histórias contadas sobre camacã: filha pródiga de canavieiras
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FACULDADE OLGA METTING<br />
CENTRO DE ESTUDOS DE PÓS-GRADUAÇÃO OLGA METTING<br />
MARIA JOAQUINA MOURA PINTO<br />
HISTÓRIAS CONTADAS SOBRE<br />
CAMACÃ: FILHA PRÓDIGA DE<br />
CANAVIEIRAS<br />
SALVADOR<br />
2004
MARIA JOAQUINA MOURA PINTO<br />
HISTÓRIAS CONTADAS SOBRE<br />
CAMACÃ: FILHA PRÓDIGA DE<br />
CANAVIEIRAS<br />
Monografia apresentada ao Centro <strong>de</strong><br />
estudos <strong>de</strong> Pós-Graduação da Faculda<strong>de</strong><br />
Olga Metting, como requisito parcial à<br />
obtenção do <strong>de</strong> grau <strong>de</strong> Qualificação<br />
Docente para o Magistério Superior em<br />
Turismo.<br />
Orientadora: Profª. Vera Fartes<br />
SALVADOR<br />
2004
Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Damares <strong>de</strong> Oliveira.<br />
P72 PINTO, Maria Joaquina Moura.<br />
Histórias <strong>contadas</strong> <strong>sobre</strong> Camacã [manuscrito]: <strong>filha</strong> <strong>pródiga</strong> <strong>de</strong><br />
Canavieiras / por Maria Joaquina Moura Pinto – 2004.<br />
162 f. : il.<br />
Monografia (especialização) – Faculda<strong>de</strong> Olga Metting, Centro<br />
De Estudos De Pós-Graduação Olga Metting, 2004.<br />
Orientação: Profª.:Vera Fartes.<br />
1. Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Camaçã – Bahia - História. 2. Cacau - Bahia – I.<br />
Título.<br />
CDU – 911
MARIA JOAQUINA MOURA PINTO<br />
HISTÓRIAS CONTADAS SOBRE CAMACÃ: FILHA<br />
PRÓDIGA DE CANAVIEIRAS<br />
Esta Monografia foi julgada e aprovada para obtenção do<br />
<strong>de</strong> grau <strong>de</strong> Qualificação Docente para o Magistério Superior em<br />
Turismo.<br />
Salvador, Bahia, _____/_________ <strong>de</strong> 2004.<br />
BANCA EXAMINADORA<br />
_____________________________________<br />
Profª. Vera Fartes (Faculda<strong>de</strong> Olga Metting)<br />
Orientadora<br />
_____________________________________<br />
Prof.: (Instituição)<br />
_____________________________________<br />
Prof.: (Instituição)
A minha mãe aquela que me ensinou<br />
a enfrentar o mundo;<br />
A meu pai e minha avó raízes da minha inquietação<br />
pela busca do saber; e,<br />
Aos meus filhos e netos razão dos meus <strong>de</strong>safios.
AGRADECIMENTOS<br />
Agra<strong>de</strong>ço a Professora Vera Fartes<br />
que me introduziu com “Liberda<strong>de</strong>”<br />
nos primeiros passos<br />
pelo mundo dos registros.
Folha para escrever aqui sua epígrafe.
RESUMO<br />
Reconstruindo a história <strong>de</strong> minha vida, solicitação requerida pela profissão<br />
abraçada (terapeuta <strong>de</strong> família), <strong>de</strong>frontei-me com as minhas origens e a<br />
história <strong>de</strong> Camacã. A inexistência <strong>de</strong> qualquer registro histórico quanto<br />
aos primeiros movimentos exploratórios à região, fez-nos sentir na<br />
obrigação <strong>de</strong> aprofundarmos essas informações, junto aqueles que<br />
conviveram com as figuras responsáveis pela idéia, pelo <strong>de</strong>sbravamento<br />
<strong>de</strong>stas matas e que também, viveram o processo <strong>de</strong> colonização <strong>de</strong>sta área:<br />
os pioneiros <strong>de</strong>sta terra, hoje chamada Camacã. Da origem <strong>de</strong> cacau no<br />
mundo, do consumo <strong>de</strong> chocolate e da sua expansão, chegamos a<br />
Canavieiras, berço da cacauricultura baiana e sua emancipação como<br />
formação do primeiro núcleo social <strong>de</strong> Camacã até a sua emancipação<br />
como cida<strong>de</strong>. Através <strong>de</strong> entrevistas abertas retratadas com fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong><br />
originária, percorremos a história <strong>de</strong>sta região que alcançou, no período <strong>de</strong><br />
apogeu da cacauricultura baiana, a condição <strong>de</strong> município mais rico, pelo<br />
volume <strong>de</strong> produção e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cacau. O registro originário <strong>de</strong>ssas<br />
entrevistas expressa a preocupação em fornecer primeiros passos da<br />
história às próximas gerações para questionamentos, aprofundamento,<br />
compreensão ou interpretação <strong>de</strong> fatos sociais, históricos, econômicos e<br />
políticos <strong>de</strong> uma região, que com a cultura <strong>de</strong> uma época, <strong>de</strong>ixou marcado<br />
um certo modo <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sta Região.<br />
Palavras-Chave: Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Camaçã – Bahia – História; Cacau – Bahia.
ABSTRACT<br />
Reconstructing the history of my life, request required for the hugged<br />
profession (therapeutic of family), I confrotted with my origins and the<br />
history of Camacã. The inexistence of any historical register how much to<br />
the first exploratórios movements to the region, it ma<strong>de</strong> to feel us in the<br />
obligation to <strong>de</strong>epen these information, together those that had coexisted<br />
the responsible figures for the i<strong>de</strong>a, for the <strong>de</strong>sbravamento of these bushes<br />
and that also, had lived the process of settling of this area: the pioneers of<br />
this land, today called Camacã. Of the origin of cacao in the world, of the<br />
consumption of chocolate and its expansion, we arrive the Canavieiras,<br />
cradle of the bahian cacauricultura and its emancipation as formation of the<br />
first social nucleus of Camacã until its emancipation as city. Through<br />
portraied open interviews with originary allegiance, we cover the history of<br />
this region that reached, in the period of apogee of the bahian<br />
cacauricultura, the condition of richer city, for the volume of production<br />
and quality of cacao. The originary register of these interviews express the<br />
concern in supplying first steps of history to the next generations<br />
questionings, <strong>de</strong>epening, un<strong>de</strong>rstanding or interpretation of social,<br />
historical, economic facts and politicians of a region, that with the culture<br />
of a time, left marked a certain way of being of this Region.<br />
Keywords: City of Camaçã - Bahia - History; Cacao - Bahia.
SUMÁRIO<br />
1 INTRODUÇÃO .......................................................................... 11<br />
2 UMA CULTURA ENVOLTA DE LENDAS E MITOS ................ 19<br />
3 A ONDE MEU TIO QUERIA CHEGAR<br />
.....................................<br />
4 FAZENDA LAGOS: SIMBOLO DA LUTA PELA<br />
INDEPENDÊNCIA DA BAHIA ......................................................<br />
5 OS PRIMOS: JOÃO ELIAS E MÃE CALÚ ............................. 44<br />
6 A FESTA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO<br />
...................<br />
6.1 LEMBRANÇAS DO PASSADO: RELÍQUIAS DE UM TEMPO . 56<br />
7 “MISSÃO CUMPRIDA” ............................................................ 59<br />
8 UM SONHO, UMA LUTA, UMA CONQUISTA ......................... 66<br />
9 “CACAURICULTORES DE PÉS DESCALSOS” .................... 96<br />
10 CONCLUSÃO ........................................................................... 115<br />
REFERÊNCIAS ........................................................................ 118<br />
ANEXOS: DOCUMENTAÇÕES E ILUSTRAÇÕES<br />
...................<br />
f.<br />
26<br />
39<br />
51<br />
119
1 INTRODUÇÃO<br />
Ao lermos qualquer historia construímos um cenário próprio<br />
certamente diferente <strong>de</strong> quem nos conta, uma idéia própria. Com isso,<br />
sempre nossa subjetivida<strong>de</strong> interfere comprometendo algumas vezes,<br />
aquilo que nos foi transmitido, mas é com essa preocupação <strong>de</strong> espírito,<br />
que aqui tentarei ser a mais fiel possível às informações a mim passadas. E,<br />
antes <strong>de</strong> começar a contar a história do nascimento da região <strong>de</strong> Camacã,<br />
minha terra “com gosto <strong>de</strong> chocolate”, não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> contar outra<br />
história <strong>de</strong> como nasceu essa vonta<strong>de</strong>.<br />
Des<strong>de</strong> criança, muito curiosa, como diziam os mais velhos, me<br />
interessava profundamente, pelo relato dos mesmos quando relembravam<br />
os anos idos das suas existências. Assim, já acumulava muito cedo, cenas<br />
construídas na minha mente da história da família <strong>de</strong> origem <strong>de</strong> minha mãe,<br />
oriunda da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Canavieiras.<br />
Professora primária inicialmente, carreira que mais aten<strong>de</strong>u ao<br />
<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> minha mãe, não tar<strong>de</strong>i pular para outras ativida<strong>de</strong>s profissionais<br />
com as quais, mais me i<strong>de</strong>ntificava.<br />
Pertencendo a uma geração ainda <strong>de</strong> fortes repressões à mulher,<br />
carrego lembranças marcadas, por exclusões, que talvez nem consciência<br />
ainda naquela época tivesse, mas que fizeram toda a diferença nos meus
projetos, alguns já até mesmo esquecidos ou superados na trajetória da<br />
vida.<br />
Descen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> família <strong>de</strong> origem rural, sem tradições familiares<br />
ligadas a cultura acadêmica, vi-me na Universida<strong>de</strong> fazendo o curso <strong>de</strong><br />
Serviço Social sem maior consciência do meu ato. Mais uma vez escolhia<br />
outra profissão eminentemente feminina, talvez inconscientemente<br />
aten<strong>de</strong>ndo novamente minha mãe, preocupada com separações conjugais<br />
futuras, em que argumentava que o “magistério público”, por certo,<br />
protegeria o casamento, contra o consolo <strong>de</strong> qualquer colega <strong>de</strong> trabalho do<br />
sexo oposto.<br />
De estudante <strong>de</strong> Serviço Social, lí<strong>de</strong>r estudantil <strong>de</strong> esquerda a<br />
vida profissional, o caminho foi rápido entrecortado pelo golpe militar <strong>de</strong><br />
Estado <strong>de</strong> 1964, quando boa parte daquela gente abandonou os i<strong>de</strong>ais<br />
socialistas ou os reprimiu.<br />
Casamento, filhos, reflexões, inquietações e eis que recebo um<br />
convite para participar <strong>de</strong> um grupo interessado no estudo da Psicanálise.<br />
Começando por nossa análise, não tardamos a iniciar a formação<br />
psicanalítica com renomados professores argentinos que nos vinham<br />
mensalmente ministrar os seminários.<br />
Já daí, começávamos as nossas inquietações, quanto a nossa<br />
história <strong>de</strong> origem. Agora frente a conhecimentos extremamente<br />
revolucionários da Psicanálise, talvez como <strong>de</strong>fesa frente às frustrações e a
ealida<strong>de</strong> política ainda repressora, mudava o foco quanto aos<br />
questionamentos dos sofrimentos humanos, provindos da cultura, da vida<br />
cotidiana.<br />
Interessada sempre pela <strong>de</strong>nuncia quanto aos movimentos <strong>de</strong><br />
opressão quer pela família ou pela cultura, ou pela socieda<strong>de</strong>, que afligem o<br />
homem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância, adolescência até a fase adulta, exercida através<br />
das i<strong>de</strong>ologias políticas, econômicas ou sociais <strong>de</strong> uma época, consegui<br />
redirecionar as minhas angustias em busca <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a lidar com essa<br />
nova forma <strong>de</strong> intervir, <strong>de</strong> contribuir para estimular a capacida<strong>de</strong> auto<br />
reflexiva do ser humano.<br />
Agora <strong>de</strong> uma forma menos agressiva, mas <strong>de</strong> resultados<br />
extremamente profundos, responsáveis e conscientes, junto à daqueles que<br />
compartilhavam e se i<strong>de</strong>ntificavam com essas idéias, partia em direção a<br />
uma nova aventura.<br />
Mais uma vez mergulhava numa utopia, que me fazia dar um<br />
significado mais digno a minha existência.<br />
Sempre direcionada ao estudo da família, essa intrigante<br />
instituição, que vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a representação <strong>de</strong> um santuário a fabrica <strong>de</strong><br />
loucos, não tar<strong>de</strong>i a me interessar pela Terapia <strong>de</strong> Família e Casal<br />
estruturada a partir <strong>de</strong> 1950 nos EEUU e Europa.<br />
A pobreza em publicações no Brasil, nesta área, fez-me recorrer<br />
às obras importadas da Argentina, celeiro na época, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s
contribuições culturais. Aos poucos fui construindo um saber, com ajuda<br />
valiosa <strong>de</strong> Marta Berlin, psicanalista e terapeuta <strong>de</strong> família argentina, que<br />
me introduziu a um novo conceito <strong>de</strong> mulher e a conseqüente<br />
resignificação <strong>de</strong> família. Mergulhava agora no inquietante <strong>de</strong>safio <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>cifrar: o que sou? Quem eu sou? (a família).<br />
Alguns anos se passaram quando num curso em Massachuset<br />
vivenciando um trabalho <strong>sobre</strong> a TOF (Terapia <strong>de</strong> Família <strong>de</strong> Origem)<br />
comecei a dar maior forma a essa construção. Era o ano <strong>de</strong> 1997, quando<br />
nos foi pedido que <strong>de</strong>ixasse vir à mente algo que representasse a nossa<br />
família <strong>de</strong> origem. A idéia logo se transformou numa imagem <strong>de</strong> uma vaca<br />
holan<strong>de</strong>sa <strong>de</strong> tetas esvaídas... E foi ai que a história começou... Talvez um<br />
presságio <strong>de</strong> uma crise por vir.<br />
De posse já <strong>de</strong> algumas narrativas, abriram-se outras curiosida<strong>de</strong>s<br />
que retornando ao Brasil, às pressas, recorri a minha mãe que um dia me<br />
disse: “<strong>de</strong>ixe os mortos em paz” para não dizer não me faça lembrar do que<br />
é difícil para mim... Ou “você esta querendo saber <strong>de</strong>mais...”.<br />
O tempo passava e a construção seguia. Conversas na mesa, nas<br />
tar<strong>de</strong>s <strong>de</strong> domingo, a parada na casa <strong>de</strong> minha mãe para o cafezinho com<br />
leite após a volta do trabalho, tudo isso me fazia retornar ao tempo no meu<br />
imaginário. Era fantástico acompanhar as historias, os casos que nas<br />
páginas seguintes iremos relatar com a <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za, com a inocência <strong>de</strong> uma<br />
época que jamais retornará.
À medida que avançávamos <strong>sobre</strong> o passado mais fascinantes<br />
eram as cenas e personagens <strong>de</strong>scritas. Inigualáveis relatos foram me<br />
levando a um lugar comum: a origem, o nascimento <strong>de</strong> uma região, a<br />
esperança <strong>de</strong> um povo, a busca <strong>de</strong> um novo, o sempre recomeçar da própria<br />
natureza humana, e eis que <strong>de</strong> uma forma simples, ru<strong>de</strong>, aventureira, esse<br />
antepassados fundam um lugar hoje Camacã.<br />
Durante 10 anos saí coletando todos os tipos <strong>de</strong> informações que<br />
podiam me chegar às mãos, através <strong>de</strong> <strong>histórias</strong> orais gravadas, filmadas,<br />
<strong>de</strong> fotografias, <strong>de</strong> publicações em jornais e correspondências da época, hoje<br />
um banco <strong>de</strong> dados que me impõem a obrigação <strong>de</strong> registrá-los, como um<br />
acervo, que não mais me pertence e sim, às futuras gerações,<br />
particularmente à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Camacã.<br />
Sem pretensões <strong>de</strong> publicar um inusitado trabalho, <strong>de</strong>sejamos<br />
apenas <strong>de</strong>ixar registrada aqui uma história que passou por nossas<br />
mãos e que servirão no futuro <strong>de</strong> subsídios para a compreensão <strong>de</strong><br />
fatos sociais, históricos, econômicos e políticos <strong>de</strong> uma região que com<br />
a cultura <strong>de</strong> sua época <strong>de</strong>ixou marcado um certo modo <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sta<br />
Região.<br />
Quero aqui ressaltar a gran<strong>de</strong> contribuição dada a esse trabalho a<br />
pessoa <strong>de</strong> um tio meu Boaventura Ribeiro <strong>de</strong> Moura (vê anexo, fig. 1), sem<br />
o qual, essa pesquisa não seria possível. Dele tirei as maiores contribuições<br />
<strong>de</strong>ste trabalho através dos seus relatos, estímulos, e muita força.
No transcurso <strong>de</strong>sse escrito usarei as suas próprias palavras e dos<br />
<strong>de</strong>mais colaboradores, como uma forma <strong>de</strong> manter intacto o conteúdo do<br />
mesmo e a conseqüente preservação do original, tentando com isso manter<br />
melhor fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> para as interpretações futuras.<br />
Lembro-me da sua figura, um lí<strong>de</strong>r natural carismático que já não<br />
se “fabrica” mais, não mais se encontra, nesta “mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> liquida”<br />
segundo o sociólogo Bauman.<br />
Temperamento explosivo, on<strong>de</strong> escondia uma profunda<br />
sensibilida<strong>de</strong>, um bom pai, íntegro, inteligente, <strong>de</strong> memória invejável,<br />
sempre otimista, poucas vezes o vi “surumbático” nem mesmo no meio das<br />
“vassouras <strong>de</strong> bruxa”. Lembro-me também, talvez para consolo, várias<br />
vezes ele brincando com sua esposa Licia dizendo: “mulher... mulher...<br />
quando eu morrer, quero morrer em pé e ela dizia: ih! Que <strong>de</strong>funto feio. E<br />
isso terminava sempre com muita risada”.<br />
Mas acredito que foi realmente assim que ele morreu, lutando.<br />
Já com uma saú<strong>de</strong> frágil, priorizava sempre os compromissos<br />
assumidos. Em Brasília <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo os interesse da região sentiu-se mal,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> interpelado pelo então Ministro da Agricultura quando lhe<br />
perguntou se ainda acreditava na lavoura do cacau. Isso o <strong>de</strong>ixou<br />
extremamente furioso e conseqüentemente <strong>de</strong>sapontado. Voltando <strong>de</strong><br />
Brasília seu estado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> agravou-se vindo a falecer meses <strong>de</strong>pois no dia<br />
20 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2000, <strong>de</strong>ixando um vazio na Região, e muitas sauda<strong>de</strong>s.
Quero também <strong>de</strong>stacar aqui, a gran<strong>de</strong> contribuição que muitas<br />
outras pessoas me <strong>de</strong>ram, principalmente quando não mais tinha a presença<br />
viva <strong>de</strong> meu tio Boaventura, como as <strong>de</strong> tia Lour<strong>de</strong>s, 90 anos, que mesmo<br />
convalescente, com muito entusiasmo completou as informações por mim<br />
solicitadas. A minha mãe, Rosalina, 89 anos que com meu sobrinho Marcos<br />
<strong>de</strong>talharam outras, embora com certa resistência <strong>de</strong>sta, em fornecer dados<br />
que consi<strong>de</strong>rava ina<strong>de</strong>quado o registro dos mesmos.<br />
A meu tio Luís Moura, 69 anos, quase meu irmão, filho caçula <strong>de</strong><br />
minha avó, Nanhinha, que me acresceu muito, quanto à história <strong>de</strong> meu avô<br />
Joviano Moura.<br />
A Zé Campos, que me surpreen<strong>de</strong>u com o seu nível <strong>de</strong><br />
informação, quanto a <strong>de</strong>terminados aspectos, registrados neste trabalho. A<br />
tia Carmelita, que vibrava ao ver as lembranças da sua infância resgatadas.<br />
A Pastora, com sua peculiar irreverência e suas <strong>de</strong>núncias quanto a<br />
violações aos “bons costumes”.<br />
A Maria Rita, 88 anos, última companheira <strong>de</strong> João Vargens, e<br />
por fim, mais recentemente, Sr. Rosalvo Bião, 82 anos, antigo trabalhador<br />
rural dos Ribeiros e <strong>de</strong> Joviano Moura, posteriormente, fazen<strong>de</strong>iro .<br />
Quero ainda registrar aqui, o meu <strong>de</strong>sapontamento <strong>de</strong> não ter<br />
conseguido entrevistar, um número maior <strong>de</strong> trabalhadores daquela época,<br />
e que com isso, pu<strong>de</strong>ssem retratar, <strong>de</strong>ntro da sua ótica, a história <strong>de</strong><br />
Camacã. Várias tentativas foram feitas, e pouco até agora consegui,
entretanto não fechei essa possibilida<strong>de</strong>, uma vez que ainda continuo a<br />
busca <strong>de</strong>ste encontro.<br />
Aproveito, entretanto, a oportunida<strong>de</strong> para citar alguns nomes<br />
dos trabalhadores <strong>de</strong> meu avô e homenageá-los em nome <strong>de</strong> todos aqueles,<br />
que com seus braços fortes, ajudaram a erguer esta Região.<br />
Foram eles: Domingos do Nascimento, Domingão (vê anexo, fig.<br />
2) como chamávamos, negro alto, esguio, homem bom, fiel escu<strong>de</strong>iro <strong>de</strong><br />
meu avô que o acompanhou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> criança, pai da professora Edna<br />
Nascimento, Martinho Apolinário, Antonio Bispo, Zé Tomas, Juca,<br />
Afrodísio, João Bimba e tantos outros. Trabalhadores que com suor da sua<br />
faina, chegaram muitos <strong>de</strong>les até condição <strong>de</strong> fazen<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> cacau.<br />
Homenagem especial a Mestre Augusto (vê anexo, fig. 3), o “tropeiro” da<br />
Fazenda Santa Maria, que quando lá chegávamos, no fim do<br />
ano, nos conduzia nos burros e nos contava os “causos” da<br />
caipora. Comadre Ângela, sua esposa, circunspecta, senhora<br />
convicta do po<strong>de</strong>r das suas orações, curan<strong>de</strong>ira dos “maus<br />
olhados”, era a reza<strong>de</strong>ira da fazenda on<strong>de</strong> sempre nos<br />
entregamos para nos tirar os maus espíritos. Figuras lendárias<br />
da nossa região. Doces recordações!
2 UMA CULTURA ENVOLTA EM LENDAS E MITOS<br />
Des<strong>de</strong> estudante e como uma boa “virginiana” sempre tinha<br />
dificulda<strong>de</strong> em memorizar assuntos <strong>de</strong> história ou geografia cujo<br />
aprendizado passasse apenas pelo “<strong>de</strong>coreba” (leia-se <strong>de</strong>corar) sem<br />
nenhuma vinculação com a realida<strong>de</strong>, sem nenhuma imagem real, que<br />
pu<strong>de</strong>sse dar significado ao dito ou ao fato.<br />
Lembro-me, certa vez, nos idos anos <strong>de</strong> 1953, estudante do<br />
curso <strong>de</strong> ginásio do Instituto Feminino da Bahia, aspirando mais<br />
conhecimento além daqueles contidos no único livro <strong>de</strong> história indicado<br />
pela professora, resolvi por conta própria buscar informações em outras<br />
fontes <strong>sobre</strong> o assunto em questão.<br />
O fracasso foi total, viajei tanto, tanto que na prova tirei nota<br />
três. A professora surpresa com o meu <strong>de</strong>sempenho, pois era boa aluna<br />
em história, resolveu me dar uma outra chance quando aí, abandonando a<br />
referida “pesquisa”, voltei-me para o velho livro que continha as<br />
perguntas das provas e tudo voltou ao normal.<br />
Talvez por esses “traumas” persiga hoje a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
contextualizar qualquer informação por mim repassada. E é <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste<br />
espírito que trago um pouco da história do cacau no mundo antes <strong>de</strong>
começar a contar <strong>sobre</strong> a origem da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Camacã - Canavieiras,<br />
cuja história se confun<strong>de</strong> com a história do cacau na Bahia.<br />
Hoje, falar das coisas que se passaram no mundo não é mais<br />
“bicho <strong>de</strong> sete cabeças”. Com a tecnologia oferecendo a instantaneida<strong>de</strong><br />
dos fatos “ao vivo” e “a cores” agregamos informações investigadas que<br />
facilitam a compreensão do conhecimento que se busca.<br />
A humanida<strong>de</strong>, com isso, nunca fora tão rápida na sua<br />
evolução como tem sido nestes últimos séculos. Entretanto, longo, foi o<br />
período em que o homem no seu percurso pela humanida<strong>de</strong>, passou da<br />
condição <strong>de</strong> tribo nôma<strong>de</strong> a um povo se<strong>de</strong>ntário e dai para a sua fixação<br />
ao solo. De uma estrutura inicialmente caçadora-pastoral, transformou-se<br />
gradativamente numa socieda<strong>de</strong> agrária. Portanto, não faz sentido<br />
imaginar, a existência naquela época, <strong>de</strong> longos períodos para colha.<br />
Decorreram-se assim, milênios <strong>de</strong> anos do período que vai da<br />
catagem <strong>de</strong> frutos silvestres até o início do período para que o homem<br />
começasse a fase do plantio <strong>de</strong> sementes, <strong>de</strong> ciclos curtos em princípio,<br />
até que chegasse ao cultivo <strong>de</strong> árvores e arbustos <strong>de</strong> ciclos maiores.<br />
Com a introdução <strong>de</strong> um cultivo <strong>de</strong> ciclos perenes na<br />
agricultura inaugurou-se um novo ciclo da humanida<strong>de</strong> e a árvore do<br />
cacau foi provavelmente uma das primeiras a ser cultivadas pelos<br />
Olmecs no Golfo do México (1200 a c. – 300 a c.) atravessando<br />
posteriormente o vasto território Maia.
Numa perfeita interação entre a natureza e a cultura estrutura-<br />
se um novo período da humanida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> a agricultura e o homem<br />
evoluíam influenciando-se mutuamente.<br />
Atravessando civilizações dos Olmcs, dos Toltecs, (900 – 900)<br />
seguindo dos Astecas, os quais viveram na antiga região Maia, a árvore<br />
do cacaueiro continuou a ser cultivada pelo homem. A árvore era<br />
consi<strong>de</strong>rada por esses povos como uma dádiva dos <strong>de</strong>uses, plantadas por<br />
eles, enquanto a semente germinada no seio da <strong>de</strong>usa Terra era<br />
conduzida e cultivada pela mão do homem.<br />
É neste período da humanida<strong>de</strong> que aprece pela primeira vez a<br />
<strong>de</strong>usa do cacau que vem se juntar aos grupos dos <strong>de</strong>uses agrários.<br />
Po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>duzir que a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong>sta árvore vem complementar a<br />
série <strong>de</strong> plantas <strong>sobre</strong> as quais se baseia a economia maia.<br />
A crença dos povos primitivos conduzia a que toda a natureza<br />
tornava-se susceptível <strong>de</strong> revelar-se como sagrado e o sagrado significa<br />
transmutação da realida<strong>de</strong> para uma realida<strong>de</strong> <strong>sobre</strong>natural, significa ser,<br />
po<strong>de</strong>r, perenida<strong>de</strong> e eficácia.<br />
E o cacau expandia-se levando consigo toda essa história. Mas,<br />
é na civilização dos Astecas (vê anexo, fig. 4) que vamos então<br />
encontrar, <strong>de</strong> uma forma mais reveladora o cacaueiro, chamado<br />
“cacahault”, tido como sagrado, <strong>de</strong> origem divina, planta nobre, <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong> beleza <strong>de</strong>corativa, cujo cultivo se acompanhava <strong>de</strong> solenes
liturgias. Esse significado religioso provavelmente influenciou o<br />
botânico sueco Carolus Linneu (1707 – 1778), que <strong>de</strong>nominou a planta<br />
<strong>de</strong> Theobroma cacao, chamando-a assim, <strong>de</strong> “manjar dos <strong>de</strong>uses”.<br />
Nesta socieda<strong>de</strong>, as sementes <strong>de</strong> cacau eram tão valiosas que o<br />
povo usava como moedas. O imperador Montezuma (vê anexo, fig. 5)<br />
costumava receber 200 xiquipil (1,6 milhões <strong>de</strong> sementes) como tributo<br />
da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Tabasco correspon<strong>de</strong> hoje a trinta sacas <strong>de</strong> 60 quilos.<br />
Conclui-se, portanto, que os Astecas no México, os Maias na<br />
América Central, e outros povos da Bacia Amazônica cultivavam o<br />
cacau bem antes da chegada dos colonizadores espanhóis quando o<br />
chocolate já era apreciado por estes quando já preparavam infusão das<br />
amêndoas <strong>de</strong> cacau.<br />
O imperador Asteca Momtezuma (1440 – 1469) tinha fama <strong>de</strong><br />
beber 50 frascos <strong>de</strong> chocolate ao dia, e como tal bebida representava uma<br />
gran<strong>de</strong> fonte <strong>de</strong> vitalida<strong>de</strong>, o Imperador sempre ingeria um cálice antes<br />
<strong>de</strong> visitar seu harém.<br />
A história relata que no século XVI o imperador Montezuma apreciador<br />
contumaz do chocolate, convidou Hernan Cortés (vê anexo, fig.<br />
6), conquistador espanhol, a experimentá-la <strong>de</strong>pois da conquista<br />
<strong>de</strong> Tenochititlán, em 1519. Embora Cortés não tenha se<br />
mostrado interessado, mas observou, entretanto o alto valor<br />
nutritivo das amêndoas que sustentavam os guerreiros, dias após<br />
dia, em suas longas marchas. Posteriormente entusiasmado pelo<br />
rápido e gran<strong>de</strong> valor econômico dos frutos do cacau, presenteou<br />
o rei Chales V com brown gold (ouro marrom) em 1580.<br />
A história também relata que o cacaueiro originário da cabeceira<br />
da Bacia Amazônica se dispersou em duas direções (vê anexo, fig. 7): para
o leste, ao longo do rio Amazonas, dando origem ao tipo <strong>de</strong>nominado<br />
“Forasteiro” ou “Amelonado”, sendo, portanto este consi<strong>de</strong>rado o<br />
verda<strong>de</strong>iro cacau brasileiro com superfície lisa, sementes violeta escuro ou,<br />
algumas vezes, quase preto.<br />
Para o norte e oeste, cruzando os An<strong>de</strong>s, e avançando para o rio<br />
Orinoco penetrando pela América Central até o sul do México, originou-se<br />
o tipo “Criollo”, <strong>de</strong> frutos e sementes gran<strong>de</strong>s, com o interior branco ou<br />
violeta pálido.<br />
Do Pará, planta nativa da região, o cacaueiro foi introduzido na<br />
Bahia em 1746, com sementes trazidas pelo colono francês Fre<strong>de</strong>rico<br />
Warneou e, plantadas por Antônio Dias Ribeiro na Fazenda Cubículo (vê<br />
anexo, fig. 8), à margem direita do rio Pardo, no atual município <strong>de</strong><br />
Canavieiras, como planta ornamental.<br />
Continuando a sua expansão, o cacaueiro do Brasil foi<br />
introduzido na Ilha <strong>de</strong> Príncipe em 1822 pelo Coronel português Ferreira<br />
Gomes e na Ilha <strong>de</strong> São Tomé pelo Barão <strong>de</strong> Água. Em 1879 os<br />
espanhóis o levaram para Fernando Pó, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> foi introduzido em<br />
Ghana, então Costa do Ouro, por intermédio <strong>de</strong> um ferreiro <strong>de</strong> nome<br />
Tetteh Quarshie, natural daquela ex-colonia inglesa e <strong>de</strong> Ghana foi para<br />
diversos países do Golfo da Guiné, como Nigéria, Costa do Marfim,<br />
Camarões e outros da África, chegando aos países asiáticos.
Mas, foram realmente os espanhóis àqueles que incluíram no<br />
preparo do chocolate além do açúcar, o leite, e introduziram e o<br />
transformaram em bebida favorita da aristocracia em toda a Europa,<br />
cabendo, entretanto, aos padres missionários da América Espanhola, que<br />
viajando com os conquistadores, a gran<strong>de</strong> colaboração na melhoria dos<br />
processos do chocolate e difusão do seu uso entre o povo, permitindo<br />
que fosse servido nas igrejas.<br />
Cita-se que as damas mais ricas costumavam assistir as missas<br />
acompanhadas <strong>de</strong> escravos que lhes serviam chocolate em taça <strong>de</strong> ouro<br />
ricamente gravada. Dizia-se que Louis XII trouxe para a França em<br />
1615, por ocasião do seu casamento, o chocolate para “adoçar” a infanta<br />
espanhola Anne da Áustria. E foi graças a certos casamentos e ao<br />
comércio, que o chocolate correu pela Europa.<br />
Entretanto, nem sempre o chocolate foi consi<strong>de</strong>rado um<br />
“alimento sagrado”. Em 1624 Francisco Pauch afirmava que o chocolate<br />
era uma bebida estimulante e <strong>de</strong>via ser proibida nos mosteiros pelas<br />
supostas proprieda<strong>de</strong>s.<br />
Mas, a partir do Séc. XVIII o chocolate já passava ser feito pelos monges e<br />
freiras e com a permissão <strong>de</strong> Car<strong>de</strong>al Brancato o chocolate<br />
líquido passou a ser ingerido, não comprometendo o jejum e<br />
conquistando toda a Europa. Todavia ainda, se constituía artigo<br />
<strong>de</strong> luxo custando um quilo “60 sous”, o equivalente a quatro dias<br />
<strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> um camponês.<br />
O chocolate tinha um lugar especial na corte francesa (vê anexo,<br />
fig. 9) citações abaixo dão conta disso, confirmam essa afirmação: Mazain
nunca foi a lugar nenhum sem seu “fazedor <strong>de</strong> chocolate”. Quando Maria<br />
Teresa da Áustria casou-se com Luís XIV <strong>de</strong>clarou que ela tinha duas<br />
paixões: o chocolate e o Rei, levando consigo uma criada muito hábil no<br />
preparo do chocolate. Conta-se que o Car<strong>de</strong>al Richelieu bebia chocolate<br />
“para acalmar seu mau humor e difícil temperamento. Madame <strong>de</strong> Sevigne<br />
disse a sua <strong>filha</strong> que não havia nada igual a: “truffes, une potage <strong>de</strong> céleri”<br />
e um chocolate. Casanova colocava o chocolate no topo da lista dos seus<br />
estimulantes favoritos.<br />
Em 1702, Louis Lemery escreveu que “o chocolate tinha<br />
proprieda<strong>de</strong>s que estimulava o ardor <strong>de</strong> Vênus”. Talvez supostas pesquisas<br />
tenham produzido evidências <strong>de</strong> ingredientes no chocolate como<br />
estimulantes sexuais.
3 A ONDE MEU TIO QUERIA CHEGAR<br />
Muitas foram às vezes que sentados na varanda da sua casa na<br />
Fazenda ou no gabinete <strong>de</strong> sua residência em Salvador, ouvia atentamente<br />
as <strong>histórias</strong> que meu tio Boaventura contava <strong>sobre</strong> a Família Ribeiro, <strong>sobre</strong><br />
Camacã e Canavieiras. A cerca <strong>de</strong>sta última, ele sempre iniciava fazendo<br />
questão <strong>de</strong> comentar <strong>sobre</strong> a passagem do Arquiduque da Áustria<br />
Maximiliano, por Canavieiras em 1815, registrando as suas impressões por<br />
essas terras. (COSTA, 1963, p. 17-18).<br />
Em 1860:<br />
O Arquiduque visitou ainda nos arredores da Bahia, o engenho<br />
<strong>de</strong> açúcar do Barão <strong>de</strong> Geremoabo, no Recôncavo da Bahia e<br />
perto <strong>de</strong> Ilhéus, a fazenda <strong>de</strong> café e <strong>de</strong> cacau do Barão<br />
Ferdinando Steiger, <strong>de</strong> Munsingen (Suíça), filho <strong>de</strong> uma família<br />
patrícia <strong>de</strong> Berna que possuía também proprieda<strong>de</strong>s na Áustria.<br />
De Ilhéus seguiu viagem ao Rio e dali retornou a Europa<br />
Maximiliano da Áustria, futuro Imperador do México,<br />
posteriormente foi morto, fuzilado entre o período <strong>de</strong> 1865/67.<br />
(WILDBERGER, 1971, p. 29, 64, 65, grifo meu).<br />
Era curioso como meu tio se referia ao “Príncipe”, como assim ele o chamava,<br />
on<strong>de</strong> o visitante mencionava ter visto pés <strong>de</strong> cacau nos quintais,<br />
além <strong>de</strong> observações quanto aos indígenas, quanto à fauna, etc.<br />
Eu ouvia, mas não entendia a inquietação que isso lhe provocava<br />
e on<strong>de</strong> ele queria chegar até que um certo dia, eu lhe comuniquei<br />
que iria conseguir algumas teses da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da<br />
Bahia, <strong>sobre</strong> o cacau. E foi o que fiz. Passei às suas mãos as<br />
teses <strong>de</strong> Angelina Garcez e <strong>de</strong> Antônio Guerreiro, bem como<br />
outros materiais que me chegaram às mãos, após uma laboriosa<br />
garimpagem.<br />
Fizemos algumas visitas em busca <strong>de</strong> mais subsídios como, uma <strong>de</strong>las, a Sra,<br />
Verena Willdberg, a procura <strong>de</strong> um livro editado por seu pai<br />
Arnold Wildberger, mas sem sucesso. Embora a família tivesse
conhecimento do fato, não sabia como conseguir um exemplar.<br />
Mas, a vida tem certas coisas interessantes, neste período<br />
conversando <strong>sobre</strong> o assunto, com um amigo meu, Ernesto<br />
Drehmer o mesmo dissera-me possuir um livro na sua biblioteca<br />
<strong>sobre</strong> esse tema, oferecido ao sogro <strong>de</strong>le por Arnold Wildberger<br />
Noticias Históricas <strong>de</strong> Wildberger & Cia 1829 – 1942. E, para<br />
quem coleciona rarida<strong>de</strong>s, como essa, sabe o que isso significa.<br />
Um achado <strong>de</strong>sse equivale a um orgasmo as tais “sublimações”<br />
que tanto o velho Freud falava.<br />
De posse <strong>de</strong>sse exemplar prontamente entreguei a tio Boaventura e esse logo<br />
se <strong>de</strong>bruçou <strong>sobre</strong> todas essas informações. As conversas<br />
continuaram e eu então convi<strong>de</strong>i para um almoço em minha casa<br />
o mestre Guerreiro e tio Boaventura. A conversa foi longa,<br />
informações trocadas, um bom “papo” um almoço num dia <strong>de</strong><br />
domingo a beira <strong>de</strong> frondosas árvores, on<strong>de</strong> durante muitos anos<br />
residia. Fizemos uma viagem também a Canavieiras, on<strong>de</strong><br />
tivemos uma entrevista com o filho <strong>de</strong> Norete Reis, Fernando<br />
Reis, conhecedor profundo da história <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>, cuja<br />
entrevista também tenho gravada.<br />
Durante anos coletamos através fita casset e<br />
ví<strong>de</strong>os todas essas conversas, que tivemos durante esse<br />
tempo, e que estão registradas neste trabalho.<br />
Procurando sempre ser fiel a suas idéias e a <strong>de</strong><br />
todos que contribuíram para esse acervo, fiz apenas<br />
alguns cortes em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> repetições transmitindo<br />
informações, as mais isentas possíveis <strong>de</strong> interpretações<br />
pessoais, salvo quando <strong>de</strong>claradas.<br />
Em princípio, logo cheguei a conclusão <strong>de</strong> que<br />
para se conhecer melhor a história do cacau na Bahia,<br />
difícil seria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> trazer um pouco também a<br />
história <strong>de</strong> Canavieiras e até chegarmos a Camacã.<br />
Tio Boaventura começava a contar a história <strong>de</strong><br />
Canavieiras pelos nativos, isto é, os índios, e com isso, nos<br />
fornece subsídios para compreen<strong>de</strong>r a origem pacata<br />
<strong>de</strong>sta Região e por extensão Camacã. Sem maiores<br />
aprofundamentos, inicia ele:<br />
Queremos salientar a existência dos<br />
primeiros habitantes da região, ou seja, os<br />
índios que se caracterizavam como tribos<br />
nôma<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vido às condições climáticas e<br />
a <strong>de</strong>nsa umida<strong>de</strong> das regiões da mata.
Apresentavam-se mais pacíficos em<br />
Canavieiras, chegando a serem<br />
brincalhões até em excesso, daí a<br />
compreensão <strong>de</strong> não serem registrados<br />
informações <strong>de</strong> ataques indígenas nesta<br />
região, mais propicia a cultura do cacau,<br />
enquanto que em Ilhéus se apresentavam<br />
[os índios] mais agressivos.<br />
(BOAVENTURA MOURA, 2004) 1<br />
Isso me fez lembrar a antropóloga Margaret<br />
Mead (1979), que estudando <strong>sobre</strong> a população aborígine<br />
<strong>de</strong> Samoa, i<strong>de</strong>ntifica dois comportamentos adversos<br />
naquele povo: um grupo provindo <strong>de</strong> uma cultura on<strong>de</strong> a<br />
agressivida<strong>de</strong> era estimulada pelos mais velhos, gerando<br />
comportamento aguerrido, distinto daquele outro grupo,<br />
que cultuava atitu<strong>de</strong>s mais pacíficas.<br />
Esses fatos nos trazem subsídios para melhor<br />
enten<strong>de</strong>r a inexistência <strong>de</strong> graves conflitos registrados<br />
nesta região, em contrastes com outras, bem lembradas<br />
na literatura <strong>de</strong> Jorge Amado.<br />
As tribos dos Ran-Ran-Ran, Camacans, e<br />
Patachos viviam a maior parte do tempo<br />
nas regiões litorâneas <strong>de</strong>vido (também) a<br />
alimentação fácil, comprovada pelo<br />
registro, até muito tempo, da presença <strong>de</strong><br />
“sambaquis” e “caeras” na beira da praia,<br />
<strong>de</strong>struídas posteriormente, hoje áreas<br />
conhecidas como <strong>de</strong> pecuária.<br />
(BOAVENTURA MOURA, 2004).<br />
Isso ele repetia muito, <strong>de</strong>monstrando o<br />
sentimento <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> tão valioso sítio arqueológico.<br />
As condições iniciais da colônia no século<br />
XVI, como todos sabem, tiveram como a<br />
1 Todas as falas <strong>de</strong> Boaventura Moura contida no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>ste trabalho é expressa <strong>de</strong> informação verbal.
primeira ativida<strong>de</strong> comercial o<br />
extrativismo da ma<strong>de</strong>ira do jacarandá e<br />
do pau-brasil por durante 300 anos. Os<br />
indivíduos viviam da economia <strong>de</strong><br />
subsistência, isto é, pesca, mandioca,<br />
cereais como milho, arroz, cana <strong>de</strong><br />
açúcar, cujo próprio nome, canavieiro,<br />
fornece um indicio <strong>de</strong>sta ativida<strong>de</strong>,<br />
entretanto, o alto índice pluviométrico<br />
comprometia, gerando uma baixa<br />
produção <strong>de</strong>stes produtos.<br />
(BOAVENTURA MOURA, 2004).<br />
Quanto ao nome da cida<strong>de</strong>, conta-se ter sido um<br />
<strong>de</strong>sejo da família dos Vieiras, em ligar o nome<br />
Canavieiras a estes, entretanto não havia receptivida<strong>de</strong><br />
da população em aceitar essa vinculação, dado a má<br />
fama em torno do patriarca da família, cujo caso mais<br />
esdrúxulo Costa (1963 apud EDMUNDO (19-), p. 393-394),<br />
nos conta e eu aqui transcrevo na integra:<br />
O mais curioso e o mais feroz, porém, <strong>de</strong><br />
todos os casos explicados pelo abuso <strong>de</strong><br />
autorida<strong>de</strong> paterna no Brasil <strong>de</strong> outros tempos, é<br />
o que está revelado numa memória arquivada no<br />
Instituto Histórico <strong>de</strong>sta Cida<strong>de</strong>, escrita por<br />
Tristão <strong>de</strong> Araripe.<br />
Note-se que o episódio ao qual nos<br />
referimos ocorreu sete anos <strong>de</strong>pois da<br />
nossa in<strong>de</strong>pendência, isso quando, ao<br />
sôpro da civilização, que começa a entrar<br />
no Brasil, os ditatorias do Páter-famílie<br />
vinham singularmente diminuindo.<br />
Horrível caso. Pedro Vieira era<br />
português das ilhas e tinha um engenho<br />
em Canavieiras. Sobravam-lhes recursos.<br />
E temperamento. Um tanto velho, pai e
filhos já casados, já avó, viviam,<br />
entretanto, entre as suas canas-<strong>de</strong>-açúcar,<br />
como um sátiro feliz, a caçar ninfas<br />
negras. Ora, acontece que um dia, o<br />
veterano e caprino caçador, babando<br />
luxuria e raiva, em meio a sua diversão<br />
mitológica, <strong>de</strong>scobre que justamente a<br />
ninfa preferida dos seus <strong>de</strong>svelos havia<br />
cedido a outro, e logo a quem? Ao seu<br />
filho <strong>de</strong> sua própria carne! Como pai e<br />
Juiz, pensa um pouco no caso e resolve,<br />
tranqüilamente, mandar mata-lo. Quer,<br />
porém, faze-lo com requinte. Para isso<br />
manda chamar outro filho, o mais velho.<br />
Chega este e humil<strong>de</strong>mente indaga do pai<br />
o que <strong>de</strong>seja:<br />
- Tens contigo garrucha?<br />
- Tenho, senhor pai!<br />
- Pois trate <strong>de</strong> aperrá-la melhor, e com ela<br />
mata o infame <strong>de</strong> seu irmão que, <strong>de</strong><br />
matá-lo eu próprio, até me enojo. E já. São<br />
or<strong>de</strong>ns.<br />
Parte o outro. Volta, entretanto<br />
momentos após.<br />
- Mataste-o? Indaga o homem<br />
ignominioso ao filho trêmulo, que chega,<br />
baixa os olhos e fala:<br />
- Ainda não. Senhor pai. É que o mano<br />
manda pedir a vossa mercê perdão, e diz<br />
que compromete a <strong>de</strong>saparecer, fugir,<br />
abandonar o lugar e a província, com ele<br />
levando, apenas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que vossa mercê<br />
assim consinta, a mocinha e a vida.
- Não. Não quero. Não perdôo. Ele terá<br />
que morrer. É a minha vonta<strong>de</strong>, diz o pai.<br />
Volta. Mate-o.<br />
- No dia imediato, Carlos Augusto<br />
Peixoto <strong>de</strong> Alencar, Padre Coadjutor da<br />
pequena Freguesia <strong>de</strong> Canavieiras,<br />
recebeu uma carta do ilhéu. Essa carta,<br />
que consta da memória <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se<br />
extraem estas notas, começa assim:<br />
Reverendíssimo Senhor Padre Coadjutor.<br />
Como Deus foi servido que mandasse<br />
matar meu filho, rogo-lhe o favor <strong>de</strong><br />
chegar até essa sua casa, a fim <strong>de</strong> assistir<br />
o enterro do rapaz...<br />
No seu caixão singelo, um Cristo <strong>de</strong> prata<br />
entre dois círios trêmulos já estava o<br />
corpo do infeliz cercados das lágrimas <strong>de</strong><br />
toda a família, inclusive as <strong>de</strong> sua<br />
própria esposa e mais as duas filhinhas<br />
menores <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos. O quadro é na<br />
verda<strong>de</strong> horrível!<br />
Então, tio Boaventura continua contando a sua<br />
história <strong>sobre</strong> a origem <strong>de</strong> Camacã:<br />
Pertencendo a capitania <strong>de</strong> Ilhéus, a<br />
cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Canavieiras surgiu em 1700 da<br />
colonização <strong>de</strong> brasileiros e portugueses<br />
refugiados <strong>de</strong> Ilhéus em conseqüência dos<br />
constantes ataques dos índios patachos.<br />
Fixaram-se no inicio na região, on<strong>de</strong> foi<br />
fundada em 1718, a freguesia do Puxim<br />
pelo arcebispo <strong>de</strong> Salvador D. Sebastião<br />
da Vi<strong>de</strong>. Posteriormente alguns colonos<br />
esten<strong>de</strong>ram a sua ocupação até a uma<br />
gran<strong>de</strong> ilha na embocadura do rio Pardo,
mais favorável a agricultura pela<br />
fertilida<strong>de</strong>, e passando a se chamar mais<br />
tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> Canavieiras, a Princesa do Sul.<br />
Em 1746 chega a Canavieiras, proce<strong>de</strong>nte<br />
do Pará, as primeiras sementes do cacau,<br />
que acreditamos nós, ter sido mudas, pois<br />
não nos parece, estas, suportassem uma<br />
viajem pelas linhas tórridas do Equador<br />
<strong>de</strong> aproximadamente 30 dias e chegar<br />
com capacida<strong>de</strong> germinativa. Além do<br />
mais, se assim fosse não teria sido um pé.<br />
Tais mudas ou sementes foram trazidas<br />
pelo francês Luís Fre<strong>de</strong>rico Warneux por<br />
solicitação <strong>de</strong> Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cairú,<br />
estadista <strong>de</strong> visão e entusiasta do livre<br />
comércio e introduzidas na fazenda<br />
Cubículo freguesia <strong>de</strong> São Boaventura do<br />
Puxim por Antônio Dias Ribeiro.<br />
(BOAVENTURA MOURA, 2004).<br />
E, assim, continua ele a nos contar:<br />
Em 1798 registra-se operação comercial<br />
<strong>de</strong> exportação <strong>de</strong> cacau em torno <strong>de</strong> 2.160<br />
kg Guerreiro, os registros arquivados<br />
[acima já mencionados] mostram a visita<br />
do Príncipe Maximiliano da Áustria a<br />
região <strong>de</strong> Ilhéus e Canavieiras e alusões<br />
que fez quanto a presença <strong>de</strong> fruteiras <strong>de</strong><br />
cacau em quintais particulares nesta<br />
última. Isso nos leva a concluir que a fase<br />
inicial da exploração do cacau teve a sua<br />
origem nas margens do rio Pardo em<br />
Canavieiras. (BOAVENTURA MOURA,<br />
2004).
Aí meu tio começa a me dar pistas a on<strong>de</strong> ele<br />
queria chegar. Daí, ele segue contando mais história:<br />
A partir <strong>de</strong> 1825 surge o cacau como um<br />
outro significado, isto é, <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong><br />
econômica. Adaptado ao clima da região,<br />
o cacaueiro respon<strong>de</strong>u <strong>de</strong> uma forma<br />
“excepcional”, Mais do que certo, <strong>de</strong>u<br />
resultado, e o cacaueiro atravessou<br />
estágios até chegar aos nossos tempos. Os<br />
seus frutos foram distribuídos e<br />
disseminados por todo o sul e zona<br />
litorânea do estado da Bahia,<br />
inicialmente como iguarias, árvore<br />
exótica nos pomares encontrados <strong>de</strong><br />
Itaparica até Porto Seguro. Nos quintais,<br />
o cacau se misturava com outras<br />
fruteiras, chegando a ter mais ou menos<br />
20 a 30 pés. Já em 1825 surge as chácaras<br />
com aproximadamente 100 pés como<br />
exemplo temos a Fazenda Lagos.<br />
As “buraras” que já imprimiam a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “<strong>de</strong>rruba”, para plantar<br />
exclusivamente cacau, situadas nas<br />
partes baixas e com isso nasce a cultura<br />
racional do cacau, 100 pés em diante.<br />
Como roças alcança-se pressupões-se 500<br />
pés para baixo. De 1835 a 1850 as<br />
proprieda<strong>de</strong>s já se caracterizavam como<br />
fazenda acima <strong>de</strong> 1000 pés <strong>de</strong> cacaueiros<br />
em diante.<br />
A partir <strong>de</strong> 1850, através <strong>de</strong> Ilhéus, o<br />
cacau adquire força e se expan<strong>de</strong> pelos<br />
vales dos quatro rios: Rio <strong>de</strong> Contas, Rio<br />
Almada e Cachoeira, Rio Pardo e Rio
Jequitinhonha. Seu plantio iniciado nas<br />
barrancas dos rios, foi aos poucos se<br />
transformando em ativida<strong>de</strong> econômicas<br />
nas regiões litorâneas, entretanto com a<br />
escassez <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>ste tipo, bem como<br />
dos conflitos <strong>de</strong> terra e enchentes<br />
<strong>de</strong>vastadoras, seguiu-se a interiorizarão e<br />
com ela uma revisão do processo,<br />
direcionando o plantio para regiões altas<br />
da mata.<br />
Enquanto isso, o Big Bang das minas do<br />
“Salobro”, região conhecida como<br />
possuidora dos melhores diamantes do<br />
mundo, na época, atraia pessoas pelo<br />
enriquecimento rápido, gerando a<br />
escassez <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra nas outras<br />
regiões. Ante à crise da Europa, e na<br />
busca <strong>de</strong> novas oportunida<strong>de</strong>s, registra-se<br />
aproximadamente entre 1845 a 1848, a<br />
chegada dos primeiros europeus, André e<br />
Felipe Keller (vê anexo, fig. 10),<br />
banqueiros suíços. Os Kellers vieram<br />
tentar a vida na América do Sul.<br />
Nesta época era Canavieiras e Lavras <strong>de</strong> Andaraí.<br />
[Lençóis] Consulado <strong>de</strong> Lavras do Andaraí em França, se<br />
constituíam os dois gran<strong>de</strong>s pólos urbanos. Atraídos<br />
então, os Kellers, pelas minas <strong>de</strong> diamantes do Salobro<br />
[Canavieiras] maior conglomerado na época com 12 mil<br />
habitantes, logo foram chamadas as atenções quanto ao<br />
perigo que esta região representava. Com isso,<br />
resolveram arriscar ir para Canavieiras. Lá chegando<br />
viram, e interrogaram, o que era isso? Empreen<strong>de</strong>dores<br />
<strong>de</strong> tradição, suíços acostumados ao consumo dos<br />
chocolates <strong>de</strong> pronto i<strong>de</strong>ntificaram o cacau, concluíram<br />
que “o ouro estava ali” naquela fruta.<br />
Retornando um <strong>de</strong>les a Europa a busca<br />
<strong>de</strong> capitais, já por volta <strong>de</strong> 1855, a
Inglaterra começava a liberar recursos<br />
para o financiamento do plantio do<br />
cacau. Passam então os Kellers, a<br />
<strong>de</strong>sempenharem na história do cacau, na<br />
Bahia, um gran<strong>de</strong> papel: o <strong>de</strong> estimular e<br />
transformar a cacauricultura como uma<br />
ativida<strong>de</strong> comercial. (BOAVENTURA<br />
MOURA, 2004).<br />
Neste período, próximo às minas do Salobro, em princípio fazenda Jacarandá<br />
(vê anexo, fig. 11), <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> do Capitão Francisco Afrânio<br />
Peixoto, situada à margem esquerda do Rio Pardo prosperando,<br />
tornando-se distrito <strong>de</strong> Canavieiras. Celebrizou-se em<br />
<strong>de</strong>corrência do fluxo <strong>de</strong> garimpeiros atraídos pela riqueza das<br />
jazidas diamantíferas do Salôbro, tornando-se um núcleo político<br />
irredutível, um centro comercial <strong>de</strong> larga importância econômicofinanceira.<br />
Ali prosperaram Antônio Martins Pereira Lima, Saback<br />
& Cia, Anísio Sabino Loureiro, Pedro Borges, Carlos Costa,<br />
Muller & Cia.<br />
Cap. F. Afrânio Peixoto era também pai <strong>de</strong> Afrânio Peixoto (vê anexo fig. 12),<br />
escritor, que produziu <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> muitas obras, duas pérolas da<br />
literatura regional “Maria Bonita” e “Fruto do Mato” retratando <strong>de</strong><br />
forma singular a historia <strong>de</strong>sta região,<br />
Com a hecatombe <strong>de</strong> 1914 (enchente) iniciou-se o <strong>de</strong>clínio <strong>de</strong>sse povoado,<br />
<strong>de</strong>saparecendo totalmente a sua vida com o carregamento do<br />
comercio para o porto da Vila <strong>de</strong> Mascote e a conseqüente<br />
formação do povoado <strong>de</strong> Santa Luzia, à beira da estrada Vargito-<br />
Canavieiras. Continua meu tio:<br />
Em 1886 (85) a 1890 começa o esgotamento<br />
das Minas do Salobro e inicia-se o êxodo,<br />
promovendo a mobilização da população,<br />
agora por terra <strong>de</strong> cacau, e nessa<br />
dispersão foi-se levando: semente, a<br />
cultura e a mentalida<strong>de</strong> do cacau como<br />
ativida<strong>de</strong> econômica para essas regiões.<br />
(BOAVENTURA MOURA, 2004).<br />
Crescia a busca <strong>de</strong> capitais para o financiamento<br />
do plantio do cacau para a região através <strong>de</strong> firmas<br />
como Jezler Keller e Companhia e como <strong>de</strong>sdobramento,<br />
as subseqüentes correntes migratórias.
No mesmo ano <strong>de</strong> 1890, em que foi aberta<br />
a filial do Rio <strong>de</strong> Janeiro, eram abertas<br />
também outras duas filiais, a saber: uma<br />
em Ilhéus e outra em Canavieiras, ambas<br />
no Estado da Baia, especialmente para a<br />
compra <strong>de</strong> cacau, pois os negócios neste<br />
produto vinham a certo tempo tomando<br />
gran<strong>de</strong> incremento, tornando aquelas<br />
duas zonas muito prósperas. Em 1890<br />
exportava-se já <strong>de</strong> Ilhéus cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z mil<br />
sacos <strong>de</strong> cacau, e <strong>de</strong> Canavieiras um<br />
pouco mais do que a citada quantida<strong>de</strong>.<br />
(WILDBERGER, 1942, p. 29, grifo meu).<br />
Retomando a história do meu tio, ele <strong>de</strong>strincha:<br />
Assim se consolidava a exploração <strong>de</strong><br />
cacau como economia racional e <strong>de</strong><br />
exportação. O sucesso <strong>de</strong>sta agricultura<br />
garantia a aquele que plantasse cacau<br />
com 3 anos teria ressarcido o seu<br />
empréstimo. De 1876 a 1877 o Big Bag [do<br />
cacau]: 15 anos <strong>de</strong> enriquecimento rápido<br />
e escassez <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra na agricultura.<br />
A alta rentabilida<strong>de</strong> do cacau<br />
proporcionou a formação <strong>de</strong> uma<br />
socieda<strong>de</strong> constituída <strong>de</strong> uma classe <strong>de</strong><br />
alto po<strong>de</strong>r aquisitivo, alto lucro <strong>de</strong>sta<br />
comercialização e o crescente aumento da<br />
migração, concretizava-se assim o mito<br />
do enriquecimento rápido e fácil. Todos<br />
movidos pelo alto lucro que repercutem<br />
na Europa instalam-se firmas comerciais<br />
francesas, “os suíços” e alemães,<br />
promovendo o <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> pessoas<br />
para esta Região.
Com a escassez <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra, num<br />
período on<strong>de</strong> não há registro <strong>de</strong> senhor <strong>de</strong><br />
escravos, e conseqüentemente escravos. O<br />
momento em que a economia começa a<br />
ficar po<strong>de</strong>rosa, já era uma época que se<br />
falava em liberda<strong>de</strong> dos escravos. A<br />
economia cacaueira surgia com a idéia<br />
da abolição. A socieda<strong>de</strong> canavierence da<br />
época era constituída por uma elite que<br />
dividia o seu domicílio entre Canavieiras<br />
e Europa. Com uma produção 1 500<br />
arrobas famílias viviam <strong>de</strong> uma forma<br />
nobre, meta<strong>de</strong> do ano em Paris como<br />
exemplo disso, temos: Nicolau Pinheiro<br />
“As Peltier”.<br />
A partir <strong>de</strong> 1870 a 1880 em diante a<br />
migração européia era direcionada para<br />
a região do cacau <strong>de</strong>vido a crise<br />
econômica da Europa. Após a chegada<br />
dos Keller, seguiu-se os franceses:<br />
Blanchet, Granchet, Wounoux, Lachet,<br />
Louba<strong>de</strong>, Ma<strong>de</strong>ira; os italianos:<br />
Magnavita (1890), Te<strong>de</strong>sco. Minervino<br />
[aos últimos], Lavigne; os alemães: Weber,<br />
Fucs; os americanos: White, Bouch, Boida;<br />
os ju<strong>de</strong>us: Bejanmim, Saback. Os últimos<br />
foram os árabes, espanhóis e portugueses.<br />
Depois <strong>de</strong> 1880 surgem os colonos árabes,<br />
os caxixes, como comerciantes.<br />
A migração européia provocou uma<br />
verda<strong>de</strong>ira revolução <strong>de</strong> mentalida<strong>de</strong>.<br />
Além das contribuições <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />
econômicas, físicas, etc, o europeu<br />
também introduziu um comportamento
ético, que mo<strong>de</strong>lou os valores da época. Os<br />
aspectos morais rígidos da cultura dos<br />
estrangeiros refletiram-se nos princípios<br />
da comercialização do cacau. A serieda<strong>de</strong><br />
européia, pela qual as Companhias<br />
praticavam o comércio do cacau, fazia<br />
com que fazen<strong>de</strong>iros entregassem as<br />
[suas] fazendas às firmas para<br />
administrar e viajassem. Havia<br />
serieda<strong>de</strong> com 5 anos eram pagos os juros.<br />
De 1860 a 1870 vamos encontrar um novo<br />
contingente populacional interno que se<br />
dirige para a região <strong>de</strong>corrente aos<br />
seguintes fatores: negro liberto,<br />
proce<strong>de</strong>nte da guerra do Paraguai; o<br />
nor<strong>de</strong>stino, fugitivo da seca <strong>de</strong> 1870; e<br />
uma população proce<strong>de</strong>nte do recôncavo<br />
provindos do <strong>de</strong>clínio da cana <strong>de</strong> açúcar;<br />
e por fim o sergipano. Além <strong>de</strong> presenças<br />
significativas <strong>de</strong>stes últimos, os<br />
sergipanos trouxeram também uma<br />
outra mentalida<strong>de</strong> comercial<br />
contribuindo para a formação histórica<br />
da organização comercial da Região. Esse<br />
processo migratório veio a <strong>de</strong>clinar entre<br />
1886 a 1890.<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente já existia nesta época<br />
registro <strong>de</strong> exportação <strong>de</strong> amêndoas para<br />
Lisboa <strong>de</strong> pequenas e inespressíveis<br />
experiências <strong>de</strong> remessas eventuais <strong>de</strong><br />
cacau. Lembro que nesta época a gran<strong>de</strong><br />
exportação brasileira <strong>de</strong> cacau era da<br />
província do Pará. Segundo prof.<br />
Guerreiro já em 1798 houve uma operação
<strong>de</strong> cacau em torno <strong>de</strong> 2 160 kg.<br />
Entretanto, ele próprio reconhece <strong>de</strong> que<br />
só muito tempo <strong>de</strong>pois iria se tornar<br />
realida<strong>de</strong> tal ativida<strong>de</strong>. Segundo<br />
professor Guerreiro, Aline Garcez e<br />
Fre<strong>de</strong>rico E<strong>de</strong>lwiss todo unânimes em<br />
afirmar <strong>de</strong> que só a partir <strong>de</strong> 1830 a 1840<br />
surgiu <strong>de</strong> modo inespressível as primeiras<br />
exportações regulares <strong>de</strong> cacau<br />
originadas da Bahia. A morosida<strong>de</strong> no<br />
processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
agricultura do cacau <strong>de</strong>veu-se a falta <strong>de</strong><br />
colonização estrangeira, que neste<br />
período tanto contribuiu com a sua<br />
participação no <strong>de</strong>senvolvimento do sul<br />
do País.<br />
Sabemos <strong>de</strong> que realmente só a partir <strong>de</strong><br />
1835 o produto cacau passou a ser artigo<br />
regular e constante na ponta <strong>de</strong><br />
exportação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> agricultura, talvez<br />
a mais importante <strong>de</strong>las, que nascia no<br />
estado da Bahia. No dizer <strong>de</strong> Fre<strong>de</strong>rico<br />
E<strong>de</strong>lweis, como exploração comercial o<br />
cacau teve origem mo<strong>de</strong>sta em seu<br />
principio. Na produção agrícola <strong>de</strong>ve-se o<br />
seu inicio sem nenhuma dúvida a<br />
margens do rio Prado o principio da<br />
cultura cacaueira na Bahia.<br />
(BOAVENTURA MOURA, 2004, grifo<br />
meu).<br />
Neste trecho percebe-se que ele chegou on<strong>de</strong><br />
queria. E, continua a <strong>de</strong>screver a história:<br />
Inicialmente sem objetivar nenhuma tese<br />
<strong>sobre</strong> o assunto já estudado e analisando
por diversos autores, mesmo assim,<br />
chamo atenção para o fato <strong>de</strong> todos eles,<br />
sem exceção, apresentarem em suas teses<br />
do histórico referente ao cacau a partir<br />
<strong>de</strong> 1746 e posteriormente focalizar o eixo<br />
Ilhéus Itabuna, a partir <strong>de</strong> 1880 como<br />
resultado final. Concluímos então, que<br />
embora sem referências calcadas [em<br />
maiores] documentos, a dura realida<strong>de</strong> é<br />
<strong>de</strong> que: é mesmo nas margens estreitas do<br />
rio Pardo, em Canavieiras, que a cultura<br />
racional do cacau, como ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
exportação comercial, teve inicio.<br />
Confesso, entretanto, ser realmente<br />
escassas as informações <strong>sobre</strong> esse período<br />
com esclarecimentos convincentes, sem<br />
interesse <strong>de</strong> indivíduos, organizações ou<br />
região. Com estas citações nós, apenas,<br />
preten<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>monstrar <strong>de</strong> que a fase<br />
inicial da consolidação <strong>de</strong> exploração<br />
comercial tem sua origem nas margens<br />
do rio Pardo em Canavieiras.<br />
Ao que parece esta ativida<strong>de</strong> com este<br />
objetivo só começa atingir Ilhéus por<br />
volta <strong>de</strong> 1860 a 1870, por uma série <strong>de</strong><br />
fatores (alguns já acima citados) que<br />
teriam sido como causa a lentidão do<br />
processo <strong>de</strong> expansão da cultura<br />
Cacaueira. (BOAVENTURA MOURA,<br />
2004, grifo meu).<br />
Tio Boaventura acrescenta concluindo:<br />
Pois se observarmos com atenção <strong>de</strong>vida,<br />
verificamos que o crescimento das<br />
exportações do cacau em amêndoas, só
atinge ao estágio significativo realmente<br />
a partir <strong>de</strong> 1880, quando a rigor começa a<br />
entrar em regime <strong>de</strong> produção, as<br />
extensas áreas geográficas <strong>de</strong> Ilhéus e<br />
adjacências. Existe um espaço em branco<br />
nas diversas narrativas <strong>de</strong>ste período. É<br />
bom lembrar <strong>de</strong> que a vila <strong>de</strong> Canvieiras<br />
era parte do todo da Comarca <strong>de</strong> Ilhéus só<br />
vindo a se separar <strong>de</strong>sta, em 13 <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1832 que tinha como limites,<br />
ao sul do rio Jequitinhonha, ao norte o rio<br />
Jequiriçá, portanto não vejo nada <strong>de</strong><br />
anormal quando se diz que a cultura do<br />
cacau surgiu na Bahia no município <strong>de</strong><br />
Ilhéus.<br />
Ora, nós <strong>de</strong> Canavieiras [aí ele resgata o<br />
seu débito <strong>de</strong> gratidão a essa cida<strong>de</strong>], não<br />
preten<strong>de</strong>mos reescrever a história, mas<br />
esclarecer fatos obscuros, não<br />
<strong>de</strong>vidamente esclarecidos ao longo do<br />
percurso <strong>de</strong>ste processo entre 1746 e 1880,<br />
on<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhamos notável papel<br />
histórico na lavoura cacaueira, como<br />
ativida<strong>de</strong> comercial explorativa, É do<br />
nosso interesse, e <strong>de</strong> modo especial para<br />
Canavieiras, o esclarecimento que<br />
envolve o inicio da ativida<strong>de</strong> cacaueira<br />
até a sua consolidação e posteriormente<br />
<strong>de</strong> sua expansão a partir <strong>de</strong> 1880.<br />
(BOAVENTURA MOURA, 2004).<br />
Recentemente, entretanto, “fusando os alfarapos”<br />
após a morte <strong>de</strong> meu tio, <strong>de</strong>parei-me com a seguinte<br />
informação proce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> uma outra publicação <strong>de</strong>
Arnold Wildberger no seu livro Notícias Históricas <strong>de</strong><br />
Wildberger & Cia 1829 <strong>de</strong> 1942 (pág, 29) diz:<br />
No mesmo ano <strong>de</strong> 1890, em que foi aberta<br />
a filial do Rio <strong>de</strong> Janeiro, eram abertas<br />
também outras duas filiais, a saber: Uma<br />
em Ilhéus, e outra em Canavieiras, ambas<br />
no Estado da Bahia, especialmente para a<br />
compra <strong>de</strong> CACAU, pois os negócios neste<br />
produto vinham a certo ponto tomando<br />
gran<strong>de</strong> incremento, tornando aquelas<br />
duas zonas muito prosperas. Em 1890<br />
exportava-se <strong>de</strong> Ilhéus cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z mil<br />
sacos <strong>de</strong> cacau, e <strong>de</strong> Canavieiras um<br />
pouco mais do que a citada quantida<strong>de</strong><br />
(vê anexo fig. 13).<br />
Encerrando este trabalho retrospectivo,<br />
que vem documentar 113 anos <strong>de</strong><br />
existência profícua, na Baia, <strong>de</strong> uma das<br />
firmas que mais se <strong>de</strong>senvolveu no<br />
<strong>de</strong>correr do tempo, <strong>de</strong>sejamos salientar,<br />
com particular carinho, que as firmas<br />
C.F. Keller & Cia., Braem Wildberger &<br />
Cia e Wildberger & Cia, foram por assim<br />
dizer as pioneiras do crédito agrícola no<br />
Sul do Estado da Baia. Essas firmas, com<br />
a facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crédito <strong>de</strong> que dispunham<br />
nos mercados europeus, conseguiram<br />
sempre o numerário necessário para o<br />
financiamento dos lavradores baianos,<br />
especialmente <strong>de</strong> cacau. Inúmeros são os<br />
fazen<strong>de</strong>iros abastados nas zonas do Sul do<br />
estado que <strong>de</strong>vem o seu crescimento<br />
progressivo a estas três firmas.
Quanto ainda a vida social da época (vê anexo<br />
fig. 14, 15 e 16), nas entrevistas feita, registramos ainda<br />
importantes informações que, por certo, serão úteis em<br />
futuras especulações com relação a essa socieda<strong>de</strong>:<br />
O amor <strong>de</strong> hoje era diferente do amor <strong>de</strong><br />
antigamente... Não <strong>de</strong>ixava faltar nada.<br />
Médico... Médico... Morria uma pessoa <strong>de</strong><br />
parto porque o marido não <strong>de</strong>ixava<br />
olhar... Morria. Os homens eram machões,<br />
a mulher daquela época não comprava<br />
um sapato, quem comprava era o marido,<br />
não ia a loja. O medo da <strong>filha</strong> com o olhar<br />
da mãe... Se obe<strong>de</strong>cia. (Perguntava-se)<br />
você quer ir a festa?... não... não queria...<br />
Punição: palmatória, orelhas, não <strong>de</strong>u a<br />
lição... Rosvaldo [irmão <strong>de</strong> entrevistada]<br />
coitadinho foi trancado no quarto escuro<br />
pela professora.Ela foi para a rua.<br />
Quando minha mãe... Todo mundo aflito e<br />
quando minha mãe foi encontrar... Nada<br />
se percebia porque o povo era calado a<br />
mulher sofria calada.<br />
D. Nina, dizem que morreu virgem<br />
dizem que nunca foi homem o marido<br />
<strong>de</strong>la... Outra Dininha, Adélia <strong>de</strong><br />
Persival... Isso não se falava. Formada: O<br />
<strong>de</strong>staque maior passava pela condição <strong>de</strong><br />
professora. Havia o curso suplementar,<br />
bacharela em ciências e letras. A<br />
preocupação era botar os filhos para<br />
estudar em Salvador, dar uma educação,<br />
internato.
Havia uma preocupação com a aquisição<br />
<strong>de</strong> conhecimentos... Pensionato já havia<br />
Soleda<strong>de</strong>, Sacramentina, Antônio Vieira e<br />
Maristas. Os paquetes iam cheios <strong>de</strong><br />
estudantes.<br />
Preconceitos: No Baiano <strong>de</strong> Tênis não<br />
entrava no clube, nos conventos também,<br />
as freiras <strong>de</strong> cor, só comungavam <strong>de</strong>pois<br />
que os brancos comungavam. No colégio<br />
interno as que tinham dinheiro eram<br />
muito bem tratadas, <strong>de</strong>stacava-se Cintra<br />
Monteiro, Manoel Joaquim <strong>de</strong> Carvalho<br />
elas eram internas, 6 horas da manhã<br />
elas telefonavam para o pai para tomar a<br />
benção... Mas como era Cintra Monteiro...<br />
Tia Naninha [minha avó] tinha o sonho<br />
<strong>de</strong> um filho padre. Havia um padre na<br />
família Ribeiro que gostava <strong>de</strong> dançar, <strong>de</strong><br />
noites saia para dançar. O padre irmão<br />
<strong>de</strong> Leocadia... De minha tia Sussu. Tirava<br />
a batina e mandava brasa lá pela rua da<br />
Jaqueira... O povo falava. Iara Sabino<br />
fazia versos... É tia <strong>de</strong> Dr. Mário Sabino,<br />
o pai era rábula, mais preparado que os<br />
formados. (PASTORA, 2004).
4 FAZENDA LAGOS: SÍMBOLO DA LUTA PELA<br />
INDEPENDÊNCIA DO BRASIL<br />
A história da Fazenda Lagos teve o seu começo quando Leandro<br />
Ribeiro, chamado a participar das forças nacionalistas da Bahia,<br />
ocorrido um ano após a in<strong>de</strong>pendência do Brasil, proclamada pôr<br />
D. Pedro I, recebeu como recompensa uma sesmaria.<br />
Engajando-se como membro do famoso batalhão dos Periquitos,<br />
assim chamado pôr trazerem nos seus “chapéus <strong>de</strong> palha” fitas<br />
ver<strong>de</strong> e amarela, símbolo da nacionalida<strong>de</strong>, conseguem realizar a<br />
façanha histórica memorável na batalha <strong>de</strong> “Cabritos e Pirajá”<br />
expulsando <strong>de</strong>finitivamente as tropas portuguesas sediadas na<br />
Bahia, comandadas pelo general Ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo em 2 <strong>de</strong> Julho<br />
<strong>de</strong> 1889, data essa a qual se comemora a in<strong>de</strong>pendência da<br />
Bahia.<br />
De natureza extremamente aguerrida, esses convocados “era<br />
uma gente tão boa” que vieram <strong>de</strong>pois, esses [mesmos]<br />
combatentes, a matar o general comandante do batalhão,<br />
batalhão esse dissolvido posteriormente por “Leal”. Esse era o<br />
tipo <strong>de</strong> homem que se compunha [as forças armadas da época]<br />
não são anjos são ferras. (BOAVENTURA MOURA, 2004).<br />
Concluiu Boaventura <strong>de</strong> Moura.<br />
Como recompensa pela sua participação, em<br />
tão glorioso feito, recebeu como soldo uma<br />
sesmaria assim como também seus<br />
companheiros, nas margens do rio Pardo no<br />
atual município <strong>de</strong> Canavieiras. A área<br />
recebida, segundo constava em pergaminho<br />
assinado pelo Imperador D. Pedro I<br />
correspondia a uma légua – 6 km <strong>de</strong> Rio Pardo<br />
e o fundo o quanto pu<strong>de</strong>sse explorar [...] o<br />
quanto quisesse.<br />
Leandro Ribeiro, filho natural <strong>de</strong> um médico português com uma<br />
índia, conseqüentemente mameluco, natural do recôncavo<br />
baiano, <strong>de</strong> Nazaré das Farinhas, <strong>de</strong> classe média baixa, família<br />
humil<strong>de</strong>, exercia ativida<strong>de</strong> agrícola, possuindo plantações <strong>de</strong><br />
açúcar com um primo.
seguinte:<br />
No seu regresso, [da guerra] voltando pôr Santo Amaro, entrou<br />
em litígio por problema <strong>de</strong> mulher e o primo mandou matá-lo<br />
[...] a gravida<strong>de</strong> era mulher [...] tinha essa modalida<strong>de</strong>. Primo<br />
carnal ilegítimo, agora proscrito pela justiça, perseguido pela<br />
justiça [o parente <strong>de</strong>via ser uma pessoa <strong>de</strong> influência política],<br />
para se proteger, refugiou-se.<br />
Leandro Ribeiro passando por Nazaré das Farinhas, casa-se com<br />
uma parenta, Felipa com 12 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> procedência<br />
portuguesa, segundo consta natural <strong>de</strong> Catú, neta <strong>de</strong> um médico.<br />
Neste período casamento entre parentes eram freqüentes, havia<br />
poucas famílias e 50 % da população era <strong>de</strong> escravos.<br />
Felipa mulher simples, mas com forte espírito <strong>de</strong> religiosida<strong>de</strong>,<br />
meiga, com uma fé inquebrantável em Deus e Leandro, homem<br />
ru<strong>de</strong> e <strong>de</strong>terminado partiram para Canavieiras levando na<br />
bagagem amor, espírito <strong>de</strong> luta e <strong>de</strong>terminação. Lá chegando em<br />
1826, Leandro Ribeiro localizando a terra, começou a explorar<br />
na região <strong>de</strong> Estreito, implantando a Fazenda Lagos, terra<br />
<strong>pródiga</strong>, região rica em cana. Leandro <strong>de</strong>dicou-se a lavoura <strong>de</strong><br />
subsistência: arroz, milho, mandioca, vindo a se transformar,<br />
posteriormente esta fazenda, num poço <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e<br />
religiosida<strong>de</strong>.<br />
Em condições ambientais extremamente adversas, Leandro<br />
durante o processo <strong>de</strong> implantação da fazenda saía <strong>de</strong> sua cabana<br />
e ao chegar ao local <strong>de</strong> trabalho “<strong>de</strong>rrubava a mata ‘nu’”. O suor<br />
rapidamente estragava as roupas e como roupa era cara e difícil,<br />
ele tirava, porém não se afastava do seu “mosquetão”. [tipo <strong>de</strong><br />
arma usada na época].<br />
Região habitada por índios podia-se ouvir a reação dos mesmos<br />
ao longo da mata quando na <strong>de</strong>rrubada das árvores. Conta-se<br />
também que fiel ao seu atavismo, sua herança indígena,<br />
mameluco, Leandro Ribeiro também urrava durante o processo<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>rruba das arvores. Ao seu lado Felipa, com espingarda na<br />
mão e rosário, vigiava o entorno. (BOAVENTURA MOURA,<br />
2004).<br />
E, para dar continuida<strong>de</strong> a esse episodia, Zé Campos nos conta o<br />
O “velho” Leandro veio <strong>de</strong> Ambupe <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter participado da<br />
Guerra da In<strong>de</strong>pendência da Bahia e dos combatentes recebeu<br />
uma sesmaria [...]. Aqui se casou teve filhos. Foram João José<br />
Silveira, meu avô. Que era gêmeo, o outro faleceu, eles ficaram<br />
explorando os Lagos eram praticamente autos suficientes só
contando que:<br />
compravam o que não podia produzir, compravam em<br />
Canavieiras, compravam sal, criavam gado, trouxeram gado <strong>de</strong><br />
Canavieiras, tinham ricas pastagens na Lagoa Gran<strong>de</strong>, Lagoa do<br />
Alfaiate, regiões também alagadiças com a enchente do rio do<br />
Pardo [...] até hoje. (ZÉ CAMPOS, 2004).<br />
Ainda <strong>sobre</strong> esse episódio, Boaventura retoma a história nos<br />
Leandro e Felipa tiveram muitos filhos entre eles Simião o mais<br />
velho João Elias e José. A família morava em jirau <strong>sobre</strong><br />
palafitas no rabo da lagoa em cima da lagoa, numa posição<br />
estratégica [...] tinha que vir <strong>de</strong> peito com a saída na retaguarda<br />
em caso <strong>de</strong> ataque <strong>de</strong> índios. Quando a família à noite se<br />
recolhia, removia a escada que dava acesso a parte superior do<br />
abrigo, enquanto a área abaixo era cercada para maior proteção.<br />
Com todas as evidências <strong>de</strong> perigo, Leandro não admitia medo<br />
por parte <strong>de</strong> seus filhos. Dizem que por ser mais velho seu filho<br />
Simião sofreu muito.<br />
Um certo dia Leandro, exímio atirador, mandou seu filho Simião<br />
pegar um pato morto por ele, <strong>de</strong>ntro da lagoa cheia <strong>de</strong> jacaré.<br />
Simião tremendo <strong>de</strong> medo nada em busca do pato, enquanto<br />
Leandro com sua repetição observava o movimento dos jacarés<br />
pronto para disparar um tiro certeiro, enquanto Felipa rezava<br />
fervorosamente pedindo proteção para o seu filho. Leandro era<br />
convicto <strong>de</strong> que com sua espingarda seria capaz <strong>de</strong> salvar o<br />
menino.<br />
Conta-se também que um certo dia estando os pais na roça e os<br />
filhos pequenos no terreiro, [esses] perceberam a proximida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
uma onça, rapidamente recolheram-se e com gran<strong>de</strong> esforço<br />
Simião, o mais velho, puxava com uma corda a escada que dava<br />
acesso ao jirau, enquanto a onça espreitava balançando o rabo.<br />
Leandro também costumava colocar armadilhas [para caça] e os<br />
filhos eram quem olhavam. Um dia, um <strong>de</strong>les, foi olhar a<br />
armadilha escorregou e caiu, quando ouviu uma gargalhada do<br />
índio e ele tremendo <strong>de</strong> medo voltou correndo e contou a mãe<br />
[...]. Se ele contasse ao pai só faltava matar <strong>de</strong> porrada [...]<br />
pancada. Não admitia que o homem tivesse medo, homem para<br />
ele não podia ter medo, filho com 11[...] 12 anos já era homem<br />
para Leandro. Mais tar<strong>de</strong> a mãe conseguiu com jeito contar o<br />
fato ao marido.
Patriarca feroz não era surpresa que a mulher fosse tratada como<br />
escrava naquela época. Felipa dispunha <strong>de</strong> apenas um quilo <strong>de</strong><br />
sabão por ano e ainda ouvia reclamação do marido.<br />
Leandro Ribeiro <strong>de</strong> físico avantajado, mãos gran<strong>de</strong>s, com uma<br />
força física <strong>de</strong> “Hércules” era acatado e respeitado pela<br />
redon<strong>de</strong>za pela sua impulsivida<strong>de</strong>.<br />
Dias <strong>de</strong> domingo ia para “bo<strong>de</strong>ga”. Certo dia, estando numa<br />
bo<strong>de</strong>ga e estimulado pôr um grupo, <strong>de</strong>safia jogando cachaça no<br />
olho <strong>de</strong> um índio, aí, conta tia Lour<strong>de</strong>s, cada um dos presentes<br />
dizia que era o índio, o mais forte, outros diziam que era<br />
Leandro [...] então fizeram um joguinho [...] vamos ver quem é o<br />
mais forte. No fim o velho Leandro saiu vitorioso <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>struir, na luta, a bo<strong>de</strong>ga <strong>de</strong> sopapo.<br />
Machão por excelência, reflexo <strong>de</strong> uma época [...] aí, quem<br />
bulisse com as bonecas <strong>de</strong>le [...] [<strong>filha</strong>s]. Num <strong>de</strong>terminado<br />
período houve um fato <strong>de</strong> um trabalhador ter bulido com a<br />
boneca <strong>de</strong>le [...] e lá em Minas [...] ele levou 3 anos matando<br />
gente daí, até Januário porque roubou a <strong>filha</strong> <strong>de</strong>le [...] e quando<br />
a <strong>filha</strong> se per<strong>de</strong>u gritava para a mulher: “mulher por que pariu<br />
feme”. A preferência era por um filho homem, a Igreja<br />
influenciava. (BOAVENTURA MOURA, 2004).<br />
Acrescentou Boaventura Moura:<br />
Entretanto, Leandro era uma figura que por essa ou aquela razão<br />
<strong>de</strong>saparecia, on<strong>de</strong> fez vários filhos, muitas famílias ele <strong>de</strong>ve ter<br />
<strong>de</strong>ixado [...] fabricou [...] mameluco [...] o processo o qual ele<br />
foi gerado ele também [...] o método por aí ele continuou [...] era<br />
uma epopéia cheia <strong>de</strong> casos [...]. Quando saia não procurava<br />
saber se em casa o que faltava, o que tinha [...] a mulher era que<br />
tomasse as providências. A mulher assumia. Numa <strong>de</strong>ssas crises<br />
periódicas, ele <strong>de</strong>sapareceu. Os gêmeos que eram mais moços<br />
agüentaram a mãe, um <strong>de</strong>les era o João Elias Ribeiro.<br />
Anos <strong>de</strong>pois, alguns anos <strong>de</strong>pois, aparece o tal Leandro [...] foi<br />
muito bem recebido por todo mundo, mas um belo dia Leandro,<br />
era realmente uma fera, absolutamente agressivo, intempestivo<br />
para a modalida<strong>de</strong> da época, quis dar pancada neles. O nosso<br />
avô, João Elias, do qual <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>mos a nossa prole, tinha 16<br />
anos, chorando abraçou a mãe [...] essa parte é a mais<br />
sentimental da família disse: nós não vamos embora não, você<br />
nos <strong>de</strong>ixou numa casa <strong>de</strong> palha e passando fome, hoje nós temos<br />
uma casa <strong>de</strong> telha, casa <strong>de</strong> farinha [...] e foi <strong>de</strong>screvendo o que<br />
eles fizeram.
Leandro então emocionado abraçou os filhos e a mulher e disse:<br />
abençoados vocês até a próxima 3 ª e 4 ª geração [...] essa é uma<br />
parte muito bonita da família [...] isso são tópicos que<br />
caracterizam a família no vale do Rio Pardo. (BOAVENTURA<br />
MOURA, 2004).<br />
Esse fato foi também registrado com <strong>de</strong>staque durante a<br />
entrevista que fizemos com Antonieta Ribeiro, <strong>filha</strong> do primeiro casamento<br />
<strong>de</strong> Boaventura Ribeiro, falecida em 2000. Comenta Antonieta:<br />
Dizem que ele também arranjou uma mulher, não sei se é<br />
verda<strong>de</strong> ou mentira e arribou no mundo [Leandro Ribeiro] e<br />
tinha uma tal <strong>de</strong> farinheira, e o que eu acho muito bonito da<br />
família é essa passagem: vocês não bulam na minha farinheira,<br />
por favor, arribou [Leandro] ninguém sabia on<strong>de</strong> andava [...] às<br />
vezes a família po<strong>de</strong> até não gostar [...] ele viajou, ai os meninos<br />
<strong>de</strong>ixaram o mato tomar conta da farinheira. Então, conta João<br />
Elias e Manoel: Eles foram à fazenda <strong>de</strong> Zé <strong>de</strong> Souza [...] pediu<br />
um dinheiro emprestado para fazer [...] montar um forno, fazer<br />
a farinha, mas que quando ele ven<strong>de</strong>sse a farinha logo, logo eles<br />
pagariam o dinheiro que ele emprestou [...] para comprar o<br />
forno não sei [...] lá forno. Quando eles fizeram a farinha foram<br />
lá levar o dinheiro a Zé <strong>de</strong> Souza, fazen<strong>de</strong>iro, e aí dizem que Zé<br />
<strong>de</strong> Souza disse: não vocês não precisam pagar agora, já vi que<br />
vocês são homens, os dois. Vou emprestar para vocês<br />
suspen<strong>de</strong>rem a farinheira <strong>de</strong> vocês [...] e vocês vão me pagando<br />
as percentagens. Aí eles suspen<strong>de</strong>ram [...] anos [...] o meu avô:<br />
o tal Leandro, voltou. Quando voltou viu a farinheira <strong>de</strong>ntro dos<br />
matos, a <strong>de</strong>le, e a dos meninos construída e eles fazendo farinha.<br />
Aí ele disse: meus filhos vocês <strong>de</strong>ixam eu entrar? E eles: po<strong>de</strong><br />
entrar meu pai. Então disse que Leandro disse: abençoado <strong>de</strong><br />
Deus e da Virgem Maria sejam vocês. O que sei dos Ribeiros<br />
que achei bonito foi isso. Só o capricho <strong>de</strong>les <strong>de</strong> serem honrados,<br />
<strong>de</strong> pagarem a Zé <strong>de</strong> Souza, e assim como também ter amor<br />
próprio, não buliam na farinheira do pai. Mostrou que eram<br />
homens. (ANTONIETA RIBEIRO, 2004).<br />
Percebemos pelas entrevistas feitas que esse fato<br />
representou para a família um marco simbólico, um sentimento<br />
<strong>de</strong>spertado <strong>de</strong> força, <strong>de</strong>safio, honestida<strong>de</strong> e re<strong>de</strong>finições <strong>de</strong><br />
valores que vem se perpetuando como um brasão, como uma<br />
herança a ser cumprida pelas futuras gerações.
5 OS PRIMOS: MÃE CALÚ E JOÃO ELIAS<br />
Carolina Severiana Ribeiro (vê anexo fig. 17), Mãe Calú, como<br />
era chamada, era prima <strong>de</strong> João Elias, <strong>filha</strong> <strong>de</strong> sua tia Aurelina, mulher essa<br />
<strong>de</strong> gênio forte e estourado, proce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Alagoinhas. Depois <strong>de</strong> ter<br />
recebido uma carta, um convite, porque estavam precisando <strong>de</strong> uma pessoa<br />
para ajudar na fazenda, Carolina aportou em Canavieiras com seu esposo,<br />
um filho e grávida <strong>de</strong> outro.<br />
Entretanto, uma tragédia abateu-se <strong>sobre</strong> sua família, quando seu<br />
marido veio a falecer, três meses <strong>de</strong>pois da sua chegada. Dos seus dois<br />
filhos, Pedro e Marcolino, <strong>de</strong>sta primeira relação <strong>de</strong> Carolina, ambos<br />
vieram a falecer mais tar<strong>de</strong> sendo um <strong>de</strong>les, <strong>de</strong> morte violenta.<br />
João Elias Ribeiro (vê anexo fig. 18) era natural <strong>de</strong> Canavieiras,<br />
nasceu em 20 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1812, filho <strong>de</strong> Leandro Ribeiro <strong>de</strong> Sousa e Felipa<br />
S. Thiago e Sousa.<br />
Carolina, <strong>de</strong>samparada, sozinha, foi acolhida por João Elias<br />
Ribeiro, seu primo solteiro, ‘bicho livre’ como dizia o meu tio Boaventura.<br />
“aí a vonta<strong>de</strong>” porém sensível preocupado com a moral da prima lhe pe<strong>de</strong><br />
em casamento e esta aceita.
João Elias e Carolina Ribeiro casaram-se em 1872. Dessa união<br />
nascera um profundo sentimento <strong>de</strong> companheirismo, <strong>de</strong> amor e<br />
fraternida<strong>de</strong>. Conta-nos a história que Carolina e João Elias preservando os<br />
vínculos que os tornaram tão cúmplices na vida, continuaram na intimida<strong>de</strong><br />
para o resto da vida a se tratarem com a forma afetiva <strong>de</strong> primo e prima.<br />
Todavia, Boaventura relata esta história:<br />
Enquanto João Elias, originário do Baixo Rio Pardo, tipicamente mateiro, homem rígido e <strong>de</strong>cidido, sem nenhuma cultura,<br />
gênio estourado; Carolina Ribeiro procedia <strong>de</strong> um outro centro, ela veio <strong>de</strong> Catú [...] Alagoinhas [...] Salvador, era uma mulher<br />
sensível e meiga <strong>de</strong> profundo senso religioso, carismática, empreen<strong>de</strong>dora, <strong>de</strong> percepção aguçada quanto a negócios e educação,<br />
preocupava-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo, com o futuro <strong>de</strong> seus filhos. Deste lastro nasce a Família Ribeiro proce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> classe média baixa,<br />
agricultores, gente humil<strong>de</strong>, <strong>de</strong>terminada para o crescimento, para ser alguma coisa na vida e profundamente religiosa.<br />
João Elias e Carolina tiveram vários filhos: Manoel, Antônio,<br />
João, Boaventura, Josefa, Joaquina, Belmira, Ana, e Maria<br />
Carolina.<br />
João Elias, homem muito farto, e mãe Calú, mulher muito<br />
caridosa, inicialmente cultivaram mandioca, on<strong>de</strong> se usava<br />
colocar a mandioca num saco <strong>de</strong>ntro do rio ou prensava. Tinham<br />
feijão, arroz, milho, aipim, criatório <strong>de</strong> galinha, coco não faltava,<br />
da banana produzia-se o vinagre, faziam sabão em gran<strong>de</strong>s<br />
tachos, doces e licor <strong>de</strong> jenipapo e várias outras frutas, bolo <strong>de</strong><br />
fubá, só compravam e armazenavam querosene, sal, massa<br />
proce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Jacarandá centro florescente da época.<br />
Companheira na luta pela conquista <strong>de</strong> algo maior, Mãe Calú<br />
embrenhava-se pela mata em companhia <strong>de</strong> seu marido para a<br />
luta diária.<br />
Conta tia Lour<strong>de</strong>s um fato que um certo dia, quando já haviam<br />
se tornados produtores <strong>de</strong> cacau, Mãe Calú tirando cacau quando<br />
<strong>de</strong>sceu uma cobra e se enrolou no braço <strong>de</strong>la [...] e ela jogou pra<br />
lá: [exclamando] Valei-me Nossa Senhora! Entretanto, fatos<br />
como esse faziam parte da rotina da vida daquela época.<br />
(BOAVENTURA RIBEIRO, 2004).<br />
Contava, também, tio Boaventura Ribeiro que minha avó (Mãe Calú) gostava<br />
muito <strong>de</strong> peixe:<br />
Então, ela um dia resolveu comer um peixe <strong>de</strong> escama pela beira<br />
<strong>de</strong> rio [...] no rio Prado uma vereda <strong>de</strong> estrada [...] quando ela<br />
chegou lá, leva os 3 meninos [...] tudo pequeno 7, 8 anos qual o<br />
nome <strong>de</strong>les eu não sei [...] quando ela disse: me esqueci do meu
“cacumbu” uma faca pequena para cortar peixe etc [...]<br />
Mandou o mais velho voltar para pegar o “cacumbu” que ela<br />
<strong>de</strong>ixara em casa [...] mas sentido <strong>de</strong> mãe. (BOAVENTURA<br />
RIBEIRO, 2004).<br />
Continua essa história, tio Boaventura Moura:<br />
Ela pressentiu alguma coisa, quando ela volta [...] ela viu o pé do<br />
menino e o rastro da onça, ela saiu como uma gata quando<br />
exatamente a onça ia pegando o menino. O grito <strong>de</strong>la [...] a onça<br />
evadiu. Isso era a soma <strong>de</strong> um fato comum para as famílias da<br />
época, eram os perigos que eles viviam concluiu.<br />
(BOAVENTURA MOURA, 2004).<br />
Uma certa vez, conta tio Boaventura Moura que:<br />
Maus amigos aconselharam o marido [João Elias] a se meter<br />
com alambique <strong>de</strong> cana, ela [Mãe Calú] vinha <strong>de</strong> uma região e<br />
sabia que não dava certo, então lutou e tiveram sérios<br />
aborrecimentos [o casal]. Em <strong>de</strong>corrência disso João Elias entrou<br />
numa crise econômica muito difícil e então logrou [leia-se<br />
resultou] com isso os 2 filhos mais velhos não pu<strong>de</strong>ram vir<br />
estudar para po<strong>de</strong>r ajudar a eles sair da crise que foram Manoel e<br />
Antônio [...] os dois primeiros. E disseram: vamos fazer dos<br />
nossos irmãos doutores. Carolina Ribeiro era o cérebro da<br />
família, disciplinada “botava os pingos nos iis”.<br />
Mãe Calú, conhecedora do processo aqui do recôncavo e não<br />
aceitava, a religiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong>la não permitia o abuso, a violência.<br />
Na fazenda havia muitos agregados e 4 escravos que tinham<br />
liberda<strong>de</strong> tanto quanto os outros tinham [...]. Tratava muito bem<br />
os escravos, tanto que quando se <strong>de</strong>u a abolição haviam 4<br />
escravos que continuaram lá [...] tinha uma escrava chamada<br />
Benedita (vê anexo fig. 19).<br />
Carolina Ribeiro, para que pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>sempenhar tão bem o seu<br />
papel <strong>de</strong> companheira <strong>de</strong> João Elias, recebeu <strong>de</strong> sua irmã<br />
Rosalina inestimável apoio para a criação dos seus filhos, que<br />
com gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>voção assumiu esse papel <strong>de</strong> mãe substituta [...]<br />
quando ela tinha filho [...] eu vi meu tio João e mamãe<br />
confirmava, ela entregava os filhos pequenos a sua tia, ela tinha<br />
uma verda<strong>de</strong>ira autorida<strong>de</strong> e obe<strong>de</strong>ciam severamente.<br />
(BOAVENTURA MOURA, 2004).
Para completar, Lour<strong>de</strong>s Moura, também relata que: “Contava-se<br />
que um dos seus filhos João ‘Vargens’ disse um dia: não sei das duas quem<br />
mais quero bem, se minha mãe ou minha tia, [...] por que minha mãe tinha<br />
obrigação”.<br />
A relação <strong>de</strong> tia Rosalina com os sobrinhos <strong>de</strong>ixou marcas<br />
profundas <strong>de</strong> gratidão, fazendo com que sua sobrinha Ana, minha avó, em<br />
homenagem a essa tia <strong>de</strong>sse o seu nome a sua segunda <strong>filha</strong>. João Elias,<br />
embora homem ru<strong>de</strong> possuía uma sensibilida<strong>de</strong> e gestos que o fez capaz <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong>s atos.<br />
Já Maria Rosalina nos conta que:<br />
Elias Ribeiro [como também era conhecido] era um<br />
homem valente, na época da revolução, ele e o irmão<br />
encontraram os soldados que pegaram as espingardas e<br />
apontaram para eles [Elias Ribeiro e o irmão] e pediram<br />
para que <strong>de</strong>ssem as armas e ele falou: só se for o que<br />
tiver <strong>de</strong>ntro – ‘chumbo’ - e o que tá fora não [espingarda].<br />
E o soldado disse: <strong>de</strong>ixem esses bravos e fortes rapazes<br />
seguirem. Isso ocorreu aproximadamente logo após a<br />
in<strong>de</strong>pendência. (MARIA ROSALINA, 2004).<br />
Acrescenta Boaventura Moura: “Figura <strong>de</strong>stemida, conhecida<br />
como único que tinha a coragem no Rio Pardo <strong>de</strong> sair da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Canavieiras remando contra maré”.<br />
abaixo:<br />
Mas também sensível e capaz <strong>de</strong> escrever versos como esse
Bem-ti-vi<br />
Eu vi bem-ti-vi cantando<br />
Triste vida é a tua<br />
Te vejo em tão mau estado<br />
Andando assim pela rua<br />
Vejo muitos indivíduos<br />
Que não querem trabalhar<br />
Só querem é boa roupa<br />
Cavalo para passear<br />
E hoje para viverem<br />
Estão fazendo cassuá<br />
Valei-me Nossa Senhora<br />
Meu Deus do que será<br />
Com tantos filhos e mulher<br />
Sem eu pu<strong>de</strong>r sustentar<br />
Foi no romper da aurora<br />
Que eu vi bem-ti-vi cantar.<br />
******* ******** *******<br />
Caixa <strong>de</strong> Rapé<br />
Abre-te caixa do rio<br />
Toma tabaco, sucena<br />
Meu avô tinha<br />
Duas caixas<br />
Uma gran<strong>de</strong><br />
Outra pequena<br />
Em uma tomava mais<br />
Na outra tomava menos<br />
Quando tomava gostava<br />
E como gostava chorou<br />
No reino do céu se veja<br />
Que o bom Tabaco inventou
****** ******** ******<br />
A folhinha <strong>de</strong> alecrim<br />
Cheira mais quando pisado.<br />
Há muita gente que é assim,<br />
Quer mais bem se <strong>de</strong>sprezado...<br />
(Versos <strong>de</strong> João Elias Ribeiro).<br />
João Elias veio a falecer no dia 12 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1908, (vê anexo fig.<br />
20, periódico, Monitor do Sul <strong>de</strong> 19/04/1908). “Vítima <strong>de</strong> tétano, causado<br />
pôr um prego que lhe perfurara o pé”. (BOAVENTURA MOURA, 2004),<br />
“[...] e continuou calcando o sapato, ele foi a Canavieiras, quando voltou<br />
aos Lagos adoeceu”. (ZÉ CAMPOS, 2004).<br />
Retornando a história <strong>de</strong> Mãe Calú, conta-se também um fato, fato esse que,<br />
como mãe, registro como a maior significância quanto ao espírito<br />
<strong>de</strong> abnegação e humanida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ante <strong>de</strong> Deus <strong>de</strong>sta mulher.<br />
Relata tia Lour<strong>de</strong>s:<br />
Numa certa ocasião, ela recebeu um pedido <strong>de</strong> ajuda <strong>de</strong><br />
comida <strong>de</strong> um preso, cujo preso havia morto um dos seus<br />
filhos do primeiro matrimonio. E ela diante do pedido<br />
enviou o alimento. Quando as pessoas comentaram<br />
censurando, ela disse: Ele mandou pedir pelo amor <strong>de</strong><br />
Deus. Sua bonda<strong>de</strong> a fez querida <strong>de</strong> toda aquela<br />
população ribeirinha. (LURDES MOURA, 2004).<br />
E, ela continua narrando: “Mãe Calú, como era conhecida<br />
Carolina Ribeiro, era morena, usava bata e no cabelo um coque.<br />
Matriarca era uma mulher forte e tinha o hábito <strong>de</strong>la mesmo ven<strong>de</strong>r<br />
o cacau junto a firma compradora em Canavieiras”.<br />
Lur<strong>de</strong>s Moura (2004) acrescenta:<br />
Mulher forte, reconhecendo que havia chegado a sua hora<br />
dirigiu-se a sua <strong>filha</strong> Joaquina dizendo: “traga essa Nossa<br />
Senhora porque estou no final [...] traga a minha médica [...].<br />
Começou a rezar o ofício quando “Quininha”, como era<br />
chamada tia Joaquina, sentiu que ela estava cansada e disse:
mamãe fique rezando, fixe no seu pensamento, e assim ela se<br />
foi.<br />
Mãe Calú, como era carinhosamente chamada, aos 75 anos vítima<br />
<strong>de</strong> um aneurisma, diagnosticado pelo seu filho médico, João Vargens, veio<br />
a falecer no dia 12 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1924, conforme consta no periódico<br />
local da época, o “Progressista” (vê anexo fig. 21). Seu corpo foi removido<br />
para Canavieiras on<strong>de</strong> foi sepultada as 17:00 do mesmo dia. O percurso<br />
feito <strong>de</strong> canoa foi várias vezes, interrompido, por aqueles que queriam vê-la<br />
pela última vez. “Carolina Ribeiro figura marcante por possuir uma<br />
inteligência brilhante, imprimiu um caráter respeitável, <strong>de</strong>terminada, esse<br />
processo conservador que eles [a família] mantém até hoje”.<br />
(BOAVENTURA MOURA, 2004).
6 A FESTA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO<br />
Era o dia 8 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2003 quando eu, minha<br />
<strong>filha</strong> Cristiana, minha irmã Vitória, meu genro e meu neto, nos<br />
movíamos em direção a fazenda Lagos para mais uma<br />
comemoração e celebração da festa <strong>de</strong> Nossa Senhora da<br />
Conceição.<br />
Após <strong>de</strong>ixarmos a BR 101, trecho Camacã, alcançamos<br />
a estrada <strong>de</strong> acesso a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Canavieiras, e num atalho,<br />
chegamos aos Lagos on<strong>de</strong> tudo parecia que o tempo não<br />
passara.<br />
Ao penetrarmos na se<strong>de</strong> da fazenda, enquanto o carro <strong>de</strong>slizava<br />
pela estrada e a medida que <strong>de</strong>scortinávamos os “Lagos”, o silêncio me<br />
fez sentir, como uma criança, inebriada pela fantasia. Passávamos pelas<br />
velhas jaqueiras, pela farinheira e eis que lá estava a “velha” e a “nova<br />
casa” cheia <strong>de</strong> gente como há 125 anos (vê anexo fig. 22).<br />
Ao darmos acesso a “casa gran<strong>de</strong>” (vê anexo fig. 23)<br />
encontramos João Elias, neto do velho João Elias, conversando com o<br />
Padre. Estava também, além <strong>de</strong> muitos outros, “Caçula” (Cecília Félix dos<br />
Santos), terceira esposa <strong>de</strong> Boaventura Ribeiro, mulher <strong>de</strong> fibra, cuja
imagem trago na lembrança, quando um dia a vi, alguns anos atrás, com<br />
um gran<strong>de</strong> chapéu <strong>de</strong> palha empunhando uma enxada. Hoje, com 78 anos<br />
mantém, com seu filho João Elias, a tradição secular da família acolhendo a<br />
todos com o carisma <strong>de</strong> uma guardiã <strong>de</strong> um velho templo.<br />
Enquanto isso, minha <strong>filha</strong> Cristiana, sensível a imagens,<br />
fotografava como uma arqueóloga as marcas do passado. Seus olhos<br />
<strong>de</strong>slizavam e se prendiam a objetos dos quais sua avó Rosalina tanta vida<br />
os <strong>de</strong>u, nos relatos da sua infância... O tacho gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer sabão (vê<br />
anexo fig. 24), a talha <strong>de</strong> água no mesmo canto...<br />
Ah! A dispensa que fazia lembrar a história da “cabaça” que<br />
minha tia Lour<strong>de</strong>s com tanta sauda<strong>de</strong> nos contou que, a cozinha, a mesa<br />
comprida com bancos compridos laterais e mais, uma mesa também com<br />
bancos compridos, local preferido para as conversas <strong>de</strong> família, as mesmas<br />
mesas que serviam uma para as visitas e a outra para as pessoas <strong>de</strong> casa.<br />
Enfim, um perfeito registro memorável do mobiliário <strong>de</strong> uma época.<br />
Ao <strong>de</strong>ntrarmos a casa nova, como ainda é chamada, do lado<br />
direito da varanda que circula toda a casa, junto a um gran<strong>de</strong> e velho sino<br />
(vê anexo fig. 25), uma senhora cuidadosamente assentava os nomes das<br />
crianças que haviam <strong>de</strong> receber o sagrado sacramento do batismo.<br />
Após preparativos, a missa começou a ser celebrada na velha<br />
capela da “casa nova”, a mesma capela que assistiu silenciosamente a<br />
celebração <strong>de</strong> muitos casamentos e batizados. Algumas crianças com seus
trajes domingueiros circulavam pela varanda a espera do momento do<br />
batismo.<br />
Enquanto a missa corria meus olhos se <strong>de</strong>tinham nas portas e<br />
pare<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> pouca coisa dava sinal <strong>de</strong> mudança, exceto ponto <strong>de</strong> luz ali e<br />
acolá, como sinal da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> segurança dos novos tempos. A capela<br />
anexada a gran<strong>de</strong> sala como nos mostra as fotos (vê anexo fig. 25),<br />
representava para a família, o lugar sagrado da casa, local <strong>de</strong> recolhimento<br />
e preces.<br />
Antigamente, na distância das paróquias, localizadas nas cida<strong>de</strong>s,<br />
as famílias dos proprietários <strong>de</strong> terra erguiam altares preservados com o<br />
maior zelo e respeito. Não havia fazenda que se prezasse que não houvesse<br />
um altar no qual se pu<strong>de</strong>sse receber uma visita <strong>de</strong> um padre. O acervo <strong>de</strong><br />
fotos (da região) (vê anexo fig. 26, 27 e 28) <strong>de</strong> altares existentes revela a<br />
realida<strong>de</strong> da época como um símbolo sagrado e importância do significado<br />
da religião católica para as famílias da Região.<br />
A existência do local sagrado abria-se o acesso às pessoas que<br />
quisessem a esse se dirigir. A religião proporcionava a união entre patrões e<br />
empregados diante do temor e po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Deus.<br />
Essas famílias em ocasiões especiais recebiam a visita do “Santo<br />
Padre” e “Senhor Bispo” Dom Eduardo (vê anexo fig. 29) como um sinal<br />
<strong>de</strong> mérito e prestigio social. O prestigio da presença <strong>de</strong> representantes do<br />
clero (vê anexo fig. 30) <strong>de</strong>ixava em pavorosa a fazenda. A vida pacata se
transformava num “corre-corre” “um <strong>de</strong>us nos acuda” para que tudo saísse<br />
conforme ano ou até anos planejado. A cozinha enchia-se das comadres<br />
que viam dar um “adjutório”. As galinhas, os porcos, os carneiros cevados<br />
eram sacrificados nesta época e os padres e bispos se empanturravam das<br />
<strong>de</strong>liciosas comidas feitas com o maior esmero e carinho. Oito dias antes já<br />
se começava a ralar o coco para os bolos, para a festa <strong>de</strong> Nossa Senhora da<br />
Conceição.<br />
A história da vida religiosa da fazenda Lagos contava tia Lour<strong>de</strong>s<br />
e tio Boaventura, começou quando Carolina “Mãe Calú” chegando da<br />
região do recôncavo baiano, Alagoinhas, trouxe consigo a imagem <strong>de</strong><br />
Nossa Senhora da Conceição.<br />
A festa <strong>de</strong> Nossa Senhora da Conceição representava para a<br />
fazenda Lagos e toda a vizinhança das margens do rio Pardo uma<br />
oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> congraçamento on<strong>de</strong> todos participavam e contribuíam.<br />
“No período <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro”, lembra tia Lour<strong>de</strong>s com emoção:<br />
Beijemos todos contritos<br />
A Conceição <strong>de</strong> Maria<br />
Havia a novena <strong>de</strong> Nossa Senhora, era rezada à noite por todos<br />
os presentes os presentes, no final quando terminava a ladainha<br />
<strong>de</strong> Nossa Senhora todos cantavam:<br />
Louvemos a mãe <strong>de</strong> Deus<br />
Louvemos com alegria<br />
Em seguida todos da família e <strong>de</strong>mais que estavam presentes<br />
iam beijar o altar [...]. (LOURDES MOURA, 2004).
Emocionada tia Lour<strong>de</strong>s interrompeu a sua fala. Refeita da<br />
emoção, provocada pela lembrança, acrescenta:<br />
Detalhes [...] eu fico com um pouco <strong>de</strong> cerimônia, <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>mos<br />
<strong>de</strong> uma família humil<strong>de</strong> e esta festa <strong>de</strong> Nossa Senhora nunca<br />
faltava nada, mas um certo dia era festa <strong>de</strong> Nossa Senhora da<br />
Conceição, eu nunca ouvi minha mãe contar [...] A minha tia<br />
Joaquina que não era <strong>de</strong> mentira ou anedotas contava que as<br />
duas estavam cantando o hino [Joaquina e Josefa] (vê anexo fig.<br />
31 e 32) ao tempo em que contavam as “patacas” para a festa <strong>de</strong><br />
Nossa Senhora da Conceição quando uma <strong>de</strong>las disse para a<br />
outra: oh! Minha irmã esta faltando! [...] e aí ouviram um<br />
“tirintimtim” <strong>de</strong> dinheiro e apareceu a “pataca”. As duas se<br />
abraçaram e ficaram comovidas com aquilo e muito agra<strong>de</strong>cidas<br />
a Nossa Senhora. (LOURDES MOURA, 2004).<br />
Concluiu mais uma vez emocionada tia Lour<strong>de</strong>s.<br />
A festa da Conceição não somente era marcada pelo sagrado, mas<br />
também pelo profano. Havia a parte folclórica, como relata, ainda Lur<strong>de</strong>s<br />
Moura:<br />
E eu era menina como meus netos [...] então ali mesmo na<br />
fazenda faziam-se aqueles “Ternos <strong>de</strong> Reis” [...] fechava-se a<br />
porta, o violão tocando [...]um conjuntinho com ban<strong>de</strong>iras,<br />
meninotas fantasiadas com guirlandas, ban<strong>de</strong>irolas, tocando os<br />
pan<strong>de</strong>irinhos [...] porta fechada [...] janela fechada [...] naquela<br />
época era assim, elas tinham que cantar e a dona da casa abria a<br />
porta: Dona da casa [...] garrafa <strong>de</strong> vinho [...] doce <strong>de</strong> araçá [...]<br />
ela então abria a porta cumprimentavam Nossa Senhora na<br />
capela dos Lagos e <strong>de</strong>pois ela [...] tinha danças ali mesmo no<br />
salão. (LOURDES MOURA, 2004).<br />
Boaventura Moura (2004) conta que:<br />
Mas a fazenda Lagos, cuja se<strong>de</strong> situava-se no alto, não só<br />
abrigava a população vizinha em épocas <strong>de</strong> festa, mas também<br />
nos períodos das gran<strong>de</strong>s enchentes do Rio Pardo (vê anexo fig.<br />
33), on<strong>de</strong> toda a população ribeirinha abandonava a suas casas e<br />
se abrigavam nos Lagos. Assim, a fazenda Lagos cumpria a sua<br />
função também humanitária.
Contava minha avó “Naninha”, Ana Ribeiro <strong>de</strong><br />
Moura, <strong>filha</strong> <strong>de</strong> João Elias Ribeiro que quando havia<br />
enchente, todo aquele povo subia em busca <strong>de</strong><br />
acolhimento e ali ficavam até que as águas baixassem.<br />
Neste período <strong>de</strong> enchentes que eram freqüentes “as<br />
panelas não restavam [...] latas <strong>de</strong> gás. Matava-se boi,<br />
contavam os mais velhos”.<br />
Maria Rosalina (2004) completa:<br />
O Senhor Bispo, D. Eduardo, durante as<br />
“missões” tinha o hábito <strong>de</strong> ir <strong>de</strong>scansar<br />
na fazenda Lagos, ocasião que nos seus<br />
aposentos privados fazia uso para o seu<br />
asseio pessoal <strong>de</strong> bacia e jarro antigo, que<br />
hoje se encontram em mãos <strong>de</strong> Maria<br />
Rosalina [minha mãe] neta <strong>de</strong> João Elias<br />
e Mãe Calú. Em Ilhéus além da Catedral<br />
construída no Pontal por esse Bispo, há<br />
um museu retratando a sua vida. Dom<br />
Eduardo é venerado pela população <strong>de</strong><br />
Ilhéus que lhe atribui milagres realizados<br />
junto a população. Conta-se que um casal<br />
<strong>de</strong> Ilhéus se separou e o marido arranjou<br />
outra mulher. O Bispo já havia falecido e<br />
a esposa em lágrimas pediu misericórdia<br />
a Dom Eduardo que aparecendo ao<br />
marido apontava para direção da antiga<br />
casa <strong>de</strong>le. E ele voltou pedindo <strong>de</strong>sculpa<br />
para a mulher.
6.1 LEMBRANÇAS DO PASSADO: RELÍQUIAS DE UM TEMPO<br />
Aqui são registradas lembranças que tia Lour<strong>de</strong>s me<br />
passou, fruto dos seus momentos <strong>de</strong> recordações da sua infância e<br />
que nos presenteia e nos revelam a forma <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> uma época,<br />
<strong>de</strong> um tempo que não volta mais.<br />
Escova <strong>de</strong> <strong>de</strong>nte do pobre era um pedaço <strong>de</strong> saboeira, faziam uma espécie <strong>de</strong><br />
pincel. Cigarros <strong>de</strong> fumar, eles mesmo faziam os cigarros.<br />
Também tinha uma latinha pequena <strong>de</strong> rapé, fumo <strong>de</strong>smanchado<br />
e carregavam nos bolsos da calça, ofereciam aos amigos.<br />
Festas junina, muita laranja, licor <strong>de</strong> jenipapo, os amigos se<br />
presenteavam trocando prato <strong>de</strong> canjica.<br />
do sapato.<br />
Não havia graxa para pobre, usavam graxa vermelha para limpeza<br />
Não tinham dinheiro para comprar perfume, lavavam suas roupas<br />
com folhas <strong>de</strong> patixuli.<br />
Quando tinham <strong>de</strong> ir a uma festa, colocavam a roupa <strong>de</strong><br />
preferência, enrolada numa toalha no braço, andavam quilômetros pés<br />
<strong>de</strong>scalços e sapato nas mãos até a festa.<br />
Na igreja, faziam promessas, ajoelhados, entravam <strong>de</strong> pé<br />
<strong>de</strong>scalços até o altar, algumas vezes com vela acesa.<br />
Quando morria um amigo, mandavam ban<strong>de</strong>jas <strong>de</strong> flores, uma<br />
ban<strong>de</strong>ja <strong>de</strong> esmalte com o nome no fundo. Acompanhavam o enterro,
aianas carregando as ban<strong>de</strong>jas, <strong>de</strong>mais flores erram carregadas numa<br />
cocha, quatro pessoas carregando.<br />
Os palitos eram feitos com talo <strong>de</strong> folhas <strong>de</strong> palmeira <strong>de</strong> ouricuri.<br />
As meninas brincavam <strong>de</strong> guisado, cozinhavam com as<br />
amiguinhas. As amiguinhas levavam arroz, feijão e assim faziam seu<br />
cozinhado.<br />
Natal festa que toda a família se reunia como hoje em vez <strong>de</strong> ser<br />
este comércio, todo mundo fazia seus bolos, sequilhos, bolacinhas <strong>de</strong><br />
goma, peru, assado <strong>de</strong> porco. Papai Noel trazia presentes pondo nos<br />
sapatos..<br />
Quando a mãe esperava um neném, o anjo trazia ou a cegonha, eu<br />
achava muito era daquela época.<br />
Noite <strong>de</strong> Reis, havia ternos com roupas, diversos arcos com<br />
lanternas <strong>de</strong> papel, conjunto <strong>de</strong> violão, cavaquinho, flauta, visitavam o<br />
presépio <strong>de</strong>pois ia para uma casa amiga e aí dançavam toda à noite.<br />
Pote, com concha <strong>de</strong> pau. Cafeteira <strong>de</strong> flan<strong>de</strong>, para coar o café e o<br />
coador. Uma moringa tendo como tampa, uma pecinha <strong>de</strong> crochê. Cuia <strong>de</strong><br />
cabeça para farinheira e cabaça pequena, saboneteira. Vassoura e<br />
vassourinha para varrer chão batido.<br />
Frufú <strong>de</strong> castanha torrada, feita em triângulo <strong>de</strong> papel.
Cestinha <strong>de</strong> papel <strong>de</strong> seda cortado para colocar queimadas.<br />
Cocada preta <strong>de</strong> cortar. Pé-<strong>de</strong>-moleque, coco farinha e rapadura, aufere <strong>de</strong><br />
rapadura.<br />
Almofada para fazer renda com bilros <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. Bastidor para<br />
bordar. Bonecas <strong>de</strong> pano preta, cor-<strong>de</strong>-pele, mulata.
7 “MISSÃO CUMPRIDA”<br />
Com a expansão da cacauricultura na região <strong>de</strong><br />
Canavieiras, precisamente vale do Rio Pardo <strong>de</strong> clima<br />
quente úmido e solos férteis, a agricultura do cacau veio<br />
a florescer passando a Bahia a <strong>de</strong>spontar como<br />
produtora e conseqüentemente, exportadora do produto.<br />
Neste período, João Elias passa a ser agricultor<br />
<strong>de</strong> cacau juntamente com seus dois filhos mais velhos:<br />
Manoel e Antônio uma vez que os dois mais moços, já<br />
havia <strong>de</strong>ixado a fazenda e ido para a “Bahia” (diga-se<br />
Salvador, como assim se dizia) a fim <strong>de</strong> darem início a<br />
sua formação acadêmica, Boaventura como engenheiro,<br />
e João “Vargens” como médico. Ambos, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
formados abandonaram suas profissões a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong><br />
excelentes convites <strong>de</strong> trabalho em São Paulo e Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, retornando às suas terras <strong>de</strong> origem.<br />
Entretanto, embora a região apresentasse<br />
condições favoráveis ao plantio do cacau, situações<br />
adversas como terras sujeitas a freqüentes enchentes e<br />
aos limites do vale do rio Pardo, fizeram com que João<br />
Elias e seus filhos resolvessem procurar terras altas e<br />
férteis como alternativa para novas plantações.<br />
Diante <strong>de</strong>ssas circunstâncias, João Elias após<br />
analisar, planejar, resolveu por em pratica sua idéia <strong>de</strong><br />
realizar uma expedição e, conseqüentemente, a<br />
ocupação <strong>de</strong> uma área hoje chamada <strong>de</strong> Camacã.<br />
Quero crer que ele já conhecia a região pelas<br />
razões <strong>de</strong> tanta certeza, em sua afirmação aos seus<br />
filhos, na orientação da primeira excursão a bacia do<br />
Panelão. Possivelmente, como caçador ou como<br />
explorador <strong>de</strong> minérios, pois nesta época, pouco antes <strong>de</strong><br />
sua intenção em cultivar na bacia hidrográfica do
Panelão, tributário do Rio Pardo, ele exerceu por algum<br />
tempo, ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garimpeiro, ativida<strong>de</strong> esta, que<br />
fazia dos indivíduos verda<strong>de</strong>iros <strong>de</strong>sbravadores.<br />
Ano fins <strong>de</strong> 1888, o ano em que minha mãe<br />
nasceu, penúltima <strong>filha</strong> do casal Carolina Severiano<br />
Ribeiro e João Elias Ribeiro, possivelmente, no verão,<br />
mas como eles eram religiosissímos embora planejava<br />
para 1888 teria sido realmente em fins <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro a<br />
janeiro <strong>de</strong> 1889 a ocorrência do fato, ou seja: em pleno<br />
verão, melhor probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contar como meio mais<br />
favorável, e, portanto, logo após o Natal uma festa<br />
máxima da fazenda Lagos.<br />
Homem <strong>de</strong>terminado, conhecido como único que<br />
tinha a coragem no Rio Pardo ao sair da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Canavieiras remando contra a maré, o seu horário <strong>de</strong><br />
viagem, não importava se era vazante ou enchente, não<br />
lhe interessava se por ventura atrasasse ou adiantasse<br />
na sua viagem, o horário e a data eram para ser<br />
cumprida a qualquer preço!<br />
No entanto, não havia razões ou motivos que<br />
pu<strong>de</strong>sse alterar o seu comportamento, compromisso e<br />
horário são coisas sagradas.<br />
Mas, nem sempre, os fatos ocorrem como<br />
gostaríamos que acontecesse, e ele João Elias Ribeiro,<br />
adoece as vésperas da data fatídica. Duas alternativas<br />
lhe ocorrem: mudar a data, adiando a incursão, ou,<br />
transferindo o comando ao seu filho mais velho com<br />
apenas 19 anos.<br />
Fiel a seus princípios, e amargurado por não<br />
po<strong>de</strong>r partir, chama Manoel Ribeiro 19 anos (vê anexo<br />
fig. 34) e Antônio Ribeiro, então com 16 anos (vê anexo<br />
fig. 35), e os transfere o comando e <strong>de</strong>terminações a<br />
serem cumpridas rigorosamente neste trajeto <strong>de</strong> 30 dias<br />
entre saída e o regresso.<br />
Acostumado ao rigor da or<strong>de</strong>m paterna,<br />
ninguém ousava contestar, e então <strong>sobre</strong> o comando <strong>de</strong>
dois imberbes, 15 homens aceitando o <strong>de</strong>safio, partem<br />
para esta memorável jornada <strong>de</strong> <strong>de</strong>sbravadores.<br />
A missão proposta por Elias Ribeiro era subir Rio<br />
Pardo <strong>de</strong> canoa até a <strong>de</strong>sembocadura do Rio Panelão, no<br />
Rio Pardo, disseminando em locais favoráveis e que<br />
pu<strong>de</strong>ssem, sementes <strong>de</strong> cacau ao longo do caminho e daí<br />
até subirem, ainda encontrar o rio Aliança, percorrendo<br />
o mesmo até chegar ao mar. Esta expedição tinha or<strong>de</strong>ns<br />
<strong>de</strong> João Elias Ribeiro <strong>de</strong> regressar <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um prazo <strong>de</strong><br />
trinta dias, período este que garantia o sucesso ou<br />
insucesso da expedição.<br />
Região habitada por índios (vê anexo fig. 36, 37 e<br />
38), contam os expedicionários que jamais chegou a<br />
avistar neste trajeto, qualquer índio, não <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong><br />
perceber, contudo, a presença dos mesmos através <strong>de</strong><br />
sons, movimentos das árvores, etc. Levavam uma<br />
pequena e leve bagagem individual, bijuterias espelhos e<br />
argolas etc. como presentes para os índios, como um<br />
meio <strong>de</strong> acalmá-los.<br />
Conta Antônio Ribeiro, o filho mais novo da<br />
incursão, que jamais viu um índio, mas que, no entanto,<br />
inúmeras vezes abatiam uma caça e não conseguia<br />
apanhá-la pois o índio chegava primeiro. Concluíam eles,<br />
portanto <strong>de</strong> que estavam sendo seguidos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o estuário<br />
do rio Panelão em todo o seu trajeto.<br />
Passos, movimentos <strong>de</strong> galho assobios, etc. todos<br />
esses indícios, mantinha toda a equipe em estado <strong>de</strong><br />
alerta. Até chegar as nascentes do Panelão numa serra<br />
escarpada hoje divisória dos municípios <strong>de</strong> Jussarí, Una,<br />
e Camacã Arataca.<br />
A seguir veremos o relato <strong>de</strong> Boaventura Moura<br />
<strong>sobre</strong> a primeira e a segunda expedição:<br />
Primeira expedição:<br />
A primeira expedição, segundo Antônio<br />
Ribeiro, foi atingido aproximadamente
quando era cerca <strong>de</strong> mais ou menos três<br />
horas da tar<strong>de</strong>, local <strong>de</strong> uma pedreira<br />
encostada na serra, o Panelão um filete<br />
<strong>de</strong> água, <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Antônio Ribeiro<br />
e Manoel que <strong>de</strong> posse <strong>de</strong> um facão<br />
escarifica a rocha, <strong>de</strong>ixa sua marca como<br />
referência e mais e mais alguns cortes <strong>de</strong><br />
machado num pé <strong>de</strong> Jequitibá bem<br />
próximo e disse: Missão cumprida e<br />
sentou-se exausto.<br />
O regresso <strong>de</strong>sta expedição se <strong>de</strong>u por<br />
sugestão <strong>de</strong> Manoel Ribeiro, por outro<br />
caminho que pretendia alcançar os<br />
campos da Fabiana, evitando encontrar<br />
“estrepes” caso voltasse pela trilha. Todos<br />
se acercaram <strong>de</strong>le e disse a palavra que<br />
atenciosamente aguardavam: “vamos<br />
voltar”. Ele Manoel sisudo, calado falou:<br />
por on<strong>de</strong>? Por unanimida<strong>de</strong> falaram<br />
todos: pelo mesmo lugar que viemos.<br />
Antônio aguardou Manoel falar. E<br />
Manoel bradou: Não por aí não. Antônio<br />
sem enten<strong>de</strong>r perguntou: por que não? –<br />
eles estão nos esperando com “estrepes”<br />
[significa armadilhas].<br />
Antônio foi logo categórico: eu<br />
acompanho meu irmão! Ante o fato, todos<br />
concordaram, concordaram com Manoel<br />
e aí eles acamparam para reiniciar a<br />
viagem <strong>de</strong> retorno, na orientação<br />
pre<strong>de</strong>terminada por Manoel em que<br />
pretendia alcançar os Lagos [fazenda]<br />
pelos campos da Fabiana.
O trajeto escolhido era complemente<br />
diferente da ida, e em breve, observava-se<br />
não mais a companhia suspeita e<br />
intranqüilo dos índios. Salvo a incomoda<br />
condução do enfermo, nada registrar até<br />
mais ou menos a serra, hoje serra <strong>de</strong> Rio<br />
Branco, no atual município <strong>de</strong> Arataca -<br />
Especialmente agora em que um<br />
imprevisto ocorreu: um doente sendo<br />
conduzido numa re<strong>de</strong>, e em plena mata<br />
também, não era novida<strong>de</strong> para eles <strong>de</strong><br />
que os índios estavam a pouco dali, e que<br />
eles embora <strong>de</strong> acampamento em<br />
acampamento <strong>de</strong>ixavam lembranças <strong>de</strong><br />
bijuterias, mas nas estradas dos índios,<br />
foram praticados alguns estragos,<br />
especialmente para se fazer passar re<strong>de</strong><br />
com o doente, ou seja, cortar cipós que<br />
obstaculavam o trânsito, e isso, em<br />
estradas dos índios, equivale <strong>de</strong>clarar<br />
guerra.<br />
O velho João Elias havia orientado que<br />
eles <strong>de</strong>scessem a serra e saíssem nos<br />
campos para ser mais fácil no litoral, por<br />
isso, que eu acho que ele conhecia a região<br />
como caçador. Desciam eles a serra em<br />
coluna indiana quando inesperadamente,<br />
um brado <strong>de</strong> alerta, tendo como causa<br />
[cheiro <strong>de</strong> fumaça], pois havia a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se irromper um<br />
acampamento indígena e<br />
conseqüentemente haveria luta, mas para<br />
felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos era uma “pioneira<br />
farinheira” em pleno funcionamento.
Quando eles saíram no córrego estavam<br />
as mulheres fazendo farinha, quando as<br />
mulheres olharam os caras com barbas<br />
<strong>de</strong>ste tamanho, não ficou ninguém [...] e<br />
aí eles gritavam: ei gente [...] somos <strong>de</strong><br />
paz [...] eu sou filho <strong>de</strong> João Elias Ribeiro.<br />
Eles gritavam, mas as mulheres correram<br />
com os filhos todos [...] gritavam para a<br />
mata: [...] po<strong>de</strong> aparecer [...]. Naquela<br />
época mulher não tinha confiança, todo<br />
mundo era bandido, fugitivo [...].<br />
Mais tar<strong>de</strong> apareceu um cara, o marido<br />
<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las, que tinha trabalhado na<br />
fazenda Lagos e conheciam o velho<br />
patriarca da família Ribeiro, e aí foram<br />
bem recebidos, reconhecidos e<br />
i<strong>de</strong>ntificados, entraram comeram<br />
“farinha fresquinha” – as primeiras<br />
penetrações agrícolas. Depois da<br />
confraternização, esse cara levou eles <strong>de</strong><br />
canoa, saiu dali <strong>de</strong> Rio Branco e levou<br />
eles até em baixo, [o rio era muito mais<br />
perene do que hoje] do Rio Branco até<br />
quase [...] eu acredito adiante on<strong>de</strong> é a<br />
fazenda <strong>de</strong> Marcelo Ge<strong>de</strong>on, porque daí<br />
eles tiraram uma reta para <strong>de</strong>ntro<br />
pegaram os campos e foram sair em<br />
Canavieiras.<br />
A preocupação <strong>de</strong> Manoel <strong>de</strong> agora em<br />
diante era <strong>sobre</strong> “prazos concedidos pelo<br />
seu pai” consi<strong>de</strong>rando o atraso que o<br />
doente ocasionou neste percurso, e pela<br />
máxima brevida<strong>de</strong>, ele sabia que o tempo<br />
seria estourado e as conseqüências que
haveria <strong>de</strong> advir, portanto tratou ao<br />
máximo <strong>de</strong> acelerar o regresso. Nesta<br />
altura o velho João Elias <strong>de</strong>u um prazo a<br />
eles <strong>de</strong> voltar e eles já tinham<br />
ultrapassado 2 dias e já tinha reunido 20<br />
homens para ir a trás <strong>de</strong>les.<br />
Mesmo assim o doente era um problema<br />
em se transportar. Gastou-se uma semana<br />
do atual Rio Branco a fazenda Lagos,<br />
on<strong>de</strong> o velho patriarca João Elias Ribeiro<br />
já se preparava para partir em busca dos<br />
filhos com mais <strong>de</strong> 30 homens<br />
<strong>de</strong>vidamente preparados para toda sorte<br />
<strong>de</strong> circunstâncias.<br />
Tudo aquilo a risca programado no dia<br />
tal, no dia tal olhe lá... no dia tal... a<br />
volta... Não sei quantos dias eles subiram<br />
rio Prado e entraram no Panelão.<br />
A mãe Calú já preocupada pela ausência<br />
dos filhos, aí vem a influência..., Deixava<br />
ele intranqüilo, ficou preocupadíssima<br />
pela briga da mulher. Entretanto, Manoel<br />
sabia do pai <strong>de</strong>le... E mandou um cara na<br />
frente que esperasse eles que eles estavam<br />
chegando. Ao chegarem, João Elias, já se<br />
preparava para ir a busca dos<br />
expedicionários, com 30 homens<br />
preparados para qualquer tipo <strong>de</strong><br />
embate.<br />
Essa é a primeira missão exploradora da<br />
bacia Hidrográfica do Panelão.<br />
(BOAVENTURA MOURA, 2004).
Segunda Expedição:<br />
Em 1894 partia segunda expedição<br />
comandada pelo seu i<strong>de</strong>alizador João<br />
Elias Ribeiro, que ao alcançar as áreas<br />
semeadas pela expedição anterior, on<strong>de</strong> é<br />
hoje o Vargito, confluência do Panelinha<br />
com Panelão, e <strong>de</strong>frontando-se com as<br />
mudas <strong>de</strong> cacau com tamanha e<br />
exuberância, com lágrimas nos olhos<br />
disse: “Gostaria <strong>de</strong> ter menos <strong>de</strong> vinte<br />
anos. Oh! quanto tempo perdido! Aqui<br />
esta o sucesso e a Glória.”<br />
João Elias explorando a Região ainda<br />
nesta mesma ocasião, alcançando a atual<br />
local da Fazenda Santa Maria, sentado<br />
admirando a cachoeira [que<br />
posteriormente passou <strong>de</strong>pois a ter o seu<br />
nome] disse: “Se eu conheço aqui há vinte<br />
anos atrás teria feito os meus Lagos aqui!”<br />
(BOAVENTURA MOURA, 2004) (vê<br />
anexo fig. 39).<br />
Existe, entretanto, uma outra versão<br />
apresentada por José Campos, filho <strong>de</strong> Antônio Ribeiro,<br />
que embora haja uma divergência quanto as primeiras<br />
expedições não compromete o teor da essência, mas achei<br />
<strong>de</strong> bom senso trazer ao conhecimento do leitor para que<br />
esse, faça a sua própria conclusão.<br />
Para Zé Campos, como familiarmente o<br />
conhecemos, a 1 ª expedição vieram João Elias, Manoel o<br />
pai <strong>de</strong> Jaci, eles chegando na região dos Campos, o<br />
cozinheiro disparou a arma nele mesmo, em vista disso<br />
eles voltaram, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 3 ou 4 dias, eles voltaram foram
para Canavieiras para levar ao conhecimento das<br />
autorida<strong>de</strong>s o que tinha ocorrido.<br />
Então prepararam uma segunda expedição, foi<br />
quando o velho João Elias adoeceu e não po<strong>de</strong> vir. Essa<br />
segunda expedição tinha o itinerário totalmente diverso.<br />
A primeira expedição viria dos Lagos cortando o<br />
Salobro que já tinha... Tinha direta pra aqui. A segunda,<br />
eles vieram para o oci<strong>de</strong>nte e visitar o lugar on<strong>de</strong> o<br />
aci<strong>de</strong>ntado ficou sepultado... Se morreu?.... Morreu<br />
imediatamente, dizem que jorrava sangue pelo pescoço<br />
parecendo um boi.<br />
A segunda expedição eles vieram até esse ponto<br />
para daí ir em direção ao rio Pardo e daí começaram a<br />
subí-lo margiando. Foram sair em Cachoeirinha <strong>de</strong><br />
Camacã, foram a Una, <strong>de</strong> Una foram para<br />
Comandatuba a Canavieiras, <strong>de</strong> Camacã subiram o Rio<br />
Pardo sem nada <strong>de</strong> profícuo, sem nada observarem nesta<br />
expedição porque praticamente foi a primeira, porque a<br />
primeira foi frustrada. Na segunda expedição já sim,<br />
eles a<strong>de</strong>ntraram na mata e vieram acampar aqui na<br />
confluência do Rio Panelão e Panelinha.<br />
“Eu vi o esteio aí no chão, é no alto aqui daqui, a<br />
100 metros daqui, atravessando o Panelinha aí”. (ZÉ<br />
CAMPOS, 2004).
8 UM SONHO, UMA LUTA, UMA CONQUISTA<br />
Como todo começo, esse não foi diferente para os<br />
primeiros colonizadores que penetraram nestas virgens<br />
matas. Isolamento, solidão e nevoeiro constante. Segundo<br />
meu tio avô, Boaventura Ribeiro, o <strong>de</strong>nso nevoeiro<br />
causado pelo alto índice pluviométrico, inviabilizava<br />
uma maior penetração nas florestas, recém <strong>de</strong>scobertas.<br />
Nessas circunstâncias, para aqui vieram esses<br />
homens, os “doidos”, assim chamados, que <strong>de</strong>ixando a<br />
civilização, embrenharam-se nestas matas em busca <strong>de</strong><br />
um sonho. O nome da cida<strong>de</strong>, Camacã, representa uma<br />
justa homenagem aos verda<strong>de</strong>iros proprietários da<br />
terra, os índios da tribo dos Camacãs, que pacificamente<br />
recuavam, <strong>de</strong> ante da ocupação dos homens brancos.<br />
De acordo com essas afirmações, Zé Campos<br />
(2004) corrobora:<br />
A cida<strong>de</strong>, hoje Camacã, <strong>de</strong>ve-se a Dr. João Vargens “doutor <strong>de</strong><br />
cacaio nas costas” como era carinhosamente tratado pelos<br />
íntimos pela atitu<strong>de</strong> altruísta <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriar parte <strong>de</strong> sua<br />
fazenda, Camacã, situada na bacia do rio Panelão, <strong>de</strong>stinando<br />
graciosamente lotes <strong>de</strong> terra a todo aquele que ai <strong>de</strong>sejasse<br />
estabelecer residência, ou um ponto comercial.<br />
Orlando Midlej e Silva, por ocasião das<br />
comemorações dos nove anos da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Camacã, num<br />
artigo publicado no jornal TABU, em 1977, Canavieiras,<br />
<strong>de</strong>fine a ortografia correta da palavra Camacã. Camacã<br />
na língua indígena significa “pedra alta”.<br />
Contamos, para esse capítulo, com um maior número <strong>de</strong> entrevistados, todos<br />
eles pessoas que conviveram na intimida<strong>de</strong>, com os<br />
<strong>de</strong>sbravadores <strong>de</strong>sta região, hoje Camacã. Po<strong>de</strong>ríamos contar,<br />
entretanto, com um número um pouco maior, caso não tivesse<br />
um prazo a cumprir. Porém, acredito que pela coincidência das<br />
informações, as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> equívocos, são bastante<br />
reduzidas, conforme documentações consultadas e anexadas ao<br />
trabalho.
Os entrevistados para essa sessão foram os seguintes: Boaventura<br />
Ribeiro <strong>de</strong> Moura, nasceu em: 11/12/1925 (vê anexo fig. 40), e faleceu em:<br />
20/05/2004; José Campos (Zé Campos) nascido em: 31/12/1926(vê anexo<br />
fig. 41); Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Ribeiro <strong>de</strong> Moura (vê anexo fig. 42), nascida<br />
em: 15/04/1913; Maria <strong>de</strong> Rosalina Moura Pinto (vê anexo fig. 43), nascida<br />
em: 06/03/1915; Maria Carmelita Ribeiro <strong>de</strong> Moura (vê anexo fig. 44),<br />
nascida em: 08/07/.....; Luis Moura (vê anexo fig. 45); Maria Pastora<br />
Martins (vê anexo fig. 46), nascida em: 09/12/1914; e, Rosalvo Bião (vê<br />
anexo fig. 47), nascido em 13/04/1918; Maria Rita (vê anexo fig. 48)<br />
Após a 1 a e a 2 a expedição eles semeavam,<br />
vinham aqui, olhavam e voltavam e<br />
foram expandindo as plantações. Houve<br />
várias excursões para a região, até que<br />
eles se estabelecerem <strong>de</strong>finitivamente.<br />
(BOAVENTURA MOURA, 2004).<br />
A Revista “Camacã e o Cacau” (1988), falando <strong>de</strong><br />
Boaventura Moura, traz a seguinte informação:<br />
Em 1897 é feita uma gran<strong>de</strong> plantação <strong>de</strong><br />
cacau nas terras novas <strong>de</strong>scobertas, ricas<br />
às margens do rio Panelão. Foram <strong>de</strong>z<br />
mil pés plantados, “trazidos nas costas<br />
até aqui”, como gosta <strong>de</strong> frisar o pioneiro<br />
Boaventura Moura, primeiro prefeito <strong>de</strong><br />
Camacã. A partir <strong>de</strong> 1905, com a gran<strong>de</strong><br />
enchente, “avassaladora” ocorrida nesta<br />
época, é que surgem as primeiras<br />
“buraras” (pequenas plantações <strong>de</strong> cacau)
iniciando assim o movimento <strong>de</strong> fixação<br />
à região.<br />
A esta Revista, Boaventura Moura, faz a<br />
seguinte <strong>de</strong>claração:<br />
Decorridos cinco anos, em 1902, retorna a<br />
expedição às terras novas <strong>de</strong>scobertas e<br />
novamente a expectativa é superada: os<br />
<strong>de</strong>z mil pés <strong>de</strong> cacau plantados estão<br />
plenos <strong>de</strong> produção. (BOAVENTURA<br />
MOURA, 1988).<br />
A sesmaria [Fazenda Lagos] <strong>de</strong> João Elias, que recebeu, era<br />
muita terra <strong>de</strong> campo. Pra cacau era na margem do rio Pardo,<br />
terreno fertilíssimo, mas <strong>de</strong> dimensões muito pequenas. Com o<br />
crescer da família, chegaram a conclusão que a renda não era<br />
suficiente, então tentaram explorar isso aqui, solos próprios para<br />
cacau. João Elias nunca se instalou aqui em Camacã, ele veio<br />
apenas chefiando e comandando as expedições, orientando. Só<br />
os filhos tiveram proprieda<strong>de</strong>s aqui. (ZÉ CAMPOS, 2004).<br />
E, Boaventura Moura (2004), completa: “Em 1907<br />
Boaventura Ribeiro e João Vargem, formados, após<br />
rejeitarem convites profissionais em outros Estados,<br />
retornam a Canavieiras”.<br />
E, assim, continua Zé Campos (2004):<br />
Com o intuito <strong>de</strong> complementar e ajudar<br />
a obra <strong>de</strong> seu pai. [Boaventura Ribeiro e<br />
João Vargens], aí, morre o velho [...]. O<br />
velho <strong>de</strong>ve ter morrido mais ou menos em<br />
1906, 1907 [...] <strong>de</strong> tétano <strong>de</strong> um espinho ou<br />
prego no pé, continuou calçando o sapato.<br />
Isso era muito comum naquela época. Ele<br />
foi a Canavieiras quando voltou aos<br />
Lagos adoeceu.[...] vindo a falecer<br />
posteriormente.<br />
Com a crise, Antônio Ribeiro e João Vargem, vieram e fizeram o primeiro rancho <strong>de</strong> palha, <strong>de</strong>pois foram reformando, <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>ira, <strong>de</strong> taipa. Plantaram um cacaueiro aqui, não sei se você conheceu o cacaueiro plantado aqui [...] foi o primeiro<br />
cacaueiro da região plantado aqui. Morreu com a construção da barragem na Santa Maria, a água ficou represada e terminou
matando, mas antes <strong>de</strong>le morrer, eu tirei, eu tive o cuidado <strong>de</strong> tirar sementes <strong>de</strong>le e plantei aqui, filho <strong>de</strong>le, era uma árvore que<br />
dava mais <strong>de</strong> duas arrobas por ano. Cada colha era uma caixa, três a quatro arrobas, um saco <strong>de</strong> cacau.<br />
As casas eram <strong>de</strong> palha, todas. Antônio Ribeiro ficou aqui, João<br />
Vargem também ficou aqui, [na fazenda Vargito], mas<br />
explorando lá pelo lado <strong>de</strong> Camacã, a serra <strong>de</strong> Itamutinga<br />
Tapitanga e se instalaram aqui <strong>de</strong>pois do casamento <strong>de</strong>les, a<br />
exceção <strong>de</strong> tio João que a mulher não quis vir [...] menos dona<br />
Luíza. Dona Luiza só veio aqui para morrer, há 5 a 6 anos atrás,<br />
ficou na casa <strong>de</strong> Neuza [sua nora] e foi enterrada em Camacã.<br />
O fato é que em aqui chegando <strong>de</strong>finitivamente no início do<br />
século passado, puseram-se os Ribeiros imediatamente e <strong>de</strong><br />
facão em punho a “cabruncar” mata virgem no intuito do plantio<br />
do cacau.<br />
O artigo “terra” era facílima obtenção, portanto milhares e<br />
milhares <strong>de</strong> quilômetros quadrados <strong>de</strong> floresta intocada aguardavam por<br />
quem quisesse e pu<strong>de</strong>sse explorá-las. Já o mesmo infelizmente não<br />
acontecia para quem tão somente procurava trabalho, emprego, isso em<br />
<strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> ser o serviço executado nas fazendas em processo <strong>de</strong><br />
formação, responsabilida<strong>de</strong> única dos seus próprios familiares. Só mais<br />
tar<strong>de</strong> essa situação viria modificar-se com o emprego <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra.<br />
Tal circunstância ocorria simplesmente pelo fato <strong>de</strong> serem os<br />
primeiros cacauricultores, <strong>de</strong> um modo geral faltosos <strong>de</strong> maiores recursos<br />
financeiros, contando apenas com a força dos seus braços e a infalível<br />
proteção Divina.<br />
Como vimos sem qualquer tipo <strong>de</strong> ajuda governamental, quer<br />
fosse <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m financeira, médica ou social, estavam os bravos lutadores a<br />
mercê dos mais completo <strong>de</strong>samparo porem nem por isso tiveram suas<br />
forças arrefecidas, muito pelo contrário, quais mo<strong>de</strong>rnas fênix, tiveram-se
edobradas, dispostos a enfrentar toda espécie <strong>de</strong> adversida<strong>de</strong>: chuva,<br />
diluviais, índios, febres palustres, escassez <strong>de</strong> alimentos, feras sem número,<br />
serpentes as mais peçonhentas eram apenas algumas dificulda<strong>de</strong>s a<br />
enfrentar no seu espinhoso caminho.<br />
Todavia venceram-nas todas sem inconteste <strong>de</strong> que o trabalho e a<br />
perseverança quando alicerçados em base sólida tornam-se in<strong>de</strong>strutíveis,<br />
mesmo diante <strong>de</strong> obstáculos consi<strong>de</strong>rados intransponíveis.<br />
Conclui-se, então, que inicialmente eles vieram sozinhos.<br />
Posteriormente Antônio Ribeiro casa-se com professora Chiquinha (vê<br />
anexo fig. 48) e fixa residência no Vargito, já João Vargem, embora casado<br />
com professora Luíza (vê anexo fig. 49), veio sozinho, negando-se a<br />
mesma acompanhá-lo, talvez pelas condições precárias <strong>de</strong> vida da época,<br />
vindo apenas para a região muito tempo <strong>de</strong>pois, on<strong>de</strong> fixou residência e<br />
terminou seus dias.<br />
Conforme Boaventura Moura (2004): “Inicia-se<br />
assim, o processo migratório para a bacia Hidrográfica<br />
do Papelão” Zé Campo (2004), por sua vez diz: “Muita<br />
gente não quis mais plantar cacau [nas regiões sujeitas a<br />
inundações] e então preferiu ir pra lá com todas as<br />
dificulda<strong>de</strong>s”. E, completa Boventura Moura (2004):<br />
“Tudo isso era muito <strong>de</strong>vagar, não era veloz como hoje<br />
em dia”.<br />
Assim, narra Zé Campos (2004):<br />
Em todo esse período <strong>de</strong> exploração, Antônio Ribeiro<br />
nunca viu índio, embora estes <strong>de</strong>ixassem marcas <strong>de</strong> sua<br />
passagem, através <strong>de</strong> água toldada, dos cipós lacticínios,<br />
ainda vazando o leite, que os índios torciam <strong>de</strong> propósito,<br />
para <strong>de</strong>monstrar a presença <strong>de</strong>les aqui; mas visualmente
nunca teve contato, dava presentes, facão, machados,<br />
espelhos tudo isso ele dava. Chegava nos acampamentos<br />
dos índios, <strong>de</strong>positava lá, nos acampamentos dos índios e<br />
os índios recuando pacificamente, vendo que não havia<br />
nenhuma hostilida<strong>de</strong> pelos intrusos.<br />
Uma conquista totalmente pacifica o que não aconteceu<br />
com os exploradores <strong>de</strong> Santa Rosa [hoje Pau Brasil]. Nós<br />
tínhamos aqui, uma flecha <strong>de</strong> índio manchada <strong>de</strong> sangue,<br />
agora, com a morte do “velho” <strong>de</strong>sapareceu, não sei on<strong>de</strong>,<br />
foi tirado das costas <strong>de</strong> um agricultor <strong>de</strong> Santa Rosa, ele<br />
invadiu as terras e os índios em represália mataram.<br />
Enfrentando as mata virgens, esses pioneiros,<br />
<strong>de</strong>frontava-se com todos os tipos <strong>de</strong> adversida<strong>de</strong> e um certo dia<br />
conta Zé Campos (2004):<br />
Eles estavam num acampamento, chovia muito, meu pai<br />
levantou para urinar, naquele tempo não tinha lanterna<br />
elétrica, era um facho, se protegia esse facho com muito<br />
cuidado, era <strong>de</strong> casca <strong>de</strong> biriba, tirava as ripas e forma o<br />
facho e é <strong>de</strong> fácil combustão, contanto que não molhe.<br />
Eles tinham mais cuidado com o facho, do que com eles<br />
próprios. Eles podiam se molhar, mas o facho não, era a<br />
única recomendação que tinham. [...] riscavam o fósforo<br />
[...] Na volta, o facho clareou e ele viu em baixo da tarimba<br />
<strong>de</strong> meu tio João [tarimba era uma espécie <strong>de</strong> cama com<br />
quatro forquilhas on<strong>de</strong> são estendidas varas paralelas e<br />
em cima <strong>de</strong>ssas varas, eles <strong>de</strong>positavam um couro <strong>de</strong> boi<br />
curtido, com um tosco travesseiro e uma coberta e ai<br />
dormiam], o mobiliário, e não dispensavam a fogueira. O<br />
rancho permitia a fácil ventilação, não permitia<br />
dificulda<strong>de</strong>s.<br />
[...] Ele viu dois olhos clareando em baixo da cama <strong>de</strong> tio João e<br />
ele percebeu que se tratava <strong>de</strong> uma cobra gigantesca ele disse:<br />
Oh João! Oh João! Oh João! (tio João tinha um sono pesado) e<br />
João disse: o que é? João esfrie o corpo e saía <strong>de</strong>vagarinho <strong>de</strong><br />
sua tarimba e João perguntou: por que? Porque em baixo tem<br />
uma cobra muito gran<strong>de</strong> [...] parecia que João tinha sido<br />
impulsionado por uma mola, pulou já fora do rancho e aí ele<br />
atirou com o “parabelo” que ele tinha na cobra, <strong>de</strong> quase dois<br />
metros <strong>de</strong> comprimento. Ela tinha entrado ou a noite ou durante<br />
o dia, eles estavam trabalhando fora, era um “pico <strong>de</strong> jaca”.<br />
Depois <strong>de</strong>sse relato, Zé Campos (2004), informou<br />
ainda que: “Boaventura (vê anexo fig. 50) já como<br />
engenheiro, começa a fazer as primeiras medições,
locações, abrindo as primeiras estradas <strong>de</strong> pe<strong>de</strong>stres que<br />
serviam para <strong>de</strong>limitar as áreas <strong>de</strong> ocupação”.<br />
Ao que relatou Boaventura Moura (2004):<br />
Ele filosoficamente não admitia gran<strong>de</strong>s<br />
áreas, não permitia latifúndio. O sujeito<br />
media 30, 40 ha. [...] era uma retaliação<br />
incrível, mas mesmo assim, ele não<br />
aceitava. Ele como Delegado <strong>de</strong> Terra<br />
dava 30 a 40 ha. e quem quisesse <strong>de</strong>pois<br />
mais, isto é, <strong>de</strong>pois que tivesse explorado<br />
a área dada.<br />
Todo este movimento <strong>de</strong> ocupação da<br />
terra <strong>de</strong>corria, sob a vigilância <strong>de</strong><br />
Delegacia <strong>de</strong> Terra dirigida pelo Dr. João<br />
Marques e Dr. Boaventura Ribeiro que<br />
através <strong>de</strong> doações <strong>de</strong> títulos com o<br />
máximo <strong>de</strong> 50 ha. Com isso prevenia ação<br />
dos caxixeiros e gananciosos <strong>de</strong> terras,<br />
bem como futuros conflitos <strong>de</strong> lutas pela<br />
terra tão literariamente narrada em<br />
outros municípios da Região. Aquele<br />
negócio <strong>de</strong> dizer aquela área é minha,<br />
não tinha nada disso. (BOAVENTURA<br />
MOURA, 2004).<br />
Questionei, entretanto, a meu tio Boaventura<br />
Moura: Se as áreas obe<strong>de</strong>ciam a esse limite, que<br />
explicação havia, <strong>de</strong>pois, para as gran<strong>de</strong>s fazendas na<br />
Região? A explicação a mim dada foi que as gran<strong>de</strong>s<br />
áreas foram geradas para comprar das pequenas áreas e<br />
como prova disso, essas gran<strong>de</strong>s áreas eram ou ainda são<br />
constituídas <strong>de</strong> várias escrituras.<br />
Mas Dr. Boaventura Moura, colonizador emérito<br />
da Região, não se notabilizou apenas por esse fato, mas<br />
também teve um outro gran<strong>de</strong> mérito: “O cuidado <strong>de</strong>
selecionar as sementes ao ser conduzida do rio Pardo<br />
para o Panelão, esta seleção garantiu ao longo tempo, o<br />
melhor cacau <strong>de</strong> exportação da Bahia tanto pelo<br />
tamanho da amêndoa, como pelo teor <strong>de</strong> gordura.” (grifo<br />
meu).<br />
Após locadas as áreas [...] tia Naninha escolheu a Santa Maria.<br />
(vê anexo fig. 51) Antônio Ribeiro já tinha escolhido a Santa<br />
Maria, mas em vista da irmã se enamorar pela Santa Maria,<br />
<strong>de</strong>clinou, ce<strong>de</strong>u a irmã, e tio Boaventura ficou mais longe, no<br />
Chororão (vê anexo fig. 52), e Manoel ficou aqui algum tempo,<br />
e <strong>de</strong>pois migrou para o Prado. Lá então subiu o rio Jucurussu [?]<br />
e fez a primeira fazenda na atual cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> [...] entre Eunápolis e<br />
Teixeira <strong>de</strong> Freitas, antigamente Dois Irmãos, e a fazenda hoje<br />
pertence aos her<strong>de</strong>iros [...] irmãos [...] eu não sei se ele plantou<br />
cacau lá também [...] o essencial lá é pecuária [...] Itamarajú<br />
levava oito dias subindo o rio Jucurussú, Prado, até chegar a<br />
Fazenda Dois Irmãos. (ZÉ CAMPOS, 2004).<br />
Aqui se estabelece o marco on<strong>de</strong> Manoel Ribeiro, filho mais<br />
velho <strong>de</strong> João Elias, que conduziu a primeira expedição, se afasta<br />
<strong>de</strong>finitivamente da Região.<br />
João Vargens morava no início [também] no Vargito (vê anexo<br />
fig. 53), aos domingos ele sempre vinha para a casa do “Velho”.<br />
Foi médico aqui e era alcunhado <strong>de</strong> “médico <strong>de</strong> cacaio nas<br />
costas” por que saia antes <strong>de</strong> mudar para Itamutinga, <strong>de</strong> manhã,<br />
<strong>de</strong> madrugada, quer fizesse sol ou chuva, ia para lá, se <strong>de</strong>sse<br />
tempo para voltar ele voltava, se não <strong>de</strong>sce, lá ficava e ele já<br />
levava a “bagaceira” <strong>de</strong>le toda nas costas: cobertor, roupa e<br />
muitas e muitas vezes as “raparigas” <strong>de</strong>le ficavam aí. Ele não<br />
teve uma só, teve Anita que eu conheci, Arlete que conheci<br />
muito, ela gostava muito <strong>de</strong> mim porque eu chamava ela <strong>de</strong> tia,<br />
Maria Rita ainda é viva e mora em Camacã. (ZÉ CAMPOS,<br />
2004).<br />
Carmerlita Moura (2004), também relata esta<br />
história: “João Vargens na roça, juntamente com os<br />
trabalhadores, plantando cacau, rezava o ofício <strong>de</strong><br />
Nossa Senhora: Estrela do mar saú<strong>de</strong> certa. É porta que<br />
estais para o céu aberta”.
E, Zé Campos (2004), explica:<br />
João Elias nunca se instalou aqui em<br />
Camacã, o filho, João Elias, é que <strong>de</strong>u o nome, o<br />
nome a uma fazenda aí vizinha a Camacã <strong>de</strong><br />
João Elias, se chamava antigamente <strong>de</strong> “A<br />
Criminosa”, porque uma cobra havia picado o<br />
trabalhador e esse trabalhador morreu. Havia um<br />
córrego, puseram o nome do córrego da<br />
Criminosa por causa da cobra.<br />
Ele [João Vargens] não tinha tempo para política, em um espaço<br />
<strong>de</strong> tempo, ele plantou cacau, um milhão <strong>de</strong> cacaueiros, sem<br />
comprar roça <strong>de</strong> ninguém, tudo feito por ele e os trabalhadores.<br />
[...] ele era a<strong>de</strong>pto do “Briga<strong>de</strong>iro” [...] ele era “u<strong>de</strong>nista”<br />
militante. Era uma personalida<strong>de</strong> totalmente inversa do irmão<br />
Antônio; ele tinha mais afinida<strong>de</strong> com tio Boaventura que<br />
gostava da “pan<strong>de</strong>ga”. Antônio Ribeiro era um homem sério não<br />
admitia bebida, mulher e os irmãos não. Ele era Capitão da<br />
Guarda Nacional, ele se dizia: Capitão não sóis nada. Este<br />
título, eu acredito que tenha sido homologado pelos ancestrais<br />
do velho Leandro... General Marques <strong>de</strong> Souza <strong>de</strong>pois Con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Porto Alegre.<br />
Quando ele sumia havia um berrante, chifre <strong>de</strong> boi, para [tia<br />
Chiquinha] chamá-lo na roça, até pouco tempo tinha aí, eu vou<br />
procurar o berrante [...]. A abertura <strong>de</strong> estradas, contatos e<br />
ocupações <strong>de</strong> áreas, implicavam num relacionamento e<br />
segurança através <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> vizinhança que imprimia um<br />
cunho especial a esta socieda<strong>de</strong> que nascia. Nesta região a chuva<br />
era em <strong>de</strong>masia, chovia quase 350 dias no ano [...] eu me lembro<br />
[...] minha mãe dizia o seguinte: uma certa feita ela anotou num<br />
ca<strong>de</strong>rno em 1917, ela notou no ca<strong>de</strong>rno os dias <strong>de</strong> sol no ano, foi<br />
uma semana, tudo mais é chuva e eu alcancei daqui pra lá a lama<br />
dava no joelho, não tinha essas botas <strong>de</strong> borracha, usava<br />
tamanco, metia o pé no atoleiro o pé saia puro e o tamanco<br />
soterrado.<br />
Os Ribeiros nunca fora afeitos a isso... O único movimento <strong>de</strong><br />
jagunços foi Guerreiro, que foi pôr questão <strong>de</strong> vida ou morte e<br />
não foi jagunço propriamente dito, porque jagunço recebe<br />
dinheiro, foram os amigos que se prontificaram a vir <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r e,<br />
os trabalhadores daqui, que eram poucos, uma meia dúzia talvez.<br />
Eu tenho um subsídio interessante <strong>sobre</strong> isso: 1928 ou 1929<br />
apareceram aqui dois trabalhadores aqui, famintos, mal trajados,<br />
esgotados pedindo um pouso, uma ajuda, meu pai conversou<br />
com... Acorrentando-nos no tronco, evi<strong>de</strong>ntemente ele mostrou<br />
o pé ferido nas pernas das correntes. Basilínho que você <strong>de</strong>ve
conhecer chegou a ver o tronco. Esse pessoal ficou aqui fugido,<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> algum tempo.<br />
O velho recebeu uma carta <strong>de</strong> Leonidio Guerreiro pedindo que<br />
os trabalhadores fossem <strong>de</strong>volvidos. Então o “velho” respon<strong>de</strong>u<br />
a ele, que ele não era autorida<strong>de</strong> policial para obrigar os homens<br />
a voltar. Os homens voltariam se quisessem... Fez uma carta e<br />
mandou para ele. Ele não ficou satisfeito com a carta e mandou<br />
outra, dizendo que se não fosse remetido os trabalhadores, viria<br />
buscá-los. Mas aí o “velho” se preparou, eu era menino tinha 3<br />
pra 4 anos, eu me lembro, aí nesta varanda aí, repleta <strong>de</strong><br />
trabalhadores, gente <strong>de</strong> toda a redon<strong>de</strong>za, tinha armas... Não sei<br />
<strong>de</strong> on<strong>de</strong> apareceu tanta arma esperando Guerreiro, e ele aqui não<br />
apareceu.<br />
Caluniou muito o “velho” em Canavieiras, mas no final a<br />
verda<strong>de</strong> triunfou, os homens não foram <strong>de</strong>volvidos e ele, a título<br />
<strong>de</strong> vingança, mandou um jagunço tirar a vida <strong>de</strong> meu pai aqui.<br />
Este jagunço foi preso, e confessou o local on<strong>de</strong> ele se escondia,<br />
era uma pimenteira. Esse <strong>de</strong>poimento foi prestado em<br />
Canavieiras no cartório <strong>de</strong> João Flores, <strong>de</strong>ve estar ainda lá.<br />
Quando ele afirmava que teve o velho Antônio Ribeiro, diversas<br />
vezes sob a mira da repetição, da arma, mas que no momento<br />
que ele ia pressionar o gatilho, surgia na frente <strong>de</strong>le, uma mulher<br />
vestida <strong>de</strong> azul e branco e não conseguia atirar. Tanto que<br />
quando lhe prestou esse <strong>de</strong>poimento, o Juiz disse: uma moita <strong>de</strong><br />
pimenteira? Como uma moita <strong>de</strong> pé <strong>de</strong> pimenteira po<strong>de</strong><br />
escon<strong>de</strong>r um homem durante dois ou três dias? Ele disse: po<strong>de</strong>...<br />
E eu me escondi... Tanto que o juiz remeteu pra aqui um<br />
retratista acompanhado <strong>de</strong> um oficial <strong>de</strong> justiça para fotografar<br />
essa pimenteira.<br />
Ele fotografou e levou pra lá e ele se convenceu então. Era uma<br />
pimenteira gigantesca, o solo fértil, recentemente aberto, a mata.<br />
Foi isso... Depois, houve uma série... A polícia tentou invadir os<br />
Lagos, cercou a casa, mas Antônio Ribeiro não entregou os<br />
pontos, resistiu a tudo e a todos e terminou vencedor.<br />
(CARMELITA MOURA, 2004)<br />
O processo <strong>de</strong> migração e circulação <strong>de</strong>sta região, eixo<br />
Canavieiras Camacã, era feito inicialmente <strong>de</strong> canoa através do rio Pardo,<br />
amplamente navegável, passando por Jacarandá, distrito <strong>de</strong> maior
<strong>de</strong>senvolvimento da época, povoado <strong>de</strong> Mascote e por fim Vargito –<br />
Camacã.<br />
Quanto ainda ao acesso era rodoviário, as conquistas nem sempre<br />
foram tão fáceis, lutas <strong>de</strong> interesses políticos, tiveram que ser travadas<br />
pelos Ribeiros, para que pu<strong>de</strong>ssem alcançar os objetivos que beneficiariam<br />
esta Região.<br />
Em “Jacarandá e Salobro” <strong>de</strong> Alci<strong>de</strong>s Costa (1968), vamos<br />
encontrar as seguintes informações:<br />
1915, já agora em <strong>de</strong>corrência da intensificação da lavoura<br />
cacaueira para o interior do Município, neste ano iniciada, graças<br />
à iniciativa dos Drs. João Ribeiro Vargens, Boaventura Ribeiro e<br />
seus irmãos, e que se utilizaram do seu porto e do seu comércio.<br />
Diferentes interesses conduziam a Canavieiras se ligasse a<br />
Itabuna com um projeto <strong>de</strong> uma estrada <strong>de</strong> rodagem pelo<br />
Instituto <strong>de</strong> Cacau.<br />
Dr. João Vargem e seus irmãos, os Ribeiros, já por aquela época<br />
os maiores produtores <strong>de</strong> cacau da zona centro do município,<br />
opuseram-se tenazmente a esse <strong>de</strong>sejo, conseguindo partisse esta<br />
<strong>de</strong> Mascote, atravessando Pimenta, Vargito e Secador, em busca<br />
<strong>de</strong> Camacã, suas proprieda<strong>de</strong>s. Jacarandá, <strong>de</strong> prospera que era,<br />
<strong>de</strong> florescente 2 o distrito <strong>de</strong>ste Município, tornou-se “terra <strong>de</strong><br />
ninguém”, mudada a sua se<strong>de</strong> para Santa Luzia.<br />
Maria Rosalina (2004), nos conta que:<br />
Josefa Ribeiro, <strong>filha</strong> <strong>de</strong> João Elias,<br />
possuía uma canoa gran<strong>de</strong> [transporte usado na<br />
época] chamada “Primavera” símbolo <strong>de</strong> prestígio<br />
social, daquele tempo, <strong>de</strong>corrente da herança<br />
<strong>de</strong>ixada pelo seu falecido marido. Todo esse<br />
trajeto quer seja das pessoas ou da produção<br />
agrícola, era feito <strong>de</strong> canoa (vê anexo fig. 54).<br />
Posteriormente seguiram-se as lanchas (vê anexo<br />
fig. 55), transporte mais rápido, também muitas<br />
vezes fretado pelas famílias. Entretanto, para que<br />
se alcançasse as áreas já exploradas, o acesso<br />
inicialmente era feito à pé, e se quisesse ir <strong>de</strong>
urros, ter-se-ia que fazê-lo pelo mato, obrigandose<br />
a uma gran<strong>de</strong> volta. Eram essa as or<strong>de</strong>ns do<br />
Dr. Nelson Batista, engenheiro responsável pelas<br />
estradas.<br />
Já Zé Campos (2004), por sua vez diz:<br />
Uma das maiores [dificulda<strong>de</strong>s] referente ao abastecimento, não<br />
só no que tange aos gêneros <strong>de</strong> primeiras necessida<strong>de</strong>s, como<br />
aos <strong>de</strong>mais, inclusive ao <strong>de</strong> insumos para agricultura, sem os<br />
quais sofria essas limitações imprevisíveis. A situação em foco<br />
estava sendo agravada ainda face ausência quase absoluta <strong>de</strong><br />
meios <strong>de</strong> transporte e comunicação, haja vista que uma viagem<br />
do Vargito a Canavieiras durava em média uma semana, sendo o<br />
percurso inicial até Mascote realizado em não menos <strong>de</strong> três<br />
dias, vencido a pé ou em lombo <strong>de</strong> burro, através uma simples<br />
vereda em mata aberta, digo em mata bruta, a golpes <strong>de</strong> facão,<br />
assim mesmo variando sua duração, <strong>de</strong> acordo a intensida<strong>de</strong> das<br />
chuvas caídas e obviamente ao estado <strong>de</strong> “conservação”<br />
geralmente um atoleiro só.<br />
O último trecho da “via crucis” [Mascote – Canavieiras]<br />
cumprindo em canoas que transportavam o cacau até esse porto,<br />
era realizado em não menos <strong>de</strong> dois dias, <strong>de</strong> extremo cansaço.<br />
Somente <strong>de</strong>corrido algum tempo, ou seja, no início dos anos<br />
trinta, seria inaugurado após o trabalho insano, o primeiro trecho<br />
rodoviário da Região (vê anexo fig. 56) ligando o porto fluvial<br />
<strong>de</strong> Mascote ao Vargito, numa extensão <strong>de</strong> vinte e cinco<br />
quilômetros, estrada essa inicialmente utilizada com imensa<br />
dificulda<strong>de</strong>, face ao diluviano regime pluviométrico então<br />
vigente no sul da Bahia, consi<strong>de</strong>rado um dos mais elevados <strong>de</strong><br />
todo o País.<br />
Os atoleiros multiplicavam-se a todo instante, tornando-se<br />
mesmo insuperável, constante a erosão em <strong>de</strong>corrência, abria<br />
enormes fendas no “gra<strong>de</strong>” da via recém construída arrastando<br />
todo o material aí <strong>de</strong>positado, inviabilizando, por conseguinte o<br />
trafego, muitas vezes por até meses. O trabalho em busca <strong>de</strong> algo<br />
revestidor do solo era redobrado, utilizavam-se pedras, cascalho,<br />
torras <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, tudo isso em vão, pois a terra encharcada,<br />
empapada, numa fome voraz, a tudo engolia, impossibilitando<br />
<strong>de</strong>sse modo a passagem dos frágeis caminhões (vê anexo fig.<br />
57), durante as quadras mais chuvosas do ano, ou seja, o<br />
inverno.<br />
Tal situação perduraria durante muito tempo, até quando a<br />
“Companhia Viação Sul Baiana”, construtora e concessionária<br />
da rodovia, num momento <strong>de</strong> rara felicida<strong>de</strong>, adotasse radicais
modificações em sua estrutura administrativa, criando nos pólos<br />
on<strong>de</strong> prestava serviços, superintendências regionais<br />
proporcionando-lhes, em conseqüência, uma maior viabilida<strong>de</strong><br />
no seu trabalho.<br />
Coube então a rodovia Mascote – Vargito, o privilégio <strong>de</strong> ter<br />
como seu primeiro Superinten<strong>de</strong>nte, o engenheiro Nelson<br />
Batista, jovem recém formado pela escola Politécnica da Bahia<br />
on<strong>de</strong> fora o primeiro aluno <strong>de</strong> sua turma, profissional <strong>de</strong><br />
inigualável competência, cujo caráter <strong>de</strong> integrida<strong>de</strong> a toda<br />
prova, fora sem dúvida fator <strong>de</strong> capital importância no êxito<br />
enorme do seu primeiro cargo a frente da “SULBA” em nossa<br />
Região. Alias-se esses raros dotes do Nelson, um outro, quiçá<br />
maior, fiel amigo sempre presente em todos os instantes <strong>de</strong><br />
tristeza ou alegria, prestando sempre solidarieda<strong>de</strong> irrestrita<br />
aqueles a quem <strong>de</strong> votava a sua sincera amiza<strong>de</strong>.<br />
Sob sua gestão prestaria a nova “companhia” inestimáveis<br />
serviços a lavoura cacaueira do futuro município, começando<br />
por normalizar o trafego da rodovia até então viável somente na<br />
quadra da estiagem, mediante um intenso trabalho <strong>de</strong><br />
encascalhamento e uma rigorosa fiscalização a fim <strong>de</strong> evitar o<br />
trânsito <strong>de</strong> “tropas” pelo leito da mesma. Louve-se ainda a<br />
construção <strong>de</strong> mais quatro quilômetros esten<strong>de</strong>ndo a rodovia até<br />
o “Secador”, ponto terminal para canoas que <strong>de</strong>scendo o rio<br />
Panelão, eram responsáveis pelo escoamento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
produção cacaueira do seu alto custo.<br />
Além do mais esse prolongamento seria como parte inicial da<br />
rodovia que iria <strong>de</strong>ntro em breve ligar o Vargito, a futura cida<strong>de</strong>.<br />
Diante dos fatos agora narrados, acreditamos ser Camacã<br />
<strong>de</strong>vedora <strong>de</strong> uma justa homenagem àquele que em vida, muito contribuiu<br />
<strong>de</strong> maneira direta e insofismável, não só pela sua fundação, como também<br />
para o progresso e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> toda micro região amada pelo Dr.<br />
Nelson Batista como se seu filho fosse.<br />
Apesar da gigantesca melhoria observada no setor das<br />
comunicações, persistiam, no entanto, os males quanto ao abastecimento,<br />
graças ao estrangulamento do setor, causada pela precaríssima modalida<strong>de</strong>
<strong>de</strong> transporte fluvial vigente entre os portos <strong>de</strong> Canavieiras e Mascote, todo<br />
ele, realizado através <strong>de</strong> simples canoas impulsionadas a custo do esforço<br />
tirânico dos canoeiros, dia e noite, subindo e <strong>de</strong>scendo o rio Pardo na<br />
incontida fauna <strong>de</strong> conduzir a seiva vivificante <strong>de</strong> um povo, que em tempo<br />
algum, jamais, apren<strong>de</strong>ra a conjugar o verbo temer.<br />
Lour<strong>de</strong>s Moura (2004), afirma que:<br />
O transporte do cacau, nesta época, era<br />
feito através das tropas <strong>de</strong> burros que chegava a<br />
alcançar 30 a 40 animais e eram guiadas pela<br />
conhecida “Madrinha da Tropa” (vê anexo fig. 58)<br />
que portando um peitoral com sinos, atraia com o<br />
seu som os outros animais, arrastando-os para o<br />
<strong>de</strong>stino almejado. Essa movimentação <strong>de</strong> animais<br />
era feita sem interrupção, não havia <strong>de</strong>scanso.<br />
Quando chegou a rodagem a situação melhorou,<br />
ai se po<strong>de</strong> ter caminhão, automóvel e hoje temos<br />
esse progresso ligando todo o Brasil.<br />
Zé Campos (2004), ainda fala: “As casas eram <strong>de</strong> palha,<br />
todas, só com a criação <strong>de</strong>ssas estradas ligando Camacã... Entrava<br />
governo, saia governo, não atendia a essa aspiração <strong>de</strong>le”. Neste<br />
momento Zé Campos refere-se ao trecho Canavieiras –Vargito. E,<br />
continua:<br />
Foi ai que entrou Luís Viana nomeou<br />
para Secretário <strong>de</strong> Obras Públicas um colega <strong>de</strong><br />
turma <strong>de</strong> tio Boaventura. Quando tio Boaventura<br />
soube <strong>de</strong>sta história, fez uma carta pedindo que<br />
ele se interessasse junto ao governo do Estado<br />
no sentido... O que antes... Implantasse essa<br />
estrada... Fez uma explanação minuciosa,<br />
arrazoada, os interesses da zona do Vargito, <strong>de</strong><br />
toda essa Região.<br />
Então o Governador mandou uma<br />
comissão <strong>de</strong> engenheiros para estudar a<br />
viabilida<strong>de</strong> econômica e técnica da referida
estada. Chegou aí a comissão, fez a explanação<br />
precaríssima até a beira dos pântanos, mangues<br />
alagados, chegaram aí, empurraram uma vara,<br />
até a beira do pântano, mangue, alagadiço.<br />
Voltaram para Canavieiras e Salvador e fizeram<br />
um relatório ao Governador afirmando ser inviável<br />
a construção, por dificulda<strong>de</strong> inviável, a preço<br />
elevadíssimo, a preço astronômico.<br />
O Secretário remeteu uma cópia a tio Boaventura, tio<br />
Boaventura então “tomou uma duas” fez uma carta ao<br />
Governador, que o Governador tivesse o cuidado <strong>de</strong> na próxima<br />
vez mandar para locar a estrada um... De engenheiro e não uma<br />
tropa <strong>de</strong> burro que ele mandou para aqui e... Mas vieram para<br />
aqui, beber cachaça e comer capim....<br />
Quando o Secretário recebeu essa carta ficou alucinado, foi ao<br />
Governador: por favor, atenda esse homem porque ele não nos<br />
[vai] <strong>de</strong>ixar sossegado, nem a mim nem a V. S. e no final ele<br />
disse que assume a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construir a estrada e se<br />
não construísse a estrada, queimaria em praça publica, o diploma<br />
<strong>de</strong> engenheiro. Aí o Governador não teve outra saída, mandou<br />
procurar o Secretário e resolveu construir a estrada. Fez uma<br />
carta a tio Boaventura aceitando a oferta <strong>de</strong>le, para a construção<br />
da estrada.<br />
Dr. Boaventura começou a construir a estrada. Com um ano e<br />
pouco... E venceu o tal obstáculo intransponível que era o<br />
alagadiço. Já pronta esta parte, os senhores construam o resto e...<br />
Voltou ao o Chororão. Depois recebeu uma carta do Secretário,<br />
colega <strong>de</strong>le, acompanhando a carta um cheque como bonificação<br />
dos trabalhos prestados ao Estado. Tio Boaventura recebeu o<br />
cheque rasgou todo, botou <strong>de</strong>ntro do envelope e remeteu para ele<br />
dizendo que não era corrupto, nem vil. A palavra <strong>de</strong>le dada, é<br />
que construiria a estrada gratuitamente e tinha que ser assim.<br />
(ZÉ CAMPOS, 2004).<br />
O nome do trecho da estrada Canavieiras – Vargito, a qual se<br />
refere o Zé Campos, chamou-se: “O Canto do Baiano”, e, Pastora (2004),<br />
completa: “o único engenheiro que drenou, foi Boaventura”.<br />
Boaventura Moura (2004), prossegue:
A partir <strong>de</strong> 1910 ao caracterizarem-se as<br />
possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> êxito, evi<strong>de</strong>ntemente,<br />
começam a aparecer algumas famílias <strong>de</strong><br />
expressão da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Canavieiras<br />
timidamente e <strong>de</strong>sconfiadas ante os<br />
sofrimentos impostos pelas tremendas<br />
dificulda<strong>de</strong>s que o meio impunha, aos<br />
pioneiros <strong>de</strong>sta leva inicial.<br />
Em 1914 ocorre uma gran<strong>de</strong> enchente<br />
talvez a maior que já ouve no sul do<br />
Estado, comprometendo <strong>de</strong> maneira<br />
<strong>de</strong>struidora todas as plantações do baixo<br />
Rio Pardo, que se levou anos para se<br />
recuperarem.<br />
Muitos agricultores transferiram-se,<br />
engrossando para a bacia do Panelão,<br />
on<strong>de</strong> estaria resguardado <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong><br />
calamida<strong>de</strong>. Incrementam-se assim as<br />
primeiras plantações <strong>de</strong> cacau realmente.<br />
Daqui em diante melhor tentar no<br />
Panelão, que era inicialmente conhecido<br />
como Vargito, on<strong>de</strong> se apresentava uma<br />
realida<strong>de</strong> e não mais uma promessa. E<br />
<strong>de</strong>fine-se o Rio Panelão, particularmente<br />
a localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vargito, a esperança <strong>de</strong><br />
novos tempos.<br />
Dois fatores contribuíram <strong>de</strong> maneira<br />
contun<strong>de</strong>nte e visível para o aumento do processo<br />
migratório, acrescenta tio Boaventura Moura: “Chamo<br />
atenção para a ocupação da bacia hidrografia do<br />
Panelão, para a relação enchentes rio Pardo e seca do<br />
sertão, são adições <strong>de</strong> notável contribuição ao aumento<br />
<strong>de</strong>mográfico da Região.” “O <strong>de</strong>senvolvimento da lavoura
cacaueira estava intimamente ligada as secas do<br />
nor<strong>de</strong>ste”.<br />
Depois <strong>de</strong> <strong>de</strong>flagradas tais situações, revelavamse<br />
sensivelmente o crescimento da produção <strong>de</strong> cacau 4 a<br />
5 anos <strong>de</strong>pois, observa tio Boaventura. A Região “passou<br />
a ser uma espécie <strong>de</strong> refúgio do alto sertão castigado<br />
pela seca”. “1914, 1920, 1930, 1940, 1950 são datas e<br />
referenciais significativas em relação a seca [versus]<br />
enchente que proporcionaram anos após a sensíveis<br />
aumentos <strong>de</strong> produção da economia agrícola cacaueira,<br />
até a sua situação dos idos <strong>de</strong> 1970 a 1980.”<br />
Numa entrevista dada ao Jornal “A Tar<strong>de</strong>”<br />
datada <strong>de</strong> / / . Ana Ribeiro <strong>de</strong> Moura, minha avó,<br />
<strong>filha</strong> <strong>de</strong> João Elias e esposa <strong>de</strong> Joviano Pinheiro <strong>de</strong><br />
Moura, um dos primeiros imigrantes da Região, presta o<br />
seguinte <strong>de</strong>poimento:<br />
Os pioneiros da colonização da região <strong>de</strong><br />
Camacã são os seguintes, a começar pelo<br />
período que antece<strong>de</strong>u a 1920. Antes <strong>de</strong><br />
1920 foram eles: Januário Barbosa, Pedro<br />
Bispo, Joviano Moura, Antônio<br />
Guimarães, Vila Nova, José Torquato,<br />
Davino Figueredo, Cristino Teles<br />
Amorim, Trihutino André da Rocha, José<br />
Izidro da Conceição, João Batista Viana,<br />
José Gerônimo, João Vicente, Manoel<br />
Bahia, João Gonçalves <strong>de</strong> Jesus, Leopoldo<br />
Pereira Santos.<br />
De 1920 a 1930: Eugênio José Santana,<br />
Antônio Barreto, Georgino Guimarães,<br />
Antônio Jaques Weher, Leonidio<br />
Guerreiro, Prisco Passo Viana, Eulino<br />
Vasconcelos, Manoel Badu, Secundino<br />
Delmot, José Maria Oliveira, Anisio<br />
Sabino Loureiro, Francisco Barreto,
Antônio Guimarães, José Cerqueira dos<br />
Anjos, João Flores, Leovigildo Tolentino<br />
Melgaço, Anisio Seabra Veloso, Osvaldo<br />
<strong>de</strong> Oliveira Pinto, Francisco Pereira, e<br />
Cezar Santos.<br />
De 1930 a 1940: Antônio Badaró, Eduardo<br />
Valter, Domingos Carlos, Demóstenes<br />
Vinhas, Edgar Castro, Afrodizio Ribeiro.<br />
De 1940 em diante o fluxo <strong>de</strong> pessoas<br />
para a região foi gran<strong>de</strong>.<br />
Maiores <strong>de</strong>talhamentos <strong>de</strong>ste movimento<br />
migratório, acrescenta tio Boaventura:<br />
Em 1904 chegam os Ribeiros com João<br />
Gonçalves <strong>de</strong> J... Após 1910 os Loureiros,<br />
Barretos, Souza. Em 1914, Joviano Moura.<br />
Após 1920 chegam Antônio Martins,<br />
Engenheiro Lucilo Wolfgand [apelidado<br />
Pau Queimado], Afrodisio Ribeiro,<br />
Manoel <strong>de</strong> Freitas, Leonídio Guerreiro,<br />
Prisco Viana, Domingos Carlos da Silva,<br />
Virgílio Bóia. Fixando-se inicialmente em<br />
suas proprieda<strong>de</strong>s rurais, não houve<br />
nesta época uma concentração urbana<br />
por parte <strong>de</strong>ste, que justificasse a<br />
construção <strong>de</strong> residências em áreas<br />
afastadas da labuta diária. Essa<br />
concentração passa a ser feita pelos<br />
pequenos comerciantes e migrantes sem<br />
maiores vínculos com a ativida<strong>de</strong><br />
agrícola. (BOAVENTURA MOURA,<br />
2004).<br />
Zé Campos (2004), diz que:
Logo as primeiras construções foram surgindo, rudimentares<br />
inicialmente, muita erguida <strong>sobre</strong> rodas numa caracterização<br />
toda particular po<strong>de</strong>ndo mudar <strong>de</strong> localização a capricho dos<br />
seus donos. No início <strong>de</strong> 1946 po<strong>de</strong>r-se-ia já contar as centenas o<br />
número <strong>de</strong> edificações <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira existente na futura cida<strong>de</strong>,<br />
esten<strong>de</strong>ndo-se inicialmente na margem esquerda do Panelão até<br />
o “Tapa”, on<strong>de</strong> algum tempo <strong>de</strong>pois, se estabeleceria o primeiro<br />
“centro noturno <strong>de</strong> lazer”, o que alias, se constituiu no mais<br />
absoluto sucesso, tanto que para as suas vizinhanças ocorreram<br />
alguns bares, pensões, etc., provocando em conseqüência um<br />
sensível movimento (nas noites) até então monótonas e insossas.<br />
A proximida<strong>de</strong> da fazenda, meu tio João morava aqui, então não tinha por que mudar-se para<br />
Camacã se vivo fosse. Mesmo porque ele morreu antes <strong>de</strong> Camacã se <strong>de</strong>senvolver... Camacã era<br />
um acampamento, não tinha uma condição para se instalar uma casa em Camacã. Camacã<br />
durante muito tempo as casas eram feitas <strong>sobre</strong> rodas a margem da BR3.<br />
Essas “casas <strong>de</strong> roda” (vê anexo fig. 59) eram pequenas<br />
habitações movidas a roda, forma mais fácil <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocá-las, cuja replica<br />
po<strong>de</strong>mos encontrar na Pousada Fazenda Rainha do Sul situada a BR 101<br />
km 580, neste mesmo Município.<br />
Essa proximida<strong>de</strong> com o futuro, cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Camacã, não permitia<br />
que eles <strong>de</strong>ixassem seus afazeres, suas moradas <strong>de</strong>ntro da sua<br />
proprieda<strong>de</strong>. Sr Anísio já tinha sua casa pronta aí, os Barretos<br />
também tinham, vocês já tinham a fazenda, instalados, não ia se<br />
mudar para Camacã. Bejamin era comerciante em Canavieiras,<br />
com a evolução ai da fazenda, eles vieram para cá, Tivinha, tio<br />
Antônio Martins. Então só moravam comerciantes, profissionais<br />
liberais,...<br />
As terras <strong>de</strong> Camacan <strong>de</strong> direito não foi doadas, eu acho, não se<br />
<strong>de</strong>u ao trabalho <strong>de</strong> ir para o cartório nem nada, tio João Vargens<br />
mandou que abrissem a mata, cortasse cacau, se preciso, e<br />
construir. O que ele queria a trilogia: cachaça, jogo e mulher.<br />
Em 1945 João Vargem já estava doente foi para Salvador e não<br />
mais voltou, ele não viu Camacã. (ZÉ CAMPOS, 2004).<br />
À medida que Camacã crescia, as residências já <strong>de</strong>finidas nas<br />
proprieda<strong>de</strong>s rurais, com suas instalações melhoradas, dispensava a
necessida<strong>de</strong> ainda maior <strong>de</strong> residências na área urbana <strong>de</strong>ste centro, que se<br />
<strong>de</strong>scortinava muito promissor.<br />
Entretanto um aspecto curioso, quanto a questão imobiliária da<br />
cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Camacã, me chamava atenção, principalmente no período áureo<br />
do cacau on<strong>de</strong>, nesta região, jorrava dinheiro. A aparência externa <strong>de</strong> suas<br />
casas revelava um senso estético, distinto daquelas pobres do nor<strong>de</strong>ste,<br />
on<strong>de</strong> até uma casa <strong>de</strong> “sopapo” o seu “reboco” tem a sua beleza. .<br />
Havia também, naquela época, além da falta <strong>de</strong> um centro<br />
urbano, uma pobreza social e conseqüentemente cultural que perdurou<br />
e que ainda em <strong>de</strong>terminados aspectos perduram até hoje, se<br />
confrontarmos a atual realida<strong>de</strong> com a dos períodos áureos do cacau<br />
conforme nota publicada do “Jornal da Bahia” nas comemorações dos<br />
17º aniversário da emancipação <strong>de</strong> Camacã: “Camacã é o 1º na<br />
produção cacaueira” (vê anexo fig. 60).<br />
Não havia ativida<strong>de</strong> social em Camacã, havia uma pobreza muito gran<strong>de</strong> social. Os fazen<strong>de</strong>iros<br />
faziam visitas aos outros fazen<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> canoa. Eu me lembro que vocês vinham a noite eu me<br />
lembro que nós estávamos rezando, porque a ”velha" rezava toda noite oito e meia, nove horas<br />
quando ouvimos aquela algazarra... A lua muito bonita, o que era... O que era... A canoa cheia,<br />
sua mãe, suas tias, sua avó, só não o velho, aquele povo todo tomando banho. Havia um<br />
intercâmbio muito gran<strong>de</strong> entre eles e nós aqui, eles vinham aqui passavam dias, eu ia lá passava<br />
dias na Santa Maria, tomava banho ai na Cachoeira. (ZÉ CAMPOS, 2004).<br />
Retornando ao processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
econômico e conseqüentemente migratório da Região,<br />
vamos ter:
A década <strong>de</strong> 1920 após a Primeira<br />
Gran<strong>de</strong> Guerra Mundial até a quebra das<br />
Bolsas <strong>de</strong> Londres e <strong>de</strong> New York em 1929<br />
e 1930 proporcionou um notável<br />
<strong>de</strong>senvolvimento, com as consolidações<br />
das fazendas, nascimento e implantações<br />
<strong>de</strong> outras garantiam um processo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento com o aparecimento dos<br />
primeiros núcleos <strong>de</strong> habitação como fora<br />
o caso <strong>de</strong> Mascote. Abertura <strong>de</strong> estradas,<br />
contatos e ocupações <strong>de</strong> áreas,<br />
implicavam num relacionamento e<br />
segurança da presença do vizinho como<br />
tranqüilida<strong>de</strong>.<br />
A década <strong>de</strong> 1930 a 1940 representou um<br />
processo <strong>de</strong> crescimento e<br />
<strong>de</strong>senvolvimento da Região causada pela<br />
crise econômica mundial, mas Vargito<br />
<strong>de</strong>pois Camacan significa [ainda] uma<br />
extensão <strong>de</strong> Canavieiras nos seus aspectos<br />
econômicos, culturais, políticos e sociais.<br />
Em 1946 a estrada alcança a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Itabuna. (BOAVENTURA MOURA,<br />
2004).<br />
José Rosalvo <strong>de</strong> Matos (2004), - o sr. Rosalvo foi o único<br />
trabalhador rural da época, que até agora tivemos acesso e oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
entrevistar, ele diz:<br />
Sou sergipano, nasci em 13 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1918, cheguei aqui<br />
neste pedaço <strong>de</strong> terra dia 27 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1928. Vinte e oito (28)<br />
foi um ano maravilhoso, sempre diziam, 29 foi uma coisa triste,<br />
o pessoal chorava... Aí meu Deus... Eu tinha onze anos e um mês<br />
e pouco, 13 <strong>de</strong> março eu ainda estava Itabaianinha em Sergipe
saímos <strong>de</strong> lá em fevereiro, no inicio <strong>de</strong> fevereiro chegamos aqui<br />
no dia 27 <strong>de</strong> abril do ano <strong>de</strong> 29.<br />
Quando aqui cheguei encontrei Antônio<br />
Faustino da Fonseca era morador daqui<br />
há onze anos, on<strong>de</strong> é hoje o posto<br />
Mangueira. João Vargens falava que<br />
vinha uma rodagem [risada] ai vem a<br />
guerra brava ai o cacau veio pra... Seu<br />
avô Joviano Moura comprava a 5 mil<br />
reis em 29... Em Camacã morava Zé<br />
Barbosa, filho <strong>de</strong> José Barbosa tinha uma<br />
venda pagava a 4 mil reis a @ e quem<br />
tivesse coragem <strong>de</strong> levar para<br />
Canavieiras lá cortava 100 caroços, só um<br />
caroço, pagava 10 mil reis a @, se<br />
encontrasse 3, 4 era [cortava para saber<br />
se tinha mofo] 7, 800. Em 29 amanheceu<br />
assim, o dólar <strong>de</strong>spencou... Ave Maria e<br />
outra: diziam que o corte <strong>de</strong> gado, <strong>de</strong> boi<br />
até meio dia era 2 quilos para um mil<br />
reis, meio dia pra tar<strong>de</strong> era 3 k e em 29<br />
passou o gado para um mil reis o quilo, <strong>de</strong><br />
meio dia pra tar<strong>de</strong> e ate meio dia 800<br />
reis.<br />
A diária do trabalhador era 6 mil reis passou para 2 mil reis ,<br />
mas ninguém pagava porque não podia, eles trabalhavam só para<br />
comer, quando Dr. João Vargens plantou um milhão e tanto <strong>de</strong><br />
pés <strong>de</strong> cacau em Itamutinga, dando <strong>de</strong> comer ao povo que vinha<br />
morrendo <strong>de</strong> fome da seca <strong>de</strong> 31, 30 que arrasou o nor<strong>de</strong>ste.<br />
Trinta e dois (32), trinta (30) chegou a guerra <strong>de</strong> São Paulo e<br />
levém... levém... Só veio melhorar em 38 que cacau <strong>de</strong>u um<br />
preço mais ou menos, em 48 é que <strong>de</strong>u um preço bom, 48 cacau<br />
chegou a dar 400 e tantas a @... O pessoal dizia: se eu soubesse,<br />
se eu soubesse, tinha plantado cacau... (risada). Aí vem Camacã,<br />
o início da rodagem, a rodagem para o Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
começaram a chamar a BA 2.<br />
João Vargens no ano <strong>de</strong> 1943, 44 mandou <strong>de</strong>rrubar um rocadão<br />
para fazer uma cida<strong>de</strong>, fazer uma cida<strong>de</strong> aqui, parece que ele
tinha uma coisa na cabeça... Quando entrou o ano <strong>de</strong> 44, 45,<br />
chuva muito, aí vem a rodagem cortando, ai pessoal começaram<br />
a invadir, aí o filho, Jonga Vargens, estava no Rio veio embora<br />
prá ai só... Faz da rodagem <strong>de</strong> cima para baixo. Aquela<br />
confusão, mas não teve jeito, o pessoal começou a invadir,<br />
invadir e Camacã surgiu.<br />
Osmário Batista era Prefeito <strong>de</strong> Canavieiras, a política <strong>de</strong> 61<br />
fizeram o “plesbicitio” <strong>de</strong> Camacã, Panelinha chamava-se<br />
antigamente o “Rói”, João Gonçalves <strong>de</strong> Jesus e ai eu aju<strong>de</strong>i...<br />
muito dizia ao pessoal: vamos minha gente emancipar Camacã,<br />
porque em vez <strong>de</strong> ir para Canavieiras, tudo em Canavieiras, ai<br />
amanhã a gente vai ter tudo aqui, Banco do Brasil... ó <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong><br />
ser besta... aí emancipou Camacã em 61, o “plesbicitio” o<br />
resultado Camacã, per<strong>de</strong>u por Camacã, não era plebiscito, o<br />
Leoventura, que era os “Quatro” antigo, per<strong>de</strong>u, Jacareci,<br />
também per<strong>de</strong>u, Panelinha ganhou, botamos 284 votos <strong>de</strong><br />
frente. Camacã surgiu em 1961. A primeira eleição foi Boinha<br />
Moura, seu tio, ganhou muito bem. Aí começou Camacã e até<br />
hoje cida<strong>de</strong>.<br />
Eu cheguei aqui <strong>de</strong> Sergipe com meu pai montado em 28, nós<br />
trouxemos uma “cavalhada” [não ficou muito nítida essa<br />
palavra] para Antônio Ribeiro e João Vargens, Boaventura<br />
Ribeiro e Joviano Moura. Mandaram comprar 100 burros lá <strong>de</strong><br />
Sergipe e trazer, cacau <strong>de</strong> um preço bom ,não tinha estrada, tudo<br />
ruim.<br />
Tinha que levar o cacau para Mascote e <strong>de</strong> Mascote <strong>de</strong>scia <strong>de</strong><br />
canoa para Canavieiras para levar para Salvador ou entregar nas<br />
firmas Wil<strong>de</strong>berg, Correia Ribeiro, aquelas firmas importantes,<br />
quer dizer, vendiam ai mesmo, chegavam os navios Ilhéus,<br />
Canavieiras carregavam para Salvador, isso já foi no ano <strong>de</strong> 28<br />
que trouxe a maravilha do preço <strong>de</strong> cacau, 29 foi um arraso.<br />
Ficamos aqui na luta.<br />
No ano <strong>de</strong> 36 Joviano Moura mandou plantar cacau, abrir uma<br />
plantação <strong>de</strong> cacau lá na fazenda Santa Maria, e eu fui mais um<br />
tio, lá fizemos um plantio <strong>de</strong> cacau, uns 10 boqueirão, plantamos<br />
cacau, balizamos mesmo com vara, 100 mil reis, mil pés <strong>de</strong><br />
cacau. Tirei um saldo, vim embora morando aqui mesmo com<br />
meu pai, minha mãe. Botei um negociozinho, mas não <strong>de</strong>u certo,<br />
ficamos aqui mesmo, daqui surgiu Camacã e foi melhorando.<br />
Boinha Moura foi o primeiro Prefeito <strong>de</strong> Camacã. Camacã<br />
surgiu... Um município que segundo me dizem foi o primeiro ou<br />
o segundo município em produção <strong>de</strong> cacau. Ouviu falar isso?<br />
Foi quando Moura Pinto veio com José Moura botaram uma<br />
venda boa, ali, <strong>de</strong>pois não <strong>de</strong>u certo.
O cacau tinha isso, subia e caia. Des<strong>de</strong> que eu cheguei aqui em<br />
28, eu tinha 10 anos. Em 38 <strong>de</strong>u outro preço bom, em 48 <strong>de</strong>u<br />
outro preço mais ou menos o pessoal... em 54 <strong>de</strong>u 550 mil reis a<br />
@ - período áureo passou 77 outro preço <strong>de</strong> 850 uma @ <strong>de</strong><br />
cacau... Caiu... Caiu... Veio o preço mínimo. Juscelino<br />
Kubichek, o preço mínimo em Ilhéus o último preço que <strong>de</strong>u<br />
bom, mas caiu que era o cruzeiro foi em 83 e ai agora pronto.<br />
Eu sei que em 28 os 4 irmão: Antônio João Vargens Boaventura<br />
e Ana <strong>de</strong> Joviano Moura mandaram comprar 100 burros em<br />
Sergipe e trazer gente para trabalhar aqui, aqui não tinha gente,<br />
bem pouca, meu pai conhecia um cara por nome Nicolau<br />
comprar uns animais.. 100 burros e que vieram também e que<br />
vieram também trouxeram... Foi 3 meses e tanto <strong>de</strong> viagem, fez<br />
agora 76 anos foi foguete, foi tudo Ave Maria! , foi uma festa a<br />
chegada da tropa dos burros em Vargito.<br />
Meu pai forneceu algum dinheiro, meu pai trouxe algum negócio<br />
para ven<strong>de</strong>r e teve que ven<strong>de</strong>r no caminho uns animais para<br />
inteirar o dinheiro da viagem, <strong>de</strong> sorte que, os 100 burros que foi<br />
comprado chegou no Vargito 84 burros, mas morreu na estrada,<br />
se estropiou, ou se per<strong>de</strong>u pela mata, outro ven<strong>de</strong>u para interar o<br />
dinheiro para chegar.<br />
Então, Sr. Rosalvo conta a brinca<strong>de</strong>ira:<br />
Aí Antônio diz seu Nicolau... Parece que estou vendo João<br />
Vargens, papai tocava um acor<strong>de</strong>om e João Vargens diz <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />
conversa Antônio, não me fale uma coisa <strong>de</strong>ssa, nós temos que<br />
comprar uma roça pra esse homem. Sair <strong>de</strong> Sergipe com 100<br />
burros e chegar aqui com 84 pra nós 21 Ah! Só indo comprar<br />
uma roça para esse homem com 100 burros e chegou aqui 84<br />
“ganhou <strong>de</strong> boca”. Toca uma coisa, vamos acabar com essa<br />
conversa, uma roça para Nicolau comprar... Soltando foguete...<br />
Em <strong>de</strong>zembro do mesmo ano, voltamos para Sergipe esse. [o<br />
pai] comprou esse lugar aqui essa posse. Voltamos para Sergipe:<br />
eu meu pai e mais uns que... Voltamos, veio eu, meu pai, meu tio<br />
e mais uns dois. Andamos mais ligeiro, da saída para chegar aqui<br />
15 ou 17 <strong>de</strong> fevereiro e chegamos aqui 27 <strong>de</strong> abril, não me<br />
esqueço nunca do ano <strong>de</strong> 29 [?].<br />
Pessoal muito bom, não gostava <strong>de</strong> briga, eram uns homens <strong>de</strong><br />
paz e sempre ajudava o pessoal mais fraco. Aí tinha uns pessoal,<br />
os Guerreiros, bravos, Nossa Senhor, o pessoal trabalhava, tirava<br />
algum dinheiro, dizia que tocaiava e tomava o dinheiro e os<br />
Ribeiros, os Vargens eram diferentes. Eu mesmo trabalhei em 36<br />
plantando um cacau, tirei um saldo <strong>de</strong> 510, 800, o velho que<br />
trabalha com Joviano que era caixeiro do Barração dizia no dia<br />
30 <strong>de</strong> outubro po<strong>de</strong> vir receber seu dinheiro. Quando cheguei lá,
Zé Moura... Cadê aquele dinheiro... Tal... Veio aquele papel <strong>de</strong><br />
500 mil reis, <strong>de</strong>ste tamanho, um negócio amarelo, aí Antônio<br />
Ribeiro, sim senhor... Olhe suas bolsas aí, esse dinheiro aí, é<br />
meio conto <strong>de</strong> reis, segure que dá ali pra você comprar uma<br />
rocinha.<br />
Aí Zé Moura disse: não ele já tem uma rocinha... E você já<br />
médio? [perguntou Antônio Ribeiro] se você quiser meu irmão<br />
Boaventura, é engenheiro e me<strong>de</strong>. A atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse pessoal era<br />
essa assim... Veio me recomendar que eu olhasse os bolsos, e<br />
que aquele dinheiro era meio conto <strong>de</strong>... Antônio Ribeiro... Na<br />
hora que você quiser medir, po<strong>de</strong> falar. Era um pessoal que<br />
faziam muito favor, eram as pessoas que comandavam por aqui,.<br />
Antônio Ribeiro João Vargens Boaventura Ribeiro, Joviano<br />
Moura, eram muito respeitados.<br />
João Vargens era muito amado, eu trabalhei para ele 66 dias no<br />
Camacã, ele [o pai]... Quebrando cacau eu ban<strong>de</strong>irando, quando<br />
ele fez a conta <strong>de</strong> meu pai, ele pegou 3 mil, esse dia <strong>de</strong>u 198 mil<br />
reis, ó eu vou dar 2 mil reis <strong>de</strong> gratificação a Rosalvo e se voltar<br />
aqui vai trabalhar mais eu... Você ban<strong>de</strong>raram cacau muito bem.<br />
Meu pai recebeu em Canavieiras em Wil<strong>de</strong>berg uma or<strong>de</strong>m. O<br />
dinheiro aqui era pouco, tinha, or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> João Vargens, Antônio<br />
Ribeiro <strong>de</strong>sse pessoal, Boaventura Moura, uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>sse<br />
pessoal era dinheiro. Já o outro Guerreiro, Ave Maria! Os<br />
Ribeiros eram <strong>de</strong> paz, harmonia e <strong>de</strong> direito. Os guerreiros eram<br />
<strong>de</strong> matar, pintar o diabo, tomar roça, se acabaram. Guerreiro foi<br />
embora, foi ven<strong>de</strong>ndo coisa... Repetição em baixo do queixo e<br />
acabou.<br />
Tinha a festa do Vargito, a missa do Vargito, naquela época era<br />
no dia 11 <strong>de</strong> novembro, <strong>de</strong> ano em ano, vinha um padre <strong>de</strong><br />
Canavieiras. Para viajar para Itabuna daqui, eu fiz umas duas ou<br />
três viagens para Itabuna montado em um burro, uma mula boa<br />
mesmo <strong>de</strong> 500 mil reis, três dias <strong>de</strong> burro... Morria na estrada...<br />
No ano <strong>de</strong> 38, 39 Antônio Ribeiro tinha rádio né? Juntava 5, 6<br />
rapazes, eu, uns que morreu, Manoel Bahia.... nós saímos daqui<br />
pra ver o rádio no Vargito, <strong>de</strong> pé. Chegava na casa <strong>de</strong> Antônio<br />
Ribeiro lá o rádio tocando, <strong>de</strong>pois a gente vinha embora, <strong>de</strong> vez<br />
em quando a gente ia ver o rádio tocar. Naquele tempo se vivia<br />
alegre, sorrindo.<br />
Aí João Vargens ia para Itamutinga para ver os trabalhos, mas<br />
com meu pai... Ó Zé, nós tinha um canavial... De cana fazia um<br />
café com garapa <strong>de</strong> cana que era bom.Ó dona Zefinha eu quero<br />
meu café com açúcar numa latinha bem lavadinha. Fazia o café e<br />
ele dizia que só queria numa latinha <strong>de</strong> leite e era o café com<br />
garapa.
Eu só vi um lugar em “fiura” igual a Camacã, aqui mesmo na<br />
Bahia, perto <strong>de</strong> Bom Jesus da Lapa... Bem olhado o Camacã é<br />
feio, a topografia... Hoje tá melhor, Antigamente era uma coisa<br />
seria, aquelas la<strong>de</strong>iras... Grotas. Ele dizia queria e <strong>de</strong>u certo, tem<br />
fama mundial, foi o primeiro município em produção <strong>de</strong> cacau.<br />
Tenho 140 há, João Vargens me ensinou a conhecer terra boa.<br />
Conheci e conheço terra boa <strong>de</strong> cacau, <strong>de</strong> primeira, <strong>de</strong> segunda,<br />
são 5 faixas <strong>de</strong> terra que existe aqui.<br />
Boaventura viveu 96 anos, eu estava em Canavieira em 74, veio<br />
se enterrar nos Lagos. Antônio Ribeiro um catolicismo...<br />
Boaventura Ribeiro tomava umas pingas, era uma pessoa muito<br />
popular. Existe uma <strong>de</strong>terminação, meu pai chegou aqui pegou<br />
umas terras ruins, tem outras influências também, tem uma<br />
<strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> vida, uns tem, outros não tem, uns tem mais,<br />
outros têm menos.<br />
Tinha fazen<strong>de</strong>iro que pagava outro não.<br />
João Vargens, Antônio Ribeiro... Você ia<br />
trabalhar com confiança, você ia<br />
comparar uma terra, eles orientavam,<br />
uma terrinha boa, mediam Boaventura...<br />
De Vargito até Panelinha... Veio gente do<br />
norte... Antônio Faustino, João Soares,<br />
tudo tinha posse aqui, Pedro Bispo. Subiu<br />
aí até Itamutinga tudo ligado com os<br />
Vargens, era uma maneira que tinha<br />
respeito. Muitas pessoas eles colocaram,<br />
orientaram.<br />
Numa entrevista [...] dada pelo então Prefeito Luciano<br />
Santana, o mesmo menciona a alta rentabilida<strong>de</strong> das<br />
proprieda<strong>de</strong>s agrícolas antes da queda dos preços e da<br />
“vassoura <strong>de</strong> bruxa” e faziam com que – “[...] os fazen<strong>de</strong>iros<br />
promovessem assistência médica por contra própria aos seus<br />
trabalhadores, além <strong>de</strong> pagar o Funrural.” O Prefeito fez
questão <strong>de</strong> lembrar também o Dr. Osvaldo Valver<strong>de</strong> (vê anexo<br />
fig. 61), o primeiro médico do Município “e que teve<br />
inestimáveis serviços prestados a essa terra”<br />
Mais adiante o agricultor Anizinho Loureiro explicou que a<br />
assistência dada pêlos próprios fazen<strong>de</strong>iros aos seus empregados,<br />
justifica-se pela rapi<strong>de</strong>z com que eles são atendidos e, também, pôr<br />
uma elementar política <strong>de</strong> administrar “não <strong>de</strong>ixando faltar nada, mas<br />
nada mesmo, as pessoas que nos ajudam”.<br />
A região <strong>de</strong> Camacã nasceu com um espírito <strong>de</strong><br />
respeito, <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>, e religiosida<strong>de</strong> cunhado e<br />
plantado nesta terra pelos primeiros <strong>de</strong>sbravadores. A<br />
fazenda Vargito surgiu como primeiro núcleo,<br />
representando durante muito tempo, o centro religioso<br />
da Região.<br />
Fernando Reis, conhecedor profundo da história<br />
<strong>de</strong> Canavieiras e conseqüentemente, dos Ribeiros,<br />
referindo-se a professar da religião católica, me disse,<br />
uma vez, que <strong>de</strong>ssa gran<strong>de</strong> família ele só conheceu uma<br />
pessoa, Luana, que havia migrado para outra religião.<br />
Não nos atrelando aos exageros, mas vamos<br />
realmente encontrar uma forte veia religiosa <strong>de</strong>sta<br />
família herdada daqueles que primeiro pisaram os pés<br />
no solo <strong>de</strong>sta Região.<br />
O acervo que disponho <strong>de</strong> fotografias <strong>de</strong> capelas<br />
encontradas nas residências das zonas rurais, nos<br />
revelam o gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> famílias que também eram<br />
católicas praticantes.
Mas, para tudo, existe um começo, uma história e ninguém<br />
melhor para nos contar essa história do que Zé Campos (2004) que passou<br />
toda a sua vida neste berço <strong>de</strong> religiosida<strong>de</strong>:<br />
Nós fizemos uma viagem até Buerarema<br />
montados no lombo dos burros, passamos<br />
por diversos lugares: Cavaco, Fartura...<br />
Três dias viajando até chegar Buerarema<br />
on<strong>de</strong> era vigário o Pe. Granja, já tinha<br />
sido vigário muitos anos em Canavieiras<br />
e tornou-se amigo do “velho” Antônio<br />
Ribeiro. Lá então embarcamos numa<br />
“marionete”, antigamente se chamava <strong>de</strong><br />
marionete não era ônibus e fomos para<br />
Ilhéus ter uma entrevista com o Bispo D.<br />
Benedito Rosse...<br />
Então expôs que aqui na Fazenda já<br />
tinha uma capela pronta com tudo<br />
necessário para instalação da Paroquia,<br />
só faltava a homologação do Bispo que<br />
imediatamente o fez... Homologou <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong> pouco tempo foi enviado o Primeiro<br />
Pároco daqui que foi um padre Manoel<br />
Pere<strong>de</strong>s, um espanhol. A inauguração da<br />
igreja do Vargito foi em fevereiro <strong>de</strong> 1942.<br />
.De lá para cá suce<strong>de</strong>ram-se vários<br />
padres e o último foi.... E ai eu quero<br />
dizer qualquer coisa <strong>sobre</strong> esse último<br />
padre...<br />
Pediu para <strong>de</strong>sligar o gravador, <strong>de</strong>pois<br />
continuou:<br />
O último vigário aqui foi Pe. Mário<br />
Tomasete, italiano, esta vivo, hoje na
igreja da Boa Viagem em Salvador, foi<br />
vigário em Itabuna em Jequié já tinha<br />
sido em Salvador agora retornou para<br />
Boa Viagem, <strong>de</strong>ve Ter uns oitenta e<br />
tantos anos, ainda disposto forte<br />
Enquanto a paróquia era no Vargito,<br />
casamento e batizados eram realizados<br />
aqui. Com o <strong>de</strong>senvolvimento urbano da<br />
cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma compreensiva<br />
resistência da professora Chiquinha em<br />
aceitar a transferência, a se<strong>de</strong> da<br />
Paróquia passou a ser na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Camacã. A igreja <strong>de</strong> Camacã foi<br />
praticamente construída por tio<br />
Boaventura Ribeiro. Doou sacos e mais<br />
sacos <strong>de</strong> cacau. (ZÉ CAMPOS, 2004).<br />
Retornando ainda ao crescimento da Região:<br />
Esta fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento vinculado<br />
ao comércio <strong>de</strong> cacau po<strong>de</strong>remos estendêla<br />
até 1965 com as suas alternâncias <strong>de</strong><br />
preço razoáveis e péssimos, especialmente<br />
pela introdução da violenta política do<br />
confisco cambial aplicada pelo governo<br />
fe<strong>de</strong>ral. (BOAVENTURA MOURA, 2004).<br />
Quanto ainda a formação social-política da<br />
Região vamos ter, conforme Boaventura Moura (2004):<br />
“portanto inicialmente Vargito e posteriormente<br />
Camacã”. “A política era toda ela toda ditada por<br />
Canavieiras”.<br />
Era [Camacã] em princípio uma extensão<br />
<strong>de</strong> Canavieiras, economicamente, cultural<br />
e social, até a década <strong>de</strong> 1940, quando<br />
surge os povoados <strong>de</strong> Santa Rosa hoje Pau
Brasil, o Roi hoje São João do Panelinha<br />
(vê anexo fig. 62), Jacareci, Pimenta,<br />
Leoventura, Belém porém hoje Potiraguá<br />
e, evi<strong>de</strong>nte consi<strong>de</strong>rando a época, sem<br />
nenhum planejamento <strong>de</strong>vido.<br />
A ameaça <strong>de</strong> divórcio político com<br />
Canavieiras começou a pairar na região<br />
quando esses centros urbanos passaram a<br />
serem olhados como ameaça futura a sua<br />
integrida<strong>de</strong> territorial. Eram lançadas as<br />
primeiras sementes da emancipação <strong>de</strong><br />
Camacan e nascia, <strong>de</strong> certo modo, uma<br />
animosida<strong>de</strong> contra a velha Camacan.<br />
Com a morte <strong>de</strong> João Vargens em 1946,<br />
surgiu uma lacuna no mundo político<br />
<strong>de</strong>sta Região, um vazio.Em 1946 o<br />
<strong>de</strong>putado Herbet <strong>de</strong> Castro apresentou<br />
um projeto <strong>de</strong> emancipação <strong>de</strong> Camacan<br />
e uma nova li<strong>de</strong>rança surge. Com o<br />
falecimento <strong>de</strong> João Vargens em 1946,<br />
lí<strong>de</strong>r da região, recebeu-se a princípio a<br />
noticias do projeto, até com certa frieza,<br />
pois eram ainda muito fortes os vínculos<br />
com Canavieiras, mas o amadurecimento<br />
político da região não se fez tardar,<br />
surgindo nos irmãos Moura, os novos<br />
her<strong>de</strong>iros da política local <strong>de</strong> João<br />
Vargens, por sinal também netos do<br />
patriarca João Elias Ribeiro.<br />
O vento das emancipações municipais a<br />
partir <strong>de</strong> 1946 varreram o estado da<br />
Bahia, criando-se <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> municípios<br />
novos, e neste bojo <strong>de</strong> interesse político,
nasce o projeto <strong>de</strong> Camacan apresentado<br />
pelo <strong>de</strong>putado Ramiro Berbet <strong>de</strong> Castro<br />
com vínculo com a Região. As eleições <strong>de</strong><br />
1950 e 1945 consolidaram em <strong>de</strong>finitivo a<br />
li<strong>de</strong>rança José Ribeiro <strong>de</strong> Moura, que<br />
passou a capitanear a luta<br />
reivindicatória da emancipação política<br />
<strong>de</strong> Camacã. Com a tentativa <strong>de</strong> Osmário<br />
Batista, como prefeito, <strong>de</strong> instalar uma<br />
nova oligarquia no município <strong>de</strong><br />
Canavieiras, uma parte da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Canavieiras apoiava a emancipação <strong>de</strong><br />
Camacã como meio <strong>de</strong> diminuir o po<strong>de</strong>r<br />
político do Prefeito.<br />
Nas as eleições <strong>de</strong> 1958, o Sr. José Moura<br />
consegue exercer o mandato <strong>de</strong> <strong>de</strong>putado,<br />
on<strong>de</strong> através <strong>de</strong> uma ação pessoal<br />
consegue da Assembléia do Estado sua<br />
aprovação para o plebiscito, ocorrido<br />
meses e <strong>de</strong>pois, com a aprovação popular<br />
em manchetes <strong>de</strong> jornais da época na<br />
capital do Estado, como “sui generi” e<br />
único do Estado a ter este tipo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sdobramento para a emancipação do<br />
município. Após 2 anos em 1961 houve a<br />
eleição para o primeiro mandato <strong>de</strong><br />
prefeito do novo município.<br />
Eu, Boaventura Ribeiro <strong>de</strong> Moura, sem<br />
ser político <strong>de</strong>sempenhei com a minha<br />
contribuição pessoal em gran<strong>de</strong> esforço<br />
pelos contatos pessoais visando o<br />
plebiscito da emancipação, sem saber,<br />
construí através este contato uma<br />
li<strong>de</strong>rança política, em que não po<strong>de</strong>
<strong>de</strong>svincular por um gran<strong>de</strong> e longo<br />
período <strong>de</strong> anos na política local.” E nas<br />
eleições para o primeiro prefeito embora<br />
relutasse como candidato, cedi as<br />
evidências a concorrente contra Afonso<br />
Castro UDN César e Silva PTB, João<br />
Alfredo do Carmo, João Bitu, fui<br />
consagrado com o resultado <strong>de</strong> 84% dos<br />
votos num atestado vivo <strong>de</strong><br />
agra<strong>de</strong>cimento histórico a família Ribeiro<br />
em minha pessoa Boaventura Ribeiro <strong>de</strong><br />
Moura, neto do patriarca João Elias<br />
Ribeiro.<br />
Partir do nada e realizar algum feito não<br />
é fácil e especialmente quando se <strong>de</strong>para<br />
pela frente forças contrárias e retornados<br />
aos interesse coletivos na intenção do<br />
aproveitamento pessoal as conseqüências<br />
é um tremendo prejuízo a comunida<strong>de</strong>,<br />
como ocorreu com Camacã. As<br />
conseqüências ainda hoje se refletem, pois<br />
a oportunida<strong>de</strong> dificilmente aparece duas<br />
vezes e o que fizeram para prejudicar,<br />
não me atingiu e sim toda comunida<strong>de</strong><br />
atrasando o seu <strong>de</strong>senvolvimento até hoje<br />
sentido.<br />
É claro, o nascimento <strong>de</strong> uma estrutura<br />
social partindo do zero, como não podia<br />
<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, surgiu fundamentada nos<br />
valores econômicos e político, temos que<br />
reconhecer ser o seu valor intelectual<br />
muito baixo, consi<strong>de</strong>rando ter recebido o<br />
município com apenas uma única escola<br />
primária. O cidadão, pioneiro da cida<strong>de</strong>
ecém criada, era um indivíduo diferente<br />
do homem rural, habitante do município<br />
há <strong>de</strong>cênios. Os urbanos era bem mais<br />
recentes, sem nenhum vínculo <strong>de</strong> tradição<br />
dos rurais [rurais <strong>de</strong> Canavieiras tinham<br />
uma tradição].Muito tempo <strong>de</strong>pois,<br />
aparece somente com o surgimento<br />
efetivo, necessários ao <strong>de</strong>senvolvimento<br />
urbanos, urbanos procediam <strong>de</strong> Itabuna<br />
eram “aventureiros” que permitira as<br />
consolidações aos conglomerados,<br />
embriões das futuras cida<strong>de</strong>s.<br />
Criação do ginásio, escolas primárias,<br />
serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e ainda uma infraestrutura,<br />
foram <strong>de</strong>safios vencidos e<br />
contra a incompreensão do Governo<br />
Estadual, manipulado por mesquinhos<br />
interesses locais. Por último a instalação<br />
da Comarca que ocasionou<br />
<strong>de</strong>svinculamento final <strong>de</strong> Canavieiras.<br />
Este período conturbado da cida<strong>de</strong> para<br />
mim não <strong>de</strong>ixar sauda<strong>de</strong>s, mas acredito<br />
ter feito o máximo que me foi possível<br />
pela terra. Tenho que registrar a<br />
compreensão da população, que sempre<br />
me apoiou nos momentos mais difíceis,<br />
pois juntos vencemos várias eleições<br />
numa tácita aprovação e legitima<br />
con<strong>de</strong>nação a atuação <strong>de</strong> indivíduos,<br />
contra aos interesses locais.<br />
(BOAVENTURA MOURA, 2004, grifo<br />
meu).
Conforme o jornal “TABU”: A povoação <strong>de</strong><br />
Camacã, a partir <strong>de</strong> então, aumentava rapidamente sua<br />
população e seu comércio e em 1953, através da Lei n.º<br />
628, foi elevada à categoria <strong>de</strong> Distrito <strong>de</strong> Canavieiras.<br />
Oito anos mais tar<strong>de</strong> a Lei Estadual em 29, 30 ou<br />
31 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1961, a Lei Estadual n.º 1.465 criava o<br />
município <strong>de</strong> Camacã, <strong>de</strong>smembrando-o do município <strong>de</strong><br />
Canavieiras. A lei foi assinada [no governo <strong>de</strong> Juracy<br />
Magalhães] pelo então do vice-governador no exercício<br />
do cargo <strong>de</strong> governador, Orlando Moscoso, e pelo<br />
secretário <strong>de</strong> Interior e Justiça, Manso Cabral (vê anexo<br />
fig. 63).<br />
A instalação do novo município, porém somente<br />
ocorreu quase dois anos <strong>de</strong>pois, no dia 6 ou 7 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong><br />
1963, quando tomaram posse seu primeiro prefeito (vê<br />
anexo fig. 64), Boaventura Ribeiro <strong>de</strong> Moura, e sua<br />
primeira Câmara <strong>de</strong> Vereadores. A eleição tinha sido<br />
realizada a 3 <strong>de</strong> outubro do ano anterior.<br />
Nesta mesma reportagem encontramos ainda o seguinte registro:<br />
Camacã situa-se como o município mais rico da Bahia, com um per capita<br />
<strong>de</strong> Cr$ 13 mil, ven<strong>de</strong>ndo uma média <strong>de</strong> 25 carros por mês, <strong>de</strong> acordo com a<br />
recém instalada agência Camacã Veículos. [...] nas ruas não se vê , por<br />
exemplo, um mendigo sequer.<br />
Recentemente, a Ceplac divulgou seu boletim que<br />
dá conta dos maiores produtores <strong>de</strong> cacau do Estado.<br />
Camacã passou a li<strong>de</strong>rar a lista, ultrapassando Ilhéus em<br />
mais <strong>de</strong> 20 mil arrobas. Por outro lado, o município paga<br />
alto o preço da sua condição econômica: tem também,o<br />
maior custo <strong>de</strong> vida do Estado.<br />
Camacã Hoje:
Localizado na Microregião Cacaueira, o Município <strong>de</strong><br />
Camacã, comportando uma área <strong>de</strong> 667 km 2, abriga os<br />
distritos <strong>de</strong> São João do Panelinha, Itamarati, Jacareci, e<br />
Leoventura. Seu relevo é montanhoso e ondulado, verificando-<br />
se a predominância do clima quente e úmido, com temperatura<br />
máxima em torno <strong>de</strong> 33 e mínima <strong>de</strong> 18 graus, com precipitação<br />
pluviométrica superior a 1.300 milímetros. Possuindo vários<br />
rios, o Município tem entre os seus principais, o Pardo, o<br />
Panelão, o Água Preta e o Panelinha.<br />
A cida<strong>de</strong> que sonhamos não é o que hoje<br />
ela apresenta. Per<strong>de</strong>mos substancias<br />
intelectuais, política e econômicas; me<br />
parece... Ainda continua os interesses<br />
pessoais e muito forte. Embora a<br />
socieda<strong>de</strong> tenha dado <strong>de</strong>monstrações<br />
cabais <strong>de</strong> modificar esta situação,<br />
repetindo, as oportunida<strong>de</strong>s não andam<br />
aparecendo sempre, elas são escassas e<br />
passageiras e o tempo perdido é<br />
irrecuperável.<br />
Numa crise econômica <strong>de</strong> monocultura,<br />
com o advento da “Vassoura <strong>de</strong> Bruxa”<br />
ao nosso principal produto e a<br />
incompreensão das autorida<strong>de</strong>s<br />
responsáveis, quero crer, e<br />
lamentavelmente acho o nosso futuro<br />
risonho, comprometido, salvo muita luta,<br />
imaginação e união dos seguimentos da
socieda<strong>de</strong> e como meio <strong>de</strong> virar esta<br />
situação.<br />
Posso assegurar difícil e dificílima a<br />
nossa situação.Entretanto, termino<br />
concluindo: mas não é impossível, é<br />
necessário que se tente e continue a luta,<br />
outrora dos Ribeiros hoje, <strong>de</strong> toda a<br />
comunida<strong>de</strong>.<br />
Deixo aqui o meu amargo registro, <strong>de</strong> que<br />
em todo este trajeto não encontramos a<br />
presença, quer seja do po<strong>de</strong>r Estadual, ou<br />
Fe<strong>de</strong>ral na implantação <strong>de</strong>sta cultura,<br />
realizada por obra e graça único do povo<br />
brasileiro, e <strong>de</strong> forma limitada por<br />
discretos financiamentos <strong>de</strong> firmas<br />
estrangeiras. A única contribuição do<br />
Estado foi em 1930 com a criação do ICB –<br />
Instituo <strong>de</strong> Cacau da Bahia, mesmo assim<br />
com recursos da própria lavoura. A<br />
Ceplac posteriormente em 1958 da parte<br />
do Governo Fe<strong>de</strong>ral.<br />
Após 30 anos <strong>de</strong> arrecadação forçada da<br />
lavoura, amealhou aproximadamente 4<br />
bilhões <strong>de</strong> dólares, <strong>de</strong>scapitalizando tal<br />
maneira todo o esforço econômico da<br />
região ao longo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cênios, promovendo<br />
<strong>de</strong>ste modo a maior das crises econômicas<br />
que passa a lavoura. Não obstante, juntese<br />
a negligencia, a incapacida<strong>de</strong> e<br />
ambição somadas a irresponsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
alguns dirigentes <strong>de</strong> órgãos.<br />
Deixaram para a lavoura como herança<br />
<strong>de</strong> sua quase má fé, o maior <strong>de</strong> seus
inimigos: a “Vassoura <strong>de</strong> Bruxa”, que<br />
ameaça a todos nós a própria sorte,<br />
<strong>sobre</strong>viventes <strong>de</strong> nossa ativida<strong>de</strong>, neste<br />
naufrágio sem rumo. (BOAVENTIRA<br />
MOURA, 2004).<br />
Em entrevista ao Ca<strong>de</strong>rno Especial do jornal “A Tar<strong>de</strong>” <strong>de</strong><br />
29 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1978, numa reportagem feita, na data <strong>de</strong><br />
aniversário da cida<strong>de</strong> a meu tio Boaventura Moura, o mesmo, num<br />
clamor, apela para a “mocida<strong>de</strong> tomar os <strong>de</strong>stinos <strong>de</strong> Camacã” ao<br />
tempo em que concluiu: “Estamos vivendo os últimos instantes <strong>de</strong><br />
nossa influência, como <strong>de</strong>sbravadores”.
9 “CACAUICULTORES DE PÉS DESCALÇOS”<br />
“Cacauicultores <strong>de</strong> pés <strong>de</strong>scalços” eram assim chamados os<br />
primeiros fazen<strong>de</strong>iros da nossa Região. Trabalhadores e colonizadores,<br />
cúmplices na luta pela conquista da Região, se misturavam em busca <strong>de</strong> um<br />
mesmo i<strong>de</strong>al. Com atitu<strong>de</strong>s simples, e <strong>de</strong> privações que a própria época<br />
impunha, as diferenças entre patrão e empregados eram diminutas.<br />
De origem humil<strong>de</strong>, os primeiros <strong>de</strong>sbravadores,<br />
cunharam nas veias <strong>de</strong>sta terra um jeito próprio <strong>de</strong><br />
viver. Esse “jeito simples” jamais foi perdido ou<br />
esquecido, mesmo quando alcançaram a condição <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong>s fazen<strong>de</strong>iros.<br />
A relação com os trabalhadores também se<br />
mantivera com o mesmo sentimento <strong>de</strong> cumplicida<strong>de</strong>,<br />
parceiros <strong>de</strong> luta, quando muito daqueles também se<br />
tornaram proprietários <strong>de</strong> terra, coisa muito freqüente<br />
naquela época, resultado dos gran<strong>de</strong>s saldos que estes<br />
conseguiam. Esse traço dos Ribeiros, isto é, nas relações<br />
com os trabalhadores rurais, acompanharam seus<br />
<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes através <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s reivindicatórias,<br />
quando cessados os seus recursos financeiros que<br />
costumavam suprir as <strong>de</strong>ficiências que o contexto<br />
impunha, conforme nota anexa.<br />
Neste capítulo <strong>de</strong>dicamos uma justa homenagem<br />
àqueles jovens <strong>de</strong>sbravadores, que em função <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>al, se<br />
embrenharam pelas matas virgens em busca <strong>de</strong> um sonho que<br />
se tornou realida<strong>de</strong>. Antônio Ribeiro e Manoel Ribeiro <strong>de</strong>pois<br />
João Vargens e Boaventura Ribeiro aqui chegaram, trazendo<br />
muita fé e coragem, dignos dos gran<strong>de</strong>s homens.<br />
Seguem-se <strong>de</strong>poimentos extraídos <strong>de</strong> entrevistas feitas<br />
com pessoas que conviveram com os mesmos, durante as suas<br />
vidas. São eles: Zé Campos, filho <strong>de</strong> Antônio Ribeiro, Lour<strong>de</strong>s e<br />
Rosalina, netas do velho João Elias, Antonieta Ribeiro, <strong>filha</strong> <strong>de</strong>
Boaventura Ribeiro, Maria Rita, última companheira <strong>de</strong> João<br />
Vargem.<br />
Antônio Ribeiro:<br />
Lembro-me quando pequena da sua figura esguia e<br />
bonita, sempre a trajar-se <strong>de</strong> palitó na varanda da sua casa no<br />
Vargito e sua esposa professora Francisca ou professora<br />
Chiquinha como a chamavam. Morena, usava coque no cabelo e<br />
vestia bata, não me lembro <strong>de</strong> vê-la sorrir das vezes que<br />
estivemos juntas.<br />
O casal não teve filhos, mas adotaram um sobrinho,<br />
José Campos, mais conhecido por Zé Campos a quem <strong>de</strong>vo os<br />
maiores agra<strong>de</strong>cimentos pela gentileza que repetidas vezes me<br />
recebeu, ele e sua esposa Lúcia, na sua casa da fazenda Vargito<br />
e pelas informações prestadas e aqui registradas.<br />
Relata Zé Campos (2004):<br />
A região aqui girava em torno <strong>de</strong> Antônio Ribeiro, e não<br />
em torno dos irmãos. Ele era semi-analfabeto e os irmãos<br />
eram doutores, formados. Não se movia uma palha que<br />
não se viesse consultar ao Capitão Antônio Ribeiro,<br />
confiabilida<strong>de</strong> ilimitada. Ele era Capitão da Guarda<br />
Nacional, ele se dizia “Capitão não sois nada”. Este título,<br />
eu acredito que tenha sido homenagem pelos ancestrais<br />
do velho.<br />
Eu tenho o documento <strong>de</strong>ste título <strong>de</strong> Antônio Ribeiro.<br />
Professora Francisca - era natural da ilha <strong>de</strong> Itaparica,<br />
formou-se em professora e foi nomeada... Ela pensava<br />
que era para Canavieiras, mas era para a Fazenda Lagos<br />
on<strong>de</strong> conheceu Antônio Ribeiro, [filho <strong>de</strong> João Elias<br />
Ribeiro] Tanto ela, como a professora Luiza [esposa <strong>de</strong><br />
João Vargens] todas duas ensinaram na nos Lagos.<br />
Depois que ela casou, não ensinou mais. Antônio Ribeiro<br />
e Chiquinha viviam numa harmonia completa.<br />
Antônio Ribeiro <strong>de</strong>ixou-se, em face <strong>de</strong> ser um homem sem<br />
gran<strong>de</strong>s culturas, casado com uma mulher culta,<br />
professora, ela sempre exerceu um domínio forte <strong>sobre</strong><br />
ele. Predomínio esse que foi muito benéfico.Ele só veio a<br />
rebelar-se já no fim da vida. Mas, viviam muito bem, ele se<br />
submetia aos <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong>la e ela tinha uma loucura por<br />
ele... Doentio. Ciúme, ciúme?... Eu nunca presenciei,<br />
agora extremos cuidados, zelosa. Quando ele sumia havia<br />
um berrante <strong>de</strong> chifre <strong>de</strong>... Foi para chamá-lo na roça. Até<br />
pouco tempo tinha ai... Eu vou procurar... O berrante...
Já Antonieta Ribeiro (2004), <strong>de</strong>clara:<br />
Manoel Ribeiro:<br />
Antônio Ribeiro não sei nada, só sei que era controlado pela<br />
mulher, só fazia o que ela queria, e tivesse que fazer alguma<br />
coisa pra família tinha que ser escondido. Foi um bom tio<br />
comigo, como também eu fui boa para ele, mas me enganou, ele<br />
e Zé Campos não agiram, não foram homens comigo.<br />
Lour<strong>de</strong>s Moura (2004), em poucas palavras<br />
<strong>de</strong>screve Manoel Ribeiro:<br />
Manoel um dos primeiros expedicionários<br />
da Região foi um dos únicos filhos <strong>de</strong> João<br />
Elias que não permaneceu na Região.<br />
Conta-se que ele era noivo e na ante<br />
véspera do casamento a noiva confessou<br />
a irmã <strong>de</strong>le, que não era mais virgem...<br />
Naquele tempo...<br />
Antonieta Ribeiro (2004), também fala <strong>de</strong><br />
Manoel Ribeiro, ela diz:<br />
[...] então ele “arribou” <strong>de</strong>ixou uma casa<br />
muito bonita construída na beira do rio,<br />
arribou para o Prado. Disse que João<br />
Elias [o pai] caiu nele <strong>de</strong> moleque, <strong>de</strong><br />
tudo, ofen<strong>de</strong>ndo muito porque achava que<br />
o filho era o “<strong>de</strong>vedor” [...] Ele foi embora<br />
para o Prado. Lá casou-se com Dulce<br />
construiu família. E cá <strong>de</strong>pois a mulher<br />
na hora do parto confessou que não tinha<br />
sido ele.<br />
Quando o pai ficou doente (João Elias)<br />
mandaram avisar a ele, mas ele não veio.<br />
Quando o pai morreu, ele veio ver a<br />
mãe... Por capricho. Manoel e Dulce
Boaventura Ribeiro:<br />
tiveram também muitos filhos: Terezinha<br />
que casou-se com Artur; Benedito; Jaci<br />
casada com José Augusto [Zé Có], que<br />
tiveram Zé Luis, Tininha, José Augusto,<br />
Fátima e Angela; Raimundo também<br />
casado que teve: Dulce Maria, Maoel<br />
Elias e João Elias.<br />
Tive o prazer <strong>de</strong> conhecê-lo ainda em plena ativida<strong>de</strong>,<br />
figura impar, irreverente, com um vozeirão peculiar. Nasceu em<br />
06/04/1882 vindo a falecer em 21/01/1974.<br />
O testemunho <strong>de</strong> Antonieta Ribeiro (2004), traz<br />
informações bastante relevantes <strong>sobre</strong> a pessoa <strong>de</strong> Boaventura<br />
Ribeiro, ele conta:<br />
Formou-se em engenharia civil, sua primeira união foi<br />
Úrsula Lima Ribeiro, viúva com 17 anos do tenente<br />
Albuquerque, tinham dois filhos Pedro e Edson. Homem<br />
<strong>de</strong> posses ela ficou rica, <strong>de</strong>ixou para a viúva um engenho<br />
em Alagoas que <strong>de</strong>pois foi vendido para ajudar a meu pai<br />
fazer essa roça. Meu pai e minha mãe viveram 20 e tantos<br />
anos, mas não eram felizes.<br />
Desta primeira união nasceram: “filhos do casal” Leocadia,<br />
Antonieta, Maria José, Antônio, Maria que faleceu e<br />
Carmem. O princípio do Chororão veio dos bens <strong>de</strong> minha<br />
mãe, <strong>de</strong> Pedro e Edson teve muita injustiça. Minha mãe<br />
faleceu. Antes <strong>de</strong> minha mãe falecer, ele [Boaventura R.]<br />
era amasiado com Maria Antônia, faleceu.... Ficou muito<br />
tempo, <strong>de</strong>pois Caçula. Minha mãe também sofreu muito...<br />
Ele viveu vinte e tantos anos. Muitas pessoas censuravam ela,<br />
mas ela também foi vítima, não estou dizendo isso porque é<br />
minha mãe, mas é para fazer justiça. Meu pai também fez certas<br />
coisas que nós, filhos <strong>de</strong>le, sabemos que fez coisas que não <strong>de</strong>via<br />
ter feito, mas ele quis fazer. Meu pai era um pouco ru<strong>de</strong>, não<br />
vou, porque é da família nem ficar contando garganta. Nunca<br />
<strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> rezar por ele, mas ele não foi o que precisava ser para<br />
os filhos e alias, sei que com os outros é a mesma coisa.
Todos nós trabalhávamos muito, carregamos água na cabeça,<br />
não tínhamos empregados não. Quando eu pedi a ele ajuda por<br />
que meu filho queria ser engenheiro, ele disse que formatura <strong>de</strong><br />
pobre era “estorvenga”. Ele era engenheiro.<br />
Da convivência com Maria Antônia nasceram: Marta (Martinha),<br />
Olga Helena, Irene, Boaventura Filho, Istefánio e Silvia. Com o falecimeno<br />
<strong>de</strong>sta última, Boaventura Ribeiro passou a ter como companheira Cecilia<br />
Félix dos Santos conhecida por “Cacula”.<br />
Desta união nasceram: Manoel que se casou com Luciene e<br />
tiveram um filho por nome Boaventura; Antõnio Mariano casado com<br />
Safira e tiveram Francisco e Mariana; Rodolfo Elias casou-se com<br />
Conceição e tiveram Ana Paula, Rodolfo e Carolina; João Elias casado com<br />
Maria Nelci que tiveram Leandro e Ulisses; Diogenes casado com Lour<strong>de</strong>s<br />
e tiveram Diogenes Junior, Luciana e Elane; Leonia casada com Francisco<br />
e tiveram Jamile Fredy e Frank; Guido casou-se com Célia tiveram<br />
Cristiane, Juliana e Geovana.<br />
Boaventura Ribeiro era um homem <strong>de</strong> muito vigor. Lembro-me<br />
<strong>de</strong> um comentário, até <strong>de</strong> certo modo repulsivo <strong>de</strong> minha mãe, quanto a<br />
atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> meu tio, que ao retornar da roça (possivelmente com o vigor, a<br />
energia, que a natureza lhe dava), com um sinal, chamava a companheira<br />
para o quarto.<br />
João Vargens:
Conheci tio João já acometido <strong>de</strong> uma<br />
enfermida<strong>de</strong> (câncer <strong>de</strong> fígado) em estado terminal.<br />
Infelizmente a imagem que guardo <strong>de</strong>le é bem diferente<br />
daquele homem forte, disposto a <strong>de</strong>sfiar a vida. Quando<br />
acompanhando minha mãe, o vimos pela última vez.<br />
Estava com 4 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e até hoje recordo-me da<br />
cena tão perturbadora que me fez sair com <strong>de</strong>stino a<br />
porta da rua e embaraçando-me com a porta que se<br />
dobrava, meu pânico aumentou.<br />
Embora sendo Ribeiro <strong>de</strong> <strong>sobre</strong>nome, dizem os<br />
mais velhos, que João Vagens, para não ser confundido<br />
com um indivíduo por nome João Ribeiro muito<br />
procurado pela policia baiana, portanto um “charra”<br />
seu, achou por bem mudar o seu nome para João<br />
Vargens, protegendo-se, portanto, <strong>de</strong> qualquer mal<br />
entendido.<br />
Alci<strong>de</strong>s Costa em seu livro Canavieiras: Sua<br />
História e sua Gente, no capítulo IV, que <strong>de</strong>dica a<br />
bibliografia <strong>de</strong> filhos ilustres <strong>de</strong> Canavieiras cita o nome<br />
<strong>de</strong> Dr. João Ribeiro Vargens, nasceu nesta Cida<strong>de</strong>, em 1 º<br />
<strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1880, sendo seus pais João Elias Ribeiro, um<br />
dos pioneiros da lavoura cacaueira no Município e D.<br />
Carolina Ribeiro, doutorou-se pela antiga Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Medicina da Bahia em cujo curso obteve sempre ótimas<br />
aprovações. Não seguiu a carreira profissional,<br />
<strong>de</strong>dicando-se à lavoura cacaueira, sendo o <strong>de</strong>sbravador<br />
impávido das florestas do interior do Município em 1914,<br />
<strong>de</strong>pois da cheia do Rio Pardo, que <strong>de</strong>struiu gran<strong>de</strong> parte<br />
das proprieda<strong>de</strong>s ribeirinhas.<br />
Faleceu na capital do estado, em 28 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<br />
<strong>de</strong> 1914.<br />
Em 1916 foi o Dr. Vargens nomeado médico da<br />
higiene, neste Município, cargo que abandonou logo em<br />
seguida, pois como dissemos linhas acima, a sua aptidão<br />
exclusiva era a lavoura cacaueira que e <strong>de</strong>senvolveu<br />
consi<strong>de</strong>ravelmente, legando aos seus filhos vultuoso
patrimônio, feito exclusivamente com seu esforço<br />
indômito, a custa <strong>de</strong> sacrifícios inumeráveis, numa<br />
época em que escassos, ou quase nulos eram os auxílios à<br />
lavoura.<br />
Ainda em 1916, organizou-se nesta cida<strong>de</strong> um<br />
partido político sob a sua chefia, fundando-se o jornal o<br />
“Progressista”.<br />
Em 1920 foi nomeado Inten<strong>de</strong>nte Municipal da<br />
cida<strong>de</strong>, e logo a seguir eleito para o mesmo cargo, que<br />
exerceu até o ano <strong>de</strong> 1923, tendo reconstituído as<br />
finanças da comuna e imposto a paz e a tranqüilida<strong>de</strong><br />
em todo o seu território.<br />
Zé Campos (2004) discorre que:<br />
Já conheci tio João separado <strong>de</strong>la [profª.<br />
Luíza]... Tio João com “raparigas” tinha<br />
uma tal <strong>de</strong> Maria Rita. Morava no inicio<br />
no Vargito, aos domingos ele sempre<br />
vinha para casa do “velho”. Teve várias<br />
companheiras. Foi médico aqui e era<br />
alcunhado <strong>de</strong> “médico <strong>de</strong> cacaio nas<br />
costas” porque saia... Antes <strong>de</strong> se mudar<br />
para Itamutinga, <strong>de</strong> manhã, <strong>de</strong><br />
madrugada quer fizesse sol ou chuva ia<br />
pra lá se <strong>de</strong>sse tempo para voltar ele<br />
voltava, senão <strong>de</strong>scesse lá ele ficava e ele<br />
já levava a “bagaceira” <strong>de</strong>le toda nas<br />
costas, cobertor, roupa, muitas e muitas<br />
vezes as raparigas <strong>de</strong>le ficava aí. Ele não<br />
teve uma só, teve Anita que eu conheci,<br />
Arlete que conheci muito, ela gostava<br />
muito <strong>de</strong> mim porque eu chamava ela <strong>de</strong><br />
tia, Maria Rita ainda é viva e mora em<br />
Camacã.<br />
Ele não tinha tempo para política, em um<br />
espaço <strong>de</strong> tempo ele plantou cacau, 1
milhão <strong>de</strong> cacaueiros sem comprar roça<br />
<strong>de</strong> ninguém, tudo feito por ele e os<br />
trabalhadores. Eles viviam separados <strong>de</strong><br />
fato, <strong>de</strong> direito não. Ele só voltou a<br />
conviver com D. Luíza quando adoeceu.<br />
Ele morava na rua Nova <strong>de</strong> São Bento e<br />
eu morava na casa <strong>de</strong> tia Libania ali nas<br />
Mercês. Todo dia eu ia lá conversar... Ele<br />
era a<strong>de</strong>pto do Briga<strong>de</strong>iro... Ele era<br />
u<strong>de</strong>nsita militante.<br />
Era uma personalida<strong>de</strong> totalmente<br />
inversa do irmão Antônio, ele tinha mais<br />
afinida<strong>de</strong> com tio Boaventura que<br />
gostava da “pan<strong>de</strong>ga”. Antônio Ribeiro<br />
era um homem sério, não admitia bebida,<br />
mulher e os irmãos não.<br />
Antonieta Ribeiro (2004), nos que:<br />
Era um tio <strong>de</strong> que eu queria muito bem, foi um pai para mim. Era muito <strong>de</strong>dicado mais do que<br />
meu pai como tio. Aquela forma <strong>de</strong> tratar, era muito dado comigo e eu também. Saber <strong>sobre</strong> a<br />
professora Luzia? Não sei, porque não conheci as particularida<strong>de</strong>s da família <strong>de</strong>la. Já conheci tio<br />
João separado <strong>de</strong>la... Tio João com raparigas esses negócios... Tinha uma tal <strong>de</strong> Maria Rita, da<br />
vida íntima não sei <strong>de</strong> nada.<br />
Naquele tempo que ele era Prefeito, [<strong>de</strong> Canavieiras] eu tinha<br />
cuidado com ele, com a roupa <strong>de</strong>le. Ele tratava todos bem, mas<br />
como eu morava na casa <strong>de</strong> mãe Calú, ele se hospedava lá, aí ele<br />
tinha a <strong>de</strong>dicação que eu tinha a ele, chegava da mata eu<br />
apanhava a cela. Naquele tempo tinha o tal da ”pala” todo sujo<br />
<strong>de</strong> lama, eu ia lavar, tudo isso... Ele era um homem reconhecido,<br />
tinha também aquele cuidado comigo, atencioso, sentava para<br />
conversar, tudo isso.<br />
Os her<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> João Vargem foram: João<br />
Elias [Jonga], passou aqui muito pouco<br />
tempo porque adoeceu e foi para o Rio e<br />
Olimpio era intinerante, não tinha<br />
pousada, pra lá e pra cá, José Maria
[Zelito] também morava em Salvador, era<br />
professor, com a morte <strong>de</strong>le vieram os<br />
filhos <strong>de</strong>le uns casaram-se estabeleceramse<br />
ai. Dora mora ai, em Camacã, mas<br />
também tinha parada perto <strong>de</strong> Camacã<br />
ali a fazenda.<br />
Do casamento contraído <strong>de</strong> Dr. João Vargem,<br />
Ribeiro <strong>de</strong> origem, com a professora Luiza Edyale<br />
nasceram os seguintes filhos: João Elias da Costa Vargens<br />
conhecido por Jonga, médico, casou-se com Neuza; José<br />
Maria, “advogado <strong>de</strong> largo conceito na capital do estado<br />
e professor <strong>de</strong> Direito na faculda<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Direito”,<br />
casado com Dora; Olímpio Baldoino, engenheiro, casado<br />
com Regina Tavares, conforme Alci<strong>de</strong>s Costa (1963).<br />
Até a conclusão <strong>de</strong>ste trabalho, não conseguimos<br />
registrar todos os nomes das gerações que se seguiram.<br />
Após entrevistar algumas pessoas, cheguei, por indicação<br />
<strong>de</strong> Lucia e Zé Campos, à Maria Rita, última companheira <strong>de</strong> João<br />
Vargens, vivendo em Camacã em um estado <strong>de</strong> muita pobreza. Foime<br />
extremamente receptiva à entrevista, e comentou já ter sido<br />
muito procurada para fornecer dados <strong>sobre</strong> a história da cida<strong>de</strong>.<br />
Hoje com 88 anos, olhos claros, traços finos, estatura<br />
mediana, seu rosto ainda revela a mulher bonita que foi na<br />
juventu<strong>de</strong>.<br />
Maria Rita (2004), relata assim a história:<br />
Cheguei pra aqui com vinte anos, sou<br />
<strong>filha</strong> <strong>de</strong> Canavieiras, vim <strong>de</strong> canoa. Vivi<br />
lá no Vargito 25 anos, <strong>de</strong> Vargito a aqui,<br />
tenho 68 anos. Moro há 40 anos aqui em<br />
Camacã. Quando eu aqui cheguei tudo<br />
aqui era lama, lama, lama mesmo que a<br />
gente saia <strong>de</strong> Vargito para a fazenda<br />
Camacã a lama dava na barriga do<br />
animal, atolava, a gente caia do animal.<br />
Isso aqui era mata pura.
Eu cheguei aí no Vargito em 1933, quem<br />
morava lá era Dr. João Vargens, era<br />
uma Fazenda muito boa, <strong>de</strong>pois abriram<br />
lá um escritório... Abriram um cartório, o<br />
senhor que tinha lá era o escriturário seu<br />
Clery.<br />
Como João Vargem era quem tinha maior<br />
aproximação, uma pessoa ótima, muito<br />
boa, muito caridoso, foi ele... Ele comprou<br />
essas terras aqui em 30 pra 31, o<br />
presi<strong>de</strong>nte era Getúlio Vargas, era um<br />
mundo <strong>de</strong> terra, ele comprou tudo barato,<br />
mas veio explorar para ver se dava o<br />
cacau com os engenheiros, não <strong>de</strong>u, mas<br />
<strong>de</strong>u, terreno seco, aí ele <strong>de</strong>u pra cida<strong>de</strong>.<br />
Ele tinha várias fazendas, 15 fazendas, ele<br />
era rico, riquíssimo.<br />
Tudo era irmão <strong>de</strong>le, eram muito ricos,<br />
fazendas, tudo unida, tudo rico, fartura<br />
muita, Com os empregados o seu trato era<br />
bem... A não ser quando ele tomava uns<br />
“pauzinhos”, tomava uns pauzinhos...<br />
Teve uma briga contra os Guerreiros, foi<br />
no ano que cheguei, isso foi horrível, foi<br />
por causa <strong>de</strong> um trabalhador, o rapaz<br />
tirou um saldo e ele não queria pagar ao<br />
rapaz, queria espancar o rapaz então foi<br />
para o Vargito. Chegou lá foi tirar o<br />
trabalhador a pulso a família toda se<br />
revoltou e teve muita briga morte e<br />
tudo... Muita gente do lado dos<br />
Guerreiros, muita gente e tiroteio... Neste<br />
tempo, dona menina, existia jagunçada.
Os Barretão atacaram eles nos Lagos... O<br />
Leonídio Guerreiro queria tirar o<br />
trabalhador <strong>de</strong>le a pulso da fazenda do<br />
Vargito... Teve briga teve morte, teve<br />
tudo. Não conheci ninguém que morreu;<br />
<strong>de</strong> Leonidio morreu uns 3 ou 4, eles<br />
vieram atacar a fazenda Santo Antonio<br />
nos Vargitos, que era do seu Antônio<br />
Ribeiro. Dos trabalhadores do Vargito<br />
não morreu ninguém, mas <strong>de</strong> Leonidio<br />
morreu uns 3 ou 4. Isso foi em 31, quando<br />
eu cheguei... No começo eu estava em<br />
Canavieiras quando eu cheguei ainda<br />
encontrei. [<strong>de</strong>clara que não conheceu<br />
ninguém que morreu].<br />
Com índio teve [problema] por que essa<br />
fazenda, Camacã aqui dizem que era dos<br />
índios, tanto que o velho João Vargens,<br />
pegou duas caboquinhas: uma morreu,<br />
que a irmã <strong>de</strong>le Joaquina criou, não<br />
resistiu, e a outra foi criada pela<br />
sobrinha <strong>de</strong>le, Antonieta, até hoje é<br />
casada em Canavieiras chama-se Moaci.<br />
Eles não invadiram, estava abandonada,<br />
aí ele entrou e plantou cacau.<br />
Ele era casado abandonado pela família,<br />
a mulher que abandonou ele, a mulher<br />
<strong>de</strong>le chamava-se Luíza, professora Luíza,<br />
<strong>de</strong> Canavieiras, se abandonaram um ao<br />
outro, e ela nunca veio aqui, não<br />
conhecia Vargito e então ele arrumou<br />
várias mulheres, mas nenhuma ficou, elas<br />
eram que não ficavam, porque aí, dona<br />
menina, filho chorava e mãe não via. Se
morria por falta <strong>de</strong> um purgante <strong>de</strong><br />
sulfato aqui. Era mata pura isso aqui,<br />
chovia muito. Ele tinha muito gosto <strong>de</strong><br />
conhecer a cida<strong>de</strong>, o ano que ele liberou<br />
foi o ano que ele morreu... Vai fazer<br />
agora 50 anos que ele morreu, no dia 28<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro.<br />
Aqui foi invadindo, muita lama... Foi<br />
chegando os comerciantes: João Bitú, a<br />
primeira farmácia <strong>de</strong> Luis da Veiga. A<br />
primeira missa foi celebrada pelo padre<br />
Emiliano Britão, celebrada <strong>de</strong> baixo<br />
daquele sobrado que é hoje <strong>de</strong><br />
Francisquinho Almeida. A primeira<br />
firma <strong>de</strong> cacau foi <strong>de</strong> Wilddberg, <strong>de</strong>pois<br />
veio a Correia Ribeiro.<br />
João Vargens era político, aqui não foi,<br />
não chegou ao ponto <strong>de</strong> ser... Em<br />
Canavieiras ele foi prefeito em<br />
Canavieiras, tornou a se candidatar e<br />
não levou. Abandonou a clínica e entrou<br />
por essas matas, novo, novo, mo<strong>de</strong>rno,<br />
que o povo em Canavieiras chamava ele<br />
<strong>de</strong> doido. Ele só vivia com o “cacaio” nas<br />
costas nestas matas. Ele veio sozinho, era<br />
vistoso alto, simpático, ele entrou para<br />
aqui em 1925. Depois que os pais<br />
morreram, eles vieram para aqui, eles<br />
enfrentaram isso aqui.<br />
As companheiras <strong>de</strong> João Vargem<br />
nenhuma ficou. Só quem ficou foi eu<br />
[aqui, Maria Rita se revela e assume a<br />
condição <strong>de</strong> última companheira <strong>de</strong> João
Vargens]. Quinze anos na companhia<br />
<strong>de</strong>le. Encontrei ele abandonado, ele não<br />
merece que eu diga, mas eu digo:<br />
abandonado feito cão sem dono, <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong>ssas matas jogado... Não sei não...<br />
Natureza <strong>de</strong>sse homem. Agüentei 15 anos,<br />
eu tive pena <strong>de</strong>le, abandonado nestas<br />
matas.<br />
Arlete era <strong>de</strong> Salvador, <strong>de</strong>pois ele teve<br />
outra, a Maria Marques não ficou era,<br />
das fazendas <strong>de</strong>les lá, com essa, ele teve<br />
duas <strong>filha</strong>s: Lour<strong>de</strong>s e Anita e <strong>de</strong>ixou<br />
como herança a parte dos pais <strong>de</strong>le. [da<br />
Fazenda Lagos]. Ela [professora Luíza]<br />
era exigente e grossa <strong>de</strong>mais e por sinal<br />
era professora em Canavieiras, falar a<br />
verda<strong>de</strong>, ela não conviveu com ele, não<br />
por ele, por ela.<br />
De fato ele foi noivo, mas não em<br />
Salvador, a primeira noiva <strong>de</strong>le<br />
chamava-se Anita <strong>de</strong> Catalar, eu ouvia<br />
ele falando, a primeira noiva, a primeira<br />
não... A primeira foi Luíza, <strong>de</strong>pois ela<br />
acabou ele já arrumou essa Anita, ela...<br />
Até que ele <strong>de</strong>sistiu da outra e casou com<br />
essa Luiza é on<strong>de</strong> não <strong>de</strong>u certo. Todos me<br />
trataram bem, até hoje.<br />
O velho João Vargem ajudou muito [os<br />
trabalhadores] que tem suas fazendas,<br />
agora, tempos não pagava, in<strong>de</strong>nização...<br />
Trabalhavam pela diária quando tinham<br />
saldo recebiam, muitos levavam<br />
repetição pelos peitos, não eles daí, como
Leonidio Guerreiro que levava repetição<br />
nos peito dos trabalhadores. O velho era<br />
muito legal, muito boa, muito educado,<br />
basta que ele não era <strong>de</strong> conversa. Ele só<br />
ofendia quando se via ofendido.<br />
Os “barrações” (vê anexo fig. 65) vinha<br />
mecadoria <strong>de</strong> Canavieiras <strong>de</strong> canoa,<br />
cacau <strong>de</strong>scia <strong>de</strong> canoa, <strong>de</strong>pois lancha. Os<br />
barracões era para os trabalhadores se<br />
fornecer. Todas as fazendas tinham um<br />
barracão. Os trabalhadores faziam as<br />
suas compras dia <strong>de</strong> sexta a sábado. O<br />
querosene vinha em caixa, bacalhau para<br />
Semana Santa vinha da Noruega,<br />
naquelas barricas, comprava <strong>de</strong> Pascale<br />
Queto, saco <strong>de</strong> coco distribuía com os<br />
trabalhadores. Comida... era feijão com<br />
jabá, pescavam [também].<br />
Quando [os trabalhadores] se precisava,<br />
[<strong>de</strong> médico] mandava logo para<br />
Canavieiras. Depois que eu fui indo para<br />
Canavieiras e ele era médico, me dava a<br />
nota, eu ia na farmácia <strong>de</strong> Laurindo,<br />
trazia caixotes cheio <strong>de</strong> remédios para<br />
indicar para o povo, para os<br />
trabalhadores. Se morria, uma pessoa,<br />
pela falta <strong>de</strong> um purgante <strong>de</strong> sulfato. .Eu<br />
ia, trazia aqueles caixotes, tratava <strong>de</strong><br />
panarísco, <strong>de</strong> gripe, <strong>de</strong> sinusite, e uma<br />
porção <strong>de</strong> coisa.<br />
Aí, a coisa já ia melhorando, mas antes<br />
tinha que mandar para Canavieiras. Veio<br />
Dr. Valver<strong>de</strong> que ficou lá, morando no
Vargito, que vivia lá com Antônio<br />
Ribeiro e Zé Campos, <strong>de</strong>pois começou a<br />
abrir a cida<strong>de</strong>, comércio... Euvaldo Maia<br />
[médico] veio em 1954, com a carta e<br />
coragem, com lama no joelho.<br />
No meu conhecimento nunca vi isso<br />
[tortura ou maus tratos]. O Dr. João<br />
Vargens era uma pessoa tão digna, tão<br />
simples e caridosa, fazia carida<strong>de</strong>, ele<br />
tinha injuria <strong>de</strong> ofen<strong>de</strong>r as pessoas. Muito<br />
religioso, a família toda, eu aprendi com<br />
ele, com o Vargito, eu nem era tanto<br />
assim, até hoje ainda continuo. Ele ia<br />
para roça <strong>de</strong> manhã tomava café... O<br />
homem só falava em cacau, calçava umas<br />
botas, ia para roça, vezes chegar <strong>de</strong> noite<br />
<strong>de</strong>u mandar um trabalhador atrás,<br />
pensando que tinha acontecido alguma<br />
coisa, chegar 6 e tanta 7 [horas da noite].<br />
Fanatismo em cacau, Canavieiras toda,<br />
chamava <strong>de</strong> doido.<br />
Foi D. Francisquinha que é muito<br />
católica, foi ela que trouxe,... Quando eu<br />
cheguei os padres faziam <strong>de</strong>sabriga, <strong>de</strong><br />
fazenda em fazenda, <strong>de</strong>pois ela arrumou<br />
com os padres e construiu a igreja ai <strong>de</strong><br />
Santo Antônio no Vargito. Já casamento,<br />
batizado, tudo vinha <strong>de</strong>ssas matas <strong>de</strong>sses,<br />
cantos e assistir a festa <strong>de</strong> Santo Antônio,<br />
era uma festona... A igreja aqui [no<br />
Camacã] foi feita pelo povo, pelos<br />
fazen<strong>de</strong>iros, muita gente carregou pedra,<br />
a Primeira Missa foi celebrada ali on<strong>de</strong> é<br />
Francisquinho Almeida e quem celebrou
foi o padre Emiliano, um padre preto,<br />
alto, magro.<br />
Mascote nunca teve padre. O padre<br />
vinha <strong>de</strong> Canavieiras, o padre Granja<br />
vinha fazer <strong>de</strong>sobriga aqui, celebrava a<br />
missa aqui, em Vargito, em Mascote.<br />
Neste tempo nem se falava em cida<strong>de</strong>.<br />
Conheci todos [primeiros comerciantes]:<br />
primeiro João Bitu, segundo os Batistas,<br />
terceiro os Firminos; farmácia: Luis da<br />
Viga; médico: Valver<strong>de</strong> e Euvaldo Maia.<br />
Cida<strong>de</strong> muito rica, agora ficou pobre.<br />
Rico aqui não tem nenhum. Rico mesmo<br />
só tem um, que é Deus.<br />
Carmelita, família Ribeiro, pessoas explosivas.<br />
Joviano Moura:<br />
Joviano Moura, meu avô, ramo <strong>de</strong> quem<br />
<strong>de</strong>scendo, casado com minha avó, Ana, Naninha como<br />
era conhecida, <strong>filha</strong> <strong>de</strong> João Elias, embora tivesse<br />
chegado a Região <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> seus cunhados, os Ribeiros,<br />
foi, entretanto um dos primeiros que se transferiu<br />
<strong>de</strong>finitivamente para a Região.<br />
Lembro bastante <strong>de</strong>le, tinha 12 anos, quando ele<br />
veio a falecer em conseqüência <strong>de</strong> um “infarte”,<br />
convalescente <strong>de</strong> uma cirurgia, que havia se submetido.<br />
Estatura mediana, “alvo”, <strong>de</strong> olhos claros, rosto<br />
largo, vestia-se sempre com um terno na cor caqui e<br />
usava um chapéu “Panamá”.<br />
Era um homem <strong>de</strong> pouca conversa ou afagos, mas<br />
também, nunca o vi com um comportamento agressivo<br />
ou hostil frente a qualquer pessoa. Não queria que<br />
batesse nos filhos, ficava aborrecido. Havia uma
expressão sua, quando percebia um certo excesso dos<br />
filhos, que minha avó sempre repetia e que dizia muito<br />
da sua conduta: “Naninha abra os olhos, senão esses<br />
meninos te comem viva”.<br />
Com uma saú<strong>de</strong> frágil, teve em minha avó, sua<br />
companheira e parceira nas gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s, e nas<br />
gran<strong>de</strong>s conquistas.<br />
Meu avô nasceu no dia 1 o <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1880, na<br />
cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nossa Senhora das Dores, no estado <strong>de</strong><br />
Sergipe, filho Manoel Pinheiro <strong>de</strong> Moura e Maria<br />
Pastora <strong>de</strong> Moura, agricultores. Família numerosa,<br />
Joviano Moura, com apenas 18 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixou sua<br />
cida<strong>de</strong> natal a busca <strong>de</strong> melhores oportunida<strong>de</strong>s. Em<br />
1898 chegando em Aracaju conseguiu um emprego na<br />
firma comercial Costa Santos & Cia “on<strong>de</strong> permaneceu<br />
por dois anos conquistando simpatia e confiança <strong>de</strong> seus<br />
chefes e colegas”. Resolveu posteriormente ir para<br />
Salvador.<br />
Funcionário <strong>de</strong> uma empresa na Cida<strong>de</strong> Baixa,<br />
mas atento às noticias que chegavam com os navios ou<br />
por intermédio <strong>de</strong> clientes e viajantes, resolveu partir<br />
para Canavieiras, cida<strong>de</strong> litorânea no sul do estado da<br />
Bahia, on<strong>de</strong> o comércio e a agricultura estavam em<br />
ascensão (Jornal Folha do Cacau, 2004).<br />
Relata Boaventura Moura (2004) <strong>sobre</strong> a pessoa<br />
<strong>de</strong> Joveniano Moura:<br />
Sergipano, 19 anos chegou em Canavieiras<br />
e trazia uma larga experiência no<br />
comércio e ai tentou se estabeleceu em<br />
Canavieiras. (aqui existe uma<br />
divergência quanto a ida<strong>de</strong> que Joviano<br />
Moura <strong>de</strong>ixou a família e chegou em<br />
Canavieiras. Primeiro em Salvador não<br />
teve êxito, voltou para Canavieiras<br />
também não teve êxito. Ao cabo <strong>de</strong> um<br />
ano e meio, estava encerrando os seus
negócios para ir embora, não sabia se<br />
para o Espirito Santo, São Mateus.<br />
Estava in<strong>de</strong>ciso, ou para o Amazonas.<br />
Nesta época escusado dizer que estava na<br />
febre da borracha... borracha era um<br />
negócio sensacional era o ouro.. 1904 não<br />
tinha borracha no mundo surgindo as<br />
gran<strong>de</strong>s industrias a aplicação da<br />
borracha.<br />
Então Joviano Moura foi fazer o balanço<br />
das contas <strong>de</strong>le para ir embora esteve<br />
hospedado no hotel, em que neste hotel, se<br />
hospedou um cara vindo do Rio<br />
Jequitinhonha, o cara <strong>de</strong> uma lábia<br />
<strong>de</strong>sgraçada, terrível é o atual sogro...<br />
Avó... Da esposa do chefe <strong>de</strong> policia<br />
[Enio...] Furtunato Bejamin Saback.<br />
Meu pai era um homem <strong>de</strong>terminado,<br />
não aceitava mudar <strong>de</strong> hipótese<br />
nenhuma o comportamento. Essa cara<br />
tinha uma lábia tão <strong>de</strong>sgraçada [que]<br />
conseguiu convencer a Joviano Moura a<br />
fazer uma tentativa. Olhe que ele estava<br />
encerrando o negócio <strong>de</strong>le... Uma<br />
quitanda não <strong>de</strong>u certo... Ele era uma<br />
espécie <strong>de</strong> contador da época, então<br />
entrou em Canavieiras com 600,00 mil<br />
reis, já estava com 900,00 mil reis, estava<br />
dando balanço nas outras firmas para<br />
terminar e ir embora. Então Saback<br />
então convenceu ele <strong>de</strong> ficar.<br />
Eles fizeram uma socieda<strong>de</strong> que ele<br />
entrou com um conto <strong>de</strong> reis, e Saback
com um conto e quientos e abriram a<br />
casa. Excusado dizer que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 2 anos<br />
o êxito era retumbante. Seu avô Joviano<br />
Moura não sabia... Em balcão era<br />
péssimo, [mas] era um homem <strong>de</strong> uma<br />
organização louca, rígido e era o<br />
contrario Saback. Só faltava meter a mão<br />
no bolso do cara, mas em organização<br />
não tinha nenhuma. Juntos os dois,<br />
ativida<strong>de</strong>s diferentes, então criaram a<br />
firma Saback & Cia.<br />
Conhecendo Ana Ribeiro, casou-se na<br />
fazenda Lagos em 24 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, ela<br />
tinha 22 anos. Para a época, casou-se<br />
tar<strong>de</strong>. Naquela época casou-se velha,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> casados, foram para<br />
Canavieiras... Até tem um <strong>de</strong>talhe meus<br />
tios... Estava uma enchente no casamento<br />
<strong>de</strong>les, meus tios... Não sei como foi...<br />
Foram dar um passeio <strong>de</strong> barco, papai<br />
quis se meter a nadar, não tinha pratica<br />
<strong>de</strong> meus tios, quase que morre afogado,<br />
me lembro <strong>de</strong> mamãe falar isso. Mãe Calú<br />
que ia na mesma canoa achou... Ainda<br />
reprovou, porque mamãe [Ana] começou<br />
a dar risada, quando ela viu ele...<br />
(BOAVENTURA MOURA, 2004).<br />
Luís (2004), <strong>de</strong>screve sua versão:<br />
Meus avós paternos são naturais <strong>de</strong><br />
Sergipe da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Dores. Meu avô<br />
chama-se Manoel e minha avó Pastora.<br />
Segundo consta, eles tinham <strong>de</strong>scendência<br />
holan<strong>de</strong>sa, proveniente da invasão<br />
holan<strong>de</strong>sa <strong>de</strong> Pernambuco, que durante
mais ou menos 30 anos dominou parte do<br />
nor<strong>de</strong>ste brasileiro.<br />
Meus avós tiveram vários filhos e entre<br />
eles Joviano Pinheiro <strong>de</strong> Moura que<br />
jovem, ainda aos 15 anos, por sentir que<br />
sua cida<strong>de</strong> natal, Dores, Sergipe, não<br />
tinha oportunida<strong>de</strong> para ele, resolveu<br />
tentar a vida em Salvador, cida<strong>de</strong><br />
próspera e capital do estado da Bahia.<br />
Em Salvador trabalhou como balconista<br />
em uma empresa do comércio local, on<strong>de</strong><br />
conseguiu à duras penas, fazer uma<br />
poupança .<br />
Naquela época a cida<strong>de</strong> mais próspera do<br />
sul do estado, era Canavieiras, conhecida<br />
como “a Princesa do Sul”. Com algum<br />
capital, muitas idéias na cabeça, força <strong>de</strong><br />
vonta<strong>de</strong> e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho, partiu<br />
Joviano para Canavieiras. Lá chegando,<br />
estabeleceu-se com uma pequena casa<br />
comercial <strong>de</strong> secos e molhados que <strong>de</strong>u o<br />
nome <strong>de</strong> o “Furo”.<br />
Lour<strong>de</strong>s Moura (2004), complementa: “Ali mesmo<br />
ele morava, lavava, cozinhava. Um certo dia estava<br />
preparando a comida, um cachorro entrou e levou a<br />
carne que preparava. Sem dinheiro para comprar outra,<br />
teve que comer pão, para matar a fome”.<br />
Luis Moura (2004), continua sua versão:<br />
Comenta-se que no dia da inauguração da<br />
loja o “Furo” formou-se um arco-íris em<br />
sua porta, o que para os presentes,<br />
significou prosperida<strong>de</strong> para o<br />
proprietário. Mas o tempo passava e os
negócios não estavam tendo o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento que Joviano esperava,<br />
<strong>de</strong>siludido, resolveu partir para o<br />
Amazonas (que) estava em plena febre da<br />
borracha, on<strong>de</strong> ele tinha um irmão que<br />
por sinal, veio a morrer, flexado pelos<br />
índios, quando banhava-se no rio.<br />
Em uma reunião, <strong>de</strong> fim <strong>de</strong> ano, um<br />
colega <strong>de</strong> republica Fortunato SabacK<br />
conseguiu <strong>de</strong>movê-lo <strong>de</strong>sta idéia e [cria]<br />
uma socieda<strong>de</strong> com ele [Saback]. Estava<br />
criada então a Saback & Cia.<br />
Foi uma união feliz, <strong>de</strong> um lado Joviano<br />
com planejamento e controle, e do outro<br />
Fortunato, comerciante com gran<strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> comunicação e convencimento.<br />
Foram anos <strong>de</strong> prosperida<strong>de</strong> em que<br />
empresa nos ramos <strong>de</strong> secos e molhados e<br />
partiu para o comércio em geral<br />
incluindo a comercialização <strong>de</strong> cacau.<br />
Levaram o primeiro caminhão para<br />
Canavieiras [e]) adquiriram embarcações<br />
para transporte <strong>de</strong> mercadorias para<br />
Salvador. Um êxito retumbante.<br />
Nesta época, Joviano conhece a jovem<br />
Ana, <strong>filha</strong> caçula <strong>de</strong> João Elias Ribeiro e,<br />
em uma noite <strong>de</strong> Natal, 24 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<br />
<strong>de</strong> 1910, sob a proteção <strong>de</strong> Nossa Senhora<br />
da Conceição, casaram-se na fazenda<br />
Lagos.<br />
Meu pai, Joviano (vê anexo fig. 66), e<br />
minha mãe, Ana, como disse, moravam
em Canavieiras e tiveram 9 filhos: Maria<br />
<strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s, José, Maria Rosalina,<br />
Antônio, Boaventura, Maria Carmelita,<br />
Mário, João e Luís Gonzaga, entretanto<br />
foram 24 as gravi<strong>de</strong>zes ente abortos<br />
espontâneos e nati-mortos, gravi<strong>de</strong>zes<br />
levadas a termo.<br />
Lour<strong>de</strong>s Moura (2004) também dá sua contrição:<br />
Vinte e dois anos <strong>de</strong>pois Joviano Moura<br />
resolveu se separar, dissolver-se <strong>de</strong>ssa<br />
socieda<strong>de</strong>, e criar a sua própria [firma]<br />
Moura & Companhia, on<strong>de</strong> passou a ter<br />
uma filial, em Jacaranda, tendo como<br />
sócio, Pedro Borges e em Mascote com seu<br />
irmão Manoel Moura, pai <strong>de</strong> Zequinha<br />
Moura e Margarida, [<strong>de</strong>pois dissolvida<br />
por não ter progredido]<br />
Segundo o Folha do Cacau (2004), em 1917,<br />
Joviano começou a fazer seus primeiros plantios <strong>de</strong><br />
cacau.<br />
A crise <strong>de</strong> 1929 trouxe reflexos graves a economia<br />
local: “Crise do cacau, mortes [por] suicídio, dívidas <strong>de</strong><br />
cacau, etc”. O prejuízo auferido pelos débitos <strong>de</strong><br />
cacauicultores fez com que meu avô abandonasse a<br />
condição <strong>de</strong> comerciante, para ingressar exclusivamente<br />
à condição <strong>de</strong> agricultor.<br />
Na década <strong>de</strong> 1930 em função das<br />
dificulda<strong>de</strong>s econômicas, ainda em<br />
<strong>de</strong>corrência da crise mundial <strong>de</strong> 1929,<br />
meu pai e minha mãe, resolveram morar<br />
na fazenda Santa Maria, proprieda<strong>de</strong><br />
medida pela família (os irmãos Ribeiros),<br />
e meu pai obteve um gran<strong>de</strong> êxito, como<br />
fazen<strong>de</strong>iro, porque naqueles idos, ele
introduziu a organização do comércio<br />
como contabilida<strong>de</strong> e controles na<br />
administração das fazendas, coisa rara<br />
na época. Seus filhos seguiram a mesma<br />
ativida<strong>de</strong> econômica. (LUIS, 2004).<br />
Com o <strong>de</strong>senvolvimento das fazendas, em..../..../....<br />
meu avô cria a companhia Agrícola Joviano Moura.<br />
Carmelita (2004), <strong>de</strong>põe: Joviano Moura<br />
comerciante e [posteriormente] agricultor “era no lápis e<br />
fazia todos os cálculos no lápis, e saia tudo certo e era<br />
comerciante”.<br />
Joviano, <strong>de</strong> Sergipe, disse a irmã:<br />
Rosentina, [mãe da entrevistada] se eu<br />
me <strong>de</strong>r bem lá, venho te buscar. Lour<strong>de</strong>s<br />
era pequenininha e [Joviano] foi buscar<br />
minha mãe, e veio minha tia Evangelina.<br />
E minha mãe disse a minha tia Clarinha:<br />
se ela se casse e fosse feliz, ela vinha<br />
buscar tia Clarinha, como foi, e que se<br />
casou com Dr. Lucilo. Tio Manoel, [irmão<br />
<strong>de</strong> Joviano Moura] acho, veio antes <strong>de</strong> tia<br />
Clarinha (Pastora).<br />
Antonieta Ribeiro (2004), afirma: D. Naninha era culta, era<br />
vaidosa, quer vencer... Quando Joviano esteve doente, então disse a Ana o<br />
que tinha e o que não tinha. Ah! Tem disso né... Disse as reservas, que ela<br />
não sabia. Ela ficou esperta, também ajudou muito ele. Todos eles, homens,<br />
são assim.<br />
Lour<strong>de</strong>s Moura (2004), por sua vez, conta:<br />
Meu Pai passou a residir na Santa Maria<br />
com a crise do cacau, não sei se foi 1929<br />
ou 1930. A casa da Santa Maria era
tábua, casa simples, tomávamos café na<br />
lata <strong>de</strong> leite con<strong>de</strong>nsado, pois xícara, era<br />
para uma visita.<br />
Os empregados quando vinham receber<br />
seus vencimentos sentavam na mesa, com<br />
a família. Certa feita, um empregado <strong>de</strong><br />
nome, Olegário, sentou-se a mesa para<br />
tomar sopa. Papai se serviu e passou para<br />
o mesmo, mas não foi assim que ele<br />
colocou farinha na sopa, quando ele viu<br />
que ninguém tinha feito isso disse: Seu<br />
Joviano, o senhor não gosta <strong>de</strong> colocar<br />
farinha? Papai respon<strong>de</strong>u: eu não gosto,<br />
mas tem gente que gosta. Nós éramos<br />
mocinhas e começamos a rir. Papai<br />
passou um olhar...<br />
Comíamos muita banana da terra, prata,<br />
aipim, carne <strong>de</strong> oito em oito dias, tinha<br />
um cidadão que matava boi, também pão,<br />
um homem passava com uns balaios<br />
ven<strong>de</strong>ndo pão. Todos tinham criação <strong>de</strong><br />
galinha, porco, pescavam no Panelão,<br />
caça, tatu, paca, capivara, jacaré. Os<br />
móveis... Tinha uma mesa na sala <strong>de</strong><br />
jantar, dois bancos, na sala <strong>de</strong> entra, um<br />
grupo <strong>de</strong> vime. Cama <strong>de</strong> casal, tínhamos<br />
dois cavaletes formavam a cama com<br />
tábua, colchão, capim seco, costurava o<br />
saco e enchia.<br />
“Tia Naninha tinha o sonho <strong>de</strong> um filho padre”.<br />
(ANTONIETA RIBEIRO, 2004).<br />
Herdado <strong>de</strong> mãe Calú, minha avó, conta<br />
tia Lour<strong>de</strong>s, festejava o São João com
canjicas, fogueira e tudo mais que a festa<br />
do Santo tinha direito. Semana Santa<br />
com todos os seus rituais e abstinência<br />
conforme mandava a “Santa Madre<br />
Igreja”; e o Natal, cuja festa começava<br />
com as novenas <strong>de</strong> Nossa Senhora da<br />
Conceição. Nestas datas magnas, <strong>de</strong><br />
confraternização, minha avó costumava<br />
enviar para a ca<strong>de</strong>ia um tabuleiro <strong>de</strong><br />
comidas. (LOURDES MOURA, 2004).<br />
Lembra ainda tia Lour<strong>de</strong>s, que não havendo<br />
espaço, nem local a<strong>de</strong>quado para celebrações religiosas<br />
na antiga casa da fazenda Santa Maria, meu avô<br />
conduziu, em procissão, a imagem <strong>de</strong> Nossa Senhora da<br />
sua residência até o armazém <strong>de</strong> cacau, on<strong>de</strong> foi<br />
realizada a Santa Missa.<br />
No Natal ainda havia distribuição <strong>de</strong> presentes,<br />
mas só para os empregados. Lembro-me, muito pequena,<br />
do cuidado que minha avó tinha <strong>de</strong> comprar, com<br />
bastante antecedência em Salvador, e embrulhando os<br />
presentes com os nomes dos adultos e das crianças que<br />
vinham para a festa. Havia corrida <strong>de</strong> sacos, pau <strong>de</strong><br />
sebo, e já, nesta ocasião, a missa era celebrada na capela<br />
da casa gran<strong>de</strong>, como passou a ser chamada a nova<br />
casa.<br />
Lembro-me também, do dia em que esperávamos<br />
o meu avô chegar para passar o Natal, o “jeep” entrando<br />
na fazenda, tia Lour<strong>de</strong>s correndo para abrir as janelas<br />
da casa nova, que ele ainda não havia conhecido, e nós a<br />
procurá-lo entre os que estavam no carro.<br />
A tristeza veio em seguida, e abateu-se <strong>sobre</strong> nós.<br />
Meu avô não se recuperara, como esperávamos. Um ano<br />
<strong>de</strong>pois, neste mesmo período, ele veio a falecer.
Passamos um longo período <strong>de</strong> luto, que se seguiu<br />
com a doença e morte também <strong>de</strong> meu tio João, assunto<br />
tabu e <strong>de</strong> dor da família.<br />
A esses primeiros colonizadores que li<strong>de</strong>raram o<br />
movimento <strong>de</strong> ocupação da então hoje Camacã<br />
seguiram-se os Mouras <strong>de</strong>scentes dos Ribeiros, filhos <strong>de</strong><br />
Joviano Pinheiro <strong>de</strong> Moura e Ana Ribeiro <strong>de</strong> Moura,<br />
<strong>filha</strong> do i<strong>de</strong>alizador <strong>de</strong>sta Região, João Elias Ribeiro.<br />
Ao assumir a li<strong>de</strong>rança dos Ribeiros, os Mouras inauguram uma<br />
nova etapa na história <strong>de</strong> Camacã, que já começa a ser contada, pelos novos<br />
filhos da Região.
10 CONCLUSÃO<br />
Quando comecei a escrever este trabalho, iniciei contando um pouco <strong>de</strong> minha<br />
vida, e o interesse em buscar informações que pu<strong>de</strong>ssem abrir<br />
mais caminhos, percorrer túneis e labirintos e <strong>de</strong>cifrar enigmas<br />
da minha trajetória neste mundo. Tirei daí, a minha primeira<br />
conclusão: quanto ainda tenho a apren<strong>de</strong>r, a <strong>de</strong>scobrir e a<br />
compreen<strong>de</strong>r e que, talvez, nunca o farei o quanto <strong>de</strong>sejaria... a<br />
eterna incompletu<strong>de</strong>, a eterna falta humana.<br />
Se a agricultura foi a primeira forma sistematizada da ativida<strong>de</strong><br />
dos povos mais primitivos, com ela também veio as formas mais primitivas<br />
da religiosida<strong>de</strong> do homem, on<strong>de</strong> toda a natureza era passível <strong>de</strong> ser<br />
sagrada. Foi nesse cenário que apareceu o cacau “alimentos dos <strong>de</strong>uses”.<br />
De “alimento dos <strong>de</strong>uses” a “fruto <strong>de</strong> ouro” passaram-se muitos séculos.<br />
O cacau, hoje, além <strong>de</strong> carregar sua origem <strong>de</strong> mitos e lendas, agrega<br />
contribuições contemporâneas que retratam a saga <strong>de</strong> uma Região através<br />
da literatura <strong>de</strong> Jorge Amado, Adonias Filho, Afrânio Peixoto e muitos<br />
outros<br />
Através <strong>de</strong> dados concretos, meu tio Boaventura se vivo fosse,<br />
resgataria com a divulgação <strong>de</strong>sse trabalho, a elevação da imagem <strong>de</strong> sua<br />
cida<strong>de</strong> natal, Canavieiras, ao pódio do primeiro pólo <strong>de</strong> exportação<br />
significativa <strong>de</strong> cacau no estado da Bahia, esquecida ou subestimada após a<br />
expansão da cacauricultura pelos quatro rios: .Almada, Cachoeira, Pardo e<br />
Jequitionha.<br />
Após laborioso trabalho <strong>de</strong> investigação quanto a história <strong>de</strong>sta<br />
Região, cheguei a dolorosa conclusão da inexistência <strong>de</strong> quaisquer dados
egistrados por alguns dos membros, <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes da família Ribeiro,<br />
quanto ao seu i<strong>de</strong>alizador (João Elias Ribeiro), <strong>de</strong>sbravadores (Antônio,<br />
Manoel, João Vargens e Boaventura Ribeiro) e colonizadores da Região,<br />
salvo algumas poucas reportagens em jornais do Estado da Bahia e<br />
tablói<strong>de</strong>s dos Municípios <strong>de</strong> Canavieiras e Camacã.<br />
Centrando minha busca nas origens, no berço da Região<br />
investigada, isto é, na figura <strong>de</strong> seu i<strong>de</strong>alizador e seus <strong>de</strong>sbravadores, em<br />
tempo, consegui resgatar, através meu tio Boaventura Moura (maior parte<br />
<strong>de</strong>sta história), informações advindas do seu convívio com tio Boaventura<br />
Ribeiro, um dos <strong>de</strong>sbravadores.<br />
Os relatos do primeiro foram sempre cuidadosamente agregados<br />
a datas e informações checadas, que nós conduzem a uma maior<br />
confiabilida<strong>de</strong> quanto aos dados repassados.<br />
Entretanto, todas as outras contribuições acrescidas, além <strong>de</strong> se<br />
constituírem informações sem as quais este trabalho estaria incompleto,<br />
foram <strong>de</strong> excelente conteúdo e veracida<strong>de</strong>, uma vez que partiram também<br />
<strong>de</strong> pessoas que vivenciaram boa parte das suas vidas, junto a essas figuras,<br />
que aqui retratamos um pouco <strong>de</strong> suas <strong>histórias</strong>.<br />
Sem dúvida, todas as entrevistas realizadas, dados coletados,<br />
bibliografias, entrevistas e artigos publicados na impressa escrita,<br />
confirmam quanto a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> do nascimento da Região <strong>de</strong> Camacã, isto<br />
é, quem trouxe o cacau para Camacã, porque veio e como veio.
Após tal acervo constituído <strong>de</strong> entrevistas em ví<strong>de</strong>o, gravadas e<br />
digitado, publicações e provas documentais, hoje Camacã dispõem <strong>de</strong><br />
recursos para o estudo e aprofundamento <strong>de</strong> aspectos a serem investigados<br />
através <strong>de</strong>ste material coletado.<br />
Isso significa que muitas especulações quanto a questões<br />
passadas e presentes po<strong>de</strong>rão ser reabertas, entendidas, explicadas e<br />
reinvestigadas, provindas <strong>de</strong>ste material <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os aspectos naturais, fisicos-<br />
ambientais aos aspectos comportamentais humanos, isto é, sociais,<br />
culturais, morais e éticos <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>.<br />
Espero que esse material que chega, hoje, apenas ao fim <strong>de</strong> uma<br />
etapa simbolize a “chave” <strong>de</strong> uma porta ainda a ser aberta,. pr<br />
oporcionando às futuras gerações o prazer, a inquietação, a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
que0stionar, <strong>de</strong> discordar e acima <strong>de</strong> tudo <strong>de</strong> criar o “Novo”, o “Belo”.
REFERÊNCIAS<br />
CÉSAR, Fabrício. A história <strong>de</strong> Joviano Pinheiro <strong>de</strong> Moura. Folha do<br />
Cacau, 2004.<br />
COSTA, Alci<strong>de</strong>s. Canavieiras: sua história e sua gente: lenda e festas.<br />
Salvador: Imprensa Oficial, 1963.<br />
COSTA, Alci<strong>de</strong>s. Jacarandá e salobro: ensaios históricos. Salvador:<br />
Mensageiro da Fé, 1968.<br />
MEAD, Margaret. Sexo e temperamento. São Paulo:<br />
Perspectiva, 1979.<br />
MONITOR DO SUL. Canavieiras (BA), 1908. nº 459, ano 7. 19/04/1908.<br />
O PROGRESSISTA. Canavieiras (BA), 1924. ano 9. 13/09/1924.<br />
REVISTA Camacã e o Cacau. Camacã (BA): Itabunense <strong>de</strong> Jornais e<br />
Revista. 1988. n. 1, ano 1. 08/1988.<br />
TABU. Canavieiras (BA), 1978a.<br />
WILDBERGER, Arnold. Fatos e reminiscências em torno à história do<br />
consulado da Bélgica, 1837 a 1971. salvador: Fundação Gonçalo Muniz,<br />
1971.<br />
WILDBERGER, Arnold. Notícia histórica <strong>de</strong> Wildberger & Cia <strong>de</strong> 1829<br />
a 1942. Salvador: Tipografia Beneditina, 1942.
ANEXOS: DOCUMENTAÇÕES E ILUSTRAÇÕES