da Guarda<br />

Nacional, ele se dizia “Capitão não sois nada”. Este título,<br />

eu acredito que tenha sido homenagem pelos ancestrais<br />

do velho.<br />

Eu tenho o documento <strong>de</strong>ste título <strong>de</strong> Antônio Ribeiro.<br />

Professora Francisca - era natural da ilha <strong>de</strong> Itaparica,<br />

formou-se em professora e foi nomeada... Ela pensava<br />

que era para Canavieiras, mas era para a Fazenda Lagos<br />

on<strong>de</strong> conheceu Antônio Ribeiro, [filho <strong>de</strong> João Elias<br />

Ribeiro] Tanto ela, como a professora Luiza [esposa <strong>de</strong><br />

João Vargens] todas duas ensinaram na nos Lagos.<br />

Depois que ela casou, não ensinou mais. Antônio Ribeiro<br />

e Chiquinha viviam numa harmonia completa.<br />

Antônio Ribeiro <strong>de</strong>ixou-se, em face <strong>de</strong> ser um homem sem<br />

gran<strong>de</strong>s culturas, casado com uma mulher culta,<br />

professora, ela sempre exerceu um domínio forte <strong>sobre</strong><br />

ele. Predomínio esse que foi muito benéfico.Ele só veio a<br />

rebelar-se já no fim da vida. Mas, viviam muito bem, ele se<br />

submetia aos <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong>la e ela tinha uma loucura por<br />

ele... Doentio. Ciúme, ciúme?... Eu nunca presenciei,<br />

agora extremos cuidados, zelosa. Quando ele sumia havia<br />

um berrante <strong>de</strong> chifre <strong>de</strong>... Foi para chamá-lo na roça. Até<br />

pouco tempo tinha ai... Eu vou procurar... O berrante...


Já Antonieta Ribeiro (2004), <strong>de</strong>clara:<br />

Manoel Ribeiro:<br />

Antônio Ribeiro não sei nada, só sei que era controlado pela<br />

mulher, só fazia o que ela queria, e tivesse que fazer alguma<br />

coisa pra família tinha que ser escondido. Foi um bom tio<br />

comigo, como também eu fui boa para ele, mas me enganou, ele<br />

e Zé Campos não agiram, não foram homens comigo.<br />

Lour<strong>de</strong>s Moura (2004), em poucas palavras<br />

<strong>de</strong>screve Manoel Ribeiro:<br />

Manoel um dos primeiros expedicionários<br />

da Região foi um dos únicos filhos <strong>de</strong> João<br />

Elias que não permaneceu na Região.<br />

Conta-se que ele era noivo e na ante<br />

véspera do casamento a noiva confessou<br />

a irmã <strong>de</strong>le, que não era mais virgem...<br />

Naquele tempo...<br />

Antonieta Ribeiro (2004), também fala <strong>de</strong><br />

Manoel Ribeiro, ela diz:<br />

[...] então ele “arribou” <strong>de</strong>ixou uma casa<br />

muito bonita construída na beira do rio,<br />

arribou para o Prado. Disse que João<br />

Elias [o pai] caiu nele <strong>de</strong> moleque, <strong>de</strong><br />

tudo, ofen<strong>de</strong>ndo muito porque achava que<br />

o filho era o “<strong>de</strong>vedor” [...] Ele foi embora<br />

para o Prado. Lá casou-se com Dulce<br />

construiu família. E cá <strong>de</strong>pois a mulher<br />

na hora do parto confessou que não tinha<br />

sido ele.<br />

Quando o pai ficou doente (João Elias)<br />

mandaram avisar a ele, mas ele não veio.<br />

Quando o pai morreu, ele veio ver a<br />

mãe... Por capricho. Manoel e Dulce


Boaventura Ribeiro:<br />

tiveram também muitos filhos: Terezinha<br />

que casou-se com Artur; Benedito; Jaci<br />

casada com José Augusto [Zé Có], que<br />

tiveram Zé Luis, Tininha, José Augusto,<br />

Fátima e Angela; Raimundo também<br />

casado que teve: Dulce Maria, Maoel<br />

Elias e João Elias.<br />

Tive o prazer <strong>de</strong> conhecê-lo ainda em plena ativida<strong>de</strong>,<br />

figura impar, irreverente, com um vozeirão peculiar. Nasceu em<br />

06/04/1882 vindo a falecer em 21/01/1974.<br />

O testemunho <strong>de</strong> Antonieta Ribeiro (2004), traz<br />

informações bastante relevantes <strong>sobre</strong> a pessoa <strong>de</strong> Boaventura<br />

Ribeiro, ele conta:<br />

Formou-se em engenharia civil, sua primeira união foi<br />

Úrsula Lima Ribeiro, viúva com 17 anos do tenente<br />

Albuquerque, tinham dois filhos Pedro e Edson. Homem<br />

<strong>de</strong> posses ela ficou rica, <strong>de</strong>ixou para a viúva um engenho<br />

em Alagoas que <strong>de</strong>pois foi vendido para ajudar a meu pai<br />

fazer essa roça. Meu pai e minha mãe viveram 20 e tantos<br />

anos, mas não eram felizes.<br />

Desta primeira união nasceram: “filhos do casal” Leocadia,<br />

Antonieta, Maria José, Antônio, Maria que faleceu e<br />

Carmem. O princípio do Chororão veio dos bens <strong>de</strong> minha<br />

mãe, <strong>de</strong> Pedro e Edson teve muita injustiça. Minha mãe<br />

faleceu. Antes <strong>de</strong> minha mãe falecer, ele [Boaventura R.]<br />

era amasiado com Maria Antônia, faleceu.... Ficou muito<br />

tempo, <strong>de</strong>pois Caçula. Minha mãe também sofreu muito...<br />

Ele viveu vinte e tantos anos. Muitas pessoas censuravam ela,<br />

mas ela também foi vítima, não estou dizendo isso porque é<br />

minha mãe, mas é para fazer justiça. Meu pai também fez certas<br />

coisas que nós, filhos <strong>de</strong>le, sabemos que fez coisas que não <strong>de</strong>via<br />

ter feito, mas ele quis fazer. Meu pai era um pouco ru<strong>de</strong>, não<br />

vou, porque é da família nem ficar contando garganta. Nunca<br />

<strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> rezar por ele, mas ele não foi o que precisava ser para<br />

os filhos e alias, sei que com os outros é a mesma coisa.


Todos nós trabalhávamos muito, carregamos água na cabeça,<br />

não tínhamos empregados não. Quando eu pedi a ele ajuda por<br />

que meu filho queria ser engenheiro, ele disse que formatura <strong>de</strong><br />

pobre era “estorvenga”. Ele era engenheiro.<br />

Da convivência com Maria Antônia nasceram: Marta (Martinha),<br />

Olga Helena, Irene, Boaventura Filho, Istefánio e Silvia. Com o falecimeno<br />

<strong>de</strong>sta última, Boaventura Ribeiro passou a ter como companheira Cecilia<br />

Félix dos Santos conhecida por “Cacula”.<br />

Desta união nasceram: Manoel que se casou com Luciene e<br />

tiveram um filho por nome Boaventura; Antõnio Mariano casado com<br />

Safira e tiveram Francisco e Mariana; Rodolfo Elias casou-se com<br />

Conceição e tiveram Ana Paula, Rodolfo e Carolina; João Elias casado com<br />

Maria Nelci que tiveram Leandro e Ulisses; Diogenes casado com Lour<strong>de</strong>s<br />

e tiveram Diogenes Junior, Luciana e Elane; Leonia casada com Francisco<br />

e tiveram Jamile Fredy e Frank; Guido casou-se com Célia tiveram<br />

Cristiane, Juliana e Geovana.<br />

Boaventura Ribeiro era um homem <strong>de</strong> muito vigor. Lembro-me<br />

<strong>de</strong> um comentário, até <strong>de</strong> certo modo repulsivo <strong>de</strong> minha mãe, quanto a<br />

atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> meu tio, que ao retornar da roça (possivelmente com o vigor, a<br />

energia, que a natureza lhe dava), com um sinal, chamava a companheira<br />

para o quarto.<br />

João Vargens:


Conheci tio João já acometido <strong>de</strong> uma<br />

enfermida<strong>de</strong> (câncer <strong>de</strong> fígado) em estado terminal.<br />

Infelizmente a imagem que guardo <strong>de</strong>le é bem diferente<br />

daquele homem forte, disposto a <strong>de</strong>sfiar a vida. Quando<br />

acompanhando minha mãe, o vimos pela última vez.<br />

Estava com 4 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e até hoje recordo-me da<br />

cena tão perturbadora que me fez sair com <strong>de</strong>stino a<br />

porta da rua e embaraçando-me com a porta que se<br />

dobrava, meu pânico aumentou.<br />

Embora sendo Ribeiro <strong>de</strong> <strong>sobre</strong>nome, dizem os<br />

mais velhos, que João Vagens, para não ser confundido<br />

com um indivíduo por nome João Ribeiro muito<br />

procurado pela policia baiana, portanto um “charra”<br />

seu, achou por bem mudar o seu nome para João<br />

Vargens, protegendo-se, portanto, <strong>de</strong> qualquer mal<br />

entendido.<br />

Alci<strong>de</strong>s Costa em seu livro Canavieiras: Sua<br />

História e sua Gente, no capítulo IV, que <strong>de</strong>dica a<br />

bibliografia <strong>de</strong> filhos ilustres <strong>de</strong> Canavieiras cita o nome<br />

<strong>de</strong> Dr. João Ribeiro Vargens, nasceu nesta Cida<strong>de</strong>, em 1 º<br />

<strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1880, sendo seus pais João Elias Ribeiro, um<br />

dos pioneiros da lavoura cacaueira no Município e D.<br />

Carolina Ribeiro, doutorou-se pela antiga Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Medicina da Bahia em cujo curso obteve sempre ótimas<br />

aprovações. Não seguiu a carreira profissional,<br />

<strong>de</strong>dicando-se à lavoura cacaueira, sendo o <strong>de</strong>sbravador<br />

impávido das florestas do interior do Município em 1914,<br />

<strong>de</strong>pois da cheia do Rio Pardo, que <strong>de</strong>struiu gran<strong>de</strong> parte<br />

das proprieda<strong>de</strong>s ribeirinhas.<br />

Faleceu na capital do estado, em 28 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<br />

<strong>de</strong> 1914.<br />

Em 1916 foi o Dr. Vargens nomeado médico da<br />

higiene, neste Município, cargo que abandonou logo em<br />

seguida, pois como dissemos linhas acima, a sua aptidão<br />

exclusiva era a lavoura cacaueira que e <strong>de</strong>senvolveu<br />

consi<strong>de</strong>ravelmente, legando aos seus filhos vultuoso


patrimônio, feito exclusivamente com seu esforço<br />

indômito, a custa <strong>de</strong> sacrifícios inumeráveis, numa<br />

época em que escassos, ou quase nulos eram os auxílios à<br />

lavoura.<br />

Ainda em 1916, organizou-se nesta cida<strong>de</strong> um<br />

partido político sob a sua chefia, fundando-se o jornal o<br />

“Progressista”.<br />

Em 1920 foi nomeado Inten<strong>de</strong>nte Municipal da<br />

cida<strong>de</strong>, e logo a seguir eleito para o mesmo cargo, que<br />

exerceu até o ano <strong>de</strong> 1923, tendo reconstituído as<br />

finanças da comuna e imposto a paz e a tranqüilida<strong>de</strong><br />

em todo o seu território.<br />

Zé Campos (2004) discorre que:<br />

Já conheci tio João separado <strong>de</strong>la [profª.<br />

Luíza]... Tio João com “raparigas” tinha<br />

uma tal <strong>de</strong> Maria Rita. Morava no inicio<br />

no Vargito, aos domingos ele sempre<br />

vinha para casa do “velho”. Teve várias<br />

companheiras. Foi médico aqui e era<br />

alcunhado <strong>de</strong> “médico <strong>de</strong> cacaio nas<br />

costas” porque saia... Antes <strong>de</strong> se mudar<br />

para Itamutinga, <strong>de</strong> manhã, <strong>de</strong><br />

madrugada quer fizesse sol ou chuva ia<br />

pra lá se <strong>de</strong>sse tempo para voltar ele<br />

voltava, senão <strong>de</strong>scesse lá ele ficava e ele<br />

já levava a “bagaceira” <strong>de</strong>le toda nas<br />

costas, cobertor, roupa, muitas e muitas<br />

vezes as raparigas <strong>de</strong>le ficava aí. Ele não<br />

teve uma só, teve Anita que eu conheci,<br />

Arlete que conheci muito, ela gostava<br />

muito <strong>de</strong> mim porque eu chamava ela <strong>de</strong><br />

tia, Maria Rita ainda é viva e mora em<br />

Camacã.<br />

Ele não tinha tempo para política, em um<br />

espaço <strong>de</strong> tempo ele plantou cacau, 1


milhão <strong>de</strong> cacaueiros sem comprar roça<br />

<strong>de</strong> ninguém, tudo feito por ele e os<br />

trabalhadores. Eles viviam separados <strong>de</strong><br />

fato, <strong>de</strong> direito não. Ele só voltou a<br />

conviver com D. Luíza quando adoeceu.<br />

Ele morava na rua Nova <strong>de</strong> São Bento e<br />

eu morava na casa <strong>de</strong> tia Libania ali nas<br />

Mercês. Todo dia eu ia lá conversar... Ele<br />

era a<strong>de</strong>pto do Briga<strong>de</strong>iro... Ele era<br />

u<strong>de</strong>nsita militante.<br />

Era uma personalida<strong>de</strong> totalmente<br />

inversa do irmão Antônio, ele tinha mais<br />

afinida<strong>de</strong> com tio Boaventura que<br />

gostava da “pan<strong>de</strong>ga”. Antônio Ribeiro<br />

era um homem sério, não admitia bebida,<br />

mulher e os irmãos não.<br />

Antonieta Ribeiro (2004), nos que:<br />

Era um tio <strong>de</strong> que eu queria muito bem, foi um pai para mim. Era muito <strong>de</strong>dicado mais do que<br />

meu pai como tio. Aquela forma <strong>de</strong> tratar, era muito dado comigo e eu também. Saber <strong>sobre</strong> a<br />

professora Luzia? Não sei, porque não conheci as particularida<strong>de</strong>s da família <strong>de</strong>la. Já conheci tio<br />

João separado <strong>de</strong>la... Tio João com raparigas esses negócios... Tinha uma tal <strong>de</strong> Maria Rita, da<br />

vida íntima não sei <strong>de</strong> nada.<br />

Naquele tempo que ele era Prefeito, [<strong>de</strong> Canavieiras] eu tinha<br />

cuidado com ele, com a roupa <strong>de</strong>le. Ele tratava todos bem, mas<br />

como eu morava na casa <strong>de</strong> mãe Calú, ele se hospedava lá, aí ele<br />

tinha a <strong>de</strong>dicação que eu tinha a ele, chegava da mata eu<br />

apanhava a cela. Naquele tempo tinha o tal da ”pala” todo sujo<br />

<strong>de</strong> lama, eu ia lavar, tudo isso... Ele era um homem reconhecido,<br />

tinha também aquele cuidado comigo, atencioso, sentava para<br />

conversar, tudo isso.<br />

Os her<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> João Vargem foram: João<br />

Elias [Jonga], passou aqui muito pouco<br />

tempo porque adoeceu e foi para o Rio e<br />

Olimpio era intinerante, não tinha<br />

pousada, pra lá e pra cá, José Maria


[Zelito] também morava em Salvador, era<br />

professor, com a morte <strong>de</strong>le vieram os<br />

filhos <strong>de</strong>le uns casaram-se estabeleceramse<br />

ai. Dora mora ai, em Camacã, mas<br />

também tinha parada perto <strong>de</strong> Camacã<br />

ali a fazenda.<br />

Do casamento contraído <strong>de</strong> Dr. João Vargem,<br />

Ribeiro <strong>de</strong> origem, com a professora Luiza Edyale<br />

nasceram os seguintes filhos: João Elias da Costa Vargens<br />

conhecido por Jonga, médico, casou-se com Neuza; José<br />

Maria, “advogado <strong>de</strong> largo conceito na capital do estado<br />

e professor <strong>de</strong> Direito na faculda<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Direito”,<br />

casado com Dora; Olímpio Baldoino, engenheiro, casado<br />

com Regina Tavares, conforme Alci<strong>de</strong>s Costa (1963).<br />

Até a conclusão <strong>de</strong>ste trabalho, não conseguimos<br />

registrar todos os nomes das gerações que se seguiram.<br />

Após entrevistar algumas pessoas, cheguei, por indicação<br />

<strong>de</strong> Lucia e Zé Campos, à Maria Rita, última companheira <strong>de</strong> João<br />

Vargens, vivendo em Camacã em um estado <strong>de</strong> muita pobreza. Foime<br />

extremamente receptiva à entrevista, e comentou já ter sido<br />

muito procurada para fornecer dados <strong>sobre</strong> a história da cida<strong>de</strong>.<br />

Hoje com 88 anos, olhos claros, traços finos, estatura<br />

mediana, seu rosto ainda revela a mulher bonita que foi na<br />

juventu<strong>de</strong>.<br />

Maria Rita (2004), relata assim a história:<br />

Cheguei pra aqui com vinte anos, sou<br />

<strong>filha</strong> <strong>de</strong> Canavieiras, vim <strong>de</strong> canoa. Vivi<br />

lá no Vargito 25 anos, <strong>de</strong> Vargito a aqui,<br />

tenho 68 anos. Moro há 40 anos aqui em<br />

Camacã. Quando eu aqui cheguei tudo<br />

aqui era lama, lama, lama mesmo que a<br />

gente saia <strong>de</strong> Vargito para a fazenda<br />

Camacã a lama dava na barriga do<br />

animal, atolava, a gente caia do animal.<br />

Isso aqui era mata pura.


Eu cheguei aí no Vargito em 1933, quem<br />

morava lá era Dr. João Vargens, era<br />

uma Fazenda muito boa, <strong>de</strong>pois abriram<br />

lá um escritório... Abriram um cartório, o<br />

senhor que tinha lá era o escriturário seu<br />

Clery.<br />

Como João Vargem era quem tinha maior<br />

aproximação, uma pessoa ótima, muito<br />

boa, muito caridoso, foi ele... Ele comprou<br />

essas terras aqui em 30 pra 31, o<br />

presi<strong>de</strong>nte era Getúlio Vargas, era um<br />

mundo <strong>de</strong> terra, ele comprou tudo barato,<br />

mas veio explorar para ver se dava o<br />

cacau com os engenheiros, não <strong>de</strong>u, mas<br />

<strong>de</strong>u, terreno seco, aí ele <strong>de</strong>u pra cida<strong>de</strong>.<br />

Ele tinha várias fazendas, 15 fazendas, ele<br />

era rico, riquíssimo.<br />

Tudo era irmão <strong>de</strong>le, eram muito ricos,<br />

fazendas, tudo unida, tudo rico, fartura<br />

muita, Com os empregados o seu trato era<br />

bem... A não ser quando ele tomava uns<br />

“pauzinhos”, tomava uns pauzinhos...<br />

Teve uma briga contra os Guerreiros, foi<br />

no ano que cheguei, isso foi horrível, foi<br />

por causa <strong>de</strong> um trabalhador, o rapaz<br />

tirou um saldo e ele não queria pagar ao<br />

rapaz, queria espancar o rapaz então foi<br />

para o Vargito. Chegou lá foi tirar o<br />

trabalhador a pulso a família toda se<br />

revoltou e teve muita briga morte e<br />

tudo... Muita gente do lado dos<br />

Guerreiros, muita gente e tiroteio... Neste<br />

tempo, dona menina, existia jagunçada.


Os Barretão atacaram eles nos Lagos... O<br />

Leonídio Guerreiro queria tirar o<br />

trabalhador <strong>de</strong>le a pulso da fazenda do<br />

Vargito... Teve briga teve morte, teve<br />

tudo. Não conheci ninguém que morreu;<br />

<strong>de</strong> Leonidio morreu uns 3 ou 4, eles<br />

vieram atacar a fazenda Santo Antonio<br />

nos Vargitos, que era do seu Antônio<br />

Ribeiro. Dos trabalhadores do Vargito<br />

não morreu ninguém, mas <strong>de</strong> Leonidio<br />

morreu uns 3 ou 4. Isso foi em 31, quando<br />

eu cheguei... No começo eu estava em<br />

Canavieiras quando eu cheguei ainda<br />

encontrei. [<strong>de</strong>clara que não conheceu<br />

ninguém que morreu].<br />

Com índio teve [problema] por que essa<br />

fazenda, Camacã aqui dizem que era dos<br />

índios, tanto que o velho João Vargens,<br />

pegou duas caboquinhas: uma morreu,<br />

que a irmã <strong>de</strong>le Joaquina criou, não<br />

resistiu, e a outra foi criada pela<br />

sobrinha <strong>de</strong>le, Antonieta, até hoje é<br />

casada em Canavieiras chama-se Moaci.<br />

Eles não invadiram, estava abandonada,<br />

aí ele entrou e plantou cacau.<br />

Ele era casado abandonado pela família,<br />

a mulher que abandonou ele, a mulher<br />

<strong>de</strong>le chamava-se Luíza, professora Luíza,<br />

<strong>de</strong> Canavieiras, se abandonaram um ao<br />

outro, e ela nunca veio aqui, não<br />

conhecia Vargito e então ele arrumou<br />

várias mulheres, mas nenhuma ficou, elas<br />

eram que não ficavam, porque aí, dona<br />

menina, filho chorava e mãe não via. Se


morria por falta <strong>de</strong> um purgante <strong>de</strong><br />

sulfato aqui. Era mata pura isso aqui,<br />

chovia muito. Ele tinha muito gosto <strong>de</strong><br />

conhecer a cida<strong>de</strong>, o ano que ele liberou<br />

foi o ano que ele morreu... Vai fazer<br />

agora 50 anos que ele morreu, no dia 28<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro.<br />

Aqui foi invadindo, muita lama... Foi<br />

chegando os comerciantes: João Bitú, a<br />

primeira farmácia <strong>de</strong> Luis da Veiga. A<br />

primeira missa foi celebrada pelo padre<br />

Emiliano Britão, celebrada <strong>de</strong> baixo<br />

daquele sobrado que é hoje <strong>de</strong><br />

Francisquinho Almeida. A primeira<br />

firma <strong>de</strong> cacau foi <strong>de</strong> Wilddberg, <strong>de</strong>pois<br />

veio a Correia Ribeiro.<br />

João Vargens era político, aqui não foi,<br />

não chegou ao ponto <strong>de</strong> ser... Em<br />

Canavieiras ele foi prefeito em<br />

Canavieiras, tornou a se candidatar e<br />

não levou. Abandonou a clínica e entrou<br />

por essas matas, novo, novo, mo<strong>de</strong>rno,<br />

que o povo em Canavieiras chamava ele<br />

<strong>de</strong> doido. Ele só vivia com o “cacaio” nas<br />

costas nestas matas. Ele veio sozinho, era<br />

vistoso alto, simpático, ele entrou para<br />

aqui em 1925. Depois que os pais<br />

morreram, eles vieram para aqui, eles<br />

enfrentaram isso aqui.<br />

As companheiras <strong>de</strong> João Vargem<br />

nenhuma ficou. Só quem ficou foi eu<br />

[aqui, Maria Rita se revela e assume a<br />

condição <strong>de</strong> última companheira <strong>de</strong> João


Vargens]. Quinze anos na companhia<br />

<strong>de</strong>le. Encontrei ele abandonado, ele não<br />

merece que eu diga, mas eu digo:<br />

abandonado feito cão sem dono, <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong>ssas matas jogado... Não sei não...<br />

Natureza <strong>de</strong>sse homem. Agüentei 15 anos,<br />

eu tive pena <strong>de</strong>le, abandonado nestas<br />

matas.<br />

Arlete era <strong>de</strong> Salvador, <strong>de</strong>pois ele teve<br />

outra, a Maria Marques não ficou era,<br />

das fazendas <strong>de</strong>les lá, com essa, ele teve<br />

duas <strong>filha</strong>s: Lour<strong>de</strong>s e Anita e <strong>de</strong>ixou<br />

como herança a parte dos pais <strong>de</strong>le. [da<br />

Fazenda Lagos]. Ela [professora Luíza]<br />

era exigente e grossa <strong>de</strong>mais e por sinal<br />

era professora em Canavieiras, falar a<br />

verda<strong>de</strong>, ela não conviveu com ele, não<br />

por ele, por ela.<br />

De fato ele foi noivo, mas não em<br />

Salvador, a primeira noiva <strong>de</strong>le<br />

chamava-se Anita <strong>de</strong> Catalar, eu ouvia<br />

ele falando, a primeira noiva, a primeira<br />

não... A primeira foi Luíza, <strong>de</strong>pois ela<br />

acabou ele já arrumou essa Anita, ela...<br />

Até que ele <strong>de</strong>sistiu da outra e casou com<br />

essa Luiza é on<strong>de</strong> não <strong>de</strong>u certo. Todos me<br />

trataram bem, até hoje.<br />

O velho João Vargem ajudou muito [os<br />

trabalhadores] que tem suas fazendas,<br />

agora, tempos não pagava, in<strong>de</strong>nização...<br />

Trabalhavam pela diária quando tinham<br />

saldo recebiam, muitos levavam<br />

repetição pelos peitos, não eles daí, como


Leonidio Guerreiro que levava repetição<br />

nos peito dos trabalhadores. O velho era<br />

muito legal, muito boa, muito educado,<br />

basta que ele não era <strong>de</strong> conversa. Ele só<br />

ofendia quando se via ofendido.<br />

Os “barrações” (vê anexo fig. 65) vinha<br />

mecadoria <strong>de</strong> Canavieiras <strong>de</strong> canoa,<br />

cacau <strong>de</strong>scia <strong>de</strong> canoa, <strong>de</strong>pois lancha. Os<br />

barracões era para os trabalhadores se<br />

fornecer. Todas as fazendas tinham um<br />

barracão. Os trabalhadores faziam as<br />

suas compras dia <strong>de</strong> sexta a sábado. O<br />

querosene vinha em caixa, bacalhau para<br />

Semana Santa vinha da Noruega,<br />

naquelas barricas, comprava <strong>de</strong> Pascale<br />

Queto, saco <strong>de</strong> coco distribuía com os<br />

trabalhadores. Comida... era feijão com<br />

jabá, pescavam [também].<br />

Quando [os trabalhadores] se precisava,<br />

[<strong>de</strong> médico] mandava logo para<br />

Canavieiras. Depois que eu fui indo para<br />

Canavieiras e ele era médico, me dava a<br />

nota, eu ia na farmácia <strong>de</strong> Laurindo,<br />

trazia caixotes cheio <strong>de</strong> remédios para<br />

indicar para o povo, para os<br />

trabalhadores. Se morria, uma pessoa,<br />

pela falta <strong>de</strong> um purgante <strong>de</strong> sulfato. .Eu<br />

ia, trazia aqueles caixotes, tratava <strong>de</strong><br />

panarísco, <strong>de</strong> gripe, <strong>de</strong> sinusite, e uma<br />

porção <strong>de</strong> coisa.<br />

Aí, a coisa já ia melhorando, mas antes<br />

tinha que mandar para Canavieiras. Veio<br />

Dr. Valver<strong>de</strong> que ficou lá, morando no


Vargito, que vivia lá com Antônio<br />

Ribeiro e Zé Campos, <strong>de</strong>pois começou a<br />

abrir a cida<strong>de</strong>, comércio... Euvaldo Maia<br />

[médico] veio em 1954, com a carta e<br />

coragem, com lama no joelho.<br />

No meu conhecimento nunca vi isso<br />

[tortura ou maus tratos]. O Dr. João<br />

Vargens era uma pessoa tão digna, tão<br />

simples e caridosa, fazia carida<strong>de</strong>, ele<br />

tinha injuria <strong>de</strong> ofen<strong>de</strong>r as pessoas. Muito<br />

religioso, a família toda, eu aprendi com<br />

ele, com o Vargito, eu nem era tanto<br />

assim, até hoje ainda continuo. Ele ia<br />

para roça <strong>de</strong> manhã tomava café... O<br />

homem só falava em cacau, calçava umas<br />

botas, ia para roça, vezes chegar <strong>de</strong> noite<br />

<strong>de</strong>u mandar um trabalhador atrás,<br />

pensando que tinha acontecido alguma<br />

coisa, chegar 6 e tanta 7 [horas da noite].<br />

Fanatismo em cacau, Canavieiras toda,<br />

chamava <strong>de</strong> doido.<br />

Foi D. Francisquinha que é muito<br />

católica, foi ela que trouxe,... Quando eu<br />

cheguei os padres faziam <strong>de</strong>sabriga, <strong>de</strong><br />

fazenda em fazenda, <strong>de</strong>pois ela arrumou<br />

com os padres e construiu a igreja ai <strong>de</strong><br />

Santo Antônio no Vargito. Já casamento,<br />

batizado, tudo vinha <strong>de</strong>ssas matas <strong>de</strong>sses,<br />

cantos e assistir a festa <strong>de</strong> Santo Antônio,<br />

era uma festona... A igreja aqui [no<br />

Camacã] foi feita pelo povo, pelos<br />

fazen<strong>de</strong>iros, muita gente carregou pedra,<br />

a Primeira Missa foi celebrada ali on<strong>de</strong> é<br />

Francisquinho Almeida e quem celebrou


foi o padre Emiliano, um padre preto,<br />

alto, magro.<br />

Mascote nunca teve padre. O padre<br />

vinha <strong>de</strong> Canavieiras, o padre Granja<br />

vinha fazer <strong>de</strong>sobriga aqui, celebrava a<br />

missa aqui, em Vargito, em Mascote.<br />

Neste tempo nem se falava em cida<strong>de</strong>.<br />

Conheci todos [primeiros comerciantes]:<br />

primeiro João Bitu, segundo os Batistas,<br />

terceiro os Firminos; farmácia: Luis da<br />

Viga; médico: Valver<strong>de</strong> e Euvaldo Maia.<br />

Cida<strong>de</strong> muito rica, agora ficou pobre.<br />

Rico aqui não tem nenhum. Rico mesmo<br />

só tem um, que é Deus.<br />

Carmelita, família Ribeiro, pessoas explosivas.<br />

Joviano Moura:<br />

Joviano Moura, meu avô, ramo <strong>de</strong> quem<br />

<strong>de</strong>scendo, casado com minha avó, Ana, Naninha como<br />

era conhecida, <strong>filha</strong> <strong>de</strong> João Elias, embora tivesse<br />

chegado a Região <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> seus cunhados, os Ribeiros,<br />

foi, entretanto um dos primeiros que se transferiu<br />

<strong>de</strong>finitivamente para a Região.<br />

Lembro bastante <strong>de</strong>le, tinha 12 anos, quando ele<br />

veio a falecer em conseqüência <strong>de</strong> um “infarte”,<br />

convalescente <strong>de</strong> uma cirurgia, que havia se submetido.<br />

Estatura mediana, “alvo”, <strong>de</strong> olhos claros, rosto<br />

largo, vestia-se sempre com um terno na cor caqui e<br />

usava um chapéu “Panamá”.<br />

Era um homem <strong>de</strong> pouca conversa ou afagos, mas<br />

também, nunca o vi com um comportamento agressivo<br />

ou hostil frente a qualquer pessoa. Não queria que<br />

batesse nos filhos, ficava aborrecido. Havia uma


expressão sua, quando percebia um certo excesso dos<br />

filhos, que minha avó sempre repetia e que dizia muito<br />

da sua conduta: “Naninha abra os olhos, senão esses<br />

meninos te comem viva”.<br />

Com uma saú<strong>de</strong> frágil, teve em minha avó, sua<br />

companheira e parceira nas gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s, e nas<br />

gran<strong>de</strong>s conquistas.<br />

Meu avô nasceu no dia 1 o <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1880, na<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nossa Senhora das Dores, no estado <strong>de</strong><br />

Sergipe, filho Manoel Pinheiro <strong>de</strong> Moura e Maria<br />

Pastora <strong>de</strong> Moura, agricultores. Família numerosa,<br />

Joviano Moura, com apenas 18 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixou sua<br />

cida<strong>de</strong> natal a busca <strong>de</strong> melhores oportunida<strong>de</strong>s. Em<br />

1898 chegando em Aracaju conseguiu um emprego na<br />

firma comercial Costa Santos & Cia “on<strong>de</strong> permaneceu<br />

por dois anos conquistando simpatia e confiança <strong>de</strong> seus<br />

chefes e colegas”. Resolveu posteriormente ir para<br />

Salvador.<br />

Funcionário <strong>de</strong> uma empresa na Cida<strong>de</strong> Baixa,<br />

mas atento às noticias que chegavam com os navios ou<br />

por intermédio <strong>de</strong> clientes e viajantes, resolveu partir<br />

para Canavieiras, cida<strong>de</strong> litorânea no sul do estado da<br />

Bahia, on<strong>de</strong> o comércio e a agricultura estavam em<br />

ascensão (Jornal Folha do Cacau, 2004).<br />

Relata Boaventura Moura (2004) <strong>sobre</strong> a pessoa<br />

<strong>de</strong> Joveniano Moura:<br />

Sergipano, 19 anos chegou em Canavieiras<br />

e trazia uma larga experiência no<br />

comércio e ai tentou se estabeleceu em<br />

Canavieiras. (aqui existe uma<br />

divergência quanto a ida<strong>de</strong> que Joviano<br />

Moura <strong>de</strong>ixou a família e chegou em<br />

Canavieiras. Primeiro em Salvador não<br />

teve êxito, voltou para Canavieiras<br />

também não teve êxito. Ao cabo <strong>de</strong> um<br />

ano e meio, estava encerrando os seus


negócios para ir embora, não sabia se<br />

para o Espirito Santo, São Mateus.<br />

Estava in<strong>de</strong>ciso, ou para o Amazonas.<br />

Nesta época escusado dizer que estava na<br />

febre da borracha... borracha era um<br />

negócio sensacional era o ouro.. 1904 não<br />

tinha borracha no mundo surgindo as<br />

gran<strong>de</strong>s industrias a aplicação da<br />

borracha.<br />

Então Joviano Moura foi fazer o balanço<br />

das contas <strong>de</strong>le para ir embora esteve<br />

hospedado no hotel, em que neste hotel, se<br />

hospedou um cara vindo do Rio<br />

Jequitinhonha, o cara <strong>de</strong> uma lábia<br />

<strong>de</strong>sgraçada, terrível é o atual sogro...<br />

Avó... Da esposa do chefe <strong>de</strong> policia<br />

[Enio...] Furtunato Bejamin Saback.<br />

Meu pai era um homem <strong>de</strong>terminado,<br />

não aceitava mudar <strong>de</strong> hipótese<br />

nenhuma o comportamento. Essa cara<br />

tinha uma lábia tão <strong>de</strong>sgraçada [que]<br />

conseguiu convencer a Joviano Moura a<br />

fazer uma tentativa. Olhe que ele estava<br />

encerrando o negócio <strong>de</strong>le... Uma<br />

quitanda não <strong>de</strong>u certo... Ele era uma<br />

espécie <strong>de</strong> contador da época, então<br />

entrou em Canavieiras com 600,00 mil<br />

reis, já estava com 900,00 mil reis, estava<br />

dando balanço nas outras firmas para<br />

terminar e ir embora. Então Saback<br />

então convenceu ele <strong>de</strong> ficar.<br />

Eles fizeram uma socieda<strong>de</strong> que ele<br />

entrou com um conto <strong>de</strong> reis, e Saback


com um conto e quientos e abriram a<br />

casa. Excusado dizer que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 2 anos<br />

o êxito era retumbante. Seu avô Joviano<br />

Moura não sabia... Em balcão era<br />

péssimo, [mas] era um homem <strong>de</strong> uma<br />

organização louca, rígido e era o<br />

contrario Saback. Só faltava meter a mão<br />

no bolso do cara, mas em organização<br />

não tinha nenhuma. Juntos os dois,<br />

ativida<strong>de</strong>s diferentes, então criaram a<br />

firma Saback & Cia.<br />

Conhecendo Ana Ribeiro, casou-se na<br />

fazenda Lagos em 24 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, ela<br />

tinha 22 anos. Para a época, casou-se<br />

tar<strong>de</strong>. Naquela época casou-se velha,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> casados, foram para<br />

Canavieiras... Até tem um <strong>de</strong>talhe meus<br />

tios... Estava uma enchente no casamento<br />

<strong>de</strong>les, meus tios... Não sei como foi...<br />

Foram dar um passeio <strong>de</strong> barco, papai<br />

quis se meter a nadar, não tinha pratica<br />

<strong>de</strong> meus tios, quase que morre afogado,<br />

me lembro <strong>de</strong> mamãe falar isso. Mãe Calú<br />

que ia na mesma canoa achou... Ainda<br />

reprovou, porque mamãe [Ana] começou<br />

a dar risada, quando ela viu ele...<br />

(BOAVENTURA MOURA, 2004).<br />

Luís (2004), <strong>de</strong>screve sua versão:<br />

Meus avós paternos são naturais <strong>de</strong><br />

Sergipe da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Dores. Meu avô<br />

chama-se Manoel e minha avó Pastora.<br />

Segundo consta, eles tinham <strong>de</strong>scendência<br />

holan<strong>de</strong>sa, proveniente da invasão<br />

holan<strong>de</strong>sa <strong>de</strong> Pernambuco, que durante


mais ou menos 30 anos dominou parte do<br />

nor<strong>de</strong>ste brasileiro.<br />

Meus avós tiveram vários filhos e entre<br />

eles Joviano Pinheiro <strong>de</strong> Moura que<br />

jovem, ainda aos 15 anos, por sentir que<br />

sua cida<strong>de</strong> natal, Dores, Sergipe, não<br />

tinha oportunida<strong>de</strong> para ele, resolveu<br />

tentar a vida em Salvador, cida<strong>de</strong><br />

próspera e capital do estado da Bahia.<br />

Em Salvador trabalhou como balconista<br />

em uma empresa do comércio local, on<strong>de</strong><br />

conseguiu à duras penas, fazer uma<br />

poupança .<br />

Naquela época a cida<strong>de</strong> mais próspera do<br />

sul do estado, era Canavieiras, conhecida<br />

como “a Princesa do Sul”. Com algum<br />

capital, muitas idéias na cabeça, força <strong>de</strong><br />

vonta<strong>de</strong> e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho, partiu<br />

Joviano para Canavieiras. Lá chegando,<br />

estabeleceu-se com uma pequena casa<br />

comercial <strong>de</strong> secos e molhados que <strong>de</strong>u o<br />

nome <strong>de</strong> o “Furo”.<br />

Lour<strong>de</strong>s Moura (2004), complementa: “Ali mesmo<br />

ele morava, lavava, cozinhava. Um certo dia estava<br />

preparando a comida, um cachorro entrou e levou a<br />

carne que preparava. Sem dinheiro para comprar outra,<br />

teve que comer pão, para matar a fome”.<br />

Luis Moura (2004), continua sua versão:<br />

Comenta-se que no dia da inauguração da<br />

loja o “Furo” formou-se um arco-íris em<br />

sua porta, o que para os presentes,<br />

significou prosperida<strong>de</strong> para o<br />

proprietário. Mas o tempo passava e os


negócios não estavam tendo o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento que Joviano esperava,<br />

<strong>de</strong>siludido, resolveu partir para o<br />

Amazonas (que) estava em plena febre da<br />

borracha, on<strong>de</strong> ele tinha um irmão que<br />

por sinal, veio a morrer, flexado pelos<br />

índios, quando banhava-se no rio.<br />

Em uma reunião, <strong>de</strong> fim <strong>de</strong> ano, um<br />

colega <strong>de</strong> republica Fortunato SabacK<br />

conseguiu <strong>de</strong>movê-lo <strong>de</strong>sta idéia e [cria]<br />

uma socieda<strong>de</strong> com ele [Saback]. Estava<br />

criada então a Saback & Cia.<br />

Foi uma união feliz, <strong>de</strong> um lado Joviano<br />

com planejamento e controle, e do outro<br />

Fortunato, comerciante com gran<strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> comunicação e convencimento.<br />

Foram anos <strong>de</strong> prosperida<strong>de</strong> em que<br />

empresa nos ramos <strong>de</strong> secos e molhados e<br />

partiu para o comércio em geral<br />

incluindo a comercialização <strong>de</strong> cacau.<br />

Levaram o primeiro caminhão para<br />

Canavieiras [e]) adquiriram embarcações<br />

para transporte <strong>de</strong> mercadorias para<br />

Salvador. Um êxito retumbante.<br />

Nesta época, Joviano conhece a jovem<br />

Ana, <strong>filha</strong> caçula <strong>de</strong> João Elias Ribeiro e,<br />

em uma noite <strong>de</strong> Natal, 24 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<br />

<strong>de</strong> 1910, sob a proteção <strong>de</strong> Nossa Senhora<br />

da Conceição, casaram-se na fazenda<br />

Lagos.<br />

Meu pai, Joviano (vê anexo fig. 66), e<br />

minha mãe, Ana, como disse, moravam


em Canavieiras e tiveram 9 filhos: Maria<br />

<strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s, José, Maria Rosalina,<br />

Antônio, Boaventura, Maria Carmelita,<br />

Mário, João e Luís Gonzaga, entretanto<br />

foram 24 as gravi<strong>de</strong>zes ente abortos<br />

espontâneos e nati-mortos, gravi<strong>de</strong>zes<br />

levadas a termo.<br />

Lour<strong>de</strong>s Moura (2004) também dá sua contrição:<br />

Vinte e dois anos <strong>de</strong>pois Joviano Moura<br />

resolveu se separar, dissolver-se <strong>de</strong>ssa<br />

socieda<strong>de</strong>, e criar a sua própria [firma]<br />

Moura & Companhia, on<strong>de</strong> passou a ter<br />

uma filial, em Jacaranda, tendo como<br />

sócio, Pedro Borges e em Mascote com seu<br />

irmão Manoel Moura, pai <strong>de</strong> Zequinha<br />

Moura e Margarida, [<strong>de</strong>pois dissolvida<br />

por não ter progredido]<br />

Segundo o Folha do Cacau (2004), em 1917,<br />

Joviano começou a fazer seus primeiros plantios <strong>de</strong><br />

cacau.<br />

A crise <strong>de</strong> 1929 trouxe reflexos graves a economia<br />

local: “Crise do cacau, mortes [por] suicídio, dívidas <strong>de</strong><br />

cacau, etc”. O prejuízo auferido pelos débitos <strong>de</strong><br />

cacauicultores fez com que meu avô abandonasse a<br />

condição <strong>de</strong> comerciante, para ingressar exclusivamente<br />

à condição <strong>de</strong> agricultor.<br />

Na década <strong>de</strong> 1930 em função das<br />

dificulda<strong>de</strong>s econômicas, ainda em<br />

<strong>de</strong>corrência da crise mundial <strong>de</strong> 1929,<br />

meu pai e minha mãe, resolveram morar<br />

na fazenda Santa Maria, proprieda<strong>de</strong><br />

medida pela família (os irmãos Ribeiros),<br />

e meu pai obteve um gran<strong>de</strong> êxito, como<br />

fazen<strong>de</strong>iro, porque naqueles idos, ele


introduziu a organização do comércio<br />

como contabilida<strong>de</strong> e controles na<br />

administração das fazendas, coisa rara<br />

na época. Seus filhos seguiram a mesma<br />

ativida<strong>de</strong> econômica. (LUIS, 2004).<br />

Com o <strong>de</strong>senvolvimento das fazendas, em..../..../....<br />

meu avô cria a companhia Agrícola Joviano Moura.<br />

Carmelita (2004), <strong>de</strong>põe: Joviano Moura<br />

comerciante e [posteriormente] agricultor “era no lápis e<br />

fazia todos os cálculos no lápis, e saia tudo certo e era<br />

comerciante”.<br />

Joviano, <strong>de</strong> Sergipe, disse a irmã:<br />

Rosentina, [mãe da entrevistada] se eu<br />

me <strong>de</strong>r bem lá, venho te buscar. Lour<strong>de</strong>s<br />

era pequenininha e [Joviano] foi buscar<br />

minha mãe, e veio minha tia Evangelina.<br />

E minha mãe disse a minha tia Clarinha:<br />

se ela se casse e fosse feliz, ela vinha<br />

buscar tia Clarinha, como foi, e que se<br />

casou com Dr. Lucilo. Tio Manoel, [irmão<br />

<strong>de</strong> Joviano Moura] acho, veio antes <strong>de</strong> tia<br />

Clarinha (Pastora).<br />

Antonieta Ribeiro (2004), afirma: D. Naninha era culta, era<br />

vaidosa, quer vencer... Quando Joviano esteve doente, então disse a Ana o<br />

que tinha e o que não tinha. Ah! Tem disso né... Disse as reservas, que ela<br />

não sabia. Ela ficou esperta, também ajudou muito ele. Todos eles, homens,<br />

são assim.<br />

Lour<strong>de</strong>s Moura (2004), por sua vez, conta:<br />

Meu Pai passou a residir na Santa Maria<br />

com a crise do cacau, não sei se foi 1929<br />

ou 1930. A casa da Santa Maria era


tábua, casa simples, tomávamos café na<br />

lata <strong>de</strong> leite con<strong>de</strong>nsado, pois xícara, era<br />

para uma visita.<br />

Os empregados quando vinham receber<br />

seus vencimentos sentavam na mesa, com<br />

a família. Certa feita, um empregado <strong>de</strong><br />

nome, Olegário, sentou-se a mesa para<br />

tomar sopa. Papai se serviu e passou para<br />

o mesmo, mas não foi assim que ele<br />

colocou farinha na sopa, quando ele viu<br />

que ninguém tinha feito isso disse: Seu<br />

Joviano, o senhor não gosta <strong>de</strong> colocar<br />

farinha? Papai respon<strong>de</strong>u: eu não gosto,<br />

mas tem gente que gosta. Nós éramos<br />

mocinhas e começamos a rir. Papai<br />

passou um olhar...<br />

Comíamos muita banana da terra, prata,<br />

aipim, carne <strong>de</strong> oito em oito dias, tinha<br />

um cidadão que matava boi, também pão,<br />

um homem passava com uns balaios<br />

ven<strong>de</strong>ndo pão. Todos tinham criação <strong>de</strong><br />

galinha, porco, pescavam no Panelão,<br />

caça, tatu, paca, capivara, jacaré. Os<br />

móveis... Tinha uma mesa na sala <strong>de</strong><br />

jantar, dois bancos, na sala <strong>de</strong> entra, um<br />

grupo <strong>de</strong> vime. Cama <strong>de</strong> casal, tínhamos<br />

dois cavaletes formavam a cama com<br />

tábua, colchão, capim seco, costurava o<br />

saco e enchia.<br />

“Tia Naninha tinha o sonho <strong>de</strong> um filho padre”.<br />

(ANTONIETA RIBEIRO, 2004).<br />

Herdado <strong>de</strong> mãe Calú, minha avó, conta<br />

tia Lour<strong>de</strong>s, festejava o São João com


canjicas, fogueira e tudo mais que a festa<br />

do Santo tinha direito. Semana Santa<br />

com todos os seus rituais e abstinência<br />

conforme mandava a “Santa Madre<br />

Igreja”; e o Natal, cuja festa começava<br />

com as novenas <strong>de</strong> Nossa Senhora da<br />

Conceição. Nestas datas magnas, <strong>de</strong><br />

confraternização, minha avó costumava<br />

enviar para a ca<strong>de</strong>ia um tabuleiro <strong>de</strong><br />

comidas. (LOURDES MOURA, 2004).<br />

Lembra ainda tia Lour<strong>de</strong>s, que não havendo<br />

espaço, nem local a<strong>de</strong>quado para celebrações religiosas<br />

na antiga casa da fazenda Santa Maria, meu avô<br />

conduziu, em procissão, a imagem <strong>de</strong> Nossa Senhora da<br />

sua residência até o armazém <strong>de</strong> cacau, on<strong>de</strong> foi<br />

realizada a Santa Missa.<br />

No Natal ainda havia distribuição <strong>de</strong> presentes,<br />

mas só para os empregados. Lembro-me, muito pequena,<br />

do cuidado que minha avó tinha <strong>de</strong> comprar, com<br />

bastante antecedência em Salvador, e embrulhando os<br />

presentes com os nomes dos adultos e das crianças que<br />

vinham para a festa. Havia corrida <strong>de</strong> sacos, pau <strong>de</strong><br />

sebo, e já, nesta ocasião, a missa era celebrada na capela<br />

da casa gran<strong>de</strong>, como passou a ser chamada a nova<br />

casa.<br />

Lembro-me também, do dia em que esperávamos<br />

o meu avô chegar para passar o Natal, o “jeep” entrando<br />

na fazenda, tia Lour<strong>de</strong>s correndo para abrir as janelas<br />

da casa nova, que ele ainda não havia conhecido, e nós a<br />

procurá-lo entre os que estavam no carro.<br />

A tristeza veio em seguida, e abateu-se <strong>sobre</strong> nós.<br />

Meu avô não se recuperara, como esperávamos. Um ano<br />

<strong>de</strong>pois, neste mesmo período, ele veio a falecer.


Passamos um longo período <strong>de</strong> luto, que se seguiu<br />

com a doença e morte também <strong>de</strong> meu tio João, assunto<br />

tabu e <strong>de</strong> dor da família.<br />

A esses primeiros colonizadores que li<strong>de</strong>raram o<br />

movimento <strong>de</strong> ocupação da então hoje Camacã<br />

seguiram-se os Mouras <strong>de</strong>scentes dos Ribeiros, filhos <strong>de</strong><br />

Joviano Pinheiro <strong>de</strong> Moura e Ana Ribeiro <strong>de</strong> Moura,<br />

<strong>filha</strong> do i<strong>de</strong>alizador <strong>de</strong>sta Região, João Elias Ribeiro.<br />

Ao assumir a li<strong>de</strong>rança dos Ribeiros, os Mouras inauguram uma<br />

nova etapa na história <strong>de</strong> Camacã, que já começa a ser contada, pelos novos<br />

filhos da Região.


10 CONCLUSÃO<br />

Quando comecei a escrever este trabalho, iniciei contando um pouco <strong>de</strong> minha<br />

vida, e o interesse em buscar informações que pu<strong>de</strong>ssem abrir<br />

mais caminhos, percorrer túneis e labirintos e <strong>de</strong>cifrar enigmas<br />

da minha trajetória neste mundo. Tirei daí, a minha primeira<br />

conclusão: quanto ainda tenho a apren<strong>de</strong>r, a <strong>de</strong>scobrir e a<br />

compreen<strong>de</strong>r e que, talvez, nunca o farei o quanto <strong>de</strong>sejaria... a<br />

eterna incompletu<strong>de</strong>, a eterna falta humana.<br />

Se a agricultura foi a primeira forma sistematizada da ativida<strong>de</strong><br />

dos povos mais primitivos, com ela também veio as formas mais primitivas<br />

da religiosida<strong>de</strong> do homem, on<strong>de</strong> toda a natureza era passível <strong>de</strong> ser<br />

sagrada. Foi nesse cenário que apareceu o cacau “alimentos dos <strong>de</strong>uses”.<br />

De “alimento dos <strong>de</strong>uses” a “fruto <strong>de</strong> ouro” passaram-se muitos séculos.<br />

O cacau, hoje, além <strong>de</strong> carregar sua origem <strong>de</strong> mitos e lendas, agrega<br />

contribuições contemporâneas que retratam a saga <strong>de</strong> uma Região através<br />

da literatura <strong>de</strong> Jorge Amado, Adonias Filho, Afrânio Peixoto e muitos<br />

outros<br />

Através <strong>de</strong> dados concretos, meu tio Boaventura se vivo fosse,<br />

resgataria com a divulgação <strong>de</strong>sse trabalho, a elevação da imagem <strong>de</strong> sua<br />

cida<strong>de</strong> natal, Canavieiras, ao pódio do primeiro pólo <strong>de</strong> exportação<br />

significativa <strong>de</strong> cacau no estado da Bahia, esquecida ou subestimada após a<br />

expansão da cacauricultura pelos quatro rios: .Almada, Cachoeira, Pardo e<br />

Jequitionha.<br />

Após laborioso trabalho <strong>de</strong> investigação quanto a história <strong>de</strong>sta<br />

Região, cheguei a dolorosa conclusão da inexistência <strong>de</strong> quaisquer dados


egistrados por alguns dos membros, <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes da família Ribeiro,<br />

quanto ao seu i<strong>de</strong>alizador (João Elias Ribeiro), <strong>de</strong>sbravadores (Antônio,<br />

Manoel, João Vargens e Boaventura Ribeiro) e colonizadores da Região,<br />

salvo algumas poucas reportagens em jornais do Estado da Bahia e<br />

tablói<strong>de</strong>s dos Municípios <strong>de</strong> Canavieiras e Camacã.<br />

Centrando minha busca nas origens, no berço da Região<br />

investigada, isto é, na figura <strong>de</strong> seu i<strong>de</strong>alizador e seus <strong>de</strong>sbravadores, em<br />

tempo, consegui resgatar, através meu tio Boaventura Moura (maior parte<br />

<strong>de</strong>sta história), informações advindas do seu convívio com tio Boaventura<br />

Ribeiro, um dos <strong>de</strong>sbravadores.<br />

Os relatos do primeiro foram sempre cuidadosamente agregados<br />

a datas e informações checadas, que nós conduzem a uma maior<br />

confiabilida<strong>de</strong> quanto aos dados repassados.<br />

Entretanto, todas as outras contribuições acrescidas, além <strong>de</strong> se<br />

constituírem informações sem as quais este trabalho estaria incompleto,<br />

foram <strong>de</strong> excelente conteúdo e veracida<strong>de</strong>, uma vez que partiram também<br />

<strong>de</strong> pessoas que vivenciaram boa parte das suas vidas, junto a essas figuras,<br />

que aqui retratamos um pouco <strong>de</strong> suas <strong>histórias</strong>.<br />

Sem dúvida, todas as entrevistas realizadas, dados coletados,<br />

bibliografias, entrevistas e artigos publicados na impressa escrita,<br />

confirmam quanto a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> do nascimento da Região <strong>de</strong> Camacã, isto<br />

é, quem trouxe o cacau para Camacã, porque veio e como veio.


Após tal acervo constituído <strong>de</strong> entrevistas em ví<strong>de</strong>o, gravadas e<br />

digitado, publicações e provas documentais, hoje Camacã dispõem <strong>de</strong><br />

recursos para o estudo e aprofundamento <strong>de</strong> aspectos a serem investigados<br />

através <strong>de</strong>ste material coletado.<br />

Isso significa que muitas especulações quanto a questões<br />

passadas e presentes po<strong>de</strong>rão ser reabertas, entendidas, explicadas e<br />

reinvestigadas, provindas <strong>de</strong>ste material <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os aspectos naturais, fisicos-<br />

ambientais aos aspectos comportamentais humanos, isto é, sociais,<br />

culturais, morais e éticos <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>.<br />

Espero que esse material que chega, hoje, apenas ao fim <strong>de</strong> uma<br />

etapa simbolize a “chave” <strong>de</strong> uma porta ainda a ser aberta,. pr<br />

oporcionando às futuras gerações o prazer, a inquietação, a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

que0stionar, <strong>de</strong> discordar e acima <strong>de</strong> tudo <strong>de</strong> criar o “Novo”, o “Belo”.


REFERÊNCIAS<br />

CÉSAR, Fabrício. A história <strong>de</strong> Joviano Pinheiro <strong>de</strong> Moura. Folha do<br />

Cacau, 2004.<br />

COSTA, Alci<strong>de</strong>s. Canavieiras: sua história e sua gente: lenda e festas.<br />

Salvador: Imprensa Oficial, 1963.<br />

COSTA, Alci<strong>de</strong>s. Jacarandá e salobro: ensaios históricos. Salvador:<br />

Mensageiro da Fé, 1968.<br />

MEAD, Margaret. Sexo e temperamento. São Paulo:<br />

Perspectiva, 1979.<br />

MONITOR DO SUL. Canavieiras (BA), 1908. nº 459, ano 7. 19/04/1908.<br />

O PROGRESSISTA. Canavieiras (BA), 1924. ano 9. 13/09/1924.<br />

REVISTA Camacã e o Cacau. Camacã (BA): Itabunense <strong>de</strong> Jornais e<br />

Revista. 1988. n. 1, ano 1. 08/1988.<br />

TABU. Canavieiras (BA), 1978a.<br />

WILDBERGER, Arnold. Fatos e reminiscências em torno à história do<br />

consulado da Bélgica, 1837 a 1971. salvador: Fundação Gonçalo Muniz,<br />

1971.<br />

WILDBERGER, Arnold. Notícia histórica <strong>de</strong> Wildberger & Cia <strong>de</strong> 1829<br />

a 1942. Salvador: Tipografia Beneditina, 1942.


ANEXOS: DOCUMENTAÇÕES E ILUSTRAÇÕES

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