biografias de aprendizagens de mulheres encarceradas - Centro de ...

A experiência familiar da terceira entrevistada nos aponta outros achados. Ela viveu
com sua família mais próxima (mãe e irmão) a experiência da migração. O motivo pelo qual
migraram para João Pessoa não foi de maneira satisfatória esclarecido, mas, com base em sua
narração a esse respeito, suspeitamos que o ocorrido tenha se dado em função da tentativa de
fuga, por parte da sua mãe, da humilhação do abandono pela qual passava naquele
momento, já que seu pai havia formado outra família, ou talvez, simplesmente pela situação
de precariedade em que passaram a viver com o fim da relação conjugal, uma vez que o pai
era o principal provedor da família.
Ocorre, nesse caso, a formação de um novo modelo familiar, em que a mãe passa a ser
única responsável pelos dependentes. Com o trabalho que realizava, ela garantia não somente
a sobrevivência dos filhos, como também a liberdade de eles vivenciarem experiências
apropriadas para a idade, como por exemplo, brincar e estudar.
O contexto que Judite passou a viver e a nova estrutura familiar onde continuou a
construção da sua biografia teriam lhe proporcionado uma socialização coerente com os ideais
de integrabilidade social e de emancipação, caso ela tivesse direcionado suas experiências
para o sentido oposto ao que direcionou a sua biografia. Em outras palavras, as disposições
econômicas e as possibilidades de aprendizagens oferecidas a ela, naquele meio de ação
concreto em que viveu com a sua mãe, a nosso ver, poderia ter assegurado uma vida menos
arriscada e com efeitos menos debilitadores sobre sua liberdade.
Talvez pelo desejo individual de construir a si mesma enquanto sujeito, com a
liberdade de escolher o direcionamento de sua própria vida, foi que ela procurou construir
experiências distanciadas das prescrições sociais e voltadas a possibilidades de ações
contraditórias (DAUSIEN, 2007). A marca da dessocialização em sua biografia foi, portanto,
o principal motivo impulsionador das suas decisões delituosas.
O caso da nossa quarta entrevistada revelou, mais do que nas biografias das outras
mulheres entrevistadas, experiências de extrema carência familiar vividas na infância e na
adolescência. Conforme relatou Madalena, sua mãe a abandonou desde os seus nove anos de
idade e lhe teria deixado com uma vizinha que a criou até os quinze anos. Ela lembra, com
tristeza e esperança, esse fato ocorrido na sua vida.
Uma vez que estamos entendendo a família como primeira instituição social, onde se
internalizam normas e valores, assim como formas de relacionamentos com os outros, com o
mundo e com ele mesmo e lócus de aprendizagens contínuas, acreditamos que um dos
motivos para o declínio da socialização de Madalena foi a experiência de abandono que
vivera.