biografias de aprendizagens de mulheres encarceradas - Centro de ...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA<br />
CENTRO DE EDUCAÇÃO<br />
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO<br />
MESTRADO EM EDUCAÇÃO<br />
HELEN HALINNE RODRIGUES DE LUCENA<br />
BIOGRAFIAS DE APRENDIZAGENS DE MULHERES<br />
ENCARCERADAS<br />
JOÃO PESSOA PB<br />
Fev/2009
HELEN HALINNE RODRIGUES DE LUCENA<br />
BIOGRAFIAS DE APRENDIZAGENS DE MULHERES ENCARCERADAS<br />
Orientadora: PROFª. DRª.Emília Maria da Trinda<strong>de</strong> Prestes.<br />
Dissertação submetida à banca examinadora<br />
para obtenção do título <strong>de</strong> Mestre na Linha<br />
Educação <strong>de</strong> Jovens e Adultos do Programa <strong>de</strong><br />
Pós Graduação em Educação da<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Paraíba.<br />
JOÃO PESSOA PB<br />
Fev/2009
HELEN HALINNE RODRIGUES DE LUCENA<br />
BIOGRAFIAS DE APRENDIZAGENS DE MULHERES ENCARCERADAS<br />
Dissertação aprovada em 26/02/2009<br />
BANCA EXAMINADORA<br />
_______________________________________________________________<br />
PROFª. DRª.Emília Maria da Trinda<strong>de</strong> Prestes<br />
UFPB/PPGE/CE<br />
Orientadora<br />
_______________________________________________________________<br />
Profº. Drº. Roberto Véras <strong>de</strong> Oliveira - UFCG<br />
UFCG/PPGCS<br />
Examinador Convidado<br />
_______________________________________________________________<br />
Profº. Drº Charliton José dos Santos Machado<br />
UFPB/PPGE/CE<br />
Examinador<br />
_______________________________________________________________<br />
Profa. Dra. A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> Alves Dias<br />
UFPB/PPGE/CE<br />
Examinadora Suplente<br />
_______________________________________________________________<br />
Profa. Dra. Ana Maria Coutinho Bernardo<br />
UFPB/PPG-CR/CCHLA<br />
Examinadora Suplente
Aos meus pais.<br />
Dedico
AGRADECIMENTOS<br />
Em algumas situações e experiências que vivemos é fundamental po<strong>de</strong>r contar com o apoio e<br />
a ajuda <strong>de</strong> algumas pessoas. Para realizar este trabalho <strong>de</strong> dissertação, pu<strong>de</strong> contar com várias.<br />
A essas pessoas prestarei, com poucas palavras, os meus mais sinceros agra<strong>de</strong>cimentos:<br />
Aos meus amados e queridos pais, João e Joana, pelas suas existências em minha vida, e pelo esforço,<br />
incentivo, preocupação, orações e apoio doados gratuitamente durante toda a vida e nessa jornada<br />
acadêmica.<br />
Aos meus irmãos e irmãs: Ricardo, Rodrigo, Hallane e Hamanda, que ao longo <strong>de</strong>ssa jornada<br />
souberam compreen<strong>de</strong>r as minhas ausências e os meus momentos <strong>de</strong> intolerância. Também pelo amor<br />
e respeito que me <strong>de</strong>dicam.<br />
À minha tia Socorro, segunda mãe e amiga, que acompanhou <strong>de</strong> perto meu processo <strong>de</strong> escolarização<br />
e torceu para que eu chegasse até aqui, acolhendo-me com todo amor e carinho em sua casa durante o<br />
momento mais intenso <strong>de</strong>sta produção acadêmica.<br />
À estimada Professora Drª Emília Prestes, pelo privilégio <strong>de</strong> tê-la como minha orientadora, por todo<br />
apoio, atenção, conselhos, orientações teóricas e metodológicas <strong>de</strong>dicadas em favor da construção<br />
<strong>de</strong>sse trabalho. Também pelo exemplo <strong>de</strong> vida acadêmica, que <strong>de</strong> certa maneira influenciou e norteou<br />
minha trajetória <strong>de</strong> pesquisa e acadêmica, além da sua amiza<strong>de</strong>, carinho, motivação, compreensão nos<br />
momentos mais difíceis e paciência <strong>de</strong> enxugar as minhas lágrimas ao final <strong>de</strong>ste percurso.<br />
Aos Professores Drº Charliton José dos Santos Machado, Drº. Roberto Véras <strong>de</strong> Oliveira e<br />
Profº Drª Elisa Pereira Gonsalves, pela disponibilida<strong>de</strong> em fazer parte da banca examinadora<br />
<strong>de</strong>ste trabalho, oferecendo importantes orientações, críticas e sugestões.<br />
À Adriana Diniz, por toda atenção e contribuição oferecida ao meu trabalho, mesmo à distância.<br />
Aos <strong>de</strong>mais professores do PPGE/UFPB, pelas conversas e orientações informais oferecidas a este<br />
trabalho e que representaram um importante apoio, bem como pela amiza<strong>de</strong> construída ao longo <strong>de</strong>ssa<br />
trajetória.
Às queridas amigas Ceiça, Fabrícia. Quézia, Cristiane, Naiara, Alessandra, Gisélia e Val<strong>de</strong>nice, pelas<br />
palavras <strong>de</strong> força e incentivo nos momentos mais difíceis da produção <strong>de</strong>ste trabalho e ainda pelas<br />
conversas informais sobre o tema e sobre os sujeitos <strong>de</strong>sta produção e, principalmente, pela nossa<br />
amiza<strong>de</strong>.<br />
Aos componentes do grupo <strong>de</strong> estudo sobre Biograficidad e Aprendizagem ao Longo da Vida:<br />
Roseane, Sabrina, Kellyonara, An<strong>de</strong>rson, Naiara, Zélia, Ana Cláudia, Luciene, etc.; pelo carinho e<br />
amiza<strong>de</strong> conquistada, e por terem me ajudado a compreen<strong>de</strong>r melhor os teóricos e a teoria da<br />
biograficida<strong>de</strong>.<br />
Aos <strong>de</strong>mais amigos que circulam a minha vida cotidiana: Aristi<strong>de</strong>s, Edinaldo, Dona Dezilda, Dona<br />
Fátima, Sr. Ronaldo, entre outros que direto e/ou indiretamente apoiaram e me ajudaram a realizar este<br />
sonho que se tornou realida<strong>de</strong>.<br />
Aos colegas e amigos/as da graduação, que <strong>de</strong> longe torceram por mim e, aos/às colegas do mestrado,<br />
por todo incentivo e pelos momentos <strong>de</strong> alegria e <strong>de</strong>scontração que vivemos juntos.<br />
A Ernan<strong>de</strong>s Queiroz, meu namorado e amigo, pela atenção, compreensão, amor e carinho que tem me<br />
<strong>de</strong>dicado.<br />
Aos trabalhadores penitenciários que contribuíram <strong>de</strong> maneira significativa com a minha pesquisa.<br />
Às <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong> do Instituto <strong>de</strong> Recuperação Júlia Maranhão, pela disponibilida<strong>de</strong><br />
em se fazerem sujeitos <strong>de</strong>sta pesquisa narrando suas histórias, pela atenção que me <strong>de</strong>dicaram<br />
e por me terem feito enxergar as pessoas <strong>encarceradas</strong> <strong>de</strong> outra maneira, além crime.<br />
Ao CNPq (Conselho Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento Científico e Tecnológico) que viabilizou a<br />
realização <strong>de</strong>ste trabalho através do incentivo e apoio financeiro.<br />
E, finalmente, a Deus, por tudo que me proporcionou e tem me proporcionado nessa jornada<br />
da vida, me dando a saú<strong>de</strong> necessária para buscar os meus objetivos.
Um entar<strong>de</strong>cer na ca<strong>de</strong>ia<br />
O pior momento na vida <strong>de</strong> alguém é ter que se adaptar a coisas tristes! Quantas vezes presenciei um<br />
lindo amanhecer e belas tar<strong>de</strong>s! São apenas 17h30min da tar<strong>de</strong> e estou encarcerada! Aqui vejo<br />
pessoas tristes e arrependidas diante <strong>de</strong> Deus pelos seus erros, os corações magoados pelo abandono,<br />
rejeição por não ter o que oferecer! É como ouvir: aqui vale o quanto pesa! Nunca vou esquecer esse<br />
ditado. Muitas vezes com os olhos cheios <strong>de</strong> lágrimas vi o sol ir embora, lágrimas que ao molhar<br />
meus sonhos, tentam encontrar minha ânsia <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>. Um dia vi algumas sorrirem e hoje vejo<br />
muitas companheiras a chorar suas mágoas na ausência <strong>de</strong> um jardim. Sofro também por ter que<br />
enxergar minha triste verda<strong>de</strong> e aceitar minha triste realida<strong>de</strong>. Os momentos que aqui passei vão ser<br />
marcados para sempre em minha vida e em minha memória... (Judite).
RESUMO<br />
Esta dissertação teve por objeto <strong>de</strong> análise as <strong>aprendizagens</strong> das <strong>mulheres</strong> em situação <strong>de</strong><br />
privação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, <strong>encarceradas</strong> no Instituto <strong>de</strong> Recuperação Feminina Júlia Maranhão <strong>de</strong><br />
João Pessoa - PB. Especificamente, procuramos conhecer como se <strong>de</strong>ram e continuaram se<br />
dando essas <strong>aprendizagens</strong> adquiridas através das experiências vividas (ou não) ao longo <strong>de</strong><br />
suas vidas. Para alcançar este propósito, adotamos o enfoque biográfico compreendido a partir<br />
do conceito <strong>de</strong> biograficidad, <strong>de</strong>fendido por Alheit e Dausien, (1996, 2000, 2007). Trata-se <strong>de</strong><br />
uma abordagem teórico-metodológica que analisa na teoria e na prática o conteúdo da<br />
aprendizagem ao longo da vida no interior das <strong>biografias</strong> individuais: os processos <strong>de</strong><br />
aprendizagem e <strong>de</strong> formação das <strong>biografias</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> estruturas sociais e <strong>de</strong> contextos<br />
culturais <strong>de</strong> significação on<strong>de</strong> os sujeitos se inserem. Partindo <strong>de</strong>stas premissas, constituiu-se<br />
objetivo <strong>de</strong>sse estudo: a compreensão da(s) relação(es) entre as <strong>aprendizagens</strong> biográficas<br />
adquiridas pelas <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong> no processo <strong>de</strong> construção das suas <strong>biografias</strong> e as<br />
motivações/circunstâncias <strong>de</strong> vida que conduziram-nas ao mundo da criminalida<strong>de</strong>. Os<br />
procedimentos metodológicos adotados procuraram se a<strong>de</strong>quar ao objeto e ao objetivo central<br />
da investigação. Assim, elegemos <strong>de</strong>ntro da investigação qualitativa, o método biográfico,<br />
selecionando as técnicas a ele associadas, como a história <strong>de</strong> vida, e os seus instrumentos <strong>de</strong><br />
coletados <strong>de</strong> dados, como a entrevista em profundida<strong>de</strong> (ou biográfica), por exemplo.<br />
Também utilizamos instrumentos <strong>de</strong> pesquisa quantitativa que serviram apenas <strong>de</strong> suporte<br />
para a análise qualitativa/biográfica realizada. A classificação dos dados foi organizada em<br />
três categorias (biografia e família, biografia e trabalho, biografia e escola/educação) surgidas<br />
das próprias narrativas e ligadas à proposta teórica da biograficidad. As análises das<br />
entrevistas foram feitas observando-se nos percursos biográficos das <strong>encarceradas</strong>, (da<br />
infância até à fase em que se encontram hoje) alguns dos principais domínios da vida: a<br />
família (em suas diversas modalida<strong>de</strong>s), o trabalho e a educação (escolarização). A<br />
interpretação dos dados possibilitou a elucidação das principais marcas dos seus<br />
<strong>de</strong>senvolvimentos biográficos: a combinação <strong>de</strong> fases (a construção <strong>de</strong> uma família, o<br />
exercício <strong>de</strong> uma profissão e a formação/educação), as rupturas, as transições, as<br />
<strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>s, todas elas arraigadas em seus mundos <strong>de</strong> ação concretos. Vimos<br />
predominar entre as <strong>mulheres</strong> entrevistadas, histórias dramáticas, ligadas à ausência <strong>de</strong> uma<br />
referência familiar, experiências <strong>de</strong> trabalho infantil e <strong>de</strong> precárias inserções no mundo do<br />
trabalho na juventu<strong>de</strong> e ida<strong>de</strong> adulta, experiências <strong>de</strong>ficitárias no processo <strong>de</strong> escolarização, e<br />
uma trajetória <strong>de</strong>lituosa ligada a todas estas questões que atravessaram as suas construções<br />
biográficas. Os dados revelaram também a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong> usarem novos<br />
esquemas <strong>de</strong> estruturação biográfica, ligados a uma assimilação subjetiva das <strong>aprendizagens</strong><br />
proporcionadas pelas suas experiências <strong>de</strong> vida, e com ela, a produção <strong>de</strong> um sentido<br />
biográfico próprio, ainda que associado a um espaço social imediatamente próximo. A<br />
tentativa <strong>de</strong> afirmarem-se como sujeitos foi também uma constatação extremamente freqüente<br />
nas narrativas.<br />
Palavras-chave: Biografia, aprendizagem, experiência <strong>de</strong> vida, biograficidad.
ABSTRACT<br />
The following work analyzes the learning processes of the women incarcerated in the Institute<br />
of Female Recovering Júlia Maranhão of João Pessoa - PB. We have specifically searched to<br />
learn how this knowledge was (and is being) learned in the course of their lives. To this<br />
purpose, we adopted the biographic focus as presented in the biogrificidad concept of Alheit<br />
and Dausien (1996, 2000, 2007). This theoretical-methodological concept analyzes in both<br />
theory and practices the learning processes and formation of the individual biographies insi<strong>de</strong><br />
the subject's social contexts. Following these premises, the objective of this study was<br />
established as: to un<strong>de</strong>rstand the relation between the knowledge learned by the incarcerated<br />
women and the motives that led them to crime. The methodological procedures were specially<br />
adapted to the work's objective and subjects of study. Therefore, we used the biographic<br />
method and associated techniques, such as the subjects' life stories and <strong>de</strong>pth interview. We<br />
have also used quantitative instruments of research to support the qualitative/biographic<br />
analysis. The data classification was organized in three categories (biography and family,<br />
biography and workplace, biography and school/education), which are linked to the<br />
theoretical proposal of biograficidad. The interviews analyses were conducted consi<strong>de</strong>ring the<br />
biographic courses of the inmates, the major domains of their lives: family, work and<br />
education. The data interpretation allowed us to better <strong>de</strong>fine the major marks in their<br />
biographies: the different phases of life (building up a family, exercising a profession and<br />
education), the ruptures and transitions. Most presented dramatic stories, <strong>de</strong>rived from the<br />
absence of a solid familiar reference, child labor and the precarious beginning in the work life,<br />
besi<strong>de</strong>s bad experiences at the schooling process. All of them were linked to a criminal<br />
trajectory which encompasses their biographies. The data also reveals these women's<br />
capability when it comes to <strong>de</strong>veloping new <strong>de</strong>signs of biographical structures. Their attempts<br />
to affirm themselves as subjects were also a frequent topic in their narratives.<br />
Keywords: Biography, learning, life experience, biograficidad.
SUMÁRIO<br />
CAPÍTULO I: A CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO E O<br />
PERCURSO METODOLÓGICO<br />
1.1 O MÉTODO DA INVESTIGAÇÃO E SEUS DELINEAMENTOS 27<br />
1.2 O DISCURSO SOBRE A CRIMINALIDADE FEMININA NO ACERVO<br />
ACADÊMICO<br />
1.3 A OPÇÃO PELO MÉTODO BIOGRÁFICO: RAZÕES TEÓRICO-<br />
METODOLÓGICAS<br />
CAPÍTULO II: MODERNIDADE CONTEMPORÂNEA,<br />
BIOGRAFICIDADES E INTERPRETAÇÕES EDUCACIONAIS E DE<br />
APRENDIZAGENS<br />
2.1 OS PARADIGMAS DA SOCIALIZAÇÃO, INDIVIDUALIZAÇÃO E<br />
BIOGRAFICIDAD: REFLEXOS NOS PROCESSOS EDUCACIONAIS /<br />
FORMATIVOS E/OU DE APRENDIZAGEM E NA VIDA DOS SUJEITOS<br />
CAPÍTULO III: CONTEMPORANEIDADE E BIOGRAFIAS FEMININAS<br />
3.1 OS MUNDOS DE AÇÃO CONCRETOS DAS MULHERES: RELAÇÕES<br />
DE GÊNERO E IMPLICAÇÕES NAS BIOGRAFIAS<br />
CAPÍTULO IV - BIOGRAFIAS DE APRENDIZAGENS DE MULHERES<br />
ENCARCERADAS<br />
4.1 RETRATOS BIOGRÁFICOS DAS ENCARCERADAS INVESTIGADAS 106<br />
4.2 ANÁLISES DAS CATEGORIAS FAMÍLIA , TRABALHO E<br />
ESCOLA EXTRAÍDAS DAS NARRATIVAS BIOGRÁFICAS DAS<br />
ENCARCERADAS<br />
5 (IN) CONCLUSÃO 154<br />
REFERÊNCIAS 159<br />
ANEXO 167<br />
APÊNDICE 180<br />
10<br />
27<br />
33<br />
68<br />
73<br />
86<br />
89<br />
103<br />
130
CAPÍTULO I: A CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO E O PERCURSO<br />
METODOLÓGICO<br />
Com direitos assegurados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos <strong>de</strong> 1949 e<br />
pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral brasileira <strong>de</strong> 1988, e reunindo as características que as convertem<br />
em um dos segmentos alvo das propostas educativas da Educação <strong>de</strong> Jovens e Adultos EJA,<br />
a aca<strong>de</strong>mia pouco sabe ou discute sobre as trajetórias <strong>de</strong> vidas <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> em situação <strong>de</strong><br />
privação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>: suas <strong>aprendizagens</strong>, nem sempre conduzidas segundo as normas e<br />
regras impostas por uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>sigual e discriminante; como elas produzem suas<br />
existências e quais são os seus <strong>de</strong>sejos e expectativas e que projetos <strong>de</strong> vidas manifestam.<br />
Esta dissertação teve, portanto, por objeto analisar as <strong>aprendizagens</strong> <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong>,<br />
que se encontram <strong>encarceradas</strong> no Instituto <strong>de</strong> Recuperação Feminina <strong>de</strong> João Pessoa-PB.<br />
Procuramos, especificamente, conhecer como ocorreram<br />
<strong>aprendizagens</strong> ao longo <strong>de</strong> suas vidas.<br />
e continuam ocorrendo - essas<br />
Para alcançar esse propósito, adotamos o enfoque biográfico compreendido a partir do<br />
conceito <strong>de</strong> biograficidad, <strong>de</strong>fendido por Alheit e Dausien (1996, 2000, 2007). Trata-se <strong>de</strong><br />
uma abordagem teórico-metodológica, que analisa, na teoria e na prática, o conteúdo da<br />
aprendizagem ao longo da vida, no interior das <strong>biografias</strong> individuais: os processos <strong>de</strong><br />
aprendizagem e <strong>de</strong> formação das <strong>biografias</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> estruturas sociais e <strong>de</strong> contextos<br />
culturais <strong>de</strong> significação on<strong>de</strong> os sujeitos se inserem.<br />
O interesse <strong>de</strong>ssa perspectiva, <strong>de</strong> acordo com seus autores (ALHEIT E DAUSIEN,<br />
2007), é, também, o <strong>de</strong> favorecer a compreensão acerca da complexida<strong>de</strong> que se tornou a<br />
administração da própria vida com o transcurso da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, o qual, embora tenha trazido<br />
riscos sociais aos sujeitos, fez emergirem novas estratégias para seus enfrentamentos, o que<br />
acarretou em sorpren<strong>de</strong>ntes capacida<strong>de</strong>s creativas <strong>de</strong> (re)construcción das <strong>biografias</strong><br />
(ALHEIT, 1994; DAUSIEN, 1996; KADE & SEITTER, 1996, apud, ALHEIT & DAUSIEN,<br />
2007).<br />
Compreen<strong>de</strong>r essa nova realida<strong>de</strong> social foi um dos motivos que levou Alheit e<br />
Dausien (2007) a elaborarem sua proposta teórica, pois, segundo eles, faltava [...] una teoría<br />
elaborada y sistemática <strong>de</strong>l aprendizaje biográfico interessada em analisar como os sujeitos<br />
têm construído suas <strong>biografias</strong>, mesmo diante das novas condições <strong>de</strong> existência, marcadas<br />
pelas transformações (nos mais variados campos) produzidas pelos processos <strong>de</strong> globalização.<br />
Nessa perspectiva, o foco principal das análises são os aspectos não formais, informais, não
institucionalizados e autoorganizados da aprendizagem ao longo da vida, embora não<br />
<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>re os aspectos formais (ALHEIT E DAUSIEN, 2007).<br />
Para esses autores, a biograficidad tem a ver com a capacida<strong>de</strong> que temos <strong>de</strong> utilizar<br />
os estímulos que proce<strong>de</strong>m do exterior (o contexto em que vivemos, por exemplo) para<br />
apren<strong>de</strong>r e, a partir daí, reelaborar a nossa biografia conforme o que projetamos para ela<br />
(ALHEIT, 1990; DAUSIEN, 1996, apud, ALHEIT & DAUSIEN, 2007).<br />
Apoiando-nos nesse enfoque teórico é que, neste trabalho, procuramos compreen<strong>de</strong>r<br />
os significados das <strong>aprendizagens</strong> (formais, não-formais e/ou informais) das <strong>encarceradas</strong>,<br />
que segundo suas narrativas, contribuíram para a construção e/ou reconstrução <strong>de</strong> suas<br />
<strong>biografias</strong>. Alheit e Dausien (2007) chamaram essas <strong>aprendizagens</strong>, que se ligam ao processo<br />
<strong>de</strong> (re) construção da biografia, <strong>de</strong> aprendizagem biográfica e conceituaram-na como a<br />
[..] capacidad «autopoyética» <strong>de</strong>l sujeto para organizar <strong>de</strong> manera reflexiva<br />
sus experiencias, y, haciendo esto, darse a sí mismo una coherencia<br />
personal y una i<strong>de</strong>ntidad, para atribuir un sentido a la historia <strong>de</strong> su vida,<br />
para <strong>de</strong>sarrollar sus capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicación, <strong>de</strong> relación con el<br />
contexto social, <strong>de</strong> conducción <strong>de</strong> la acción (ALHEIT, 1993B; ALHEIT &<br />
DAUSIEN, 2000B, apud, ALHEIT & DAUSIEN, 2007).<br />
Não se trata, portanto, <strong>de</strong> um conceito <strong>de</strong>smembrado do mundo social do sujeito, já<br />
que os diferentes modos como a aprendizagem ocorre <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m tanto do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />
comportamentos específicos (individuais), diante <strong>de</strong> uma dada situação (ex: curiosida<strong>de</strong>,<br />
coragem, confiança, <strong>de</strong>terminação etc.), oferecendo uma coerência pessoal às experiências,<br />
quanto das condições estruturais específicas (ex: recursos econômicos, sociais, culturais e<br />
simbólicos) <strong>de</strong> que ele dispõe. Nesse sentido, concordamos com Kunzel (1996, p.95), quando<br />
afirma que [...] a realida<strong>de</strong> dos [...] contextos <strong>de</strong> vida não vai simplesmente ao encontro das<br />
pessoas. [...] ela é construída em processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate activo, com a ajuda <strong>de</strong> esquemas<br />
cognitivos, e assimilada através <strong>de</strong> experiências.<br />
É a isso que correspon<strong>de</strong> o caráter interventivo das ações <strong>de</strong> aprendizagem, as quais<br />
favorecem não apenas a compreensão do mundo, mas também à sua transformação<br />
(KUNZEL, 1996, p.95). Ao que parece, uma aprendizagem que, ao longo da vida, é orientada<br />
para o sujeito só faz sentido se reconhecida a associação biográfica entre indivíduo e<br />
socieda<strong>de</strong>, o que implica uma [...] concepción <strong>de</strong>l individuo estructurado por el contexto<br />
social, y a su vez, estructurador, actor, <strong>de</strong> su realidad<br />
(CARDENAL, 2006, p. 41).
Partindo <strong>de</strong>ssas premissas, o objetivo <strong>de</strong>ste estudo é o <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a(s) relação(es)<br />
entre as <strong>aprendizagens</strong> biográficas adquiridas pelas <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong> investigadas (ou<br />
aquelas <strong>aprendizagens</strong> que, no plano da consciência prática, foram apenas <strong>de</strong>sejadas, mas não<br />
chegaram a ser vivenciadas) no processo <strong>de</strong> construção das suas <strong>biografias</strong>, e as<br />
motivações/circunstâncias <strong>de</strong> vida que as conduziram ao mundo da criminalida<strong>de</strong>. É daí que<br />
surge o ponto <strong>de</strong> partida para a realização <strong>de</strong>ste estudo, firmado na seguinte pergunta: Como<br />
se revelam, nas narrativas das <strong>biografias</strong> das <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>, as <strong>aprendizagens</strong> que<br />
contribuíram com a aproximação a mundos <strong>de</strong> vida 1 ligados à criminalida<strong>de</strong> e ao cárcere?<br />
Nesse questionamento, está o pressuposto <strong>de</strong> que foram as <strong>aprendizagens</strong> adquiridas (ou<br />
negadas) no interior das experiências <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong>, ao longo <strong>de</strong> suas vidas, que<br />
contribuíram para que elas se aproximassem do mundo do crime.<br />
Com base nesse pressuposto, julgamos que o levantamento <strong>de</strong> outras questões seria<br />
necessário, como por exemplo: Quais foram as <strong>aprendizagens</strong> que as <strong>encarceradas</strong> adquiriram<br />
ao longo da vida e em que condições e contextos elas foram adquiridas? Que direções e que<br />
significados essas <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong>ram a essas <strong>aprendizagens</strong> no processo <strong>de</strong> construção das<br />
<strong>biografias</strong>? Quais as outras <strong>aprendizagens</strong> a que não tiveram acesso e que, segundo elas,<br />
possibilitariam outros direcionamentos para as suas <strong>biografias</strong>? Que <strong>aprendizagens</strong> o cárcere<br />
lhes têm proporcionado?<br />
Tais questionamentos nos levaram a traçar outros objetivos que, ao serem respondidos,<br />
possibilitariam o alcance do objetivo principal <strong>de</strong>ste trabalho, a saber: Conhecer as<br />
<strong>aprendizagens</strong> que as <strong>encarceradas</strong> obtiveram em contextos formais (como a escola e <strong>de</strong>mais<br />
instituições com intencionalida<strong>de</strong> educativa) e em contextos não-formais e informais: espaços<br />
não institucionalizados e autoorganizados, <strong>de</strong>nominados por Alheit e Dausien (2007) <strong>de</strong><br />
"aprendizagem do cotidiano", "aprendizagem a partir das experiências", "aprendizagem por<br />
assimilação", "aprendizagem ligada ao mundo da vida" ou "autodidaxia ; Conhecer as<br />
<strong>aprendizagens</strong> que, no plano da consciência prática das <strong>encarceradas</strong>, foram apenas <strong>de</strong>sejadas,<br />
mas não, adquiridas; Apreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> suas histórias os significados das experiências mais<br />
marcantes em suas vidas, i<strong>de</strong>ntificando a sua contribuição para a construção <strong>de</strong> suas atuais<br />
realida<strong>de</strong>s; Conhecer as <strong>aprendizagens</strong> adquiridas no atual contexto em que se encontram (o<br />
cárcere).<br />
1 O conceito <strong>de</strong> mundo-da-vida, na teoria <strong>de</strong> Habermas, é uma separação dos três aspectos do universo da<br />
existência do mundo dos sujeitos, que como resultado da fragmentação <strong>de</strong>sse universo, temos um mundo<br />
objetivo, um mundo social e um mundo subjetivo [...] (SILVA, 2001, p.07).
Tanto os questionamentos quanto os objetivos supracitados nortearam o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta investigação. Eles foram analisados através do diálogo discursivo<br />
entre os relatos biográficos das investigadas e a literatura biográfica sugerida pelos alemães<br />
Alheit e Dausien (2007).<br />
No segundo capítulo <strong>de</strong>ste trabalho, discutimos sobre as novas tendências teóricas<br />
<strong>de</strong>finidoras da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> seus reflexos na vida dos sujeitos e nas socieda<strong>de</strong>s<br />
contemporâneas, sob as lentes <strong>de</strong> alguns sociólogos contemporâneos, como Beck, Gid<strong>de</strong>ns,<br />
Lash (mo<strong>de</strong>rnização reflexiva, 1997), Touraine (<strong>de</strong>smo<strong>de</strong>rnização, 1998), Evangelista<br />
(mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, 2007) e Habermas (razão comunicativa, 1981).<br />
Essa discussão revela como estamos compreen<strong>de</strong>ndo a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> na<br />
contemporaneida<strong>de</strong> e serve <strong>de</strong> subsídio para as reflexões que <strong>de</strong>senvolvemos<br />
subsequentemente sobre o movimento <strong>de</strong> três paradigmas da mo<strong>de</strong>rnadida<strong>de</strong> contemporânea<br />
que selecionamos: o da socialização - ligado ao movimento da Educação popular, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
final da década <strong>de</strong> 1960; o da individualização<br />
que passou a questionar os fundamentos<br />
<strong>de</strong>ssa educação popular para a nova socieda<strong>de</strong> que emergia e que Beck (apud HERNANDEZ,<br />
2007, p.4) chamou <strong>de</strong>: socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> risco ; e o paradigma da biograficida<strong>de</strong>, proposto por<br />
Alheit e Dausien (2007), como uma terceira via entre os dois primeiros, numa relação <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>pendência recíproca. Foi por enten<strong>de</strong>r que é no interior <strong>de</strong>sses paradigmas mo<strong>de</strong>rnos que<br />
essas <strong>biografias</strong> <strong>de</strong> aprendizagem se processam, constroem-se e se (re) constroem, que<br />
achamos importante discuti-los neste trabalho.<br />
Essas discussões são imprescindíveis, uma vez que, junto com os discursos atuais<br />
sobre a educação e a aprendizagem ao longo da vida, servem como eixos norteadores da<br />
análise do principal objetivo <strong>de</strong>sta investigação que, como já dissemos, objetiva compreen<strong>de</strong>r<br />
a relação entre <strong>aprendizagens</strong> biográficas (ou ao longo da vida) das <strong>encarceradas</strong> e as<br />
motivações/circunstâncias <strong>de</strong> vida que as levaram à/às prática/s criminosa/s.<br />
Ressaltamos que o alcance <strong>de</strong>sse objetivo se torna ainda mais relevante <strong>de</strong> ser<br />
estudado à luz da biograficidad porque, como enfatizaram Alheit e Dausien (2007), é ainda<br />
pequeno o número <strong>de</strong> estudos teóricos e, muito menos, os empíricos que, <strong>de</strong> fato, voltam-se<br />
para a análise <strong>de</strong> fenômenos em si, envolvendo a aprendizagem ao longo da vida. O que tem<br />
sido visto, segundo eles, é uma avalanche <strong>de</strong> publicações (nem sempre científicas) que<br />
discutem sobre o tema <strong>de</strong> uma maneira obstinadamente simplista e empobrecedora.<br />
Outra evidência aponta para a relevância da temática em pauta - a <strong>de</strong> que, por envolver<br />
a relação aprendizagem e biografia , o <strong>de</strong>bate sobre a biograficidad favorece o alargamento<br />
do discurso acadêmico sobre a educação num sentido mais amplo, compreendida através do
etorno do conceito <strong>de</strong> educação/aprendizagem ao longo da vida. Esse conceito foi inovado e<br />
<strong>de</strong>fendido pela UNESCO como [...] uma construção contínua da pessoa humana, do seu<br />
saber e das suas aptidões, [...] da sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discernir e agir<br />
(DELORS, 1999, p.106).<br />
Através <strong>de</strong>esse tipo <strong>de</strong> educação/aprendizagem, a pessoa [...] é levada a tomar consciência <strong>de</strong><br />
si própria e do meio que a envolve e a <strong>de</strong>sempenhar o papel social que lhe cabe [e lhe<br />
convém] no mundo do trabalho e na comunida<strong>de</strong><br />
(DELORS, 1999, p.106, grifos nossos).<br />
Da educação ao longo da vida, assim compreendida, foi que a perspectiva da<br />
biograficidad se elaborou. Para Alheit e Dausien (2007), é no interior <strong>de</strong>ssa educação<br />
que as experiências e o sentido que os sujeitos dão a elas são valorizados - que a<br />
aprendizagem biográfica ganha relevo e significado. Esses autores justificam sua teoria,<br />
principalmente quando <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que todas as ativida<strong>de</strong>s significativas <strong>de</strong> aprendizagem<br />
representam o conceito <strong>de</strong> Educação ao longo da vida.<br />
Para nós, a dimensão do conceito da educação, na perspectiva ao longo da vida, <strong>de</strong>ve<br />
ser reconhecida. Em seu sentido amplo, ele não correspon<strong>de</strong> somente à ação <strong>de</strong> uma<br />
socieda<strong>de</strong>, através das diversas instituições que ela põe em funcionamento para assegurar a<br />
transmissão <strong>de</strong> conhecimentos, valores, comportamentos que garantem a integração na vida<br />
social (JOSSO, 2004), mas também à ação dos indivíduos nas experiências cotidianas que<br />
vivenciam (no âmbito da família, da escola, do trabalho, do bairro on<strong>de</strong> moram, da cida<strong>de</strong>,<br />
das relações com os amigos etc.), as quais tanto po<strong>de</strong>m produzir efeitos ligados à<br />
interiorização das normas e dos valores voltados para o bem comum, e, consequentemente, à<br />
integração em um mundo socialmente aceitável (marcado pelas condutas reguladas, pela<br />
aceitação das normas coletivas etc.), como po<strong>de</strong>m provocar um <strong>de</strong>sajuste <strong>de</strong>ssa integração,<br />
<strong>de</strong>corrente dos seus efeitos exclu<strong>de</strong>ntes, aproximando os indivíduos <strong>de</strong> mundos <strong>de</strong> vida<br />
ligados à marginalida<strong>de</strong> e à criminalida<strong>de</strong>. Nesses casos, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma educação<br />
humanizadora seria comprometida. Vejamos o que Kunzel (1996, p.97) argumenta a esse<br />
respeito:<br />
A idéia <strong>de</strong> uma humanização da nossa vida através do recurso a uma larga<br />
escala <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem é profundamente contrariada<br />
quando essas <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> estar à disposição <strong>de</strong> um número cada vez maior <strong>de</strong><br />
pessoas, em resultado <strong>de</strong> uma mecânica <strong>de</strong> distribuição social cada vez mais<br />
dura.<br />
em
Mais especificamente falando, se é importante sublinhar a força <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
educação que humaniza, emancipa, integra, e cuja tarefa principal é formar adultos<br />
<strong>de</strong>mocráticos 2 , também é importante presumir que, por se tratar <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> social e<br />
subjetiva (e por isso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do que o contexto oferece <strong>de</strong> aprendizagem e <strong>de</strong> como o sujeito<br />
a direciona), a educação, na dimensão, ao longo da vida, po<strong>de</strong> também provocar<br />
consequências <strong>de</strong>ssocializadoras e <strong>de</strong>sinstitucionalizadoras (TOURAINE, 1998) 3 na vida dos<br />
sujeitos, ainda que não seja esse seu objetivo.<br />
Hernàn<strong>de</strong>z e Dobon (2006), baseando-se, em um primeiro momento, nas teorias<br />
críticas pressagiadas pelo marxismo e inspiradas na hermenêutica, que evi<strong>de</strong>nciaron que las<br />
instituciones en general y la educativa en particular escon<strong>de</strong>n dispositivos que operan <strong>de</strong><br />
manera no igualitária<br />
(HERNÀNDEZ E DOBON, 2006, p. 01-02), e, em um segundo<br />
momento, por teorias ligadas à Escola <strong>de</strong> Frankfurt (que criticam a razão instrumental) e<br />
outras, como a <strong>de</strong> Foucault (apud, HERNÀNDEZ E DOBON, 2006, p. 02), - que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong><br />
uma genealogia do po<strong>de</strong>r - e a <strong>de</strong> Bourdieu (apud, HERNÀNDEZ E DOBON, 2006, p. 02) -<br />
que reconhece a escola como instância <strong>de</strong> reprodução e legitimação das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais<br />
- buscaram interpretações para os diversos sentidos e significados da educação na vida das<br />
pessoas.<br />
Suas análises sobre essas teorias permitiram-nos afirmar, sem medo <strong>de</strong> incorrer em<br />
erros, que a educação po<strong>de</strong> tanto favorecer a igualda<strong>de</strong> quanto a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, o que supõe a<br />
existência <strong>de</strong> duas noções diferentes, cujas tendências são contrárias: a educação-instituição e<br />
a educação-campo. Segundo esses autores, a primeira seria orientada para a igualda<strong>de</strong>, e a<br />
segunda, para a distinção social.<br />
Tomando esses paradoxos interpretativos da educação como exemplo, talvez fosse o<br />
caso pensar também os outros vieses que o conceito da educação, na perspectiva ao longo da<br />
vida po<strong>de</strong> abarcar, já que ela consi<strong>de</strong>ra os diferentes modos e direcionamentos dados pelos<br />
sujeitos às <strong>aprendizagens</strong> que adquirem no curso <strong>de</strong> suas vidas e que servem à construção <strong>de</strong><br />
suas <strong>biografias</strong>.<br />
2 Para Maturana e Dávila (2006), a <strong>de</strong>mocracia é o único modo <strong>de</strong> convivência que oferece a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
realização do humano como um ser autônomo, capaz <strong>de</strong> ser social na colaboração num projeto comum.<br />
3 Para Touraine (1998), a <strong>de</strong>ssocialização (compreendida como o <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong> papéis, normas e valores<br />
sociais pelos quais se construía o mundo vivido) e a <strong>de</strong>sinstitucionalização (entendida como o enfraquecimento<br />
ou <strong>de</strong>saparição das normas codificadas e protegidas por mecanismos legais e, ainda, o <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong><br />
julgamentos <strong>de</strong> normalida<strong>de</strong> aos comportamentos regidos por instituições), são consequências do processo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>smo<strong>de</strong>rnização que estamos vivendo neste novo milênio. E nesse processo o que tem ocorrido é, antes <strong>de</strong> tudo,<br />
a ruptura entre o sistema e o ator.
No caso da biograficidad, o que caracteriza a sua reciprocida<strong>de</strong> com a corrente teórica<br />
da Educação/Aprendizagem ao longo da vida, é exatamente a valorização da sinergia <strong>de</strong> los<br />
diferentes modos <strong>de</strong> aprendizaje<br />
(ALHEIT E DAUSIEN, 2007, p.12) que essa perspectiva<br />
teórica abraça. Essa sinergia está no cerne das análises que realizamos em torno das <strong>biografias</strong><br />
das <strong>encarceradas</strong>, uma vez que avaliamos tanto a dimensão subjetiva/psicológica das<br />
<strong>aprendizagens</strong> <strong>de</strong>ssas apren<strong>de</strong>ntes quanto a dimensão social, consi<strong>de</strong>rando o contexto <strong>de</strong> vida<br />
em que estão inseridas.<br />
Compreen<strong>de</strong>r a educação/aprendizagem ao longo da vida e suas interconexões com a<br />
biograficidad trata-se não somente <strong>de</strong> uma opção nossa, mas da condição para que sejam<br />
conhecidos os fundamentos e os sentidos <strong>de</strong>ssa segunda, como teoria e como objeto empírico<br />
na vida das <strong>mulheres</strong> investigadas.<br />
É válido registrar que, no Brasil, exceto em um artigo publicado no ano <strong>de</strong> 2006 pela<br />
Revista Educação e Pesquisa da USP, intitulado A formação <strong>de</strong> adultos confrontada pelo<br />
imperativo biográfico , <strong>de</strong> Pierre Dominicé, em alguns dos estudos organizados pela<br />
professora Emília Prestes (UFPB) - que utiliza a perspectiva da biograficidad para referendar<br />
suas pesquisas sobre formação/<strong>aprendizagens</strong> <strong>de</strong> conselheiros das comissões <strong>de</strong> trabalho e<br />
emprego, e na tese <strong>de</strong> Adriana Diniz (2007), que utiliza a perspectiva biográfica para<br />
investigar a Educação, a formação e o trabalho <strong>de</strong> pessoas adultas da comunida<strong>de</strong> valenciana<br />
e brasileira, não se conhecem outros estudos que se referenciem pela teoria da biograficidad e<br />
por seus autores. Temos aí um dos principais motivos para o alargamento <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>bate teórico<br />
no presente trabalho, já que ainda são poucos os estudiosos que o utilizam para abalizar suas<br />
investigações.<br />
Outro motivo<br />
também ligado a esse - reforçou o nosso interesse por discutir a<br />
proposta da educação/aprendizagem ao longo da vida. Trata-se do fato <strong>de</strong> termos pesquisado<br />
um grupo <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> 4 , cujas histórias <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong> escolares as tornaram<br />
integrantes <strong>de</strong> um público específico, o da Educação <strong>de</strong> Jovens e Adultos - EJA. Aliás, a<br />
premissa básica <strong>de</strong>sse trabalho está centrada na idéia<br />
Nos últimos anos, essa modalida<strong>de</strong> da Educação Básica inseriu, em suas propostas, os<br />
pressupostos da educação/aprendizagem ao longo da vida, passando a reforçar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que<br />
se <strong>de</strong>vem garantir aos jovens e aos adultos (homens e <strong>mulheres</strong>) não apenas a sua<br />
4 São <strong>mulheres</strong> que, em sua maioria, não concluíram o Ensino Fundamental ou Médio, e que, no presídio, estão,<br />
ou <strong>de</strong>veriam estar aproveitando a experiência que esse contexto oferece, para adquirir <strong>aprendizagens</strong> novas,<br />
capazes <strong>de</strong> possibilitar a reflexão sobre a <strong>de</strong>linquência cometida, e, consequentemente, a ressignificação da<br />
própria vida (MAYER, 2006).
escolarização, mas o direito <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r por toda a vida - em qualquer contexto, inclusive no<br />
interior das experiências, quaisquer que sejam elas.<br />
Foi, mais precisamente, na V Conferência Internacional sobre Educação <strong>de</strong> Adultos (V<br />
CONFINTEA), realizada em Hamburgo - na Alemanha - em 1997, que a EJA, na perspectiva<br />
da educação ao longo da vida ganhou <strong>de</strong>staque. Na <strong>de</strong>claração e no Plano <strong>de</strong> Ação emanados<br />
<strong>de</strong>ssa Conferência, ela fora enfatizada como [...] uma perspectiva que afirmava a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> e integralida<strong>de</strong> do processo educativo nas diversas etapas e espaços da vida<br />
das pessoas, [...] (ZARCO, 2000, p.148). Parecia respon<strong>de</strong>r, em primeiro plano, a uma<br />
necessida<strong>de</strong> econômica e social, que reforçava ao Estado o papel <strong>de</strong> assegurar o direito <strong>de</strong><br />
educação para todos, particularmente, para os grupos menos privilegiados da socieda<strong>de</strong> [...] ,<br />
nos quais incluíam-se as <strong>mulheres</strong> (Declaração <strong>de</strong> Hamburgo sobre Educação <strong>de</strong> Adultos - V<br />
CONFINTEA, 1997).<br />
Semelhante análise acerca da educação/aprendizagem ao longo da vida também fora<br />
apresentada pelo Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, da<br />
UNESCO, intitulado: EDUCAÇÃO, UM TESOURO A DESCOBRIR. Nesse relatório, a<br />
educação ao longo da vida, baseada nas <strong>aprendizagens</strong> adquiridas pelos sujeitos a partir <strong>de</strong><br />
suas experiências <strong>de</strong> vida, foi posta como uma exigência <strong>de</strong>mocrática, ou seja, [...] o meio <strong>de</strong><br />
chegar a um equilíbrio mais perfeito entre trabalho e aprendizagem, bem como ao exercício<br />
<strong>de</strong> uma cidadania ativa (DELORS, 1999, p.105). De acordo com os seus relatores, essa<br />
educação oferece aos sujeitos - em tempos <strong>de</strong> globalização - oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conduzir os<br />
seus próprios <strong>de</strong>stinos, bem como <strong>de</strong> reorganizar, quando necessário, os seus ritmos <strong>de</strong> vida<br />
(DELORS, 1999, p.105).<br />
Tais interpretações, oferecidas tanto pelas organizações internacionais quanto pelo<br />
<strong>de</strong>bate acadêmico contemporâneo, expressam, como temos visto, que o principal objetivo da<br />
educação ao longo da vida é o <strong>de</strong> oferecer aos sujeitos possibilida<strong>de</strong>s diversas <strong>de</strong><br />
<strong>aprendizagens</strong>, que essas sirvam efetivamente para a abertura <strong>de</strong> janelas<br />
em suas vidas.<br />
<strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s<br />
Reconhece-se, no entanto, que, nem sempre, esse objetivo po<strong>de</strong> se consolidar nas<br />
construções biográficas dos sujeitos, tendo em vista que os contextos <strong>de</strong> vida e as estruturas<br />
nas quais se assentam e se constroem as <strong>biografias</strong>, embora ofereçam diversas possibilida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong>, nem sempre garantem tais aberturas. Nesses casos, como argumenta<br />
Kunzel (1996, p.97), a mobilização em torno da educação/aprendizagem ao longo da vida<br />
acaba sendo taxada como escárnio e rejeitada por aqueles que, por causa do <strong>de</strong>semprego <strong>de</strong>
longa duração e por outras formas <strong>de</strong> marginalização, não são lembrados para as ações <strong>de</strong><br />
educação/aprendizagem criadoras <strong>de</strong> riqueza .<br />
Ressalte-se que as <strong>de</strong>signações: educação/formação ao longo da vida e aprendizagem<br />
ao longo da vida - sendo esta última a mais utilizada nos últimos anos - emergiram,<br />
primeiramente, no contexto europeu, mais especificamente nas décadas <strong>de</strong> 1960 e 1970, num<br />
cenário em que a educação <strong>de</strong> adultos ganhava ênfase em razão da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r às<br />
exigências dos processos <strong>de</strong> reestruturação produtiva daqueles países da Europa e <strong>de</strong> se<br />
garantirem socieda<strong>de</strong>s mais <strong>de</strong>mocráticas. É por isso que não se po<strong>de</strong> dizer que a educação ao<br />
longo da vida, à qual até agora nos referimos, é uma perspectiva nova , como alguns tentam<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r. Sua origem, na verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>riva da concepção <strong>de</strong> educação permanente, que foi<br />
altamente difundida nas décadas anteriores à <strong>de</strong> 1990, sob uma orientação política educativa<br />
das mais progressistas da época.<br />
conceito<br />
Não obstante, o que interessa discutir neste trabalho, mais especificamente, é o novo<br />
atribuído à educação ao longo da vida, nos últimos anos, que John Field (200,<br />
p.133, apud, ALHEIT E DAUSIEN, 2007) diz ser revelador <strong>de</strong> um fenômeno societário por<br />
ele chamado <strong>de</strong> nova or<strong>de</strong>m educativa , provocadora <strong>de</strong> uma revolução silenciosa . Nela, o<br />
apren<strong>de</strong>r, nos seus diferentes modos (seja em contextos formais, não-formais e/ou informais),<br />
torna-se a mola-mestra para a construção <strong>de</strong> <strong>biografias</strong> individuais muito diferentes umas das<br />
outras.<br />
Foi por consi<strong>de</strong>rar essa nova or<strong>de</strong>m<br />
que surgiu o nosso interesse por aplicar a teoria<br />
biográfica <strong>de</strong> Alheit e Dausien (2007) na análise das <strong>biografias</strong> das <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>,<br />
com a intenção <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o fenômeno da criminalida<strong>de</strong> entre elas, com base nos seus<br />
diferentes modos (subjetivos) e circunstâncias <strong>de</strong> aprendizagem.<br />
Acreditamos, portanto, que a análise das <strong>aprendizagens</strong> biográficas <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong><br />
permitiria um olhar novo para as questões que envolvem os comportamentos consi<strong>de</strong>rados<br />
criminosos pela socieda<strong>de</strong>, tendo como objeto específico a apreciação/análise do<br />
comportamento <strong>de</strong>lituoso , especificamente o feminino.<br />
Salientamos que, neste estudo, nossa preocupação não é apenas com as questões <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>m estrutural e/ou cultural da vida dos sujeitos (e que, geralmente, são utilizadas por<br />
estudiosos para justificar as práticas criminosas cometidas por algumas pessoas). Focalizamos<br />
também e, principalmente, a sua atenção para o interior das <strong>biografias</strong>, em que po<strong>de</strong>ríamos<br />
i<strong>de</strong>ntificar os resultados/implicações das <strong>aprendizagens</strong> adquiridas ao longo da vida, capazes<br />
<strong>de</strong> conduzir - no caso das participantes <strong>de</strong>sta pesquisa - a mundos <strong>de</strong> vida ligados ao crime.
A razão que nos conduziu à escolha das <strong>encarceradas</strong> como principais sujeitos <strong>de</strong>sta<br />
investigação teve a ver com a centralida<strong>de</strong> que a aprendizagem biográfica, adquirida a partir<br />
<strong>de</strong> nossas experiências, ocupou em nossas vidas. Uma <strong>de</strong>ssas experiências foi a que<br />
vivenciamos na infância, mais especificamente na década <strong>de</strong> 1980, quando morávamos na<br />
cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Patos<br />
Pb. Ainda que não fosse frequentemente, visitávamos o presídio daquela<br />
cida<strong>de</strong> na companhia dos nossos pais, nos dias em que eles, em parceria com a pastoral<br />
carcerária, promoviam feijoadas naquele local e as distribuíam para os/as aprisionados/as e<br />
funcionários do sistema. Além <strong>de</strong>ssa ação, ofereciam também uma palavra <strong>de</strong> fé e <strong>de</strong> conforto<br />
àqueles sujeitos.<br />
Ao contrário <strong>de</strong> hoje, as visitas aos presídios eram mais comuns naquela época. Não se<br />
temiam tanto as rebeliões como se teme hoje, e a revista que era feita aos visitantes não era<br />
tão rigorosa. Talvez fosse por esse e por outros motivos (ligados às <strong>aprendizagens</strong> que aquela<br />
experiência nos po<strong>de</strong>ria proporcionar) que os nossos pais permitissem e até quisessem o nosso<br />
contato com aquela realida<strong>de</strong>.<br />
Reconhecemos, pois, que essa experiência nos favoreceu novas configurações <strong>de</strong><br />
experiências (ALHEIT & DAUSIEN, 2007) que se abriram nos caminhos que nos levaram<br />
progressivamente a ser o que somos hoje e a alcançarmos o que até aqui alcançamos.<br />
Po<strong>de</strong>mos, então, registrar que, embora essa experiência não tenha sido a motivação principal<br />
para a realização <strong>de</strong>ste trabalho, serviu para nos oferecer pistas acerca dos perfis (as<br />
subjetivida<strong>de</strong>s e as formas <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>s) e das posturas dos sujeitos com os quais<br />
trabalhamos nesta pesquisa e para que, na narração <strong>de</strong> parte significativa <strong>de</strong> nossa biografia,<br />
fizéssemos uso do saber <strong>de</strong> fundo biográfico , tal como enten<strong>de</strong> Alheit (2007). Na<br />
compreensão <strong>de</strong>sse autor, esse saber representa a La reconstrucción <strong>de</strong> las vivencias y <strong>de</strong> las<br />
experiencias biográficas y, con ello, la construcción <strong>de</strong> sentido que tiene lugar, por ejemplo,<br />
en la narración <strong>de</strong> la historia <strong>de</strong> vida (ALHEIT, 2007, p.33).<br />
As <strong>de</strong>mais experiências que tivemos e que se <strong>de</strong>stacaram ao longo da nossa vida<br />
estiveram ligadas aos processos <strong>de</strong> formação e <strong>de</strong> trabalho institucionalizados pelos quais<br />
passamos e <strong>de</strong>linearam, aos poucos, o nosso itinerário biográfico. Uma <strong>de</strong>las, que<br />
consi<strong>de</strong>ramos a primeira das mais importantes, foi a formação no Curso <strong>de</strong> Licenciatura em<br />
Pedagogia. Além das muitas <strong>aprendizagens</strong> que adquirimos com essa experiência,<br />
vivenciamos outras que foram importantes (na vida pessoal, acadêmica e profissional).<br />
Destacamos, aqui, algumas das que vivemos nesses dois últimos campos.<br />
No campo acadêmico, a experiência como bolsistas do Programa Institucional <strong>de</strong><br />
Bolsas <strong>de</strong> Iniciação Científica do PIBIC/CNPq, foi a mais marcante e a que mais impactou
nossas <strong>biografias</strong>, pois, além <strong>de</strong> nos ter guiado para vivências <strong>de</strong> outras significativas<br />
experiências (nos campos profissional e formativo), proporcionou <strong>aprendizagens</strong><br />
sistematizadas importantes para a construção social/cultural das nossas <strong>biografias</strong>.<br />
Os primeiros passos para essa experiência começaram no terceiro período do Curso <strong>de</strong><br />
Pedagogia, ao ser aberta a seleção para o programa <strong>de</strong> bolsa <strong>de</strong> iniciação científica. Era ainda<br />
uma fase em que não tínhamos certeza do que queríamos em relação à vida acadêmica.<br />
Naquele período, simultaneamente ao curso, trabalhávamos em uma empresa privada<br />
(supermercado), que <strong>de</strong>mandava uma carga horária pesada, o que dificultava o processo <strong>de</strong><br />
aprendizagem do curso.<br />
Estávamos <strong>de</strong>sejosas por abandonar aquele trabalho, mas, ao mesmo tempo, temíamos<br />
a perda dos benefícios (salário e proteção social garantidos com a assinatura da carteira <strong>de</strong><br />
trabalho) que, <strong>de</strong> certa maneira, aquela experiência profissional nos proporcionava, uma vez<br />
que contribuíamos com a manutenção da nossa família.<br />
Mesmo com dúvidas, resolvemos tentar a seleção e nos candidatamos. Po<strong>de</strong>mos dizer<br />
que, embora não tenha sido fácil optar por participar daquela seleção, pelos motivos já<br />
apresentados, admitimos que foi a partir daquela <strong>de</strong>cisão e, consequentemente, da aprovação<br />
(que gerou o afastamento daquela experiência <strong>de</strong> trabalho e mais envolvimento em ativida<strong>de</strong>s<br />
acadêmicas), que <strong>de</strong>mos um dos passos mais importantes no processo da construção <strong>de</strong> nossas<br />
<strong>biografias</strong>. Foi aí que garantimos ao nosso itinerário biográfico uma lógica própria e um<br />
direcionamento novo, proporcionador <strong>de</strong> transformações surpreen<strong>de</strong>ntes nas nossas vidas.<br />
Alheit e Dausien (2007) analisam realida<strong>de</strong>s como essas pelo viés do princípio <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>terminação , que envolve todo o processo <strong>de</strong> formação biográfica.<br />
Os processos <strong>de</strong> formação biográfica têm seu próprio princípio <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>terminação, eles possibilitam experiências inesperadas e transformações<br />
surpreen<strong>de</strong>ntes que, muitas vezes, não foram previstas pelo próprio<br />
apren<strong>de</strong>nte e só po<strong>de</strong>m ser "compreendidas" posteriormente, mas que têm,<br />
entretanto, sua "direção" própria.<br />
De fato, por meio da nossa história, fica mais fácil enten<strong>de</strong>r o que dizem esses autores<br />
em relação à formação da biografia, mais especificamente, quando alegam que é cada vez<br />
mais difícil para o apren<strong>de</strong>nte prever as experiências (ou as suas transformações) que os<br />
aguardam. Essa imprevisão é vista por Sen (2001) como um reflexo da complexa natureza da
organização social mo<strong>de</strong>rna, cujo sistema não oferece ou dificulta para as pessoas o acesso a<br />
todos os instrumentos <strong>de</strong> controle sobre a própria vida (SEN, 2001, p.113).<br />
Em relação a essa experiência, o que percebemos foi que a ausência <strong>de</strong> tais<br />
instrumentos <strong>de</strong> controle da vida 5 não representou impedimento para tomarmos tal <strong>de</strong>cisão e,<br />
por conseguinte, para provocar as transformações que se <strong>de</strong>ram em nossas vidas, como frutos<br />
<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>cisão. Foi, portanto, analisando experiências assim, <strong>de</strong>ntre outras tantas, que os<br />
autores Alheit e Dausien (2007) enxergaram a possibilida<strong>de</strong> da biograficidad, visto que ela<br />
representa a capacidad <strong>de</strong>l sujeto <strong>de</strong> reelaborar la experiencia vivida , através <strong>de</strong> reações<br />
autônomas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seus contextos.<br />
Lembramos que, ao todo, foram vivenciados quatro anos <strong>de</strong> experiência no Programa<br />
<strong>de</strong> Bolsa <strong>de</strong> Iniciação Científica. Em um <strong>de</strong>sses anos, investigamos a Política <strong>de</strong> Erradicação<br />
do Trabalho Infantil<br />
PETI<br />
e, nos outros três, a Política Pública <strong>de</strong> Qualificação para o<br />
Trabalho, Emprego e Renda, no contexto dos governos <strong>de</strong> FHC e <strong>de</strong> LULA, analisando,<br />
especificamente, as contribuições da qualificação profissional para <strong>mulheres</strong> em situação <strong>de</strong><br />
risco social (<strong>de</strong>sempregadas, subempregadas, trabalhadoras do campo, negras etc.). Nosso<br />
principal objetivo era analisar se essa qualificação oferecia inclusão social e como isso<br />
ocorria.<br />
Os resultados encontrados nesta pesquisa 6 e a familiarida<strong>de</strong> adquirida com o público<br />
investigado, durante esses três anos, fizeram com que optássemos, mais uma vez, pelas<br />
<strong>mulheres</strong> (embora inscritas em outra realida<strong>de</strong>: a da prisão) como sujeitos do objeto <strong>de</strong> estudo<br />
na pós-graduação.<br />
A relevância <strong>de</strong>ssa experiência na nossa vida, durante esses quatro anos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sempenho da função <strong>de</strong> pesquisadora bolsista do PIBIC/CNPq, permite-nos proce<strong>de</strong>r a uma<br />
avaliação mais positiva possível, visto que ela nos <strong>de</strong>spertou o encantamento e o gosto pela<br />
pesquisa e por outras ativida<strong>de</strong>s acadêmicas que antes <strong>de</strong>sconhecíamos. Ora, nosso ingresso<br />
no Mestrado (que também apontou novas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> formação e <strong>de</strong> trabalho) talvez não<br />
5 Para aquele momento, seriam: a certeza <strong>de</strong> que, se optássemos pela permanência no trabalho, não seríamos<br />
<strong>de</strong>mitidas daquele emprego; a certeza <strong>de</strong> que o valor da bolsa permitia continuarmos contribuindo com a<br />
manutenção da nossa família; a certeza <strong>de</strong> que asseguraríamos outras experiências acadêmicas remuneradas após<br />
aquela, etc.<br />
6 Os resultados <strong>de</strong>sta pesquisa <strong>de</strong>monstraram estar incidindo novas e diferentes formas <strong>de</strong> inclusão, ou, ao<br />
menos, <strong>de</strong> se perceber incluído na socieda<strong>de</strong>, por exemplo, através da aquisição <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong>s argumentativas<br />
(diálogo), <strong>de</strong> tolerância, respeito e convivência com os diferentes, da participação cidadã mais ativa na<br />
socieda<strong>de</strong>, etc.
tivesse ocorrido tão rápido 7 se não tivesse sido nos dada (ou talvez, se não tivéssemos nos<br />
dado) a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vivenciar essa experiência inicial <strong>de</strong> pesquisa.<br />
Outras duas experiências acadêmicas, embora mais curtas, também favoreceram o<br />
nosso construto biográfico. Uma foi a experiência da monitoria na disciplina História da<br />
Educação, que muito nos fez apren<strong>de</strong>r sobre a importância da história para compreen<strong>de</strong>r o<br />
mundo mo<strong>de</strong>rno, e das histórias <strong>de</strong> vida como fundamentais nessa tentativa <strong>de</strong> compreensão,<br />
tendo em vista a escassez <strong>de</strong> fontes escritas e a valida<strong>de</strong> das fontes orais; a outra foi a<br />
experiência vivida no Programa Alfabetização Solidária, ligado aos projetos <strong>de</strong> extensão da<br />
UFPB, em que atuávamos como coor<strong>de</strong>nadoras pedagógicas/setoriais, responsáveis pela<br />
formação <strong>de</strong> professores leigos em dois municípios do interior da Paraíba.<br />
Cada uma <strong>de</strong>ssas experiências, somada a outras que vivenciamos brevemente (a<br />
convite da professora Emília Prestes), ainda no <strong>de</strong>correr do Curso <strong>de</strong> Pedagogia, representou<br />
uma oportunida<strong>de</strong> valiosa <strong>de</strong> esten<strong>de</strong>rmos a nossa aprendizagem para fora da sala <strong>de</strong> aula. As<br />
<strong>de</strong>mais experiências vividas no campo do trabalho resultaram daquelas que vivemos no<br />
campo acadêmico. Elas também contribuíram para que chegássemos até a concretização <strong>de</strong>sse<br />
trabalho, foram os casos: do trabalho com jovens e adultos (homens e <strong>mulheres</strong>) em processo<br />
<strong>de</strong> escolarização, numa Escola Municipal <strong>de</strong> João Pessoa - PB, atuando como professora<br />
estagiária; como coor<strong>de</strong>nadora pedagógica da EJA, em uma Escola Municipal <strong>de</strong> Bayeux<br />
PB; como formadora <strong>de</strong> professores da EJA (1º segmento), na re<strong>de</strong> municipal <strong>de</strong> ensino, e,<br />
por último, como coor<strong>de</strong>nadora pedagógica dos professores da EJA nos presídios da gran<strong>de</strong><br />
João Pessoa. A nossa atuação nesta última experiência narrada ocorrera <strong>de</strong> maneira articulada<br />
tanto com as <strong>de</strong>mais coor<strong>de</strong>nadoras quanto com os diretores, os agentes penitenciários e os/as<br />
professores/as dos presídios, trabalhando com todos eles no sentido <strong>de</strong> incentivar as ações<br />
educativas naqueles contextos.<br />
Vale registrar que, em todas essas experiências, o trabalho <strong>de</strong>senvolvido não se<br />
limitava à pura execução <strong>de</strong> tarefas. A realida<strong>de</strong> daqueles sujeitos com quem trabalhávamos<br />
era essencialmente rica e passível <strong>de</strong> observação, por isso não <strong>de</strong>ixávamos <strong>de</strong> remeter um<br />
olhar crítico e reflexivo para elas. Assim, po<strong>de</strong>mos dizer que as <strong>aprendizagens</strong> que adquirimos<br />
nesses contextos foram também responsáveis por novos direcionamentos em nossas<br />
<strong>biografias</strong>.<br />
Foi, portanto, mais precisamente, a vivência <strong>de</strong>sta ultima experiência <strong>de</strong> trabalho,<br />
como coor<strong>de</strong>nadora pedagógica dos professores da EJA, nos presídios, e <strong>de</strong> uma experiência<br />
7 A rapi<strong>de</strong>z a que nos referimos é a da entrada no curso <strong>de</strong> Mestrado, <strong>de</strong>pois apenas <strong>de</strong> seis meses <strong>de</strong> concluída a<br />
graduação. Tempo esse em que foi <strong>de</strong>dicada às etapas da seleção no Programa <strong>de</strong> Pós-graduação.
<strong>de</strong> pesquisa 8 em um programa que envolvia a situação educacional <strong>de</strong> aprisionados e<br />
aprisionadas, <strong>de</strong>nominado Educação para a liberda<strong>de</strong>, que i<strong>de</strong>ntificamos a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
olhar mais atentamente para as problemáticas que abarcam o público dos presídios, tão<br />
esquecidos social e aca<strong>de</strong>micamente.<br />
No trabalho da coor<strong>de</strong>nação pedagógica, que ocorreu <strong>de</strong>pois do <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
pesquisa acima citada, <strong>de</strong>spertamos o interesse mais específico por investigar uma parte<br />
exclusiva do público <strong>de</strong>sses contextos, como foi o caso das <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>, sujeitos<br />
<strong>de</strong>sta pesquisa. Através <strong>de</strong>ssa experiência, pu<strong>de</strong>mos perceber como os/as encarcerados/as<br />
eram/são vistos pelo sistema prisional, ou seja, sob uma única ótica - a do crime. Salvo por<br />
poucas pessoas, como alguns/as educadores/as, por exemplo, quase ninguém <strong>de</strong>monstrava<br />
compreen<strong>de</strong>r aqueles sujeitos como seres históricos, construtores <strong>de</strong> uma biografia,<br />
possivelmente marcada por circunstâncias <strong>de</strong> vida difíceis.<br />
Destacamos, no entanto, que, ao mesmo tempo em que percebemos o <strong>de</strong>scaso com a<br />
população aprisionada, i<strong>de</strong>ntificamos (mais precisamente no ano <strong>de</strong> 2005-2006) o surgimento<br />
<strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> iniciativas por parte das instituições da Educação e da Administração<br />
Penitenciária, articuladas em torno do Projeto "Educando para a Liberda<strong>de</strong>", cujos objetivos<br />
voltavam-se para a garantia, a ampliação e o fortalecimento das ativida<strong>de</strong>s educativas nas<br />
penitenciárias.<br />
O referido projeto <strong>de</strong>u origem a uma série <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s, no âmbito da organização da<br />
educação nas prisões, a saber: a realização <strong>de</strong> seminários regionais para se discutir o assunto e<br />
se construírem as diretrizes da educação prisional com os representantes dos órgãos do<br />
Governo responsáveis pela questão, nos âmbitos fe<strong>de</strong>ral e estadual, e pelas li<strong>de</strong>ranças da<br />
socieda<strong>de</strong> civil; a alteração da Lei <strong>de</strong> Execução Penal, que prevê a redução da pena para quem<br />
estuda na prisão; o financiamento <strong>de</strong> projetos junto aos Sistemas Estaduais e o fortalecimento<br />
das relações entre esses sistemas e os órgãos fe<strong>de</strong>rais, visando à minimização das barreiras<br />
burocráticas para a promoção <strong>de</strong> uma educação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> nesses contextos. Essa educação<br />
se justifica não exclusivamente como um instrumento <strong>de</strong> reabilitação (mesmo que se<br />
contribua para que ela aconteça), mas pela oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantir ao/à aprisionado/a a<br />
reconciliação com o ato <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r (MAYER, 2006) e, consequentemente, <strong>de</strong> melhorar a<br />
qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida no seu atual contexto <strong>de</strong> vida.<br />
8 Tratou-se <strong>de</strong> uma pesquisa encomendada pela Secretaria <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong> Educação e Cultura, que queria um<br />
diagnóstico da situação educacional das principais unida<strong>de</strong>s prisionais do Estado. Para tal ação, foi contratada<br />
uma equipe <strong>de</strong> pesquisadores da UFPB da qual fiz parte, tendo como coor<strong>de</strong>nada a professora Emília Prestes. O<br />
objetivo era contribuir com o fortalecimento do processo educativo nas unida<strong>de</strong>s do sistema prisional paraibano.
O direito à educação do/a preso/a, na perspectiva <strong>de</strong> uma educação ao longo da vida,<br />
começava, então, a ganhar <strong>de</strong>staque, tanto nas pautas dos importantes documentos da EJA, no<br />
Brasil, quanto nos estudos <strong>de</strong> alguns pesquisadores que investigavam o assunto, como Mayer<br />
(2006), por exemplo. Por meio das reflexões que apresenta sobre a relação entre educação e<br />
prisão, esse estudioso se constituiu a principal referência científica no assunto, porquanto<br />
contribuiu diretamente para a elaboração dos documentos acima mencionados. Para ele, ainda<br />
que não se trate do melhor lugar, nem obtenha as ferramentas necessárias para tal, a<br />
Educação/Aprendizagem ao longo da vida, nesses contextos, é possível e necessária.<br />
Em outras palavras, po<strong>de</strong>ríamos dizer que, em contextos <strong>de</strong> reclusão, a educação<br />
ganhou uma dimensão mais profunda. De acordo com Mayer (2006, p.22), ela não <strong>de</strong>ve se<br />
restringir ao ensino, mas ser, primordialmente, [...] uma oportunida<strong>de</strong> para que os internos<br />
<strong>de</strong>codifiquem sua realida<strong>de</strong> e entendam as causas e conseqüências dos atos que os levaram à<br />
prisão . Todavia, no seu enten<strong>de</strong>r, isso só é possível se a educação oferecida nesses contextos<br />
se constituir <strong>de</strong><br />
[...] momentos <strong>de</strong> aprendizagem, <strong>de</strong> experiências bem-sucedidas, <strong>de</strong><br />
encontros que não sejam relações <strong>de</strong> força, momentos <strong>de</strong> reconstrução da<br />
própria história, espaços para expressar emoção e realizar projetos<br />
(MAYER, 2006, p.03).<br />
É a isso que Mayer (2006) chama <strong>de</strong> educação ao longo da vida na prisão. A nosso<br />
ver, essa tendência à reconstrução da própria história parece também ser propícia para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> pesquisas nesses contextos, especialmente as educacionais. Foi essa,<br />
então, a nossa intenção.<br />
Acreditamos que, ao dar voz às <strong>encarceradas</strong>, dandos-lhes a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
rememorar suas histórias, estaremos não apenas contribuindo com o <strong>de</strong>snudamento dos<br />
fenômenos investigados na pesquisa, mas também lhes favorecendo uma instrumentalida<strong>de</strong><br />
educativa.<br />
É importante registrar que as <strong>mulheres</strong> investigadas neste trabalho (por serem<br />
<strong>mulheres</strong> e, ao mesmo tempo, prisioneiras) se encontram duplamente situadas no grupo que<br />
Michelle Perrot (2001) chamou <strong>de</strong> os excluídos da história . Foi isso também que nos<br />
motivou a investigá-las, ainda mais porque vimos que são escassas as discussões e as<br />
pesquisas acadêmicas, principalmente as educacionais, sobre esse público.
Tal realida<strong>de</strong> foi possível <strong>de</strong> ser observada quando realizamos um levantamento<br />
bibliográfico sobre o assunto enfocando essas <strong>mulheres</strong>. Nesse levantamento, vimos que, se o<br />
<strong>de</strong>bate sobre as pessoas <strong>encarceradas</strong> no âmbito educacional já é pequeno, ele quase inexiste<br />
quando se trata <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong>.<br />
Em outras áreas, no entanto, - a saú<strong>de</strong>, o direito, a psicologia, serviço social e a<br />
sociologia - os estudos sobre a criminalida<strong>de</strong> feminina, ainda que não sejam muitos, ganharam<br />
mais impulso, nos últimos anos, do que as <strong>de</strong>mais áreas pesquisadas. Porém, o que mais se vê<br />
nesses estudos, principalmente os relacionados às ciências sociais, são tentativas <strong>de</strong> se<br />
explicarem as ações criminosas das <strong>mulheres</strong>, única ou prioritariamente, pelo contexto on<strong>de</strong><br />
elas viveram antes <strong>de</strong> reclusas, geralmente marcado por situações <strong>de</strong> pobreza. A justificativa é<br />
quase sempre ilustrada da seguinte maneira: Traficaram drogas, cometeram furtos ou<br />
estelionato porque moram em favelas, são pobres, não têm marido, mas têm muitos filhos e<br />
precisam sobreviver! , enfim, em razão das precárias condições socioeconômicas em que<br />
vivem antes <strong>de</strong> reclusas.<br />
Cabe salientar que justificativas como essas não foram utilizadas ao longo da história<br />
para analisar a criminalida<strong>de</strong> feminina. Ao contrário, as dimensões sociais, econômicas e<br />
culturais da <strong>de</strong>linquência sempre foram empregadas, segundo Cunha (2005, p.03), para<br />
analisar a criminalida<strong>de</strong> masculina, que era a única vista nessa perspectiva. Às <strong>mulheres</strong><br />
eram reservadas explicações com bases biológicas e psicológicas: <strong>de</strong>sregulamentos<br />
hormonais, complexos, neuroses e manias [...] (CUNHA, 2006, p.04).<br />
Temos, então, que reconhecer que foi um avanço o fato <strong>de</strong> se ter passado a analisar a<br />
<strong>de</strong>linquência feminina também a partir das dimensões sociais, econômicas e culturais acima<br />
mencionadas por Cunha (2006). Ao que tudo indica, as mudanças ou o avanço nesse campo<br />
<strong>de</strong> análise <strong>de</strong>ve ter ocorrido em razão das modificações dos papéis sociais exercidos pelos<br />
gêneros na contemporaneida<strong>de</strong>, uma vez que o homem não é mais o único provedor das<br />
famílias, porquanto a mulher, em muitos casos, é a única que garante a sobrevivência dos seus<br />
membros.<br />
No nosso enten<strong>de</strong>r, foi essa nova realida<strong>de</strong> social que fez com que muitos estudiosos<br />
adotassem o contexto social como principal e, não raras vezes, única referência <strong>de</strong> análise da<br />
prática criminosa realizada por <strong>mulheres</strong>. Neste estudo, porém, não <strong>de</strong>sprezamos o contexto,<br />
mas também não a<strong>de</strong>rimos a ele unicamente para interpretar o fenômeno que estamos<br />
investigando. Para nós, o contexto social, como instrumento único <strong>de</strong> análise da ação social<br />
das pessoas, não oferece respostas para questões como as que levantamos no objeto <strong>de</strong> estudo<br />
<strong>de</strong>sta pesquisa. Por exemplo, se as <strong>mulheres</strong> são minorias nos presídios, como explicaríamos
o fato <strong>de</strong> que a maioria (as que estão livres), mesmo vivendo sob as mesmas condições e nos<br />
mesmos contextos em que viveram as que atualmente se encontram presas, não enveredou<br />
pelo mundo do crime? Que <strong>aprendizagens</strong> fizeram com que se <strong>de</strong>sviassem <strong>de</strong>sse caminho?<br />
Como explicar também a criminalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> que vivem em contextos elevados sócio-<br />
economicamente? Não parece fácil respon<strong>de</strong>r a essas questões, todavia concordamos com<br />
Pais (2003, p.117), que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que [...] não <strong>de</strong>vem os contextos físicos ou ecológicos ser<br />
encarados como causa dos atos individuais, mas apenas excitantes [...] .<br />
Partindo <strong>de</strong>sse pressuposto, focalizamos este estudo na i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que os sujeitos,<br />
regulados pelo que constroem socialmente, são capazes <strong>de</strong> dar um sentido individual às suas<br />
próprias ações, fundado por meio das interações com os outros indivíduos. As <strong>biografias</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>aprendizagens</strong> das <strong>encarceradas</strong>, nesse sentido, servem para analisar as mediações que<br />
ocorrem entre as ações (individuais) e a estrutura e/ou entre a história individual e a história<br />
social <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>las.<br />
Enten<strong>de</strong>mos, todavia, que, na análise <strong>de</strong> tais mediações, era imprescindível que se<br />
conhecesse como elas próprias interpretam suas experiências e as <strong>aprendizagens</strong> que <strong>de</strong>las<br />
resultaram e, ainda, se atribuem a elas o fato <strong>de</strong> terem enveredado no mundo do crime.<br />
Esses e os <strong>de</strong>mais fatores que elencamos anteriormente nos induziram a enten<strong>de</strong>r que é<br />
no interior das experiências <strong>de</strong> vida (sejam elas vividas em contextos formais, não-formais ou<br />
informais) que as pessoas adquirem as <strong>aprendizagens</strong> necessárias para a construção <strong>de</strong> suas<br />
<strong>biografias</strong> individuais e que, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> como essas <strong>aprendizagens</strong> se relacionam com as<br />
<strong>biografias</strong> (i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s) e com as estruturas, po<strong>de</strong>m conduzir as pessoas para a marginalida<strong>de</strong><br />
e a criminalida<strong>de</strong>.<br />
Nesta pesquisa, estamos trabalhando com a hipótese <strong>de</strong> que as <strong>aprendizagens</strong> das<br />
<strong>mulheres</strong> investigadas têm pontos circunstanciais parecidos, que são favoráveis a sua<br />
aproximação com a ativida<strong>de</strong> criminosa. Compreen<strong>de</strong>mos, então, que as <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> vida<br />
estão ligadas às <strong>aprendizagens</strong> informais que acompanharam a construção das suas <strong>biografias</strong><br />
no processo <strong>de</strong> socialização. Por isso pressupomos que a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> essas <strong>mulheres</strong> se<br />
envolverem com ativida<strong>de</strong>s criminosas seria bem menor se a maior parte das <strong>aprendizagens</strong><br />
que acompanharam suas trajetórias <strong>de</strong> vida tivesse sido adquirida em processo <strong>de</strong><br />
aprendizagem formal (escolarida<strong>de</strong> ou perspectivas <strong>de</strong> mudar <strong>de</strong> vida através da escolarida<strong>de</strong>,<br />
por exemplo).
1.1 O MÉTODO DA INVESTIGAÇÃO E SEUS DELINEAMENTOS<br />
Iniciamos esta pesquisa com um levantamento bibliográfico sobre o tema da nossa<br />
investigação - a criminalida<strong>de</strong> feminina<br />
por acreditar que essa ativida<strong>de</strong> seria fundamental<br />
para indicar a relevância do assunto na área da Educação. Assim, conhecer a repercussão<br />
sobre o tema estudado no âmbito das discussões acadêmicas, sobretudo, as educacionais, foi o<br />
principal objetivo <strong>de</strong>sse levantamento.<br />
O primeiro passo em direção a esse objetivo foi apreciar as publicações <strong>de</strong> três<br />
periódicos importantes na área <strong>de</strong> Educação (nos seus últimos três anos) e trabalhos<br />
acadêmicos (dissertações e teses), para i<strong>de</strong>ntificar se, <strong>de</strong> alguma maneira (direta ou<br />
indiretamente), eles abordavam o tema da criminalida<strong>de</strong>. Po<strong>de</strong>mos dizer que esse<br />
levantamento foi um recurso essencial tanto para orientar os procedimentos metodológicos da<br />
pesquisa quanto para subsidiar as reflexões sobre o tema, sob as lentes <strong>de</strong> outros estudiosos.<br />
De modo geral, todos os procedimentos metodológicos utilizados procuraram se<br />
a<strong>de</strong>quar ao objeto e ao objetivo central da investigação. Foi, portanto, <strong>de</strong>ssa compreensão que<br />
elegemos, <strong>de</strong>ntro da investigação qualitativa, o método biográfico, selecionando as técnicas<br />
ligadas a esse método: história <strong>de</strong> vida, e os seus instrumentos <strong>de</strong> coletados <strong>de</strong> dados, como a<br />
entrevista em profundida<strong>de</strong> (ou biográfica), por exemplo.<br />
As justificativas para as escolhas teórico-metodológicas e as formas <strong>de</strong><br />
utilização/aplicação nesta pesquisa estão mais à frente explicitadas. Apresentamos, na<br />
sequência, os resultados do levantamento bibliográfico realizado sobre o tema e, em seguida,<br />
discutimos sobre tais <strong>de</strong>cisões metodológicas, como foram aplicadas na prática e os seus<br />
resultados.<br />
1.2 O DISCURSO SOBRE A CRIMINALIDADE FEMININA NO ACERVO ACADÊMICO<br />
Aten<strong>de</strong>ndo ao plano <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s estabelecido no projeto <strong>de</strong> pesquisa, apresentamos,<br />
neste espaço, uma síntese da revisão <strong>de</strong> literatura sobre a temática do nosso objeto <strong>de</strong> estudo.<br />
Tal revisão foi realizada no site da CAPES, através do banco <strong>de</strong> teses, e em periódicos <strong>de</strong><br />
renome 9 na área da Educação. A intenção foi a <strong>de</strong> conhecer, no âmbito da produção<br />
acadêmica, a repercussão do discurso da socieda<strong>de</strong> do conhecimento, mais especificamente,<br />
do discurso educacional, em torno do tema que envolve a criminalida<strong>de</strong> feminina.<br />
9 Revista Brasileira <strong>de</strong> Educação, Revista Educação & Socieda<strong>de</strong> e Revista Educação & Pesquisa
Para realizar essa ativida<strong>de</strong>, obe<strong>de</strong>cemos a alguns critérios que julgamos pertinentes<br />
relatar. O primeiro <strong>de</strong>les foi a seleção <strong>de</strong> periódicos com conceito A no QUALIS da CAPES<br />
(Coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Aperfeiçoamento <strong>de</strong> Pessoal <strong>de</strong> Nível Superior). Acreditávamos que, em<br />
periódicos que obtêm esse conceito<br />
<strong>de</strong>vido ao amplo reconhecimento na comunida<strong>de</strong><br />
científica por causa da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas publicações - seria mais provável encontrar estudos<br />
ligados, direta ou indiretamente, ao tema da criminalida<strong>de</strong>.<br />
Dos três periódicos selecionados (Revista Brasileira <strong>de</strong> Educação, Revista Educação &<br />
Socieda<strong>de</strong> e Revista Educação & Pesquisa), analisamos somente os artigos publicados nos<br />
últimos três anos (2005, 2006 e 2007). Da soma das publicações <strong>de</strong>sses três periódicos nos<br />
anos acima referidos, apenas dois apresentaram discussões ligadas à temática do crime.<br />
A primeira publicação ligada ao tema foi encontrada na Revista Brasileira <strong>de</strong><br />
Educação, e a outra, na Revista Educação & Pesquisa. Na primeira, o autor 10 apresentava uma<br />
discussão sobre as condições da educação prisional na Europa, nos seus vários planos e<br />
aspectos, procurando i<strong>de</strong>ntificar os problemas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m organizacional, metodológica e social<br />
que as <strong>de</strong>terminavam ou que as limitavam.<br />
A leitura e a análise <strong>de</strong>ssa publicação foram importantes porque serviram para<br />
compreen<strong>de</strong>r que, no Brasil, os problemas que acompanham a garantia <strong>de</strong> acesso e a<br />
qualida<strong>de</strong> da educação para as pessoas <strong>encarceradas</strong> são muito parecidos e, às vezes, até<br />
idênticos aos <strong>de</strong> alguns países europeus, consi<strong>de</strong>rados <strong>de</strong> primeiro mundo. Serviram ainda<br />
para que percebêssemos que os estudiosos sobre a educação nas prisões têm realizado suas<br />
análises e reflexões ancorando-se na perspectiva da aprendizagem ao longo da vida,<br />
exatamente aquela em que temos nos baseado para refletir sobre a biografia das <strong>encarceradas</strong>,<br />
público-alvo <strong>de</strong>sta pesquisa.<br />
Pelo que vimos, embora o autor <strong>de</strong>ssa publicação <strong>de</strong>monstrasse enten<strong>de</strong>r que a<br />
educação ao longo da vida é fundamental no ambiente carcerário, admitia que, na prática, ela<br />
não estava sendo efetivada na realida<strong>de</strong> carcerária, o que, para ele, significa uma redução das<br />
possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> solucionar os problemas da complexa e diversificada realida<strong>de</strong> dos<br />
presídios.<br />
Para Rangel (2007), a efetivação <strong>de</strong>ssa educação no cárcere favoreceria aos presos a<br />
compreensão dos significados <strong>de</strong> suas atitu<strong>de</strong>s criminosas do passado, dando-lhes os meios e<br />
as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ressignificá-las na perspectiva <strong>de</strong> uma mudança, exatamente o que propõe<br />
a biograficidad. Citando Duguid (2000), Rangel (2007) afirma que, se a educação no interior<br />
10 RANGEL, Hugo. Estratégias sociais e educação prisional na Europa: visão <strong>de</strong> conjunto e reflexões. Revista<br />
Brasileira <strong>de</strong> Educação v. 12 n. 34 jan./abr. 2007.
dos presídios não conseguir provocar essa reflexão para uma mudança <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> dos<br />
encarcerados, ela estará simplesmente criando criminosos qualificados.<br />
No segundo periódico selecionado para esse levantamento - a Revista Educação &<br />
Socieda<strong>de</strong> - não encontramos nenhuma publicação que, direta ou indiretamente, abordasse a<br />
temática do crime. Já na Revista Educação & Pesquisa , encontramos uma que se ligava à<br />
temática e cujo título era: Narrativas sobre a privação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e o <strong>de</strong>senvolvimento do<br />
self adolescente (OLIVEIRA & VIEIRA, 2006).<br />
Essa publicação, embora se enquadre mais no campo da psicologia do que no da<br />
educação, levantou i<strong>de</strong>ias muito próximas das que são <strong>de</strong>fendidas na teoria da biograficidad,<br />
por Alhei e Dausien (2007). Suas autoras se apoiam na i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que os adolescentes privados<br />
<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m produzir novas significações acerca <strong>de</strong> si mesmos, por meio do<br />
<strong>de</strong>senvolvimento do self, um conceito da psicologia que se refere ao papel <strong>de</strong>sempenhado<br />
pelo próprio sujeito no processo <strong>de</strong> reorganização interna e externa do ser, através da relação<br />
com o outro no contexto cultural. Admitem que as narrativas, nesse processo, são muito<br />
importantes, pois servem como instrumento <strong>de</strong> organização da experiência subjetiva e social,<br />
consequentemente, da vida mental (BAMBERG, 2004A; 2004B; CHANDLER, 2000;<br />
BRUNER, 1997, apud, OLIVEIRA & VIEIRA, 2006).<br />
Tais premissas, ainda que ligadas ao campo da psicologia, lembraram-nos algumas das<br />
características e especificida<strong>de</strong>s da biograficidad, que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que os sujeitos são<br />
capazes <strong>de</strong> reelaborar as próprias experiências <strong>de</strong> vida, por meio das <strong>aprendizagens</strong> que<br />
assimilam subjetivamente, aproximando-se <strong>de</strong> alguns mo<strong>de</strong>los teóricos da psicologia sobre o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento do self, os quais apostam na capacida<strong>de</strong> dos sujeitos <strong>de</strong> produzirem novas<br />
significações sobre si mesmos, por meio da relação <strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pendência com o outro, através<br />
da interação social em contextos socioinstitucionais concretos.<br />
A última análise que fizemos sobre o que foi observado nesses três periódicos<br />
selecionados nos permitiu comprovar a existência <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> lacuna, no que diz respeito à<br />
abordagem do tema da criminalida<strong>de</strong>, ou <strong>de</strong> temáticas afins, na área da educação,<br />
confirmando a relevância <strong>de</strong>ste trabalho para ampliar os estudos sobre o tema. Ainda mais<br />
porque, pelo que vimos, os poucos cientistas da educação que pesquisam esse tema não o<br />
fazem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma perspectiva biográfica e, muito menos, <strong>de</strong> gênero. O que se vê são<br />
discussões quase somente ligadas a problemas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m estrutural e pedagógica, que<br />
envolvem as tentativas <strong>de</strong> ressocialização dos presidiários e das presidiárias, através da<br />
educação, porém sem a consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> suas <strong>biografias</strong>.
Concluída a revisão da literatura nos periódicos mencionados, e tendo encontrado<br />
apenas duas publicações ligadas ao tema do nosso estudo, partimos para a outra etapa <strong>de</strong>sse<br />
levantamento, com a intenção <strong>de</strong> contabilizar e verificar os trabalhos acadêmicos<br />
(dissertações e teses) sobre o tema que, envolvendo direta ou indiretamente a criminalida<strong>de</strong><br />
feminina, foram produzidos, nos últimos anos, na área <strong>de</strong> Educação.<br />
Essa ativida<strong>de</strong> foi realizada no site da CAPES, através do seu banco <strong>de</strong> teses, on<strong>de</strong> são<br />
apresentados os resumos das produções acadêmicas (teses e dissertações) <strong>de</strong>fendidas <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
1987. Antes <strong>de</strong> iniciar, percebemos que havia três alternativas para realizá-la. Na primeira, a<br />
pesquisa po<strong>de</strong>ria ser efetivada informando o nome do autor da produção investigada; na<br />
segunda, o nome do assunto investigado, caso não se soubesse o nome do/s autor/es <strong>de</strong> tais<br />
produções e, tampouco, as instituições on<strong>de</strong> elas po<strong>de</strong>riam ser encontradas e, na terceira e<br />
última alternativa, o nome da instituição era o que <strong>de</strong>veria ser informado, caso houvesse a<br />
certeza <strong>de</strong> que nela se encontraria a produção <strong>de</strong>sejada.<br />
Como não obtínhamos informações suficientes para escolher a primeira ou terceira<br />
alternativas, uma vez que <strong>de</strong>mandavam o conhecimento dos autores e das instituições on<strong>de</strong> as<br />
produções foram construídas, restou-nos a segunda.<br />
Tomada essa <strong>de</strong>cisão, começamos esse levantamento pesquisando o tema<br />
criminalida<strong>de</strong> feminina . Para além <strong>de</strong>sse assunto, elencamos outros: mulher prisioneira,<br />
<strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>, prisão feminina, por estarem ligados a ele, o que aumentou as chances<br />
<strong>de</strong> encontrarmos um número maior <strong>de</strong> trabalhos.<br />
Consi<strong>de</strong>rando tais assuntos, i<strong>de</strong>ntificamos um total <strong>de</strong> 122 produções, entre teses e<br />
dissertações, nas diversas áreas do conhecimento. Desse número, 36 produções foram<br />
encontradas, por meio da pesquisa sobre o assunto criminalida<strong>de</strong> feminina ; 15, sobre o tema<br />
mulher prisioneira , 29, <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong> , e 42, sobre prisão feminina .<br />
É importante registrar que, antes mesmo <strong>de</strong> organizar esse levantamento por área <strong>de</strong><br />
conhecimento, i<strong>de</strong>ntificamos que alguns trabalhos se repetiam na pesquisa por assunto. Isso<br />
nos levou a perceber que o número <strong>de</strong> produções era menor do que o registrado inicialmente,<br />
totalizando 96 produções.<br />
Além disso, através da leitura atenta dos títulos e dos resumos dos trabalhos<br />
levantados, verificamos que alguns <strong>de</strong>les não tratavam <strong>de</strong> estudos sobre os assuntos<br />
<strong>de</strong>limitados nesse levantamento. Por isso que, ao <strong>de</strong>scartá-los, o número total <strong>de</strong> trabalhos<br />
selecionados se reduziu ainda mais, chegando a 71 para 18 áreas do conhecimento.<br />
Recor<strong>de</strong>-se que a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> realizar esse levantamento bibliográfico, no banco <strong>de</strong> teses<br />
da CAPES, surgiu do nosso interesse em verificar a repercussão das pesquisas, principalmente
no âmbito educacional, sobre a problemática que envolve a criminalida<strong>de</strong> feminina. Abaixo,<br />
mostramos uma tabela que organizamos com a intenção <strong>de</strong> apresentar informações sobre essa<br />
repercussão, tanto na área da educação quanto em outras áreas do conhecimento. Demais<br />
informações sobre tais produções, como: título, nome dos autores, data <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e instituição<br />
on<strong>de</strong> elas foram <strong>de</strong>fendidas não constam ainda nessa tabela, mas estão disponíveis em anexo.<br />
ÁREA DO CONHECIMENTO<br />
NÚMERO DE PRODUÇÕES<br />
ENCONTRADAS NA PESQUISA<br />
SOBRE O ASSUNTO<br />
SAÚDE 11<br />
DIREITO 15<br />
SERVIÇO SOCIAL 04<br />
HISTÓRIA 05<br />
CIÊNCIAS SOCIAIS 07<br />
PSICOLOGIA 08<br />
EDUCAÇÃO 07<br />
ADMINISTRAÇÃO 01<br />
POLÍTICA SOCIAL E POLÍTICAS<br />
PÚBLICAS E SOCIEDADE<br />
ESTUDOS POPULACIONAIS E PESQUISAS<br />
SOCIAIS<br />
DESENVOLVIMENTO REGIONAL E<br />
AGRONEGÓCIO<br />
CIÊNCIAS DA RELIGIÃO 01<br />
ANTROPOLOGIA 02<br />
ARTES 00<br />
LITERATURA 02<br />
TECNOLOGIA 01<br />
PSICOSSOCIOLOGIA DE COMUNIDADE E<br />
ECOLOGIA SOCIAL<br />
ECONOMIA DOMÉSTICA 01<br />
02<br />
02<br />
01<br />
01
Ao analisar essa tabela, constatamos que o tema da criminalida<strong>de</strong> feminina vem sendo<br />
objeto <strong>de</strong> estudo em diversas áreas do conhecimento científico, até mesmo naquelas em que<br />
seria difícil <strong>de</strong> imaginar, como é o caso da área do Desenvolvimento regional e<br />
agronegócio .<br />
Algumas áreas, porém, apresentaram um número mais significativo <strong>de</strong> produções<br />
sobre esse tema, como Direito e Saú<strong>de</strong>. Em contrapartida, as áreas <strong>de</strong> Educação, Serviço<br />
Social, Ciências Sociais, História e Psicologia apresentaram poucas produções, se<br />
comparamos às primeiras.<br />
Esses resultados nos permitem afirmar que os estudos sobre a criminalida<strong>de</strong> feminina,<br />
ou sobre temáticas afins<br />
relacionadas às pessoas e/ou às instituições envolvidas com esse<br />
fenômeno, são ainda muito restritos no campo da educação. Diante <strong>de</strong>ssa constatação,<br />
perguntamos: O que estaria por trás <strong>de</strong>sse tão ínfimo número <strong>de</strong> estudos sobre a<br />
criminalida<strong>de</strong>, ou temáticas afins, na área da Educação? Será que a criminalida<strong>de</strong> não tem<br />
sido encarada pelos estudiosos como um problema também educacional? Ou será que, por<br />
serem inúmeras as problemáticas que envolvem a Educação, esse tema ainda não recebeu a<br />
atenção merecida? Não temos as respostas para essas questões, mas foram elas que nos<br />
motivaram e continuam nos motivando a estudar essa complexa realida<strong>de</strong>, à luz das<br />
teorizações sobre os processos <strong>de</strong> aprendizagem por meio dos quais as pessoas constroem as<br />
suas <strong>biografias</strong>. Foi por isso que realizamos esse levantamento.<br />
A maioria dos trabalhos encontrados sobre o tema, na área da Educação, apresentou<br />
reflexões sobre os significados das ações educativas <strong>de</strong>ntro dos presídios femininos. Pelo que<br />
se percebeu, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>sses estudos foi <strong>de</strong> discutir tanto as implicações <strong>de</strong> tais ações na vida<br />
das <strong>encarceradas</strong> no contexto da prisão quanto as possibilida<strong>de</strong>s que elas oferecem, ou<br />
<strong>de</strong>veriam oferecer, para a sua reintegração na socieda<strong>de</strong>.<br />
Em apenas um trabalho, intitulado: Mulheres <strong>de</strong>linquentes: uma longa caminhada até<br />
a casa da rosa , da autora Montano (2000), vimos a preocupação <strong>de</strong> se investigar a trajetória<br />
da vida <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> em situação <strong>de</strong> privação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, em especial, as escolares. A i<strong>de</strong>ia<br />
da pesquisa, segundo a autora, foi analisar o significado da escola na vida das presas-alunas<br />
<strong>de</strong> uma penitenciária feminina da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Porto Alegre<br />
RS. Tanto a entrevista quanto a<br />
observação dos contextos sócio-ocupacionais, familiares e educacionais das <strong>de</strong>tentas, quando<br />
crianças e adolescentes, foram instrumentos <strong>de</strong> pesquisa que a autora utilizou para alcançar os<br />
seus objetivos, entre os quais, o <strong>de</strong> [...] <strong>de</strong>scortinar a trajetória da carreira <strong>de</strong>sviante <strong>de</strong>ssas<br />
<strong>mulheres</strong> (MONTANO, 2000).
Ainda que a preocupação central <strong>de</strong>ste trabalho tenha sido a investigação das<br />
trajetórias escolares e <strong>de</strong> suas significações para a carreira <strong>de</strong>sviante das prisioneiras,<br />
percebemos aproximações entre os seus objetivos e os nossos, tendo em vista o interesse<br />
apresentado, embora indiretamente, pelas <strong>biografias</strong> <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong> e pelos sentidos que<br />
<strong>de</strong>ram a elas por intermédio dos processos escolares.<br />
Concluído esse levantamento, <strong>de</strong>mos início aos outros procedimentos metodológicos<br />
da investigação, mediados por tais reflexões bibliográficas.<br />
1.3 A OPÇÃO PELO MÉTODO BIOGRÁFICO: RAZÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS<br />
Esta pesquisa seguiu orientações metodológicas da investigação qualitativa da<br />
formação 11 , explorando os processos <strong>de</strong> aprendizagem biográfica das pessoas envolvidas no<br />
estudo em todas as ida<strong>de</strong>s e em todos os âmbitos <strong>de</strong> socialização, institucionalizados ou não.<br />
A perspectiva teórico-metodológica da investigação qualitativa da formação, <strong>de</strong><br />
acordo com Alheit e Dausien (2007), é a da reconstrução dos processos <strong>de</strong> formação<br />
(aprendizagem) em três níveis: micro, meso e macro. No primeiro nível, o foco <strong>de</strong> interesse<br />
são os processos <strong>de</strong> formação e\ou <strong>aprendizagens</strong> individuais (nesse caso, são investigadas as<br />
<strong>aprendizagens</strong> que as pessoas adquirem individualmente, nos seus processos <strong>de</strong> vida, sob as<br />
condições <strong>de</strong> uma nova mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>); no segundo, o interesse se volta para a reconstrução<br />
<strong>de</strong>sses mesmos processos nos grupos i<strong>de</strong>ntitários, nos seus mundos <strong>de</strong> vida e comunida<strong>de</strong>s; no<br />
terceiro, o objeto <strong>de</strong> investigação são os processos <strong>de</strong> formação e\ou aprendizagem<br />
<strong>de</strong>senvolvidos nas unida<strong>de</strong>s sociais maiores, como por exemplo, as instituições escolares<br />
(DINIZ, 2007, apud, ALHEIT E DAUSIEN, 2007).<br />
De modo específico, nas ciências da educação, esse tipo <strong>de</strong> investigação<br />
[...], toma en consi<strong>de</strong>ración conceptos <strong>de</strong> enseñanza y aprendizaje más<br />
complejos los <strong>de</strong>stinos <strong>de</strong> aprendizaje y formación concretos, individuales,<br />
<strong>de</strong> las personas investigadas, que sólo en el contexto <strong>de</strong> sus vidas (es <strong>de</strong>cir,<br />
su biografía y sus entornos) tienen un sentido para ellas (más allá <strong>de</strong> la<br />
conexión estadística) (MAROTZKI & ALHEIT, 2002, apud, HERNÀNDEZ,<br />
2007, p.29-30).<br />
11 La investigación cualitativa <strong>de</strong> la formación es un ámbito parcial <strong>de</strong> la disciplina empírica <strong>de</strong> la investigación<br />
<strong>de</strong> la formación. Su ámbito objetual compreen<strong>de</strong> un abanico <strong>de</strong> orientaciones diferentes (ALHEIT & DAUISIEN,<br />
2007, p.27).
Não se trata <strong>de</strong> uma investigação educativa, tal como fora compreendida e executada<br />
em seus inícios, nos anos 1950 e 1960 12 , mas <strong>de</strong> uma investigação cujo objeto <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong>ixa<br />
<strong>de</strong> ser os rendimentos da aprendizagem das pessoas ou os balanços da formação, <strong>de</strong> maneira<br />
estatística, e passam a ser<br />
[...], los procesos <strong>de</strong> crecimiento <strong>de</strong> cada nueva generación, los procesos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> la personalidad, <strong>de</strong> superación <strong>de</strong> la vida, las biografías <strong>de</strong> los<br />
jóvenes y las jóvenes en sus respectivos médios escolares y vitales (FEND,<br />
1990, p. 705, apud, ALHEIT e DAUSIEN, 2007, p.28).<br />
Consi<strong>de</strong>rando o problema específico <strong>de</strong>sta pesquisa (suas perguntas norteadoras) e os<br />
seus objetivos, adotamos um plano metodológico ligado às finalida<strong>de</strong>s da investigação<br />
qualitativa da formação nos três níveis (micro, meso e macro), ainda que com uma maior<br />
atenção para o nível micro, que correspon<strong>de</strong> à investigação biográfica.<br />
As orientações advindas <strong>de</strong>sse âmbito, sugeridas por Garz & Blömer (2002), apud,<br />
Alheit e Dausien (2007), bem como as extraídas da literatura sobre os métodos e as técnicas<br />
<strong>de</strong> investigação no âmbito das ciências sociais (RÙBIO & VARAS, 1997) e <strong>de</strong> um estudo<br />
específico que adotou a perspectiva biográfica no seu planejamento metodológico<br />
(CARDENAL DE NUEZ, 2006) nos ajudaram a reconhecer o método biográfico como o mais<br />
favorável a esta pesquisa.<br />
Rúbio & Varas (1997) nos ajudaram a compreen<strong>de</strong>r que a aplicação das técnicas do<br />
método biográfico nas ciências sociais, apesar <strong>de</strong> ser bem vista nos dias <strong>de</strong> hoje,<br />
(principalmente em estudos sobre a criminalida<strong>de</strong>), nem sempre foi bem aceita. Esses autores<br />
enfatizaram que, embora esse método tenha sido utilizado amplamente nas décadas <strong>de</strong> 1920 e<br />
1930 pelos sociólogos da Escola <strong>de</strong> Chicago, começou a receber críticas nas décadas<br />
subseqüentes, em razão das <strong>de</strong>sconfianças das análises da realida<strong>de</strong> social produzidas através<br />
<strong>de</strong> sua aplicação durante esse período. Para os seus principais críticos, essas análises<br />
colocavam em risco a cientificida<strong>de</strong> das pesquisas, uma vez que se ancoravam muito mais na<br />
compreensão dos sujeitos sobre essas realida<strong>de</strong>s (ou seja, no senso comum) do que no que se<br />
observava objetivamente.<br />
Marcadamente entre as décadas <strong>de</strong> 1940 e 1950, viveu-se um período <strong>de</strong> crise <strong>de</strong><br />
reconhecimento <strong>de</strong> tal método nas análises dos fenômenos sociais. Ainda <strong>de</strong> acordo com<br />
12 Seu início esteve marcado pelo paradigma quantitativo, que se concentrava em compreen<strong>de</strong>r os rendimentos<br />
da aprendizagem e os balanços <strong>de</strong> formação, e em <strong>de</strong>terminar estatisticamente sua conexão com fatores como a<br />
origem, o gênero, a ida<strong>de</strong> das pessoas em processo <strong>de</strong> aprendizagem, a qualida<strong>de</strong>, o tamanho e a pertinência<br />
regional das instituições <strong>de</strong> formação (ALHEIT & DAUISIEN, 2007).
Rúbio e Varas (1997), a sua aceitação só passou a ocorrer novamente por volta da década <strong>de</strong><br />
1960, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> amplos <strong>de</strong>bates em prol do reconhecimento do seu estatuto científico,<br />
enquanto método autônomo <strong>de</strong> investigação. É aí, exatamente, que passam a ressurgir as<br />
investigações que o utilizam na busca pela compreensão dos processos <strong>de</strong> construção e<br />
reestruturação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s (tanto individuais quanto <strong>de</strong> grupo, <strong>de</strong> gênero, <strong>de</strong> classe etc.),<br />
em um <strong>de</strong>terminado contexto social, ou seja, aquilo que buscamos ao investigar as <strong>biografias</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong> das <strong>mulheres</strong> que compuseram o público-alvo <strong>de</strong>sta pesquisa.<br />
Para os estudiosos das correntes teórico metodológicas fenomenológicas,<br />
interacionistas e etnometodológicas, Os fenómenos sociais objectivos <strong>de</strong>vem ser vistos à luz<br />
da subjectivida<strong>de</strong> dos actores sociais: quer no que se refere às atitu<strong>de</strong>s, aos <strong>de</strong>sejos, ou às<br />
<strong>de</strong>finições <strong>de</strong> situação (PAIS, 2003, p.98). Eles <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que o cruzamento entre o subjetivo<br />
e o objetivo é uma das ativida<strong>de</strong>s metodológicas que mais contribuem para uma averiguação<br />
imediata da realida<strong>de</strong> dos fenômenos sociais.<br />
Ferrarotti (1988), por exemplo, alega que, ao dar oportunida<strong>de</strong> aos sujeitos <strong>de</strong><br />
contarem suas próprias histórias <strong>de</strong> vida e <strong>aprendizagens</strong> e os colocarem como os principais<br />
intérpretes <strong>de</strong> suas próprias ações sociais, favorece-se o transparecer <strong>de</strong> <strong>biografias</strong> como<br />
síntese <strong>de</strong> uma história social e, paralelamente, <strong>de</strong> histórias sociais como sínteses dos<br />
comportamentos e/ou atos individuais. Isso ocorre, segundo Pais (2003, p.151), em um<br />
movimento <strong>de</strong> vaivém que vai da biografia ao sistema social e <strong>de</strong>ste à biografia.<br />
Eis aí, portanto, alguns dos motivos que levaram Car<strong>de</strong>nal <strong>de</strong> La Nuez (2006) a<br />
também optar por esse método, em sua pesquisa sobre as transições juvenis para a fase adulta.<br />
A referida autora, ainda que não seja uma estudiosa dos métodos e técnicas <strong>de</strong> investigação da<br />
realida<strong>de</strong> social, contribuiu com a nossa pesquisa, oferecendo maior clareza sobre o processo<br />
<strong>de</strong> aplicação prática do método biográfico em investigações como a nossa.<br />
Em seu livro, El paso a la vida adulta: dilemas y estratégias ante el empleo<br />
flexible , ela apresenta uma discussão sobre o método qualitativo (no qual se firma o<br />
biográfico) em oposição ao quantitativo (positivista). Na sua concepção, este último, quando<br />
aplicado sozinho, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra os aspectos da subjetivida<strong>de</strong> humana, <strong>de</strong>ixando em um<br />
segundo plano [...] la compreensión <strong>de</strong>l sentido y significado <strong>de</strong> las prácticas sociales dos<br />
sujeitos (CARDENAL DE LA NUEZ, 2006, p.121). Em contrapartida, o método biográfico -<br />
que se origina <strong>de</strong> uma perspectiva qualitativa e é baseado na experiência humana - possibilita<br />
o entrevistado relatar suas histórias e serem os próprios protagonistas da investigação<br />
(RÚBIO E VARAS, 1997).
Dessa reflexão sobre a capacida<strong>de</strong> dos sujeitos <strong>de</strong> interpretarem suas realida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong><br />
construírem suas próprias racionalida<strong>de</strong>s práticas para orientar as suas <strong>de</strong>cisões na socieda<strong>de</strong>,<br />
foi que Car<strong>de</strong>nal <strong>de</strong> La Nuez (2006) <strong>de</strong>cidiu optar por tal método. Em seu estudo empírico<br />
sobre as transições juvenis, ficou evi<strong>de</strong>nte a sua preocupação central <strong>de</strong> reconstruir os<br />
itinerários escolares e laborais <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> jovens (o público da sua investigação), para<br />
analisar a relação entre os dilemas que os afrontavam no processo <strong>de</strong> juventu<strong>de</strong> e as<br />
estratégias diferenciadas que utilizavam para resolvê-los.<br />
Com efeito, também o nosso objeto <strong>de</strong> investigação, relativo às <strong>aprendizagens</strong><br />
biográficas <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> prisioneiras, reclamou estratégias operativas ligadas ao que o tal<br />
método biográfico propõe no campo empírico, e as leituras realizadas sobre os seus<br />
fundamentos foram fundamentais para que compreendêssemos a sua importância, a<strong>de</strong>quação<br />
e pertinência em nossa pesquisa, tendo em vista as possibilida<strong>de</strong>s que oferece ao alcance dos<br />
seus objetivos. Pelo que vimos, a utilização <strong>de</strong>sse método requer a aplicação <strong>de</strong> uma técnica<br />
que corresponda à tría<strong>de</strong> em que ele se sustenta, ou seja, aos três eixos que Rúbio e Varas<br />
(1997, p.243) afirmam que se combinam entre si: o da subjetivida<strong>de</strong> humana, o da<br />
interpretação e o da relação dialética entre a ação e as condições sociais. Os referidos autores<br />
argumentam que é através da narração das histórias <strong>de</strong> vida que se torna possível a<br />
correspondência <strong>de</strong>ssa tría<strong>de</strong>, apreen<strong>de</strong>ndo seus aspectos <strong>de</strong> maneira correlacionada, na<br />
medida em que resgata as relações cotidianas dos sujeitos.<br />
A história <strong>de</strong> vida é, portanto, a ferramenta principal <strong>de</strong>ntro do método biográfico,<br />
uma vez que possibilita a i<strong>de</strong>ntificação social dos sujeitos investigados, traduzida, por<br />
exemplo, nas expressões <strong>de</strong> gênero.<br />
1.3.1 A história <strong>de</strong> vida como principal ferramenta para o <strong>de</strong>svelamento da realida<strong>de</strong><br />
investigada<br />
Conhecer a vida cotidiana dos sujeitos sociais, nos seus [...] aspectos mais rotineiros<br />
e teatralizados, fora <strong>de</strong> qualquer contexto institucional ou das estruturas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e <strong>de</strong><br />
autorida<strong>de</strong> (PAIS, 2003, p.93), foi uma das razões que impulsionaram o uso do método<br />
biográfico e, por consequência, da história <strong>de</strong> vida nas pesquisas das ciências sociais.<br />
Camargo (1984), já há algum tempo, <strong>de</strong>fendia o uso da história <strong>de</strong> vida em pesquisas<br />
científicas, argumentando que ela possibilita apreen<strong>de</strong>r a cultura do lado <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro ,<br />
colocando-se no ponto da intersecção das relações entre o que é exterior ao indivíduo (as<br />
circunstâncias do contexto, as estruturas) e aquilo que ele traz <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si (a subjetivida<strong>de</strong>),<br />
contribuindo significativamente para a análise e interpretação do problema.
Em nosso trabalho, as narrações das histórias <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>ram às <strong>mulheres</strong>, sujeitos da<br />
pesquisa, o direito <strong>de</strong> expressarem suas vivências, valores, ilusões, alegrias, tristezas etc,<br />
enfim, o que elas valorizam (e valorizavam) da vida <strong>de</strong>ntro e fora do cárcere, e as<br />
<strong>aprendizagens</strong> retiradas <strong>de</strong>ssas experiências. Permitiu, ainda, que compreendêssemos as<br />
interações que tiveram com outros sujeitos nas diversas fases <strong>de</strong> suas vidas e o<br />
reconhecimento das experiências que tiveram maior impacto em sua formação<br />
pessoal/profissional.<br />
É válido registrar que, na literatura biográfica, encontramos diferentes classificações<br />
para a história <strong>de</strong> vida, entre as quais, tivemos que optar por uma que mais se a<strong>de</strong>quasse ao<br />
nosso objeto <strong>de</strong> estudo. Essa tarefa não foi fácil, visto que quase todas as classificações<br />
pareciam favoráveis a tal objeto. No entanto, optamos pela história <strong>de</strong> vida completa 13 , tal<br />
como propõe Dausien (1996). Por meio <strong>de</strong>la, as pessoas investigadas [...] no presentan<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s fijas, sino las historias en las que han sido como son (ALHEIT & DAUSIEN,<br />
2007, p.30). Isso faz com que os processos biográficos sejam reconstruídos tanto com base<br />
nos acontecimentos da vida vivida quanto através das [...] remisiones a la vida no<br />
vivenciada, a las posibilida<strong>de</strong>s no realizadas o cerradas<br />
p.30).<br />
(ALHEIT & DAUSIEN, 2007,<br />
Assim, analisamos os acontecimentos da vida vivida das <strong>encarceradas</strong> e os não<br />
vividos, pois acreditamos que a apreensão do não vivido nas histórias <strong>de</strong> vida completa<br />
também podia nos oferecer possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> alcançar a\as resposta\as para alguns <strong>de</strong> nossos<br />
questionamentos, como por exemplo, aquele que se refere às implicações das <strong>aprendizagens</strong><br />
não obtidas, ou não vividas, no processo <strong>de</strong> construção das <strong>biografias</strong>. Isso nos ajudou a<br />
compreen<strong>de</strong>r melhor a relação entre a criminalida<strong>de</strong> e a biografia das investigadas.<br />
Ao longo do processo investigativo, o que procuramos rastrear nas histórias <strong>de</strong> vida<br />
das <strong>mulheres</strong> investigadas foram as <strong>aprendizagens</strong> que, nos percursos da vida, marcaram (pelo<br />
acesso ou pela negação) as suas <strong>biografias</strong> e os sentidos que lhes foram atribuídos. Por esse<br />
motivo é que compreen<strong>de</strong>mos que só a narração completa da história <strong>de</strong> vida daria conta <strong>de</strong><br />
tal rastreamento.<br />
Convém enfatizar que, quando Alheit e Dausien (2007) se referem à história <strong>de</strong> vida<br />
completa, não querem dizer que tudo que se passou na vida <strong>de</strong> uma pessoa tenha que ser<br />
narrado, isso seria impossível. Porém, a preocupação <strong>de</strong>sses autores é <strong>de</strong> que não se<br />
<strong>de</strong>terminem temas para a narração, pois isso prejudica a reconstrução das experiências dos<br />
13 La construcción <strong>de</strong> una historia <strong>de</strong> vida es, por otra parte, «más» que la suma <strong>de</strong> las «historias <strong>de</strong> interacción»<br />
singulares, como ha sido <strong>de</strong>sarrollado en las premisas teóricas <strong>de</strong> Dausien, 1996, parte 2, cap. 4 [p. 93-122].
sujeitos investigados. Nesse caso, <strong>de</strong>ve-se <strong>de</strong>ixar a escolha dos temas a encargo do narrador e,<br />
com base nessa narração inicial, tentar colher as informações relacionadas ao objeto que está<br />
sendo investigado.<br />
A flexibilida<strong>de</strong> da história <strong>de</strong> vida, como assinalam Rúbio e Varas (1997), permite um<br />
processo <strong>de</strong> reflexão constante acerca do que é relatado, indicando que é possível até mesmo<br />
mudar, se se consi<strong>de</strong>rar necessário, as estratégias utilizadas para a obtenção das informações<br />
<strong>de</strong>sejadas.<br />
Apresentamos, em seguida, os instrumentos <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados que fizeram parte<br />
<strong>de</strong>ssas estratégias e que correspon<strong>de</strong>ram, ao mesmo tempo, com a a<strong>de</strong>quação aos objetivos<br />
<strong>de</strong>sta pesquisa.<br />
1.3.2 Instrumentos <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados utilizados e o <strong>de</strong>senho da investigação<br />
As leituras sobre os métodos e as técnicas <strong>de</strong> investigação e da perspectiva teórico-<br />
metodológica da biograficidad nos fizeram enten<strong>de</strong>r que, para conhecer a totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />
experiência biográfica, no tempo e no espaço, é preciso consi<strong>de</strong>rar não apenas o sujeito, mas<br />
toda a estrutura social e os <strong>de</strong>mais sujeitos que entram em relação significativa com ele. É isso<br />
que alguns estudiosos enten<strong>de</strong>m ser o objetivo da história <strong>de</strong> vida numa pesquisa biográfica.<br />
Neste trabalho, alcançar esse objetivo representou um <strong>de</strong>safio, já que o público abarcado,<br />
ainda que estivesse atualmente inserido num mesmo contexto, apresentava características<br />
(individuais, culturais, sociais, geracionais, civis etc.) diversificadas, heterogêneas.<br />
Outrossim, compreen<strong>de</strong>mos que, ao <strong>de</strong>snudar, em cada história <strong>de</strong> vida particular, as<br />
motivações e as finalida<strong>de</strong>s dos comportamentos sociais dos sujeitos investigados, suas<br />
formas <strong>de</strong> vida na cotidianida<strong>de</strong> e o caráter subjetivo dado a essas ações e maneiras <strong>de</strong> estar<br />
no mundo, favorecemos a compreensão dos papéis que <strong>de</strong>senvolvem na socieda<strong>de</strong><br />
contemporânea, enquanto atrizes e construtoras <strong>de</strong> suas <strong>biografias</strong>.<br />
Assim é que o conjunto das falas das <strong>encarceradas</strong>, adquiridas através do uso do nosso<br />
principal instrumento <strong>de</strong> pesquisa - a entrevista<br />
- representou o documento mais importante<br />
<strong>de</strong>ste trabalho para fundamentar nossas análises, ainda que outros instrumentos <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong><br />
dados também tenham contribuído com as nossas interpretações. Aliás, a <strong>de</strong>scrição sobre o<br />
uso <strong>de</strong>sses outros instrumentos e a exposição <strong>de</strong> alguns dados que coletamos através <strong>de</strong>les<br />
estão mais à frente apresentados.<br />
Antes, apresentamos as justificativas para a utilização da entrevista biográfica como<br />
nosso principal instrumento; as dificulda<strong>de</strong>s e estratégias utilizadas para aplicá-la no contexto
do presídio; a composição e os motivos da seleção da amostra; a caracterização da entrevista,<br />
consi<strong>de</strong>rando: o roteiro previamente elaborado, o equipamento utilizado para a gravação das<br />
narrações, o tempo <strong>de</strong> duração das entrevistas e as disposições das entrevistadas para<br />
narrarem suas histórias.<br />
A entrevista em profundida<strong>de</strong> (ou biográfica) foi o instrumento mais importante <strong>de</strong>sta<br />
pesquisa, porque melhor dava conta do objeto <strong>de</strong> investigação proposto. Através <strong>de</strong>la,<br />
procuramos [...] profundizar en las motivaciones personalizadas <strong>de</strong> un caso individual frente<br />
a cualquier problema social<br />
experiências dos sujeitos.<br />
(DINIZ, 2008, p.105) e proporcionar a reconstrução das<br />
Além da orientação da literatura da biograficidad, na qual Alheit (2007) recorre a<br />
Shutze (1995) para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r uma entrevista narrativa, caracterizada pela [...] ausencia <strong>de</strong><br />
cualquier intento <strong>de</strong> estructurar la conversación<br />
(DINIZ, 2007, p.105), outras literaturas<br />
sobre os métodos e as técnicas <strong>de</strong> investigação nos orientaram sobre a melhor forma <strong>de</strong><br />
utilizá-la. Rúbio e Varas (1997), por exemplo, ajudaram-nos a compreen<strong>de</strong>r que, para que<br />
uma entrevista biográfica (ou qualquer outra) obtenha êxito, é preciso que se cumpram<br />
algumas regras básicas, antes mesmo <strong>de</strong> se iniciarem as entrevistas, ou seja, do<br />
estabelecimento <strong>de</strong> uma relação empática com as investigadas, da geração <strong>de</strong> um clima <strong>de</strong><br />
confiança e da busca por um lugar tranquilo, on<strong>de</strong> o/a entrevistado/a se sinta cômodo.<br />
Em nosso trabalho, procuramos cumprir todas essas regras, ainda que o local da<br />
pesquisa (o presídio) não fosse o mais propício, uma vez que as prisões, por serem regidas por<br />
uma lógica <strong>de</strong> funcionamento burocrática e antidialógica, favorece a passivida<strong>de</strong> dos/as<br />
internos/as, diante do sistema, e estimula o estabelecimento <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconfiança tanto<br />
entre os dois grupos (encarcerados e sistema) quanto entre os/as próprios/as encarcerados/as.<br />
Nesse sentido, não foi fácil conseguir das nossas entrevistadas a empatia e a confiança<br />
necessárias para o êxito das entrevistas. Com o passar do tempo, à medida que nossas visitas<br />
àquele local foram se tornando mais frequentes e que os nossos interesses <strong>de</strong> investigação<br />
foram se esclarecendo, foi que tais objetivos - ligados ao cumprimento das regras para uma<br />
boa entrevista - pu<strong>de</strong>ram ser alcançados. E po<strong>de</strong>mos dizer que isso ocorreu <strong>de</strong> uma forma<br />
significativa, uma vez que, com algumas (mais especificamente, as que <strong>de</strong>senvolviam algum<br />
tipo <strong>de</strong> trabalho naquele local, com quem passávamos maior tempo durante as visitas) <strong>de</strong>las, a<br />
empatia e a confiança conquistadas favoreceram o estabelecimento <strong>de</strong> um clima <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong><br />
muito agradáveis, a ponto <strong>de</strong> fazer com que elas se sentissem à vonta<strong>de</strong> para conversar sobre<br />
diversos assuntos, até aqueles ligados à vida pessoal (família, namoros, casamentos etc.). Tais
conversas significaram para nós a revisão das nossas certezas sobre as formas <strong>de</strong> construção<br />
biográfica do gênero na contemporaneida<strong>de</strong>.<br />
Há que se registrar também, que, <strong>de</strong>ntro do presídio (lugar on<strong>de</strong> os sujeitos da<br />
pesquisa se localizam), <strong>de</strong>vido à complexida<strong>de</strong> e aos problemas que diariamente os envolvem,<br />
não nos ofereceram um lugar tranquilo para que entrevistássemos as <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong> um modo<br />
cômodo para as investigadas. Aliás, não nos autorizaram a entrar no interior do presídio com<br />
aparelho <strong>de</strong> gravação ou qualquer outro objeto eletrônico. As gravações, por <strong>de</strong>terminação da<br />
direção, tiveram que ser feitas na parte externa, lugar on<strong>de</strong> se localizam os ambientes da<br />
cozinha para os funcionários, a sala da direção, a secretaria, a sala da <strong>de</strong>fensoria pública e a<br />
sala das/os assistentes sociais e dos/as psicólogos/as.<br />
A busca <strong>de</strong> estratégias para tentar minimizar essa dificulda<strong>de</strong> se tornava então<br />
necessária. A percepção da dinâmica cotidiana do presídio (dias e horários <strong>de</strong> maior<br />
movimento, como: dias <strong>de</strong> visitas íntimas e familiares, dias e horários <strong>de</strong> atendimentos dos<br />
profissionais às <strong>encarceradas</strong>, horários <strong>de</strong> banho <strong>de</strong> sol, horários <strong>de</strong> trancamento das<br />
prisioneiras, dias e horários das aulas, etc.) nos ajudou a resolver esse problema,<br />
direcionando-nos ao alcance do objetivo, no que se refere à realização das entrevistas. Por<br />
exemplo, marcamos as entrevistas com as selecionadas, somente nos dias e horários em que<br />
as salas dos/as advogados/as, psicólogos/as ou assistentes sociais não estavam reservadas para<br />
aten<strong>de</strong>r às <strong>encarceradas</strong>. Nesses dias, aproveitávamos as salas <strong>de</strong>sses profissionais para<br />
realizar o nosso intento (as entrevistas), cumprindo, ao menos parcialmente, aquelas regras.<br />
Com a ajuda <strong>de</strong>ssas e <strong>de</strong> outras estratégias, fomos, aos poucos, ganhando a empatia e a<br />
confiança das <strong>encarceradas</strong> para contarem as suas histórias. Antes da entrevista e durante sua<br />
realização, sabíamos que o nosso agir como pesquisadoras durante o diálogo com as <strong>mulheres</strong><br />
seria o diferencial na realização e no sucesso das mesmas. Estávamos conscientes <strong>de</strong> que, na<br />
história <strong>de</strong> vida, é o narrador quem <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> o que narrar, mesmo que se tenha antes esboçado<br />
um roteiro.<br />
Convém enfatizar que, <strong>de</strong>pois que conseguimos um lugar parcialmente tranquilo e<br />
propício para proce<strong>de</strong>r às entrevistas, foi mais fácil fazer valerem as narrações das<br />
<strong>encarceradas</strong>, principalmente a narração <strong>de</strong> pontos específicos <strong>de</strong> suas <strong>biografias</strong> que, para<br />
elas, tiveram maior significado.<br />
O relato sobre a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>sse momento, que envolveu: as disposições das<br />
<strong>encarceradas</strong> para narrarem suas histórias, as condições do contexto on<strong>de</strong> foram entrevistadas,<br />
o equipamento utilizado para a gravação das entrevistas e o seu tempo <strong>de</strong> duração, bem como<br />
sobre o guia/roteiro que conduziu as narrativas (ainda que sem interferir na liberda<strong>de</strong> das
narradoras), encontra-se posteriormente <strong>de</strong>scrito neste trabalho. Anterior a essa narração,<br />
apresentamos o <strong>de</strong>senho da amostra da pesquisa e as variáveis que motivaram tais <strong>de</strong>cisões<br />
amostrais.<br />
1.3.3 Composição da amostra<br />
Para compor a amostra, um longo caminho foi percorrido. As cinco <strong>encarceradas</strong> que<br />
escolhemos para entrevistar só foram selecionadas após o levantamento e a análise do perfil<br />
<strong>de</strong> todas as que se encontravam registradas nos prontuários existentes no presídio e da<br />
reflexão dos dados <strong>de</strong> outro levantamento realizado diretamente com as <strong>encarceradas</strong> (quando<br />
nos momentos das visitas às selas) durante a aplicação <strong>de</strong> um questionário sobre informações<br />
também relacionadas aos seus perfis.<br />
Esse primeiro levantamento nos direcionou para o segundo, já que apresentava lacunas<br />
em algumas informações, as quais só podiam ser preenchidas através do contato direto com as<br />
principais informantes: as próprias <strong>encarceradas</strong>. Mesmo assim, aproveitamos as informações<br />
coletadas no primeiro levantamento para proce<strong>de</strong>r a uma breve análise. Os dados do segundo<br />
levantamento serviram para oferecer visibilida<strong>de</strong>, através <strong>de</strong> gráficos e tabelas, ao perfil<br />
etário, social e <strong>de</strong>lituoso <strong>de</strong> 22,7% das <strong>encarceradas</strong> do Instituto <strong>de</strong> Recuperação Feminina<br />
Júlia Maranhão <strong>de</strong> João Pessoa - PB.<br />
Tanto a análise do primeiro levantamento quanto a exibição dos gráficos e das tabelas<br />
com comentários sobre o perfil <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong>, resultantes do segundo levantamento, estão<br />
registrados mais à frente. Por enquanto, importa-nos reforçar que só selecionamos as<br />
<strong>encarceradas</strong> que seriam entrevistadas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> refletir sobre os dados dos dois<br />
levantamentos. Na verda<strong>de</strong>, só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> vislumbrarmos o perfil das <strong>encarceradas</strong><br />
empiricamente, através do segundo levantamento - que contabilizou uma amostragem <strong>de</strong> 48<br />
<strong>encarceradas</strong>, foi que <strong>de</strong>finimos uma nova amostragem, com um total <strong>de</strong> 05 <strong>mulheres</strong> para<br />
participarem das entrevistas biográficas, e cuja seleção obe<strong>de</strong>ceu a critérios segundo a ida<strong>de</strong>, a<br />
escolarida<strong>de</strong>, a naturalida<strong>de</strong>/o contexto <strong>de</strong> vida, as experiências <strong>de</strong> trabalho anteriores à prisão<br />
e <strong>de</strong>lito cometido.<br />
O quadro abaixo retrata a organização <strong>de</strong>ssa seleção. Salientamos que, para preservar<br />
as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s das entrevistadas, optamos por substituir os seus nomes reais por pseudônimos,<br />
escolhidos entre as <strong>mulheres</strong> narradas na bíblia. Estamos consi<strong>de</strong>rando jovens as <strong>mulheres</strong><br />
que têm ida<strong>de</strong> entre 18 e 29 anos, e adultas, as com 30 ou mais anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.
PERFIL ETÁRIO, SOCIAL E DELITUOSO DAS ENCARCERADAS ENTREVISTADAS<br />
ENTREVI<br />
STADA<br />
IDA<br />
DE<br />
Diná 18<br />
Isabel<br />
Judite<br />
Madalena<br />
Lia<br />
ESCOLARI<br />
DADE<br />
Ensino<br />
Fundamenta<br />
l Incompleto<br />
(5ª série)<br />
21 Ensino<br />
Fundamenta<br />
l Completo<br />
32 Ensino<br />
Fundamenta<br />
l Incompleto<br />
(7ª série)<br />
40<br />
Nunca<br />
estudou<br />
(Analfabeta)<br />
47 Ensino<br />
Médio<br />
Incompleto<br />
(2º anos)<br />
NATURALIDADE/<br />
CONTEXTO DE<br />
VIDA<br />
EXPERIÊNCIA DE<br />
TRABALHO<br />
ANTERIOR À<br />
PRISÃO<br />
Bayeux PB Empregada doméstica<br />
João Pessoa PB<br />
Cuité PB<br />
João Pessoa PB<br />
Montes Claros<br />
MG<br />
Sem experiência <strong>de</strong><br />
trabalho (Estudante)<br />
Empregada doméstica<br />
e ven<strong>de</strong>dora <strong>de</strong><br />
cosméticos (AVON)<br />
e lingerie<br />
(DEMILUS)<br />
Dançarina e<br />
garçonete <strong>de</strong> Bar /<br />
Pousada<br />
Cozinheira;<br />
supervisora <strong>de</strong><br />
empresa terceirizada<br />
DELITO<br />
QUE<br />
MOTIVOU<br />
A PRISÃO<br />
Roubo<br />
(assalto a<br />
mão armada)<br />
Roubo<br />
(assalto a<br />
mão<br />
armada),<br />
estelionato e<br />
tráfico <strong>de</strong><br />
drogas<br />
Homicídio<br />
Furto<br />
Tráfico <strong>de</strong><br />
drogas<br />
Observe-se, nessa amostragem, que há pontos distintos entre as jovens e as adultas e<br />
que, até mesmo no grupo <strong>de</strong> mesma faixa etária, i<strong>de</strong>ntificam-se distinções em relação às<br />
<strong>de</strong>mais variáveis selecionadas. Isso foi importante para a nossa pesquisa, porque permitiu a<br />
análise dos processos <strong>de</strong> vida individuais, responsáveis, junto com as subjetivida<strong>de</strong>s, pela<br />
construção das <strong>biografias</strong>.<br />
Apresentamos, nessa perspectiva, os motivos pelos quais selecionamos essas variáveis,<br />
que foram fundamentais para <strong>de</strong>limitar a amostra da pesquisa:
a) Em relação à ida<strong>de</strong><br />
Aqui o nosso interesse foi compreen<strong>de</strong>r os <strong>de</strong>safios que a<br />
segunda fase da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> impôs às <strong>mulheres</strong>, em cada fase da vida, e, através<br />
<strong>de</strong>ssa compreensão, conhecer o modo como elas, <strong>de</strong> diferentes faixas etárias (duas<br />
jovens e três adultas) e com diferentes experiências, apropriaram-se das <strong>aprendizagens</strong><br />
que a vida cotidiana lhes proporcionou, e o significado que lhes <strong>de</strong>ram. Estamos<br />
compreen<strong>de</strong>ndo que os <strong>de</strong>safios apresentados às pessoas jovens e adultas, neste mundo<br />
globalizado, não são os mesmos.<br />
b) Em relação à escolarida<strong>de</strong><br />
Como pu<strong>de</strong>mos ver, a amostra nos dois grupos <strong>de</strong><br />
<strong>mulheres</strong> foi composta por jovens e adultas com distintos níveis <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong>. As<br />
posições <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong> em relação ao processo educativo são, assim, diversas.<br />
Devido a isso, a nossa intenção foi compreen<strong>de</strong>r as implicações dos processos<br />
educativos e\ou <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong> nas construções biográficas das <strong>mulheres</strong> que<br />
compõem a amostra <strong>de</strong>sta pesquisa. O principal questionamento diante da reflexão<br />
sobre esse dado é: A baixa ou pouca escolarida<strong>de</strong>, como muito se discute nos meios<br />
acadêmicos, é, <strong>de</strong> fato, o principal motivo que leva as pessoas à marginalida<strong>de</strong> e,<br />
consequentemente, à criminalida<strong>de</strong>? Em que medida isso po<strong>de</strong> ser verda<strong>de</strong> ou meia<br />
verda<strong>de</strong>? A análise <strong>de</strong>ssa variável nas <strong>biografias</strong> <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong> foi fundamental para<br />
respon<strong>de</strong>rmos a essa questão.<br />
c) Em relação à naturalida<strong>de</strong><br />
Optamos por conhecer/analisar a naturalida<strong>de</strong> das<br />
investigadas porque enten<strong>de</strong>mos que o contexto <strong>de</strong> nascimento e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
da vida das pessoas, por terem características físicas, culturais, sociais e econômicas<br />
específicas, favorece os mais diferentes direcionamentos biográficos. Não nos<br />
lembramos, no entanto, <strong>de</strong> que, nem sempre, o contexto <strong>de</strong> nascimento das pessoas<br />
refere-se àqueles em que elas constroem as suas <strong>biografias</strong>. No caso <strong>de</strong>ste trabalho,<br />
apenas duas <strong>mulheres</strong> entrevistadas <strong>de</strong>ram continuida<strong>de</strong> à construção <strong>de</strong> suas<br />
<strong>biografias</strong> no contexto <strong>de</strong> nascimento. De qualquer forma, esse dado serviu para<br />
percebermos a existência <strong>de</strong> outras características/variáveis no processo <strong>de</strong> construção<br />
biográfica das <strong>encarceradas</strong>, como por exemplo: as <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>s, as rupturas (ou<br />
rompimentos biográficos), o regresso etc.
d) Em relação às experiências <strong>de</strong> trabalho<br />
Através <strong>de</strong>sse aspecto, buscamos<br />
subsídios sobre a contribuição e as implicações do trabalho (mesmo os <strong>de</strong> baixa<br />
valorização social) e/ou do <strong>de</strong>semprego nas construções das <strong>biografias</strong> das<br />
<strong>encarceradas</strong> e, consequentemente, nas suas <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>lituosas.<br />
e) Em relação ao <strong>de</strong>lito que motivou a prisão<br />
Esta última variável importou ao nosso<br />
estudo, <strong>de</strong>vido às associações que po<strong>de</strong>m ser feitas com as <strong>de</strong>mais variáveis, que<br />
<strong>de</strong>marcam o perfil subjetivo (etário) e social (escolarida<strong>de</strong>, naturalida<strong>de</strong>, experiência<br />
<strong>de</strong> trabalho) das investigadas.<br />
Apresentada a nossa amostra e explicitados os motivos que levaram à escolha <strong>de</strong><br />
algumas variáveis para a sua seleção, apresentamos, tal como anunciamos anteriormente, a<br />
caracterização do momento da entrevista (a disposição das entrevistadas para narrarem as suas<br />
vidas, a forma <strong>de</strong> gravar as narrações, o tempo <strong>de</strong> duração, o modo <strong>de</strong> transcrevê-las e o<br />
conteúdo do seu roteiro).<br />
Devido à disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tempo das <strong>encarceradas</strong> e, até mesmo, da vonta<strong>de</strong> que a<br />
maior parte <strong>de</strong>las expressava em narrar suas histórias 14 , foi preciso rever a proposta que<br />
tínhamos anteriormente <strong>de</strong> realizar a mesma entrevista em dias alternados. Como dispunham<br />
<strong>de</strong> tempo suficiente e achavam que a interrupção da entrevista para outro dia po<strong>de</strong>ria<br />
interromper também as suas lembranças ( per<strong>de</strong>r o ritmo dos acontecimentos vividos , como<br />
assim disseram), <strong>de</strong>cidimos, em comum acordo, que as narrações, quando iniciadas, fossem<br />
concluídas no mesmo dia, ainda que durante essas narrações déssemos intervalos para tomar<br />
água, ir ao banheiro, almoçar ou outra coisa parecida.<br />
Assim, o tempo <strong>de</strong> duração das entrevistas variou <strong>de</strong> 1hora e 30 minutos, no seu tempo<br />
mínimo, a 3 horas, no seu tempo máximo. Esse tempo variava, não em função das histórias,<br />
por serem mais ou menos ricas <strong>de</strong> experiências que outras, mas por causa da forma como<br />
eram narradas ou do que as entrevistadas consi<strong>de</strong>ravam mais importante narrar. Em quase<br />
todos os casos, ainda que incentivássemos a narração da vida por faixa <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> (infância,<br />
adolescência, juventu<strong>de</strong> e fase adulta, quando houvesse), o que elas mais <strong>de</strong>monstravam<br />
interesse em narrar era o período e as experiências <strong>de</strong> envolvimento com o mundo do crime.<br />
Mesmo quando falavam <strong>de</strong> suas infâncias, procuravam maneiras <strong>de</strong> associar essa fase da vida<br />
com esse mundo, no qual se envolveram na fase posterior.<br />
14 Com exceção <strong>de</strong> apenas uma encarcerada entrevistada que, por estar <strong>de</strong>sanimada com a <strong>de</strong>mora da conquista<br />
<strong>de</strong> sua liberda<strong>de</strong> provisória (entrada no Regime Semi-aberto), não parecia motivada a falar sobre a sua vida.
Isso já nos indicava o sentido individual conferido à temporalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas <strong>biografias</strong>.<br />
Para Alheit e Dausien (2007),<br />
La temporalidad biográfica obe<strong>de</strong>ce a una lógica individual que vincula el<br />
pasado, el presente y el futuro, frecuentemente pasando por encima <strong>de</strong> las<br />
periodizaciones institucionales y los enclaustramientos sociales entre los<br />
dominios <strong>de</strong> vida.<br />
O sentido <strong>de</strong>ssa temporalida<strong>de</strong>, apresentado pelas entrevistadas no momento das<br />
narrações e a reflexivida<strong>de</strong> proporcionada possibilitaram às <strong>encarceradas</strong> a percepção dos<br />
acontecimentos <strong>de</strong> suas vidas nos tempos/períodos consi<strong>de</strong>rados mais marcantes e mais<br />
representativos da construção <strong>de</strong> suas <strong>biografias</strong>. Por isso que, para algumas <strong>de</strong>las, a narração<br />
da infância não fora tão expressiva, como a <strong>de</strong> outra fase da vida, como por exemplo, a<br />
adolescência e a juventu<strong>de</strong>.<br />
Assim, po<strong>de</strong>mos afirmar que as narrativas das <strong>encarceradas</strong> permitiram que, aos<br />
poucos, i<strong>de</strong>ntificássemos as diferenças individuais <strong>de</strong> cada uma e a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
perspectivas que se lhes apresentavam os seus contextos <strong>de</strong> vida.<br />
Todas as narrativas foram gravadas em um aparelho <strong>de</strong> MP4 e, <strong>de</strong>vido à boa qualida<strong>de</strong><br />
da gravação, facilitaram a fi<strong>de</strong>dignida<strong>de</strong> das transcrições, no que tange à escrita literal do que<br />
fora oralizado. Aliás, essas transcrições foram feitas observando-se, cuidadosamente, as<br />
pontuações necessárias à representação das emoções, dos sentimentos <strong>de</strong> indignação, receio,<br />
tristeza etc. expressos pelas entrevistadas.<br />
Ainda no período <strong>de</strong> recolhimento dos dados, quando visitávamos o presídio para<br />
realizar as entrevistas, um episódio interessante ocorreu, que nos parece interessante narrar.<br />
Uma das <strong>encarceradas</strong> selecionadas para a entrevista, cujo perfil social nos <strong>de</strong>spertou<br />
interesse, simplesmente se negou a fazê-lo no dia marcado. Não sabemos, precisamente, por<br />
quais razões, mas, quando falamos que a proposta era <strong>de</strong> que ela narrasse a sua vida e<br />
explicamos que ela não seria obrigada a isso, se não quisesse (como dissemos a todas), ela se<br />
levantou <strong>de</strong> on<strong>de</strong> estava e, sem explicar os motivos, negou-se a participar da entrevista,<br />
reivindicando, naquele mesmo momento, o retorno à sua casa (sua sela). Não sabemos ao<br />
certo, mas, talvez, fosse muito doloroso para ela falar <strong>de</strong> sua vida, razão pela qual recuou e<br />
silenciou. Isso foi o que presumimos. Esse episódio nos <strong>de</strong>spertou muita curiosida<strong>de</strong>.
Para as <strong>de</strong>mais <strong>encarceradas</strong> selecionadas para a entrevista, aquele momento significou<br />
uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serem ouvidas e, quem sabe, compreendidas nos seus atos e<br />
comportamentos <strong>de</strong>lituosos, como também um meio <strong>de</strong> ficarem livres <strong>de</strong> suas selas, nem que<br />
fosse por alguns instantes.<br />
Para além <strong>de</strong>sses significados, as narrativas também lhes <strong>de</strong>ram uma chance <strong>de</strong> refletir<br />
sobre suas histórias, do ponto <strong>de</strong> vista das ligações com os seus contextos <strong>de</strong> vida e com as<br />
suas características individuais e subjetivas. Tal reflexão fez <strong>de</strong>spertá-las para o interesse <strong>de</strong><br />
reelaborar suas <strong>biografias</strong>, ao saírem da prisão, exatamente o que pressupõe a biograficidad.<br />
1.3.4 O fio condutor das narrativas: o roteiro/guia das entrevistas<br />
Como se pô<strong>de</strong> observar, a fase <strong>de</strong> recolhimento dos dados, através das entrevistas,<br />
significou para nós e para as investigadas um momento rico <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobertas e <strong>de</strong><br />
oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> reflexão e <strong>aprendizagens</strong>.<br />
Essas possibilida<strong>de</strong>s talvez não fossem garantidas se não tivéssemos elaborado<br />
previamente um roteiro norteador (ANEXO 2) e recorrido a ele para garantir a viabilida<strong>de</strong> das<br />
narrações. Isso implica dizer que, embora tenhamos adotado a entrevista biográfica como<br />
nosso principal instrumento <strong>de</strong> pesquisa, a qual tem um caráter aberto e que permite ao<br />
narrador a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha dos temas da vida a serem narrados, foi necessário organizar<br />
um roteiro norteador que conduziu as narrativas para o alcance dos objetivos da investigação.<br />
A recorrência a esse roteiro também foi necessária, em alguns casos, para estimular as<br />
entrevistadas a explicitarem melhor suas experiências e as reflexões sobre elas.<br />
Nesse roteiro, foram consi<strong>de</strong>rados aspectos das <strong>biografias</strong> das <strong>encarceradas</strong><br />
relacionados às questões da pesquisa previamente <strong>de</strong>finidas, tais como: aspectos do contexto<br />
vivido nas diversas fases da vida (exemplos: a cida<strong>de</strong>, o bairro e a casa on<strong>de</strong> moravam antes<br />
do encarceramento, o ambiente escolar frequentado, o/os local/ais <strong>de</strong> trabalho, os locais <strong>de</strong><br />
divertimento, o presídio etc.); as experiências e <strong>aprendizagens</strong> adquiridas (ou não) nesses<br />
contextos, antes e <strong>de</strong>pois do encarceramento; os sentidos e a importância atribuídos pelas<br />
próprias entrevistadas a tais experiências e <strong>aprendizagens</strong>; as <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>s, os regressos e<br />
as mudanças no percurso biográfico; enfim, os aspectos ligados aos níveis micro, meso e<br />
macro 15 do processo <strong>de</strong> formação biográfica.<br />
15 De acordo com Alheit e Dausien (2007), no primeiro nível, são investigadas as <strong>aprendizagens</strong> que as pessoas<br />
adquirem individualmente nos seus processos <strong>de</strong> vida, sob as condições <strong>de</strong> uma nova mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>; no segundo<br />
nível, investiga-se a reconstrução <strong>de</strong>sses mesmos processos nos grupos i<strong>de</strong>ntitários, nos seus mundos <strong>de</strong> vida e
Ao abarcar esses aspectos nas entrevistas biográficas, nossa intenção foi a <strong>de</strong> captar, o<br />
mais possível, a relação existente (ou não) entre as <strong>aprendizagens</strong> biográficas <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong><br />
e as motivações que as conduziram ao mundo do crime.<br />
Vale lembrar que, durante a pesquisa <strong>de</strong> campo, antes <strong>de</strong> aplicarmos a entrevista<br />
biográfica, recolhemos e analisamos informações nos prontuários das <strong>encarceradas</strong>;<br />
realizamos observação assistemática (utilizada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro dia em que passamos a visitar<br />
o presídio, principalmente nos espaços educativos e/ou <strong>de</strong> trabalho ali existentes) e aplicamos<br />
o questionário (que serviu para confrontar e complementar as informações fornecidas nos<br />
prontuários, oferecendo uma visão mais ampla do perfil da mulher encarcerada <strong>de</strong> João<br />
Pessoa).<br />
As reflexões que se seguem dizem respeito à análise <strong>de</strong>sse perfil, com base nas<br />
informações obtidas por meio dos prontuários. Posteriormente, apresentaremos os resultados<br />
da aplicação dos <strong>de</strong>mais instrumentos <strong>de</strong>ssa investigação (a observação assistemática e o<br />
questionário).<br />
1.3.4.1 O perfil das <strong>encarceradas</strong> <strong>de</strong> João Pessoa segundo informações obtidas através<br />
dos seus prontuários: tecendo reflexões<br />
As informações sobre o perfil das <strong>encarceradas</strong> que aqui apresentamos e que serviram<br />
como ponto <strong>de</strong> partida para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ssa investigação provêm <strong>de</strong> um<br />
levantamento realizado para a elaboração <strong>de</strong> um diagnóstico sobre a situação educacional<br />
(escolarida<strong>de</strong> dos presidiários, quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> educadores etc.) dos principais presídios do<br />
Estado da Paraíba. Esse levantamento foi realizado no ano <strong>de</strong> 2006, por uma equipe <strong>de</strong><br />
pesquisadores da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Paraíba, coor<strong>de</strong>nada pela professora Emília<br />
Prestes 16 , que ficou responsável por organizar a coleta <strong>de</strong> dados nos presídios.<br />
A elaboração do diagnóstico, com base nesse levantamento, tratou-se da primeira ação<br />
do projeto: Educação para a Liberda<strong>de</strong> - o qual, organizado pelo Governo Fe<strong>de</strong>ral, em<br />
parceria com o Governo do Estado da Paraíba, por meio das Secretarias <strong>de</strong> Estado da<br />
Educação e Cultura e da Administração Penitenciária, pretendia fortalecer o processo<br />
educativo <strong>de</strong>senvolvido nas unida<strong>de</strong>s do sistema prisional paraibano.<br />
comunida<strong>de</strong>s; e no terceiro nível, os processos <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong> <strong>de</strong>senvolvidos nas unida<strong>de</strong>s sociais maiores,<br />
como por exemplo, as instituições escolares, o presídio etc.<br />
16 Professora do Programa <strong>de</strong> Pós-graduação em Educação da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Paraíba.
Por termos como sujeitos <strong>de</strong> nossa pesquisa as <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>, aproveitamos<br />
os dados daquele levantamento, especialmente os do presídio feminino, para dar início aos<br />
nossos procedimentos metodológicos no campo empírico. A ida<strong>de</strong>, a cor, o estado civil, a<br />
naturalida<strong>de</strong>, a ocupação anterior e a escolarida<strong>de</strong> das <strong>encarceradas</strong> foram os aspectos<br />
i<strong>de</strong>ntificados nesse levantamento. Ainda que limitadamente, esses dados permitiram traçar o<br />
perfil da mulher presidiária da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> João Pessoa.<br />
Quanto à faixa etária<br />
De 128 presidiárias que compuseram o levantamento indicado, cerca <strong>de</strong> 45% <strong>de</strong>las<br />
tinha entre 18 e 29 anos, seguindo-se das pertencentes às faixas entre 30 e 45 anos (31%).<br />
Somente cerca <strong>de</strong> 12% tinha entre 46 e mais <strong>de</strong> 60 anos. O fato <strong>de</strong> a maioria ser jovem<br />
<strong>de</strong>monstra uma relação com a ida<strong>de</strong> ativa da mulher, período em que se encontra em ativida<strong>de</strong><br />
social dinâmica. Ao mesmo tempo, é uma fase em que estão mais propensas a situações <strong>de</strong><br />
risco ligadas ao alcoolismo, a drogas, à violência etc.<br />
Ressalte-se que pensar a relação juventu<strong>de</strong> e criminalida<strong>de</strong> não é tarefa das mais<br />
difíceis, uma vez que, na contemporaneida<strong>de</strong>, os conflitos e a <strong>de</strong>sesperança vivenciados pelos<br />
jovens e, <strong>de</strong> modo especial, <strong>mulheres</strong>, são elementos propiciadores da sua condução para o<br />
mundo do crime.<br />
O documento da UNESCO (2000), por exemplo, elaborado na V CONFINTEA,<br />
apresenta um avanço nessa discussão. A V área temática, intitulada: EDUCACION E<br />
JOVENES: un reto permanente en nuevos <strong>de</strong>safios , reconheceu o jovem como um ator social<br />
que <strong>de</strong>ve ser reconhecido em suas particularida<strong>de</strong>s, necessida<strong>de</strong>s, diversida<strong>de</strong>s e realida<strong>de</strong>s<br />
próprias, diferente dos adultos. Também foram reconhecidos, no âmbito das discussões <strong>de</strong>ssa<br />
temática, os problemas que eles enfrentam (o fracasso escolar, a inserção no trabalho nas mais<br />
precárias condições, gravi<strong>de</strong>z in<strong>de</strong>sejada no período da adolescência, violência familiar etc;)<br />
na luta pelo ingresso à fase adulta e, consequentemente, à fase <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência econômica.<br />
Tais problemas, <strong>de</strong> acordo com os <strong>de</strong>batedores, resultam em baixa-estima e em conflitos<br />
interiores que po<strong>de</strong>m impulsionar condutas perigosas, algumas <strong>de</strong>las associadas à<br />
criminalida<strong>de</strong>.<br />
Quanto à raça\cor<br />
Outro dado coletado nos prontuários das <strong>encarceradas</strong> se referiu à cor. Observamos<br />
que a maioria (20,3%) dizia ser parda, 17,2%, preta e apenas 7%, branca. Não se percebem,
nesse aspecto, diferenças significativas entre as pardas e as negras, ao contrário das brancas,<br />
que tiveram o menor percentual. Isso revela que as <strong>mulheres</strong> negras (pardas e pretas), assim<br />
como as mais jovens, estão sobre-representadas no sistema carcerário feminino <strong>de</strong> João<br />
Pessoa. Essa constatação provavelmente tem relação com a discriminação racial e a violência,<br />
sofridas historicamente pelas <strong>mulheres</strong> negras. Geralmente, são elas as mais expostas à<br />
miséria, à pobreza, à violência, ao analfabetismo, à precarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> atendimento nos serviços<br />
assistenciais, educacionais e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />
Quanto ao estado civil<br />
No que tange ao estado civil, os dados revelaram que a maioria das <strong>mulheres</strong> (77, 3%)<br />
é solteira. As casadas, divorciadas e amigadas somaram, 22,7%. No entanto, é importante<br />
registrar que a análise <strong>de</strong>ssa informação merece cautela já que, segundo Félix (1996), o estado<br />
civil registrado em tais prontuários nem sempre é o verídico. Mesmo assim, a quantida<strong>de</strong><br />
majoritária <strong>de</strong> <strong>encarceradas</strong> solteiras nos possibilitou que fizéssemos os seguintes<br />
questionamnetos: Que tipo <strong>de</strong> crime é o mais cometido? Esse tipo <strong>de</strong> crime é numericamente<br />
equivalente ou varia entre as solteiras? Existem diferenças numéricas entre os tipos <strong>de</strong> crimes<br />
que elas cometem e os cometidos pelas casadas? Quem são (ou foram) as pessoas <strong>de</strong><br />
referência na vida <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong> (as solteiras)? Que experiências, positivas ou negativas,<br />
marcaram as suas vidas? Que sonhos não foram concretizados? Quais as <strong>aprendizagens</strong> que<br />
elas consi<strong>de</strong>ram significativas, mas não foram asseguradas?<br />
As repostas para essas perguntas talvez ajudassem a enten<strong>de</strong>r melhor os motivos pelos<br />
quais essas <strong>mulheres</strong> acabaram se envolvendo em práticas criminosas. Como hipótese,<br />
recorremos a Cavalcanti (2004, p.190), quando afirma que o perfil <strong>de</strong>las<br />
[...] é fruto <strong>de</strong> um cenário marcado pela violência (doméstica inclusive) e/ou<br />
<strong>de</strong> experiências conflituosas e <strong>de</strong> lares <strong>de</strong>sfeitos. Sem dúvida, esse é um fato<br />
que indica a saída precoce do convívio familiar para ganhar as ruas, on<strong>de</strong><br />
passará a lutar pela sobrevivência e a conviver com as condições impostas<br />
pela <strong>de</strong>sagregação social e dificulda<strong>de</strong>s econômicas. A configuração <strong>de</strong><br />
abandono do lar e o acesso às ruas acabam por possibilitar a <strong>de</strong>scoberta e o<br />
envolvimento com drogas ilícitas e a contração <strong>de</strong> doenças sexualmente<br />
transmissíveis [...].
Isso é o que, na V CONFITEA, Brusa (2000) chamou <strong>de</strong> socialização <strong>de</strong>ficitária ,<br />
que afeta não somente as solteiras ou os solteiros, mas a uma gama <strong>de</strong> sujeitos,<br />
majoritariamente jovens, das classes sociais menos abastadas. A educação, nesse sentido,<br />
[...] representa um papel importante ao cumprir uma função bastante reparadora <strong>de</strong> aspectos<br />
<strong>de</strong>ficitários, consequentes <strong>de</strong> uma socialização em condições pouco favoráveis (BRUSA,<br />
2000, p.206).<br />
Quanto à naturalida<strong>de</strong><br />
Vimos que a maioria das <strong>encarceradas</strong> (cerca <strong>de</strong> 52%) era natural <strong>de</strong> outros estados ou<br />
municípios, embora antes <strong>de</strong> serem presas residissem em João Pessoa, o que indica a presença<br />
do fenômeno da migração na trajetória <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong>.<br />
Para tentar compreen<strong>de</strong>r esse fenômeno, reportamo-nos a Guillen (2001), que enten<strong>de</strong><br />
a migração associada à conquista <strong>de</strong> um novo projeto <strong>de</strong> vida.<br />
Migrar é, em última instância, dizer não à situação em que se vive, é pegar o<br />
<strong>de</strong>stino com as próprias mãos, resgatar sonhos e esperanças <strong>de</strong> vida melhor<br />
ou mesmo diferente. [...]. Migrar po<strong>de</strong> ser entendido como estratégia não só<br />
para minimizar as penúrias do cotidiano, mas também para buscar um lugar<br />
social on<strong>de</strong> se possa driblar a exclusão pretendida pelas elites brasileiras<br />
através <strong>de</strong> seus projetos mo<strong>de</strong>rnizantes.<br />
(http://www.fundaj.gov.br/tpd/111.html).<br />
Ocorre que, nem sempre (ou quase nunca), a migração resulta em melhoria <strong>de</strong> vida<br />
para os migrantes. E apesar das expectativas serem muito positivas, os <strong>de</strong>safios enfrentados,<br />
ao se instalar em outra região ou localida<strong>de</strong>, acabam por se converterem em <strong>de</strong>silusão, pois o<br />
atual contexto <strong>de</strong> economia globalizada exige dos indivíduos competências voltadas para uma<br />
lógica <strong>de</strong> competitivida<strong>de</strong>, lucrativida<strong>de</strong> e rentabilida<strong>de</strong>, para a qual a maioria dos que migram<br />
não está apta, agravando-se, como isso, as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s e a exclusão social, o que resulta no<br />
aumento do <strong>de</strong>semprego e da miséria, da fome e da violência.<br />
Quanto à ocupação<br />
Quanto à ocupação, 45,3% <strong>de</strong>ssas pessoas estavam registradas como domésticas. As<br />
<strong>de</strong>mais (64,7%) tinham registros <strong>de</strong> trabalhos braçais, babá, faxineira, garçonete etc. ou eram<br />
apenas estudantes antes <strong>de</strong> serem presas. Esses dados nos fazem recordar a histórica
dificulda<strong>de</strong> que as <strong>mulheres</strong> têm para conseguir a<strong>de</strong>ntrar no mercado <strong>de</strong> trabalho formal por<br />
diversos motivos, que são associados à problemática da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero.<br />
Quanto à escolarida<strong>de</strong><br />
No que concerne à escolarida<strong>de</strong>, foi observado que apenas 15,6% eram analfabetas.<br />
Em compensação, cerca <strong>de</strong> 51,6% do total <strong>de</strong> <strong>encarceradas</strong> registradas não tinha sequer o<br />
ensino fundamental completo. Em seu conjunto, 5,5% tinham o Ensino Fundamental<br />
completo, 4,6%, o Ensino médio completo e/ou incompleto, e apenas 4,7% cursaram ou<br />
estavam cursando o Ensino Superior (0,8% incompleto e 3,9% completo). Constatamos que o<br />
nível <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> das presidiárias <strong>de</strong> João Pessoa era muito baixo.<br />
Os dados também revelaram que a maioria, embora tenha tido acesso à escola, e até<br />
chegado a frequentá-la por alguns anos, não permaneceu. Até aqui, a nossa hipótese é a <strong>de</strong><br />
que isso tenha a ver com as já conhecidas justificativas da evasão, especialmente quando se<br />
trata <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong>, <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> os pais não permitirem que elas frequentem a escola; às<br />
obrigações domésticas; ao tradicional medo dos pais <strong>de</strong> que as suas filhas se<br />
<strong>de</strong>sencaminhem ; à falta <strong>de</strong> condições financeiras para estudar (sem material didático, roupa,<br />
sandália, etc.); à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar para ajudar na renda familiar; entre outros motivos.<br />
Essa realida<strong>de</strong> nos remete às discussões sobre analfabetismo funcional, uma vez que<br />
a maioria não tinha completado sequer o ensino fundamental. Ressalte-se que o analfabetismo<br />
funcional é um conceito que vem sendo muito discutido entre os estudiosos no assunto, visto<br />
que uma pessoa é consi<strong>de</strong>rada analfabeta funcional se não tiver concluído, pelo menos, quatro<br />
anos <strong>de</strong> estudo 17 .<br />
Do exposto, po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar, resumidamente, que esse levantamento serviu como<br />
ponto <strong>de</strong> partida para a reflexão e o aprofundamento do objeto <strong>de</strong> investigação e do seu<br />
caminho teórico-metodológico. Também foi por meio <strong>de</strong>le que <strong>de</strong>spertamos o interesse por<br />
realizar um levantamento sobre o perfil das <strong>encarceradas</strong> <strong>de</strong> forma mais direta, com<br />
informações fornecidas por elas próprias. Isso resultou na aplicação <strong>de</strong> outro instrumento <strong>de</strong><br />
17 Os estudiosos no assunto, em sua maioria, discordam das pesquisas encomendadas pelo governo, como as do<br />
IBGE e do PNAD, as quais divulgam os números da ocorrência <strong>de</strong>sse fenômeno entre os brasileiros pelo critério<br />
<strong>de</strong> anos <strong>de</strong> escolarização. Para eles, ao se consi<strong>de</strong>rar esse critério, não se leva em consi<strong>de</strong>ração as possibilida<strong>de</strong>s<br />
e competências reais que os adultos adquirem nesse período para fazer uso da leitura e da escrita, frente às<br />
<strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> seu contexto social, usando essas habilida<strong>de</strong>s para continuar apren<strong>de</strong>ndo e se <strong>de</strong>senvolvendo ao<br />
longo da vida (SOARES, 1995).
pesquisa: o questionário, a respeito do qual falaremos, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> discorrer sobre o uso que<br />
fizemos da observação assistemática.<br />
1.3.4.2 Observação assistemática<br />
A literatura indica que esse tipo <strong>de</strong> observação se realiza sem uma prévia estruturação<br />
em relação ao que se quer observar (RUBIO e VARAS, 1997, p.407). Seu principal objetivo é<br />
oferecer pistas que possam reorientar o foco <strong>de</strong> atenção da investigação realizada, sem<br />
maiores preocupações em realizar análises das condutas dos grupos ou pessoas que fazem<br />
parte da pesquisa. No nosso trabalho, a aplicação <strong>de</strong>sse instrumento permitiu uma observação<br />
livre, que apreen<strong>de</strong>u múltiplos dados, sem que esses fossem necessariamente referentes ao<br />
objeto <strong>de</strong> estudo ou que fossem imprescindíveis para o seu <strong>de</strong>snudamento.<br />
Na primeira fase da pesquisa, esse instrumento foi fundamental para o levantamento<br />
<strong>de</strong> informações sobre as interações cotidianas das <strong>encarceradas</strong> através dos diferentes diálogos<br />
que naquele contexto do cárcere são estabelecidos. As visitas <strong>de</strong>sinteressadas que<br />
realizávamos naquele contexto (que somaram 10, antes da realização das entrevistas)<br />
indicaram uma tentativa nossa do cumprimento das regras básicas para a aplicação <strong>de</strong> boas<br />
entrevistas, já que a intenção <strong>de</strong> nos aproximarmos mais da realida<strong>de</strong> daquele contexto era<br />
para que ganhássemos maior familiarida<strong>de</strong> com as <strong>encarceradas</strong>.<br />
Essas visitas ocorreram em dias alternados, durante a semana, no horário da manhã,<br />
quando algumas <strong>de</strong>las estavam exercendo ativida<strong>de</strong>s educacionais e/ou <strong>de</strong> trabalho. Isso<br />
contribuiu para que conhecêssemos um pouco <strong>de</strong> suas dinâmicas cotidianas e que<br />
conquistássemos a empatia e a confiança necessárias para a obtenção <strong>de</strong> boas entrevistas.<br />
Os aspectos observados durante essas visitas foram registrados em um diário <strong>de</strong><br />
campo, e as informações anotadas serviram para orientar e/ou reorientar a pesquisa quando<br />
necessário.
1.3.4.3 A aplicação do questionário: antece<strong>de</strong>ntes, importância e resultados<br />
encontrados<br />
Antes <strong>de</strong> aplicar os questionários com uma amostragem específica <strong>de</strong> <strong>encarceradas</strong>,<br />
procuramos conhecer, através <strong>de</strong> fontes oficiais, dados mais recentes sobre o total da<br />
população feminina do <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Reeducação Feminina Júlia Maranhão 18 <strong>de</strong> João Pessoa.<br />
Dessa feita, encontramos alguns interessantes resultados. No site da Secretaria <strong>de</strong><br />
Estado da Cidadania e Administração Penitenciária da Paraíba, registra-se que, <strong>de</strong> toda a<br />
população carcerária do Estado da Paraíba, apenas 6% são <strong>mulheres</strong>. Esse número, embora<br />
seja pequeno, se comparado ao da população masculina, vem crescendo em proporções<br />
surpreen<strong>de</strong>ntes a cada ano. Em 2006, por exemplo, a porcentagem <strong>de</strong> <strong>encarceradas</strong> do Estado<br />
da Paraíba era <strong>de</strong> 4%, passou para 5%, em 2007, e em 2008, chegou a 6%.<br />
Ainda <strong>de</strong> acordo com as informações obtidas através <strong>de</strong>ste site, vimos que, até o mês<br />
<strong>de</strong> outubro do ano <strong>de</strong> 2008, existia, no presídio feminino <strong>de</strong> João Pessoa, um total <strong>de</strong> 211<br />
<strong>encarceradas</strong>. Dessas, 177 se encontravam em regime eechado e, nesse regime, 123<br />
esperavam julgamento (eram presas em regime provisório), e 54 haviam sido julgadas.<br />
Portanto, eram presas con<strong>de</strong>nadas. As <strong>de</strong>mais compunham o grupo das que se encontrava, nos<br />
regimes aberto (04) e semiaberto (30).<br />
Consi<strong>de</strong>rando essas informações oficiais e as disposições das <strong>encarceradas</strong> para<br />
respon<strong>de</strong>rem aos questionários, foi que reunimos uma amostra com 48 prisioneiras nesse<br />
levantamento. A composição <strong>de</strong>ssa amostra foi aleatória e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>u tanto do tempo <strong>de</strong> que<br />
dispúnhamos para aplicar os questionários quanto da disposição <strong>de</strong>las para respon<strong>de</strong>rem às<br />
questões propostas referentes a características <strong>de</strong> seus perfis.<br />
Registre-se que a aplicação <strong>de</strong>sse instrumento foi para nós muito importante,<br />
porquanto pu<strong>de</strong>mos nos aproximar mais daquelas <strong>mulheres</strong> e conhecer melhor suas realida<strong>de</strong>s<br />
antes e <strong>de</strong>pois do seu encarceramento. A aplicação do referido instrumento também foi<br />
importante porque serviu para acrescentarmos aos nossos registros as informações que não<br />
obtivemos através dos prontuários.<br />
A divulgação dos resultados encontrados sobre as <strong>encarceradas</strong>, através <strong>de</strong>sse<br />
instrumento <strong>de</strong> pesquisa, permitiu que visualizássemos o perfil <strong>de</strong> 22,7% do total em João<br />
Pessoa, cujas características sinalizaram a importância <strong>de</strong> se ampliarem os estudos nas<br />
18 Essa unida<strong>de</strong> prisional, talvez por motivos i<strong>de</strong>ológicos, mudou o nome recentemente para Instituto <strong>de</strong><br />
Recuperação Feminina Júlia Maranhão . Ela é consi<strong>de</strong>rada pela Secretaria da Administração Penitenciária uma<br />
das mais tranquilas e menos problemáticas <strong>de</strong> toda a gran<strong>de</strong> João Pessoa.
diversas áreas do conhecimento sobre essas realida<strong>de</strong>s e sobre esses sujeitos, na tentativa <strong>de</strong><br />
melhor compreendê-los.<br />
Com base nesses resultados, organizamos um quadro geral com todas as informações<br />
coletadas no questionário.<br />
Pela riqueza dos dados apresentados nesse quadro, foi possível garantir uma visão<br />
panorâmica do perfil <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong>. Desse quadro, selecionamos algumas informações<br />
voltadas aos nossos interesses <strong>de</strong> pesquisa e <strong>de</strong>senvolvemos sobre elas breves reflexões a<br />
partir da observação do que os dados apresentaram nos gráficos e nas tabelas. Foram os casos<br />
das informações sobre: a escolarida<strong>de</strong>, a ida<strong>de</strong>, o estado civil, o número <strong>de</strong> filhos por número<br />
<strong>de</strong> <strong>encarceradas</strong>, a ocupação anterior ao encarceramento, a naturalida<strong>de</strong> e o <strong>de</strong>lito que<br />
motivou a prisão. Nossa intenção, ao apresentar esses dados e proce<strong>de</strong>r a uma breve reflexão<br />
sobre eles foi a <strong>de</strong> subsidiar as interpretações e as análises das narrativas das <strong>encarceradas</strong>.<br />
Assim, os dados estatísticos apresentados a seguir retratam - como já assinalamos - o<br />
perfil etário, social e <strong>de</strong>lituoso <strong>de</strong> parte das <strong>encarceradas</strong> <strong>de</strong> João Pessoa. Numa análise<br />
sociológica mais rebuscada, o esboço <strong>de</strong>sse perfil, tal como fizemos, permitiria, senão<br />
respostas, fortes indícios sobre a especificida<strong>de</strong> da criminalida<strong>de</strong> e do encarceramento<br />
feminino.<br />
O gráfico e a tabela abaixo apresentam o resultado da primeira informação coletada<br />
durante a aplicação do questionário, ou seja, a escolarida<strong>de</strong>. Talvez por causa da nossa<br />
formação acadêmica e da nossa hipótese <strong>de</strong> pesquisa, essa foi a primeira informação que<br />
colhemos. Assim, obtivemos os seguintes resultados:<br />
Gráfico 1 Nível <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> das <strong>encarceradas</strong><br />
Ensino Superior<br />
Incompleto<br />
1<br />
Grau <strong>de</strong> Escolarida<strong>de</strong><br />
Ensino Médio<br />
Incompleto<br />
5<br />
Ensino Médio Completo<br />
3<br />
Nunca estudou<br />
(Analfabeta)<br />
1<br />
Ensino Fundamental (2º<br />
Segmento) Incompleto<br />
21<br />
Nunca estudou, mas<br />
sabe ler e escrever<br />
1<br />
Analfabeta<br />
1<br />
Ensino Fundamental (1º<br />
Segmento) Incompleto<br />
13<br />
Ensino Fundamental (2º<br />
Segmento) Completo<br />
2
Número <strong>de</strong> <strong>encarceradas</strong> por nível <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong><br />
Escolarida<strong>de</strong> nº %<br />
Analfabeta 1 2,08<br />
Ensino Fundamental (1º Segmento) incompleto 13 27,08<br />
Ensino Fundamental (2º Segmento) completo 2 4,17<br />
Ensino Fundamental (2º Segmento) incompleto 21 43,75<br />
Ensino Médio completo 3 6,25<br />
Ensino Médio incompleto 5 10,42<br />
Ensino Superior incompleto 1 2,08<br />
Nunca estudou (Analfabeta) 1 2,08<br />
Nunca estudou, mas sabe ler e escrever 1 2,08<br />
Total 48 100,00<br />
Através do gráfico e da tabela acima, observa-se que o maior percentual das<br />
<strong>encarceradas</strong> está para as que ainda não concluíram o 1º e o 2º segmentos do Ensino<br />
Fundamental (70,83%). Isso revela a dificulda<strong>de</strong> das <strong>mulheres</strong>, na socieda<strong>de</strong> contemporânea,<br />
<strong>de</strong> continuarem os seus estudos <strong>de</strong>vido às experiências específicas do gênero que vivenciam<br />
(casamento, nascimento <strong>de</strong> um filho, mudança da cida<strong>de</strong> do emprego do esposo etc.), as quais<br />
provocam a marca da <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> em suas <strong>biografias</strong>.<br />
O resultado também revela a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> maiores iniciativas por parte dos órgãos<br />
do governo, no sentido <strong>de</strong> lhes garantir a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concluírem esses e outros níveis <strong>de</strong><br />
escolarida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> continuarem apren<strong>de</strong>ndo ao longo da vida. Nesse sentido, concordamos com<br />
Julião (2006), quando afirma que a educação (embora não sozinha) po<strong>de</strong> assumir papel <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>staque na ressocialização dos/as encarcerados/as, pois,<br />
[...] além dos benefícios da instrução escolar e <strong>de</strong> formação social, o preso<br />
po<strong>de</strong> vir a participar <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> modificação <strong>de</strong> sua visão <strong>de</strong> mundo,<br />
contribuindo para a formação <strong>de</strong> senso crítico, melhorando o seu<br />
comportamento na vida carcerária (JULIÃO, 2006, p.74).<br />
Esse papel <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque que a educação oferece à vida dos/as <strong>encarceradas</strong>o/as, no que<br />
tange à ressocialização, já foi há muito tempo <strong>de</strong>fendido por Foucault (1987). Para ele, a<br />
ausência <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> mecanismo [...], que o Estado tem por obrigação <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r aos<br />
indivíduos encarcerados, resulta nos altos índices <strong>de</strong> reincidências ameaçando cada vez mais a<br />
socieda<strong>de</strong> (FOUCAULT, 1987, p. 224).<br />
As <strong>de</strong>mais informações que o gráfico apresenta mostram pouca representação das<br />
analfabetas (ou que nunca estudaram) (6,4%) e das que têm mais anos <strong>de</strong> estudo (que
completaram o Ensino Médio e que têm Nível Superior incompleto - 8,33%). Esse primeiro<br />
caso talvez seja compreendido se associado a outro dado, o da faixa etária, porque, pelo que<br />
constatamos (e apresentamos a seguir noutra tabela), a maior parte da população feminina<br />
encarcerada é jovem e, por isso, vivenciou uma fase e um contexto (o brasileiro) on<strong>de</strong> as<br />
oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso ao Ensino Fundamental foram expandidas em ritmo acelerado, o que<br />
fez com que elas não ficassem predispostas ao analfabetismo, ainda que não tenham<br />
continuado os estudos.<br />
O segundo caso, que indicou a pouca representação das que têm mais anos <strong>de</strong> estudo,<br />
levou-nos a levantar o seguinte questionamento: Seria então o caso <strong>de</strong> se pensar que a<br />
escolarida<strong>de</strong> é um fator que reduz as chances <strong>de</strong> envolvimento das pessoas com práticas<br />
<strong>de</strong>lituosas? Essa foi, na verda<strong>de</strong>, uma das questões que buscamos respon<strong>de</strong>r, nesta pesquisa,<br />
porém não alcançamos essa resposta analisando somente a sobre-representação daquelas com<br />
pouca escolarida<strong>de</strong>, mas estabelecendo associações com outros fatores, relacionados, por<br />
exemplo, às <strong>de</strong>svantagens no ambiente familiar, que só pu<strong>de</strong>ram ser <strong>de</strong>scobertos através das<br />
narrativas.<br />
A frieza dos dados quantitativos, neste caso, não nos possibilitou o encontro <strong>de</strong> novos<br />
achados, só nos incitaram a buscar, por meio dos dados biográficos. Preferimos refletir sobre<br />
essa questão na análise das narrativas biográficas das <strong>encarceradas</strong>.<br />
Na sequência, apresentamos o segundo gráfico, que representa as informações<br />
fornecidas sobre o perfil etário das <strong>encarceradas</strong> <strong>de</strong>ssa amostragem. Através da informação da<br />
ida<strong>de</strong>, essas <strong>mulheres</strong> nos permitiram vislumbrar as faixas etárias que estiveram mais<br />
propensas à ativida<strong>de</strong> criminosa.<br />
Gráfico 2 Faixa etária das <strong>encarceradas</strong> da amostra<br />
nº <strong>de</strong> Encarceradas<br />
6<br />
5<br />
4<br />
3<br />
2<br />
1<br />
0<br />
Faixa Etária<br />
18 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 38 40 43 44 47 48 49 53 78<br />
Anos <strong>de</strong> Ida<strong>de</strong>
Pelo que se percebe, a faixa etária que está sobre-representada entre as <strong>encarceradas</strong><br />
<strong>de</strong>ssa amostra é a que vai dos 21 aos 28 anos, seguidos das que têm 32, 33 e 38 anos. Esse<br />
resultado se aproxima daqueles que encontramos nos prontuários quando coletamos essa<br />
mesma informação. Na análise <strong>de</strong>sses e daqueles resultados, julgamos que, por diversas<br />
razões, muitas das quais ligadas à problemática da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> entre os gêneros<br />
(<strong>de</strong>semprego, emprego precarizado, relacionamentos amorosos incertos ou mal estruturados,<br />
etc.), as <strong>mulheres</strong> em ida<strong>de</strong> ativa (jovens ou adultas em fase inicial) vivenciam, mais que as<br />
outras, experiências associadas às drogas, às bebidas alcoólicas, à violência doméstica, <strong>de</strong>ntre<br />
outras situações <strong>de</strong> risco.<br />
É por isso que, numa análise mais aprofundada <strong>de</strong>sse resultado, seria necessário<br />
observar os fatores que mais contribuíram para essa sobre-representação na fase da juventu<strong>de</strong><br />
e no início da vida adulta, associando-se ao fato <strong>de</strong> a maioria <strong>de</strong>las ser solteira e/ou amasiada,<br />
como mostra o gráfico abaixo.<br />
Gráfico 3 Estado civil das <strong>encarceradas</strong> da amostra<br />
Solteira<br />
22<br />
Estado Civil<br />
Viúva<br />
3<br />
Casada<br />
Divorciada 2<br />
6<br />
Amasiada<br />
15<br />
É importante registrar que a análise <strong>de</strong>sse dado merece muita cautela, visto que, na<br />
maioria dos casos, as respostas para essa informação não são verídicas, dadas às incoerências<br />
com que essa variável se apresenta para <strong>mulheres</strong> em situação <strong>de</strong> privação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>.<br />
Colocando-nos no lugar das <strong>encarceradas</strong>, no momento <strong>de</strong> informar sobre o seu estado civil,<br />
imaginamos o conflito interior com o qual elas se <strong>de</strong>pararam, porquanto, ainda que estivessem<br />
morando com seus companheiros (amasiadas), quando foram presas, não mais mantinham
sequer contato, <strong>de</strong>vido aos seus encarceramentos e, consequentemente, à situação <strong>de</strong><br />
abandono na qual se encontravam. Esse talvez seja um dos motivos que levam quase todas<br />
elas a se dizerem solteiras.<br />
Consi<strong>de</strong>rando esse fato e a sua a<strong>de</strong>quação ao que <strong>de</strong>sconfiamos ser a realida<strong>de</strong>,<br />
estariam as amasiadas sobre-representadas entre as <strong>encarceradas</strong> <strong>de</strong> nossa amostragem. Mas o<br />
que isso nos aponta? Que significado tem o amasio, na socieda<strong>de</strong> brasileira, na nor<strong>de</strong>stina e,<br />
mais especificamente, na paraibana? Quem são as pessoas <strong>de</strong>ssa socieda<strong>de</strong> que optam<br />
amasio em <strong>de</strong>trimento do casamento civil? Em que contexto vive a maioria <strong>de</strong>ssas pessoas? E<br />
<strong>de</strong> que faixas etárias elas são? Qual a faixa do número <strong>de</strong> filhos <strong>de</strong>sses tipos <strong>de</strong> casal? Po<strong>de</strong><br />
haver algum tipo <strong>de</strong> relação entre o amasio e a situação <strong>de</strong> marginalida<strong>de</strong>? Não temos<br />
respostas para esses questionamentos, mas acreditamos que, através <strong>de</strong>las, a interpretação<br />
<strong>de</strong>sse aspecto na vida das <strong>encarceradas</strong> seria mais possibilitada.<br />
As informações sobre o estado civil, quando fornecidas, revelaram ainda outra<br />
particularida<strong>de</strong> da vida <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong>: o número <strong>de</strong> filhos. O gráfico abaixo revela a média<br />
<strong>de</strong> filhos que a maioria <strong>de</strong>las tinha.<br />
Gráfico 4 Número <strong>de</strong> <strong>encarceradas</strong> por número <strong>de</strong> filhos<br />
Nº <strong>de</strong> Encarceradas<br />
0<br />
3<br />
Número <strong>de</strong> Encarceradas por Número <strong>de</strong> Filhos<br />
1<br />
10<br />
2<br />
19<br />
3<br />
4<br />
4<br />
3<br />
5<br />
1<br />
7<br />
2<br />
Nº <strong>de</strong> Filhos<br />
8<br />
1 1 1 1<br />
9<br />
10<br />
1ª Gestação<br />
2<br />
Não Informado<br />
Observa-se que a maior parte das <strong>encarceradas</strong> (um total <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> nossa amostragem)<br />
tem <strong>de</strong> um a dois filhos. Dessas, 10 têm apenas um filho, e 19, dois. As que têm mais <strong>de</strong> dois<br />
filhos somaram treze <strong>mulheres</strong>, e apenas três, do total da amostragem, disseram que não têm<br />
filhos.<br />
pelo
Essa informação expressa o que vem sendo divulgado nos censos <strong>de</strong>mográficos<br />
realizados pelo IBGE, no que diz respeito à queda consi<strong>de</strong>rável, nos últimos anos, da taxa <strong>de</strong><br />
fecundida<strong>de</strong> no Brasil e no Nor<strong>de</strong>ste - região em que esse índice sempre foi mais elevado.<br />
Talvez por influência da mídia, que tem divulgado constantemente os diversos<br />
métodos contraceptivos existentes, e pela intensificação das campanhas <strong>de</strong> planejamento<br />
familiar promovidas por membros da socieda<strong>de</strong> civil, através das ONGs, e por órgãos<br />
governamentais ligados à saú<strong>de</strong>, entre outras ações, é que essa taxa tenha diminuído a cada<br />
ano. Outra justificativa para essa consi<strong>de</strong>rável queda parece estar na mudança do papel da<br />
mulher na socieda<strong>de</strong> brasileira contemporânea. Pelo que presumimos, essa mudança<br />
favoreceu a mulher a compreen<strong>de</strong>r que a maternida<strong>de</strong> é apenas uma, das muitas opções que<br />
ela tem para construir-se como sujeito.<br />
Para Touraine (2008, p.109), a sexualida<strong>de</strong> (e todas as suas consequências, como por<br />
exemplo, a geração <strong>de</strong> um filho) foi o domínio da vida das <strong>mulheres</strong> que mais progrediu nas<br />
últimas décadas. E isso [...] graças à difusão <strong>de</strong> todas as formas <strong>de</strong> controle da reprodução .<br />
Em outros domínios, como o do trabalho, por exemplo, ele alega que o mesmo progresso não<br />
ocorrera, pois as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s foram reduzidas apenas parcialmente.<br />
O gráfico 4 e a tabela abaixo apresentam informações sobre esse domínio na vida das<br />
<strong>encarceradas</strong>. Tratam da exposição das ativida<strong>de</strong>s profissionais exercidas por elas antes <strong>de</strong><br />
serem <strong>encarceradas</strong>, o que confirma a opinião do autor supracitado no que diz respeito ao<br />
pouco progresso feminino no campo do trabalho.<br />
Gráfico 4 Profissão/ocupação das <strong>encarceradas</strong> antes do encarceramento<br />
Operadora <strong>de</strong> Caixa; 2<br />
Manicure; 1<br />
Garçonete; 1<br />
Supervisora; 1<br />
Servidora Pública Municipal; 1<br />
Secretária; 1<br />
Recicladora; 1<br />
Feirante; 1<br />
Estudante; 4<br />
Estoquista; 1<br />
Ven<strong>de</strong>dora; 4<br />
Ocupação<br />
Empregada Doméstica; 9<br />
Agricultora; 6<br />
Auxiliar <strong>de</strong> Serviços Gerais; 1<br />
Balconista; 2<br />
Comerciante; 2<br />
Cortadora <strong>de</strong> Cana; 1<br />
Cozinheira; 3<br />
Dançarina; 1<br />
Dona <strong>de</strong> Casa; 5
Número <strong>de</strong> <strong>encarceradas</strong> por ocupação<br />
Categoria ocupacional nº %<br />
Agricultora 6 12,50<br />
Auxiliar <strong>de</strong> serviços gerais 1 2,08<br />
Balconista 2 4,17<br />
Comerciante 2 4,17<br />
Cortadora <strong>de</strong> cana 1 2,08<br />
Cozinheira 3 6,25<br />
Dançarina 1 2,08<br />
Dona <strong>de</strong> casa 5 10,42<br />
Empregada doméstica 9 18,75<br />
Estoquista 1 2,08<br />
Estudante 4 8,33<br />
Feirante 1 2,08<br />
Garçonete 1 2,08<br />
Manicure 1 2,08<br />
Operadora <strong>de</strong> caixa 2 4,17<br />
Recicladora 1 2,08<br />
Secretária 1 2,08<br />
Servidora pública municipal<br />
1 2,08<br />
Supervisora 1 2,08<br />
Ven<strong>de</strong>dora 4 8,33<br />
Esses dados expressam que as <strong>mulheres</strong> da nossa pesquisa, antes <strong>de</strong> serem presas,<br />
tiveram uma ampla participação no mercado <strong>de</strong> trabalho, exercendo as mais diversas<br />
ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ntro e fora do ambiente doméstico. No entanto, essa ampla participação não<br />
representa um avanço contra a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>. O que, <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, ela nos indica é que as<br />
<strong>mulheres</strong> dos setores mais carentes têm aceitado as ativida<strong>de</strong>s mais precárias e <strong>de</strong> valorização<br />
social mais baixas, <strong>de</strong>vido à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobreviver e <strong>de</strong> sustentar suas famílias, já que,<br />
com as transformações ocorridas nas relações <strong>de</strong> gênero e no âmbito doméstico, nos últimos<br />
anos, o número daquelas que chefiam as famílias cresceu (MELO, 2005).<br />
Sobre essa realida<strong>de</strong>, Monte (2006) explica:<br />
A inserção em ativida<strong>de</strong>s com condições <strong>de</strong>sfavoráveis <strong>de</strong> trabalho surge<br />
como alternativas comuns para escapar do <strong>de</strong>semprego, principalmente<br />
aqueles que não possuem qualificação elevada ou sofrem algum tipo <strong>de</strong><br />
discriminação [como é o caso das <strong>mulheres</strong>] (MONTE, 2006, p.152, grifos<br />
nossos).
Consi<strong>de</strong>rando-se, então, a heterogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ocupações entre as <strong>encarceradas</strong>, é que<br />
não nos convém apontar o <strong>de</strong>semprego como alternativa para justificar as suas motivações<br />
para as práticas <strong>de</strong>lituosas, já que apenas 8,33% do total afirmou que não <strong>de</strong>senvolvia<br />
ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho antes <strong>de</strong> serem presas. O que po<strong>de</strong>mos é investigar (e foi o que fizemos<br />
com as <strong>mulheres</strong> que entrevistamos) a força e a fraqueza <strong>de</strong>ssas experiências <strong>de</strong> trabalho e as<br />
suas implicações em suas carreiras <strong>de</strong>sviantes (<strong>de</strong>lituosas).<br />
Assim, enquanto, <strong>de</strong> um lado, incorreríamos a erro se a interpretação dos atos<br />
<strong>de</strong>lituosos cometidos pelas <strong>encarceradas</strong> fosse feita somente pela ótica do <strong>de</strong>semprego, <strong>de</strong><br />
outro, seria ingênuo não <strong>de</strong>sconfiar que a varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ocupações expressas no gráfico tenha a<br />
ver com a baixa qualificação (e escolarida<strong>de</strong>) <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong>, possivelmente enquadradas<br />
nos setores mais carentes da socieda<strong>de</strong>, à margem do mercado formal <strong>de</strong> trabalho. Pensando<br />
<strong>de</strong>ssa forma, seria necessário, para efeito <strong>de</strong> análise, um agrupamento <strong>de</strong> dados (ocupação-<br />
escolarida<strong>de</strong>-qualificação profissional) coerente com os propósitos da investigação.<br />
Mas, além da diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ocupações entre as <strong>encarceradas</strong>, os dados também<br />
revelaram que o trabalho doméstico (tanto o <strong>de</strong>senvolvido pela dona <strong>de</strong> casa quanto pela<br />
empregada doméstica) ocupou os maiores índices entre elas. Do total, 14 (29,17%) exerciam<br />
esses tipos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s antes <strong>de</strong> serem presas. As donas <strong>de</strong> casa representaram 10,42% do<br />
total, e as empregadas domésticas, 18,75%. Essa realida<strong>de</strong> não parece ser novida<strong>de</strong>. De<br />
acordo com Lombardi, Bruschini e Unbehaum (2006, p.77),<br />
O emprego doméstico remunerado é o nicho ocupacional feminino por<br />
excelência, no qual mais <strong>de</strong> 90% dos trabalhadores são <strong>mulheres</strong>. Ele se<br />
manteve como importante fonte <strong>de</strong> ocupação, praticamente estável na década<br />
[<strong>de</strong> 1990], absorvendo 17% da força <strong>de</strong> trabalho.<br />
As autoras ainda alegam que a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> colocação no mercado <strong>de</strong> trabalho, por<br />
meio do trabalho doméstico, é oferecida sob precárias condições, <strong>de</strong>rivadas das longas<br />
jornadas <strong>de</strong> trabalho, do baixo índice <strong>de</strong> posse <strong>de</strong> carteira <strong>de</strong> trabalho e dos baixos<br />
rendimentos recebidos. Para as donas <strong>de</strong> casa, que exercem a mesma ativida<strong>de</strong> doméstica,<br />
essa situação é ainda mais alarmante, visto que, além <strong>de</strong> não receberem remuneração,<br />
<strong>de</strong>sempenham outras funções, como a <strong>de</strong> cuidar dos filhos e <strong>de</strong> <strong>de</strong>mais parentes, sem,<br />
geralmente, serem reconhecidas no que fazem. Essas <strong>mulheres</strong>, quase sempre, são mais
velhas, e por falta <strong>de</strong> opção e <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> emprego formal, por causa da ida<strong>de</strong>, só lhes<br />
resta aceitar o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> tais funções.<br />
Isso não impediu, no entanto, <strong>de</strong> se envolverem em ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>lituosas, já que, em<br />
alguns casos, são elas as que acabam servindo <strong>de</strong> mulas para seus companheiro ou parentes,<br />
para guardarem drogas em suas casas. Noutros casos, são elas as que mais se envolvem com<br />
<strong>de</strong>lidos ligados a homicídio ou tentativas <strong>de</strong> homicídio, quase sempre motivadas pele<br />
violência doméstica sofrida.<br />
Outra ativida<strong>de</strong> que se <strong>de</strong>stacou, entre as <strong>encarceradas</strong> <strong>de</strong> nossa amostragem, foi a <strong>de</strong><br />
agricultora, que representou 12,50 % do total. De acordo com Lombardi, Bruschini e<br />
Unbehaum (2006, p.78),<br />
A ocupação na área rural segue padrões diferentes dos adotados nas cida<strong>de</strong>s.<br />
O índice <strong>de</strong> empregados com carteira assinada rondava os 30% em 1999 e o<br />
restante dos ocupados trabalhava <strong>de</strong> forma autônoma, utilizando a mão-<strong>de</strong>obra<br />
familiar, produzindo para sua subsistência, sem relação empregatícia.<br />
Para essas <strong>mulheres</strong> (agricultoras), as tarefas <strong>de</strong>senvolvidas se divi<strong>de</strong>m entre as<br />
agrícolas, o trato dos animais <strong>de</strong> pequeno porte para consumo da família e os afazeres<br />
domésticos. Igualmente às donas <strong>de</strong> casa localizadas na zona urbana, essas <strong>mulheres</strong>, segundo<br />
as autoras acima, também não são reconhecidas nas ativida<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>senvolvem. Mesmo<br />
assim, parece-nos um <strong>de</strong>safio compreen<strong>de</strong>r suas ligações com o mundo do crime, porque os<br />
problemas da zona urbana parecem predispor mais as pessoas às zonas da marginalida<strong>de</strong> e,<br />
por consequência, da criminalida<strong>de</strong>. As <strong>de</strong>mais ativida<strong>de</strong>s com índices significativos no<br />
gráfico foramas <strong>de</strong>: ven<strong>de</strong>dora (8,33 %) e cozinheira (6,25%). As <strong>de</strong>mais profissões oscilaram<br />
entre 4,17% e 2,08%.<br />
De modo geral, os dados apresentados sobre esse aspecto (o trabalho) permitem-nos<br />
afirmar que as <strong>encarceradas</strong> <strong>de</strong> nosso estudo estão enquadradas entre aquelas para as quais<br />
foram reservadas as condições <strong>de</strong> trabalho menos favoráveis no mercado, e que esse fator,<br />
associado a outros (escolarida<strong>de</strong>, número <strong>de</strong> filhos, ida<strong>de</strong> etc.), po<strong>de</strong> ser indicativo das suas<br />
ligações com as ações <strong>de</strong>lituosas que cometeram. Para tal conclusão, essa associação<br />
precisaria ser analisada. Na sequência, apresentamos os dados que indicaram os contextos <strong>de</strong><br />
nascimento das <strong>encarceradas</strong> <strong>de</strong>ssa amostragem. Eles apontam que gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>ssas
<strong>mulheres</strong> veio <strong>de</strong> outros Municípios e Estados, ainda que as <strong>de</strong> João Pessoa estejam sobre-<br />
representadas, como mostram os gráficos abaixo.<br />
Gráfico 5 O contexto natural das <strong>encarceradas</strong><br />
nº <strong>de</strong> Encarceradas<br />
16<br />
15<br />
14<br />
13<br />
12<br />
11<br />
10<br />
9<br />
8<br />
7<br />
6<br />
5<br />
4<br />
3<br />
2<br />
1<br />
0<br />
Guarabira - PB<br />
Alexandria - RN<br />
Cabe<strong>de</strong>lo - PB<br />
Cruz do Espírito Santo - PB<br />
João Pessoa - PB<br />
Naturalida<strong>de</strong><br />
Lagoa Nova - PB<br />
Natal - RN<br />
Municípios<br />
Recife - PE<br />
Santa Rita - PB<br />
São Miguel <strong>de</strong> Taipú - PB<br />
Serra <strong>de</strong> São Bento - RN<br />
Sousa - PB<br />
Com relação ao Estado <strong>de</strong> origem <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong>, a maior representação esteve para<br />
o Estado da Paraíba, um percentual <strong>de</strong> 72,92%. Entre os <strong>de</strong>mais, o Estado <strong>de</strong> Pernambuco,<br />
que se localiza vizinho à Paraíba, foi o mais representado, com 12,50%.<br />
PE<br />
6<br />
Número <strong>de</strong> Encarceradas por UF<br />
RJ<br />
1<br />
RN<br />
3<br />
SP<br />
2<br />
MG<br />
1<br />
PB<br />
35
Esses dados nos apontam que a migração e todas as suas consequências exclu<strong>de</strong>ntes<br />
(condições precárias <strong>de</strong> moradia e <strong>de</strong> serviços urbanos quando chegaram à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino,<br />
<strong>de</strong>semprego ou precarieda<strong>de</strong> no trabalho, poucas condições <strong>de</strong> subsistência, etc.) po<strong>de</strong>m ter<br />
sido um dos motivos impulsionadores das práticas <strong>de</strong>lituosas das <strong>mulheres</strong> não naturais <strong>de</strong><br />
João Pessoa, ou da Paraíba. Haveria, portanto, que se analisar melhor essa proposição visto<br />
que, pelo que percebemos em nossas visitas, algumas <strong>de</strong>las (as não pessoenses e as não<br />
paraibanas) não residiam nesta cida<strong>de</strong> quando foram presas, e, portanto, não eram <strong>mulheres</strong><br />
migradas <strong>de</strong> outras regiões ou cida<strong>de</strong>s. O que ocorreu foi que o/s ato/s <strong>de</strong>lituoso/s que levaram<br />
aos seus encarceramentos foram cometidos e/ou <strong>de</strong>scobertos nesta cida<strong>de</strong> e, em cumprimento<br />
às <strong>de</strong>terminações da lei <strong>de</strong> execuções penais, tiveram <strong>de</strong> ser presas no mesmo local.<br />
Por outro lado, os dados também apontam a hipótese <strong>de</strong> que foram os problemas da<br />
vida urbana, compreendidos como a falta <strong>de</strong> uma ampla política urbana capaz <strong>de</strong> garantir aos<br />
cidadãos possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso à moradia e bens e serviços <strong>de</strong> uso coletivo, como<br />
transporte, lazer, água, esgoto e coleta <strong>de</strong> lixo [...]<br />
motivaram as práticas <strong>de</strong>lituosas da maioria das <strong>encarceradas</strong> da amostra.<br />
(PELEGRINO, 2006, p. 176) que<br />
Isso porque, como afirmou Pelegrino (2006), tais problemas, além <strong>de</strong> aprofundarem a<br />
exclusão, afetam, <strong>de</strong> forma ainda mais cruel, a vida das <strong>mulheres</strong>, especialmente as dos<br />
setores mais pobres, como a maioria das <strong>encarceradas</strong>. Nesse sentido, [...] as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> gênero, já cristalizadas no tecido social do país, são intensificadas num contexto <strong>de</strong> falta <strong>de</strong><br />
uma política urbana eficaz (PELEGRINO, 2006, p.177).<br />
O reconhecimento <strong>de</strong> tais problemas exige que, para que sejam analisadas as práticas<br />
<strong>de</strong>lituosas <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong>, sejam consi<strong>de</strong>radas todas essas circunstâncias estruturais, sem<br />
<strong>de</strong>scartar, evi<strong>de</strong>ntemente, as ligações com os seus mundos subjetivos.<br />
O gráfico 6 e a tabela abaixo apresentam, em números e percentuais, os tipos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>litos praticados pelas <strong>mulheres</strong> pesquisadas.
Gráfico 6<br />
Tipologia criminal mais frequente entre as <strong>encarceradas</strong><br />
Não Informado<br />
5<br />
Latrocínio (Roubo seguido<br />
<strong>de</strong> morte)<br />
1<br />
Homicídio seguido <strong>de</strong><br />
roubo<br />
1<br />
Homicídio e Tentativa <strong>de</strong><br />
homicídio<br />
1<br />
Tabela<br />
Porte <strong>de</strong> arma e Tráfico <strong>de</strong><br />
drogas<br />
1<br />
Nº <strong>de</strong> Encarceradas por Delito<br />
Porte <strong>de</strong> armas e Assalto a<br />
mão armada<br />
1<br />
Porte <strong>de</strong> armas<br />
1<br />
Homicídio<br />
6<br />
Furto e Assalto a mão<br />
armada<br />
1<br />
Roubo (Assalto à mão<br />
armada)<br />
4<br />
Furto<br />
5<br />
Roubo, Estelionato e<br />
Tráfico <strong>de</strong> Droga<br />
1<br />
Formação <strong>de</strong> Quadrilha e<br />
Roubo<br />
1<br />
Tentativa <strong>de</strong> Homicídio<br />
3<br />
Tráfico <strong>de</strong> drogas<br />
16<br />
Delito que motivou a prisão<br />
Formação <strong>de</strong> quadrilha e<br />
nº %<br />
roubo 1 2,08<br />
Furto 5 10,42<br />
Furto e assalto a mão armada 1 2,08<br />
Homicídio<br />
Homicídio e tentativa <strong>de</strong><br />
6 12,50<br />
homicídio 1 2,08<br />
Homicídio seguido <strong>de</strong> roubo<br />
Latrocínio (roubo seguido <strong>de</strong><br />
1 2,08<br />
morte) 1 2,08<br />
Não informado<br />
Porte <strong>de</strong> arma e tráfico <strong>de</strong><br />
5 10,42<br />
drogas 1 2,08<br />
Porte <strong>de</strong> armas<br />
Porte <strong>de</strong> armas e assalto a<br />
1 2,08<br />
mão armada 1 2,08<br />
Roubo (assalto a mão<br />
armada)<br />
Roubo, estelionato e tráfico<br />
4 8,33<br />
<strong>de</strong> drogas 1 2,08<br />
Tentativa <strong>de</strong> homicídio 3 6,25<br />
Tráfico <strong>de</strong> drogas 16 33,33<br />
Total 48 100,00
Observando-se os dados do gráfico e da tabela acima, <strong>de</strong>ve-se atentar para o fato <strong>de</strong><br />
que gran<strong>de</strong> parte dos motivos dos encarceramentos <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong> é social. O tráfico <strong>de</strong><br />
drogas, por exemplo, continua sendo o principal <strong>de</strong>les. Esse <strong>de</strong>lito que, segundo entida<strong>de</strong>s<br />
especializadas no assunto, trata-se <strong>de</strong> um fenômeno mundial, por conta do uso das <strong>mulheres</strong><br />
pelos traficantes, fora cometido por 33,33 % da população da nossa amostragem.<br />
A atuação <strong>de</strong>las nas re<strong>de</strong>s do tráfico, segundo Vergara (1998, p.30), ocorre como<br />
coadjuvante [...], sendo que o protagonista, nessa situação, geralmente é do sexo masculino e<br />
sempre estão ligados [sic] por laços <strong>de</strong> afetivida<strong>de</strong>, como irmãos, parceiros, parentes [...]". O<br />
fator motivador <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>lito, na maioria dos casos, é a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> [...] complementação<br />
da renda ou até mesmo sua obtenção, face ao alto nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego na classe em que essas<br />
se inserem (SALMASSO, 2004, p.20).<br />
As <strong>de</strong>mais práticas <strong>de</strong>lituosas i<strong>de</strong>ntificadas entre as <strong>encarceradas</strong> da nossa<br />
amostragem, expostas no gráfico e na tabela acima, tiveram uma representação consi<strong>de</strong>rável<br />
em números percentuais, mais especificamente, os furtos (consi<strong>de</strong>rados simples por não<br />
provocarem ameaça à vida das pessoas): (10,42%); os roubos (assalto a mão armada)<br />
(8,33%); os homicídios (12,50%) e as tentativas <strong>de</strong> homicídio (6,25%).<br />
A respeito dos furtos, Vergara (1998) assinala que os lugares on<strong>de</strong> eles se efetuam<br />
geralmente são residências ou estabelecimentos comerciais, cujas vítimas são os próprios<br />
empregadores. Os objetos furtados, nesse caso, são aqueles <strong>de</strong> fácil possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> venda,<br />
como: joias, roupas, perfumes etc.<br />
Os roubos, por sua vez, que apresentam ameaça à vida das pessoas, <strong>de</strong>vido ao uso <strong>de</strong><br />
armas, como forma <strong>de</strong> intimidação, tem sido também uma prática crescente entre as <strong>mulheres</strong>,<br />
e, portanto, objeto <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> alguns estudiosos na área criminal e sociológica. A<br />
participação feminina em crimes <strong>de</strong>ssa natureza é verificada em estabelecimentos comerciais<br />
<strong>de</strong> maior porte que aqueles on<strong>de</strong> se cometem os furtos: casas lotéricas, multibanks, lojas <strong>de</strong><br />
supermercado, entre outros.<br />
Por último, os homicídios e as tentativas <strong>de</strong> homicídio, juntos com o latrocínio (que<br />
também envolve homicídio), representaram, em nossa amostra, um percentual <strong>de</strong> 29,99%;<br />
18,74% estiveram para os atos <strong>de</strong> homicídio, e 6,25, para as tentativas <strong>de</strong> homicídio.<br />
A explicação para esse fenômeno vem sendo analisada como associada à violência<br />
doméstica anteriormente sofrida.
Na gran<strong>de</strong> maioria das vezes, o cenário que antece<strong>de</strong> a mulher que comete<br />
tal <strong>de</strong>lito, vem carregado <strong>de</strong> tensão emocional <strong>de</strong>vido a pobreza (quando<br />
ocorrido nas camadas mais pobres da socieda<strong>de</strong>), pela suposta violência<br />
sofrida pelo marido, pelos filhos, irmãos e pais e até pelas relações estreitas<br />
<strong>de</strong> vizinhança. (VERGARA, 1998, p. 32).<br />
Essa justificativa, entretanto, não dá conta <strong>de</strong> todo o problema. Nas conversas<br />
informais que tivemos com algumas homicidas, nos dias <strong>de</strong> visitas que realizamos, por<br />
exemplo, percebemos a existência <strong>de</strong> outros fatores, como a ambição (<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> posse), a<br />
pobreza, drogas, traição <strong>de</strong> amigos etc.; que motivaram a prática <strong>de</strong> tal <strong>de</strong>lito.<br />
Por esse motivo é que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos que somente conhecendo as histórias <strong>de</strong> suas<br />
condições <strong>de</strong> vida, os seus cotidianos, as suas relações com a família é que se po<strong>de</strong><br />
compreen<strong>de</strong>r o significado dos homicídios que elas cometeram. Isso foi o que fizemos,<br />
quando analisamos as <strong>biografias</strong> <strong>de</strong> um grupo específico <strong>de</strong> cinco <strong>encarceradas</strong>. As reflexões<br />
sobre os perfis que aqui esboçamos serviram <strong>de</strong> suporte para essas análises.<br />
Registre-se, no entanto, que a variabilida<strong>de</strong> das formas como se apresentaram esses<br />
perfis asseguraram uma análise mais cuidadosa dos perfis das entrevistadas. O contato com<br />
um número mais expressivo <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong>, proporcionado pela aplicação do questionário, teve<br />
um significado importante no momento da realização das entrevistas. Ele nos conduziu à<br />
reflexão <strong>de</strong> que estávamos diante <strong>de</strong> pessoas comuns, sendo processadas, e algumas<br />
con<strong>de</strong>nadas, por terem se <strong>de</strong>sviado das condutas socialmente aceitas e cometido crimes, os<br />
mais diversos, <strong>de</strong>vido a motivações pessoais ou ligadas ao seu contexto <strong>de</strong> vida.<br />
No capítulo seguinte <strong>de</strong>ste trabalho, com base na reflexão <strong>de</strong> três paradigmas da<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, discutimos exatamente as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> construção biográfica nesse<br />
contexto mo<strong>de</strong>rno. Na continuação do texto, explicaremos melhor a proposta <strong>de</strong> discussão<br />
<strong>de</strong>sse capítulo.
CAPÍTULO II: MODERNIDADE CONTEMPORÂNEA, BIOGRAFICIDADES E<br />
INTERPRETAÇÕES EDUCACIONAIS E DE APRENDIZAGENS<br />
Na primeira parte <strong>de</strong>ste capítulo, comentaremos sobre o enfoque <strong>de</strong> dois paradigmas<br />
sociológicoeducacionais da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> (socialização individualização), que tratam das<br />
ações dos sujeitos e dos sistemas educativos/formativos e/ou <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong> na socieda<strong>de</strong><br />
contemporânea. Esses dois paradigmas <strong>de</strong>spertaram em Alheit e em Dausien (2007) a busca<br />
<strong>de</strong> uma terceira via paradigmática, que eles <strong>de</strong>nominaram <strong>de</strong> teoria biográfica da formação na<br />
contemporaneida<strong>de</strong> ou biograficidad, e que adotamos como referência principal neste estudo.<br />
Essa terceira via, <strong>de</strong> acordo com esses autores, é mediada por conteúdos <strong>de</strong>sses dois<br />
paradigmas: o da socialização e o da individualização, estabelecendo uma <strong>de</strong>pendência<br />
recíproca, porém avançando. Na teoria da biograficidad, é adotada uma sistemática <strong>de</strong> análise<br />
dos fenômenos sociais, através das diferentes maneiras como as pessoas constroem as<br />
<strong>biografias</strong> na contemporaneida<strong>de</strong>, ou seja, estabelecendo uma relação <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência tanto da<br />
orientação <strong>de</strong> um sistema social (embora não siga somente as suas <strong>de</strong>mandas) quanto das<br />
próprias <strong>de</strong>cisões individuais que, por vezes, divergem do que tal sistema <strong>de</strong>libera ou resistem<br />
a ele.<br />
A elaboração <strong>de</strong>ssa terceira via paradigmática 19 exigiu <strong>de</strong> seus autores uma revisão do<br />
conceito <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> para melhor explicitar os seus pressupostos e a sua i<strong>de</strong>ologia. O<br />
objetivo <strong>de</strong>ssa revisão foi apresentar os limites das interpretações oferecidas sobre esse<br />
conceito, ao longo do tempo, nesta nova fase da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, e favorecer uma nova<br />
compreensão em que ela (a socieda<strong>de</strong>) passa a ser vista como capaz <strong>de</strong> agir e reagir frente às<br />
<strong>de</strong>terminações políticas e econômicas, das quais não estão isentas (ALHEIT E DAUSIEN,<br />
2007).<br />
Assim, o confronto e o consenso das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> alguns teóricos e/ou filósofos<br />
(SHUMPETER, FERGUSON, HEGEL, MARX, ENGELS, GRAMSCI, apud,<br />
HERNÀNDEZ, 2007) sobre essa questão foram fundamentais para que Alheit e Dausien<br />
(2007) concluíssem que só uma teoria/um paradigma biográfica/o po<strong>de</strong>ria dar conta da<br />
interpretação dos fenômenos ocorridos na atual socieda<strong>de</strong>, marcados por riscos<br />
<strong>de</strong>scivilizatórios, e que passam a exigir dos sujeitos a transformação em atores sociais (e não,<br />
meros expectadores), por meio <strong>de</strong> uma participação mais ativa nas diversas esferas da vida,<br />
sejam elas sociais ou privadas.<br />
19 Os fundamentos <strong>de</strong>ssa terceira via se encontram na segunda parte <strong>de</strong>sse capítulo.
Cabe esclarecer que a conclusão <strong>de</strong> Alheit e <strong>de</strong> Dausien (2007) sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
uma teoria biográfica da formação na contemporaneida<strong>de</strong>, por eles <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong><br />
biograficidad, <strong>de</strong>rivou da compreensão <strong>de</strong> que<br />
Las teorías <strong>de</strong> la socialización no parecen haber avanzado mucho <strong>de</strong>s<strong>de</strong> los<br />
años 80, y cun<strong>de</strong> la sospecha <strong>de</strong> que estén centradas en las trayectorias<br />
educativas masculinas. A<strong>de</strong>más, [ ], «la variación interindividual <strong>de</strong> los<br />
<strong>de</strong>sarrollos biográficos concretos es consi<strong>de</strong>rable». Pero, por otra parte, las<br />
teorías <strong>de</strong> la individualización no dan cuenta <strong>de</strong>l mantenimiento<br />
generalizado <strong>de</strong> las regularida<strong>de</strong>s estadísticas, que los informes<br />
internacionales como PISA vuelven a ratificar. (HERNÀNDES, 2006)<br />
O que esses autores também apresentaram como justificativa para elaborar uma teoria<br />
biográfica da formação foi o fato <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>rem que as mutações ocorridas nas diversas<br />
esferas da vida pessoal e social, impulsionadas pelas <strong>de</strong>mandas da segunda mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>,<br />
provocaram a construção <strong>de</strong> <strong>biografias</strong> <strong>de</strong> vida muito diferentes daquelas produzidas na<br />
primeira fase da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, quando o capitalismo e a industrialização, principais formas <strong>de</strong><br />
produção, configuravam a vida dos sujeitos (majoritariamente masculinos) para os seus<br />
interesses.<br />
De acordo com Alheit e Dausien (2007), as <strong>biografias</strong> <strong>de</strong> vida, na segunda fase da<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, já não são apenas resultantes <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> social, econômica e política, mas<br />
também construtoras <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong>. É a essa característica <strong>de</strong> construtivida<strong>de</strong> das <strong>biografias</strong><br />
que esses autores se referem quando falam em biograficidad. Percebe-se, aí, que a<br />
justificativa <strong>de</strong>ssa teoria está ancorada nos aspectos ligados a essa segunda fase da<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, ou seja, a contemporaneida<strong>de</strong>. Isso nos levou, então, a pensar: O que diferencia<br />
a segunda mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> tradicional?<br />
O referencial teórico-metodológico utilizado por Alheit e Dausien (2007) para<br />
justificar seus argumentos propiciou uma compreensão, ainda que parcial e incompleta, sobre<br />
as transformações em processo na atual conjuntura internacional e sobre seus reflexos e<br />
consequências nas realida<strong>de</strong>s locais e na formação das <strong>biografias</strong> dos sujeitos.<br />
Diversos são os cientistas sociais que discutem a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, tanto a respeito do que<br />
ela foi e em que resultou, no passado (quando surgiu na Europa, a partir do Século XVII),<br />
quanto do que ela é atualmente e tem implicado no tempo presente, especialmente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
final da Segunda Guerra Mundial até os dias <strong>de</strong> hoje.
A literatura sobre o assunto revela a existência <strong>de</strong> um imenso paradoxo no que diz<br />
respeito ao termo mo<strong>de</strong>rno<br />
e, além disso, a existência <strong>de</strong> algumas ambiguida<strong>de</strong>s. Um<br />
exemplo disso é o lugar que a expressão mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> ocupa hoje no imaginário social, que<br />
muito se difere do que ela realmente é, ou <strong>de</strong> como seus analistas a <strong>de</strong>signam, produzindo,<br />
com isso, uma verda<strong>de</strong>ira confusão <strong>de</strong> interpretações. Muitos, na tentativa <strong>de</strong> caracterizá-la,<br />
acabam por confundi-la com o mo<strong>de</strong>rnismo que, na verda<strong>de</strong>, refere-se à sua [...]<br />
representação artística (EVANGELISTA, 2007, p.54), num movimento contraditório <strong>de</strong><br />
temor e <strong>de</strong> exaltação.<br />
A existência <strong>de</strong> paradoxos e <strong>de</strong> ambiguida<strong>de</strong>s no discurso da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve-se à<br />
interpretação <strong>de</strong> alguns cientistas contemporâneos acerca da sua exaustão e da sua crise<br />
provocada principalmente, pelo avanço radical das ciências e da tecnologia nas últimas três<br />
décadas. Os efeitos <strong>de</strong>sse avanço provocaram, nas socieda<strong>de</strong>s pós-industriais do Século XX, o<br />
que John Field (2000, p.35), apud ALHEIT e DAUSIEN (2007, p.16), chamou <strong>de</strong> explosão<br />
silenciosa , que tem a ver com<br />
[ ] (a) la transformación <strong>de</strong> la significación <strong>de</strong>l «trabajo», (b) las<br />
modificaciones acaecidas en la función <strong>de</strong>l «saber», (c) la experiencia <strong>de</strong> las<br />
disfunciones crecientes <strong>de</strong> las instituciones <strong>de</strong> formación y (d) los <strong>de</strong>safíos<br />
dirigidos a los propios actores sociales, que términos como<br />
«individualización», «mo<strong>de</strong>rnización reflexiva» (BECK, 1986; BECK,<br />
GIDDENS & LASH, 1996; GIDDENS, 1990, apud, ALHEIT E DAUSIEN, P.<br />
2007, P.16) son suficientes por ahora para indicar.<br />
Outros cientistas, mais cuidadosos na análise <strong>de</strong>ssa questão da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, alegam<br />
que a hipótese da falência dos pressupostos e fundamentos filosóficos da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />
necessita ser mais bem analisada, antes <strong>de</strong> se alvitrar um novo paradigma, como o pós-<br />
mo<strong>de</strong>rno, por exemplo. Segundo eles, há que se observar em que medida tais pressupostos e<br />
fundamentos se encontram transformados ou alterados no cenário atual.<br />
Nessa guerra <strong>de</strong> posições, ainda não há vencedores, o que existe, na verda<strong>de</strong>, são<br />
tentativas diversas <strong>de</strong> interpretação sobre a realida<strong>de</strong> na qual estamos imersos. Sociólogos<br />
contemporâneos, como Habermas (1981), Gid<strong>de</strong>ns (1997), Touraine (1998), Beck (1992 e<br />
1997), por exemplo, têm nos uxiliado a compreen<strong>de</strong>r a questão, quando <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m, para o<br />
momento atual, não o fim da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, nem uma pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, mas a sua<br />
reflexivida<strong>de</strong> ou radicalida<strong>de</strong>.
Numa primeira aproximação sobre o assunto, Gid<strong>de</strong>ns (1991) situa a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> em<br />
um espaço-tempo histórico e a conceitua como um [...] estilo, costume <strong>de</strong> vida ou<br />
organização social que emergiram na Europa, a partir do Século XVII, e que ulteriormente se<br />
tornaram mais ou menos mundiais em sua influência . Aprofundando as reflexões a esse<br />
respeito, ele <strong>de</strong>staca, como principal característica da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, o seu dinamismo, uma<br />
vez que, além <strong>de</strong> favorecer o encurtamento <strong>de</strong> distâncias, promove o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />
mecanismos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sencaixe, entendidos como <strong>de</strong>slocamentos das relações sociais <strong>de</strong><br />
contextos locais <strong>de</strong> interação [...] (GIDDENS, 1991, p.29) e, ainda, a apropriação reflexiva<br />
do conhecimento, cuja produção ela integra com a reprodução do sistema.<br />
Nessa mesma direção, Beck (1992, 1997) analisa a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> com base nos estudos<br />
que realizou sobre os fenômenos sociais que lhes são <strong>de</strong>rivados e concluiu que a socieda<strong>de</strong><br />
contemporânea está em uma nova configuração, que o fez <strong>de</strong>nominá-la <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
risco.<br />
[...] comandada pela incerteza e, sobretudo, pelos riscos com fraca<br />
probabilida<strong>de</strong>, mas com possíveis efeitos consi<strong>de</strong>ráveis, como uma explosão<br />
nuclear, a transformação notável das condições atmosféricas ou a difusão <strong>de</strong><br />
epi<strong>de</strong>mias sem remédio conhecido. (TOURAINE, 1998, p.22).<br />
Essa socieda<strong>de</strong> seria proveniente <strong>de</strong> uma mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> que está impulsionando a<br />
reflexão dos sujeitos e das próprias instituições mo<strong>de</strong>rnas sobre as ameaças e os riscos que<br />
lhes são circundantes, geradas, a princípio, pela revolução industrial e, posteriormente, pelo<br />
avanço da tecnologia.<br />
Nessa mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, o sujeito é aquele que, refletindo sobre as ameaças e as incertezas<br />
provocadas pela socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> risco, é levado a renunciar à rigi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e às atitu<strong>de</strong>s e aos<br />
comportamentos baseados em sistemas <strong>de</strong> valores e <strong>de</strong> conduta tradicionais.<br />
Habermas (1981), <strong>de</strong>sse mesmo lado, segue uma lógica parecida, ao apresentar sua<br />
interpretação acerca das socieda<strong>de</strong>s contemporâneas. Destarte, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> como<br />
um projeto inacabado<br />
e sugere que <strong>de</strong>veríamos apren<strong>de</strong>r com os <strong>de</strong>sacertos que<br />
acompanham o [seu] projeto (ARANTES, 1992). Nesse processo <strong>de</strong> aprendizagem, estaria a<br />
ação comunicativa que, para ele, trata-se <strong>de</strong> uma alternativa emergente frente aos <strong>de</strong>safios<br />
colocados pela radicalização da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Supõe que, através <strong>de</strong>ssa ação, as pessoas,<br />
utilizando-se <strong>de</strong>mocraticamente da linguagem para interagir com outras, passam a organizar-
se socialmente, na busca pelos seus interesses pessoais e coletivos, e <strong>de</strong> uma forma livre <strong>de</strong><br />
toda coação externa e interna (GONÇALVES, 1999).<br />
Nessa perspectiva, verifica-se certa convergência entre as i<strong>de</strong>ias habermasianas (1981)<br />
e as <strong>de</strong> Touraine (1998), que também não acredita em uma socieda<strong>de</strong> pós-mo<strong>de</strong>rna e, por isso,<br />
utiliza-se <strong>de</strong> outro termo para justificar a sua interpretação, que chamou <strong>de</strong> <strong>de</strong>smo<strong>de</strong>rnização.<br />
O que caracteriza essa mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, segundo ele, é o projeto <strong>de</strong> vida pessoal<br />
sujeito (TOURAINE, 1998, p.23), compreendido como<br />
<strong>de</strong> cada<br />
[...] o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong> que sua existência não se reduza a uma<br />
experiência caleidoscópica, a um conjunto <strong>de</strong>scontínuo <strong>de</strong> respostas às<br />
estimulações do meio ambiente social. Esse projeto é um esforço para<br />
resistir à divisão da personalida<strong>de</strong> e para mobilizar uma experiência e uma<br />
cultura em ativida<strong>de</strong>s técnicas e econômicas, <strong>de</strong> maneira que uma série <strong>de</strong><br />
situações vividas forme uma história <strong>de</strong> vida individual e não um conjunto<br />
incoerente <strong>de</strong> acontecimentos.<br />
Concebida <strong>de</strong>ssa maneira, a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> implica aos sujeitos a responsabilização<br />
pelos eventos ocorridos no processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> suas <strong>biografias</strong>. Vale registrar que não<br />
se trata <strong>de</strong> uma responsabilização efetivada no isolamento, mas na convivência com os<br />
diferentes, nas relações estabelecidas com outros indivíduos, através <strong>de</strong> um engajamento<br />
social que torna possível a resistência à lógica dominadora dos sistemas e à reafirmação dos<br />
particularismos e do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> (TOURAINE, 1998).<br />
Beck (1997) e Gid<strong>de</strong>ns (1997), os principais <strong>de</strong>fensores da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> reflexivida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong><br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> reflexiva, acreditam no fato <strong>de</strong> que os sujeitos que compõem a socieda<strong>de</strong> são<br />
capazes <strong>de</strong> analisar os seus próprios potenciais engendrados e as suas ameaças crescentes.<br />
Esses são, portanto, os pressupostos essenciais sob os quais as reflexões <strong>de</strong>ste capítulo<br />
- que trata <strong>de</strong> três paradigmas mo<strong>de</strong>rnos - se <strong>de</strong>senvolvem. A i<strong>de</strong>ia é <strong>de</strong> que melhor se<br />
compreendam as estratégias que eles utilizam nos campos teórico e metodológico para que as<br />
socieda<strong>de</strong>s e os sujeitos, em particular, enfrentem os <strong>de</strong>safios provocados pelas<br />
transformações ocorridas nessa segunda fase da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, repleta <strong>de</strong> modificações em<br />
relação à primeira, e se abram a novas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> emancipação.
2.1 OS PARADIGMAS DA SOCIALIZAÇÃO, INDIVIDUALIZAÇÃO E<br />
BIOGRAFICIDAD: REFLEXOS NOS PROCESSOS EDUCACIONAIS / FORMATIVOS<br />
E/OU DE APRENDIZAGEM E NA VIDA DOS SUJEITOS<br />
A história da educação brasileira revela uma série <strong>de</strong> paradigmas que surgiram com a<br />
intenção <strong>de</strong> disseminar princípios teóricos (conceitos) e metodologias educativas e <strong>de</strong><br />
<strong>aprendizagens</strong> em conformida<strong>de</strong> com a realida<strong>de</strong> social <strong>de</strong> cada época. Tanto as suas<br />
aplicações como as suas crises, ao logo do tempo, resultaram das transformações ocorridas no<br />
campo social, político e econômico, o que implica dizer que esses paradigmas não surgiram<br />
aleatoriamente.<br />
Na contemporaneida<strong>de</strong> - ou nesta segunda fase da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, como enten<strong>de</strong>m<br />
alguns autores - boa parte dos processos educativos e <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong> da socieda<strong>de</strong> brasileira<br />
constituiu-se reflexo <strong>de</strong>ssas transformações, embora também tenha contribuído para a<br />
promoção das mesmas. Os paradigmas educacionais em vigor no Século XX, por exemplo,<br />
entendiam a educação e as <strong>aprendizagens</strong> advindas das experiências <strong>de</strong> vida como alternativas<br />
<strong>de</strong> emancipação dos sujeitos e como vias para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um projeto social<br />
específico.<br />
Em consonância com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste trabalho, discutimos sobre três <strong>de</strong>sses<br />
paradigmas, na tentativa <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o papel que <strong>de</strong>senvolveram na formação dos sujeitos<br />
da socieda<strong>de</strong> contemporânea.<br />
Do final dos anos 1960 até os primeiros anos da década <strong>de</strong> 1990, no Brasil e na<br />
América Latina, ganhou <strong>de</strong>staque um projeto emancipatório, i<strong>de</strong>alizado através do paradigma<br />
da socialização, mais conhecido Paradigma da Educação Popular , baseado nas<br />
<strong>aprendizagens</strong> e experiências dos sujeitos.<br />
A concepção <strong>de</strong> educação libertadora sugerida por esse projeto educativo teve como<br />
principal i<strong>de</strong>ólogo o educador Paulo Freire, que acreditava na Educação como um instrumento<br />
<strong>de</strong> conscientização social dos setores populares, num processo <strong>de</strong> aprendizado <strong>de</strong> leitura e<br />
escrita do mundo. Suas i<strong>de</strong>ias e as <strong>de</strong> sua equipe propunham a concretização <strong>de</strong> um novo agir<br />
pedagógico, que visava, entre outras coisas, superar a exclusão/opressão dos sujeitos e a<br />
transformação da socieda<strong>de</strong>.<br />
As primeiras experiências <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse paradigma surgiram no campo da educação<br />
não-formal, em processos <strong>de</strong> alfabetização <strong>de</strong> jovens e adultos, vinculados, principalmente, a<br />
organizações não-governamentais, partidos políticos, igrejas, entre outros, organizados em<br />
alguns casos, com apoio do Estado brasileiro. Fundamentando-se política e cientificamente
pelas i<strong>de</strong>ias marxistas, esse paradigma foi, em gran<strong>de</strong> parte, responsável por fazer com que os<br />
adultos passassem a ser mais reconhecidos, tanto socialmente quanto aca<strong>de</strong>micamente, ou<br />
seja, por aqueles que faziam e discutiam a educação <strong>de</strong>sse período.<br />
Aliado a esse reconhecimento, tendo em vista a contribuição do adulto no processo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento da socieda<strong>de</strong>, buscava-se superar o conceito <strong>de</strong> aprendizagem vinculado<br />
estritamente a uma perspectiva psicopedagógica, sustentada por teorias do <strong>de</strong>senvolvimento<br />
cognitivo, e que abarcava, <strong>de</strong> maneira prioritária, crianças e adolescentes. Avançou-se,<br />
portanto, no sentido <strong>de</strong> conceber a educação como vinculada à práxis, atrelada às práticas <strong>de</strong><br />
participação política dos sujeitos: uma forma <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r com e na luta. Notamos que muito<br />
se fez no campo educativo durante esse período, uma vez que se <strong>de</strong>u início a uma nova<br />
epistemologia baseada no profundo respeito pelo senso comum que trazem os setores<br />
populares em sua prática cotidiana [...] (GADOTTI, 2001, 112).<br />
Convém enfatizar que, com o fortalecimento do processo <strong>de</strong> globalização, que<br />
provocou profundas mudanças nos modos como os sujeitos se socializam, principalmente<br />
com a expansão dos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa e das novas tecnologias, passou-se a<br />
consi<strong>de</strong>rar necessário rediscutir o campo teórico e prático do paradigma da socialização na<br />
América Latina, especialmente no campo empírico. Alheit e Dausien (2007, p.121) justificam<br />
essa necessida<strong>de</strong> porque enten<strong>de</strong>m que<br />
El concepto marco <strong>de</strong> socialización no caracteriza ningún objeto concebible<br />
empiricamente, sino más bien uma perspectiva sumamente abstracta, bajo la<br />
que pue<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada casi cualquier cosa. De ello resulta, por outra<br />
parte, uma relativa popularidad com respecto a los métodos y lãs<br />
metodologias <strong>de</strong> investigación aplicadas.<br />
Nos anos 1990, essa forma abstrata da socialização provocou o questionamento sobre<br />
a dignida<strong>de</strong> teórica do conceito, pois o modificado contexto social exigia mo<strong>de</strong>los alternativos<br />
<strong>de</strong> convivência e <strong>de</strong> ação social e, consequentemente, novas interpretações para esses novos<br />
mo<strong>de</strong>los. Era preciso, como referem Alheit e Dausien (2007, p.121), [...] captar<br />
teoricamente aquella o la em uma perspectiva <strong>de</strong> proceso , se se quisessem investigar,<br />
qualitativamente, as <strong>aprendizagens</strong> ao longo da vida e os processos biográficos pelos quais as<br />
pessoas se socializam. Ao que parece, isso não estava ocorrendo, ou seja, a dimensão da
sociabilida<strong>de</strong> da aprendizagem biográfica parece que não estava sendo consi<strong>de</strong>rada nas<br />
investigações que se <strong>de</strong>senvolviam quando esse paradigma estava em vigor.<br />
Enten<strong>de</strong>mos que foi justamente por causa <strong>de</strong>sses limites<br />
primeiramente, os<br />
metodológicos e, posteriormente, os teóricos - do paradigma da socialização que se <strong>de</strong>u<br />
origem a um novo <strong>de</strong>bate, ou a outro ensaio paradigmático, <strong>de</strong>nominado individualização.<br />
Alheit e Dausien (2007) interpretam-no sob as luzes das teses <strong>de</strong> Beck (1997) e Gid<strong>de</strong>ns<br />
(1997). Esses teóricos introduziram novos elementos <strong>de</strong> análise da realida<strong>de</strong> social para<br />
explicar as mudanças em processo na or<strong>de</strong>m emergente (no campo educacional, por<br />
exemplo), inclusive o papel do sujeito/indivíduo nas socieda<strong>de</strong>s contemporâneas, marcadas<br />
por conjunturas <strong>de</strong> marginalida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> exclusão.<br />
Ao contrário do que se apregoava no paradigma da socialização, o paradigma da<br />
individualização <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que a pertença a um coletivo (na perspectiva da luta <strong>de</strong> classes) não<br />
é mais representativa como antes, na busca por alternativas contra as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s ou contra<br />
a exclusão social. De acordo com essa corrente, a atual realida<strong>de</strong> apresenta outras formas <strong>de</strong><br />
enfrentar essas problemáticas, as quais se dirigem agora também aos indivíduos e não apenas<br />
aos grupos ou classes.<br />
Foi, então, a partir da análise <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong>, que se mostrava cada vez mais<br />
complexa, que Beck (1997) e Gid<strong>de</strong>ns (1997) perceberam a tendência para a individualização<br />
e, com ela, a construção <strong>de</strong> outra mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, que eles chamaram <strong>de</strong> reflexiva . Nela, os<br />
sujeitos seriam obrigados a refletir continuamente sobre suas ações e consi<strong>de</strong>rados os<br />
principais responsáveis pela direção <strong>de</strong> suas trajetórias <strong>de</strong> vida.<br />
[...] o vínculo com essa outra mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> requer competências novas,<br />
flexíveis , que só po<strong>de</strong>m ser construídas e <strong>de</strong>senvolvidas nos processos <strong>de</strong><br />
aprendizagem conduzidos ao longo da vida (FIELD, 2000, apud, ALHEIT E<br />
DAUSIEN, 2007, p.06-07).<br />
O usufruto <strong>de</strong> tais <strong>aprendizagens</strong> é compreendido pelos teóricos <strong>de</strong>ssa corrente como<br />
<strong>de</strong>terminante da condição <strong>de</strong> inclusão ou exclusão social ou <strong>de</strong> marginalida<strong>de</strong> dos indivíduos.<br />
Foram as novas emergências do mundo globalizado que impulsionaram a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />
repensar sobre a organização social, com o sujeito colocado no centro das atenções sociais,<br />
políticas e metodológicas, e consi<strong>de</strong>rado principal agente da aprendizagem, responsável pela<br />
sua construção e pela direção que dá a esses processos na vida cotidiana.
Beck (1997), Gid<strong>de</strong>ns (1997) e Touraine (1998), entre outros que advogam essa<br />
corrente, alertam que a i<strong>de</strong>ia do sujeito pessoal , no centro da reflexão e das ações sociais,<br />
políticas e metodológicas, configura-se como uma proposta alternativa, que procura respostas<br />
para os complexos problemas que surgiram com a globalização. Eles enten<strong>de</strong>m como valiosa,<br />
por exemplo, a contribuição oferecida por esse ensaio paradigmático (a individualização) ao<br />
sistema educativo, uma vez que, a partir <strong>de</strong>le, incentivou-se (o sistema educacional, os<br />
educadores etc) a busca por diferentes estratégias <strong>de</strong> enfrentamento da realida<strong>de</strong>, além <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>spertado um atendimento mais efetivo das necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem <strong>de</strong> seus<br />
educandos. Necessida<strong>de</strong>s [...] que mudaram e para as quais nem sempre estamos<br />
respon<strong>de</strong>ndo a<strong>de</strong>quadamente (GADOTTI, 2001, p.139).<br />
Vale registrar que essas i<strong>de</strong>ias estão baseadas na compreensão da existência <strong>de</strong> uma<br />
socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> risco . É nessa socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> maneira mais incisiva, que se <strong>de</strong>ve impulsionar o<br />
fortalecimento dos indivíduos no contexto social. Essas i<strong>de</strong>ias são consi<strong>de</strong>radas as principais<br />
responsáveis pelo surgimento do paradigma da individualização, entendido como alternativa<br />
emergente e indispensável pelos principais teóricos <strong>de</strong>ssa corrente.<br />
Beck (1992, p. 127), apud Prina (2005, p. 52), conceitua a individualização como<br />
[...] certos aspectos subjetivos biográficos do processo <strong>de</strong> civilização.<br />
[Uma espécie <strong>de</strong>] liberação dos indivíduos das formas sociais tradicionais,<br />
<strong>de</strong>correntes da socieda<strong>de</strong> industrial, [...], como [...] classes, estratos, família,<br />
o status do gênero <strong>de</strong> homens e <strong>mulheres</strong> [...].<br />
Sob esse prisma, a individualização, obe<strong>de</strong>cendo a uma [..] <br />
que es el producto <strong>de</strong> la estructura biográfica particular <strong>de</strong> la experiencia adquirida ,<br />
contribui para que os sujeitos se abram para novas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong>.<br />
Partindo das premissas dos ensaios paradigmáticos anteriores (socialização e<br />
individualização) e, ao perceber que, em ambos, existia um campo <strong>de</strong> limites e possibilida<strong>de</strong>s,<br />
Alheit e Dausien (2007) propuseram uma terceira via paradigmática, que chamaram <strong>de</strong><br />
biograficidad. De acordo com Diniz (2007, p.65), o que distingue essa concepção teórica das<br />
anteriores é a combinação <strong>de</strong> aspectos, como estrutura e ação, sujeito e objeto, socieda<strong>de</strong> e<br />
indivíduo, num mesmo plano <strong>de</strong> análise do mundo social on<strong>de</strong> se constroem as <strong>biografias</strong>. Há,<br />
portanto, uma relação analítica entre biografia e socieda<strong>de</strong>, o que implica a <strong>de</strong>pendência<br />
recíproca dos paradigmas anteriores (ALHEIT e DAUSIEN, 2007, apud DINIZ, 2007).
O conceito <strong>de</strong> biograficida<strong>de</strong> apresentado pelos estudiosos supracitados se materializa<br />
no cruzamento entre a experiência <strong>de</strong> vida acumulada pelos sujeitos e as <strong>aprendizagens</strong> que<br />
eles adquirem ao longo <strong>de</strong> suas vidas nas várias esferas, sejam elas formais, não-formais ou<br />
informais. Refere-se, assim, à<br />
[...] capacida<strong>de</strong> do sujeito <strong>de</strong> re-elaborar a experiência <strong>de</strong> vida,<br />
consi<strong>de</strong>rando o caráter subjetivo da assimilação das ofertas <strong>de</strong><br />
aprendizagem, pero que ajusta la posibilidad <strong>de</strong> elaboración <strong>de</strong> nuevas<br />
estructuras <strong>de</strong> experiencia culturales y sociale. (ALHEIT e DAUSIEN, 2007,<br />
apud, DINIZ, 2007, p.67).<br />
Ao que parece, trata-se <strong>de</strong> uma perspectiva que oferece aos sujeitos, <strong>de</strong> maneira<br />
particular, uma segunda (terceira, quarta) chance para manejarem suas <strong>biografias</strong>, dando-lhes<br />
um novo significado e/ou uma nova direção se assim consi<strong>de</strong>rarem necessário. A expectativa<br />
em relação a esse paradigma é a <strong>de</strong> que contribua para estimular a aprendizagem biográfica<br />
dos sujeitos, ou seja, estimular a<br />
[...] (trans)formação <strong>de</strong> experiências, <strong>de</strong> saberes e <strong>de</strong> estruturas <strong>de</strong> ação na<br />
inscrição histórica e social dos modos-<strong>de</strong>-vida individuais , favorecendo a<br />
constituição <strong>de</strong> novas regras, contrárias àquelas reguladas por objetivos <strong>de</strong><br />
aprendizagem e certificações <strong>de</strong> caráter formal, especificada como<br />
aprendizagem curricular (SCHULZE, 1993ª, apud, ALHEIT E DAUSIEN,<br />
2007, p.185).<br />
Por sua vez, ao analisar essa nova forma <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r a aprendizagem - partindo-se<br />
da biografia e <strong>de</strong> sua ressignificação - surge-nos uma série <strong>de</strong> indagações, como estas, por<br />
exemplo: Que significado têm essas transformações biográficas (<strong>de</strong> experiências, <strong>de</strong> saberes e<br />
<strong>de</strong> estruturas <strong>de</strong> ação) para os sujeitos? Ao se oferecerem subsídios para o favorecimento<br />
<strong>de</strong>ssa aprendizagem, teriam os indivíduos maiores chance <strong>de</strong> solucionar os atuais dilemas do<br />
cotidiano? Quais as possibilida<strong>de</strong>s reais que os sujeitos têm <strong>de</strong> (trans) formar suas<br />
experiências e seus saberes? O que mais são capazes <strong>de</strong> provocar as <strong>aprendizagens</strong> adquiridas<br />
pelos sujeitos nos seus mundos <strong>de</strong> vida? Não seriam elas também, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do contexto<br />
em que são adquiridas, impulsionadoras da transgressão <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m socialmente<br />
estabelecida?
No capítulo seguinte, essas questões foram discutidas, partindo do que disseram os<br />
sujeitos <strong>de</strong>sta pesquisa sobre suas experiências <strong>de</strong> vida e sobre as <strong>aprendizagens</strong> retiradas<br />
<strong>de</strong>ssas experiências. Com isso, foi possível analisar em que medida os pressupostos que<br />
fundamentam esse paradigma ofereceram aos sujeitos a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transformarem suas<br />
experiências e seus saberes e os significados <strong>de</strong>ssas transformações em suas <strong>biografias</strong>.<br />
Eis, pois, o que consi<strong>de</strong>ramos nas análises das <strong>biografias</strong> das <strong>mulheres</strong> investigadas,<br />
tomando como referência o paradigma da biograficidad. A reflexão sobre esse paradigma é,<br />
na verda<strong>de</strong>, a mola-mestra<br />
<strong>de</strong>ste trabalho. Interessamo-nos pela averiguação das<br />
possibilida<strong>de</strong>s e dificulda<strong>de</strong>s que os sujeitos <strong>de</strong> nossa pesquisa tiveram <strong>de</strong> materializar essa<br />
proposta em suas vidas, analisando se o curso que lhes <strong>de</strong>ram tem a ver com as <strong>aprendizagens</strong><br />
biográficas adquiridas, tal como elas são entendidas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse paradigma, ou seja, sem<br />
abandonar nem os aspectos da socialização nem os da individualização.<br />
Confiar nesse paradigma, que se abre a todos os espaços formais, não-formais e<br />
informais <strong>de</strong> aprendizagem, po<strong>de</strong> ser um dos caminhos viáveis para a busca <strong>de</strong> soluções para<br />
os entraves da política e da prática educativa e <strong>de</strong> alternativas reais que visem à autonomia<br />
dos sujeitos frente aos <strong>de</strong>safios da contemporaneida<strong>de</strong>.<br />
Na sequência <strong>de</strong>ste capítulo, aprofundamo-nos na discussão a respeito <strong>de</strong>ssa<br />
perspectiva biográfica. Apresentamos os seus fundamentos, situando-a no campo da<br />
sociologia da educação, e i<strong>de</strong>ntificando, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua proposta, elementos <strong>de</strong> discussão que<br />
servem para a análise posterior das <strong>biografias</strong> <strong>de</strong> aprendizagem das <strong>mulheres</strong> - sujeitos da<br />
pesquisa.<br />
2.1.1 Biograficidad: fundamentos e propostas sugeridas para a formação <strong>de</strong> um novo<br />
sujeito, construtor ativo <strong>de</strong> sua realida<strong>de</strong><br />
Por que adotamos o paradigma da biograficidad na análise dos fenômenos ocorridos<br />
na trajetória <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> prisioneiras? Não é esse um paradigma que, por consi<strong>de</strong>rar<br />
[...] a i<strong>de</strong>ia do caráter obstinadamente subjetivo da assimilação das ofertas <strong>de</strong><br />
aprendizagem<br />
(ALHEIT e DAUSIEN, 2007) responsabiliza unicamente os sujeitos pelos<br />
seus sucessos ou fracassos? Não se trata também <strong>de</strong> um paradigma limitado, por dar<br />
relevância às experiências subjetivas em <strong>de</strong>trimento das experiências coletivas, vividas no<br />
engajamento social com aqueles que fazem parte do mesmo grupo? Tais perguntas,<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do tom com que são formuladas, po<strong>de</strong>m evi<strong>de</strong>nciar um entendimento limitado do
significado e da importância da biograficidad para as investigações científicas da área <strong>de</strong><br />
ciências humanas.<br />
Com base nesses questionamentos, nossa intenção, nesta segunda parte do capítulo II,<br />
é apresentar os fundamentos que <strong>de</strong>ram origem a esse paradigma da biograficidad, <strong>de</strong> modo a<br />
estabelecer um entendimento mais amplo sobre ele e apresentar algumas das características<br />
que o acompanham, no sentido <strong>de</strong> subsidiar os sujeitos a darem um novo sentido às suas<br />
vidas, por meio da reflexão <strong>de</strong> suas experiências.<br />
Cabe, inicialmente, esclarecer que a biograficida<strong>de</strong> é, <strong>de</strong> fato, uma tendência que só<br />
veio ganhar <strong>de</strong>staque a partir da década <strong>de</strong> 1990 (KOMONEN, 2004, p.152 apud, DINIZ,<br />
2007, p.55). Por essa razão, a literatura disponível sobre ela é recente e limitada, mas disposta<br />
a contribuir com as recentes pesquisas que procuram analisar os fenômenos ocorridos no seio<br />
das socieda<strong>de</strong>s contemporâneas e, mais especificamente, na vida cotidiana dos seus sujeitos.<br />
Partindo-se <strong>de</strong> um campo <strong>de</strong> propostas e estratégias favoráveis à intervenção na<br />
realida<strong>de</strong>, a biograficida<strong>de</strong> se alia a outras correntes teóricas, como por exemplo, as que<br />
discorrem sobre os conceitos <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, cuja finalida<strong>de</strong> é a <strong>de</strong><br />
possibilitar a própria teorização. Vale relembrar que, para os teóricos mais contemporâneos<br />
<strong>de</strong>ssas correntes - Beck (1997), Gid<strong>de</strong>ns (1997) e Touraine (1998) - a socieda<strong>de</strong> enfrenta<br />
riscos <strong>de</strong>scivilizatórios <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>ssa nova fase da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, que parece bastante<br />
complexa e que, por isso mesmo, reclama novas formas <strong>de</strong> compreensão sobre a atuação e a<br />
intervenção dos sujeitos na socieda<strong>de</strong>.<br />
É, pois, <strong>de</strong>ssa compreensão que os conceitos <strong>de</strong> aprendizagem e <strong>de</strong> biografia, que<br />
envolvem a teoria da biograficida<strong>de</strong>, são elaborados e propostos para análise no campo<br />
empírico.<br />
Como tal, a teoria da biograficida<strong>de</strong> apresenta-se com uma trajetória própria e<br />
interligada ao <strong>de</strong>bate da educação / formação / aprendizagem ao longo da vida. Convém<br />
<strong>de</strong>stacar que, para a sua tematização, <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>rados os discursos produzidos nas<br />
últimas décadas em torno <strong>de</strong>ssa educação/formação/aprendizagem, e como consequência, a<br />
compreensão <strong>de</strong> seus objetivos e implicações nas socieda<strong>de</strong>s contemporâneas.<br />
Há que ser lembrado, por exemplo, que o conceito <strong>de</strong> Educação / Formação /<br />
Aprendizagem ao Longo da Vida mudou com o tempo. Aos poucos, as suas <strong>de</strong>signações<br />
foram ganhando espaço, nos discursos e nas práticas das políticas internacionais,<br />
impulsionadas, principalmente, por organizações como o Conselho da Europa, a UNESCO<br />
(Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e a OCDE<br />
(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) (KALLEN, 1996). Essas
organizações foram as principais responsáveis pelo reconhecimento da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />
novo conceito <strong>de</strong> educação e <strong>de</strong> aprendizagem. Segundo Kallen (1996), elas <strong>de</strong>senvolveram<br />
um conceito <strong>de</strong> Aprendizagem ao Longo da Vida quase que simultaneamente, baseando-se<br />
pelos mesmos objetivos globais, ainda que seguindo orientações <strong>de</strong> distintos modos <strong>de</strong><br />
produção.<br />
O Conselho da Europa, por exemplo, foi a organização que introduziu nos anos<br />
sessenta a educação permanente nos seus programas [...] (KALLEN, 1996, p.18),<br />
compreendida como primeiro paradigma da aprendizagem ao longo da vida.<br />
A educação permanente era consi<strong>de</strong>rada como um conceito<br />
fundamentalmente novo e abrangente... um padrão <strong>de</strong> educação global capaz<br />
<strong>de</strong> fazer face ao rápido crescimento das necessida<strong>de</strong>s individuais cada vez<br />
mais diversificadas <strong>de</strong> jovens e adultos, no âmbito da educação na nova<br />
socieda<strong>de</strong> europeia - uma meta que os sistemas educativos iniciais não<br />
conseguiram alcançar, visto não terem podido satisfazer <strong>de</strong> forma eficaz as<br />
necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> número dos seus alunos, em parte <strong>de</strong>vido à<br />
insuficiente diversida<strong>de</strong> dos respectivos programas. (KALLEN, 1996, p.18).<br />
A educação permanente ligava-se, então, a i<strong>de</strong>ais tanto <strong>de</strong> igualização ,<br />
participação , quanto <strong>de</strong> globalização (KALLEN, 1996), concomitante à valorização da<br />
Educação <strong>de</strong> Jovens e Adultos nas políticas educacionais. A esse campo foram <strong>de</strong>positadas<br />
esperanças no sentido <strong>de</strong> se consolidar um sistema educativo voltado para as necessida<strong>de</strong>s<br />
(sociais e individuais) impostas pelas transformações sociais ocorridas no período em que ele<br />
surgira.<br />
Para Licínio (2007), a educação permanente tinha objetivos voltados tanto para a<br />
emancipação das pessoas e da socieda<strong>de</strong> quanto para viabilizar o processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização e<br />
globalização que se disseminava na época.<br />
[...], a educação permanente (e em especial a educação <strong>de</strong> adultos) foi<br />
objecto <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento em vários países, a partir <strong>de</strong> concepções<br />
<strong>de</strong> política educativa diversas, embora reconhecendo a centralida<strong>de</strong> do<br />
Estado e as responsabilida<strong>de</strong>s dos governos, ora acentuando o valor<br />
intrínseco para a <strong>de</strong>mocracia e a cidadania, para a responsabilida<strong>de</strong> social e a<br />
emancipação, ora orientando-se segundo objectivos <strong>de</strong> feição mais<br />
<strong>de</strong>senvolvimentista, inspirados pelas teorias <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização e pela teoria<br />
do capital humano. (LICÌNIO, 2007, p.18-19).
Pelo que se percebe, essa proposta mobilizou uma política <strong>de</strong> educação global, que<br />
procurava aten<strong>de</strong>r aos interesses e às necessida<strong>de</strong>s particulares das pessoas e das socieda<strong>de</strong>s<br />
em processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização. Foi, portanto, consi<strong>de</strong>rada [...] a i<strong>de</strong>ia mestra para as<br />
políticas educativas futuras (LICÍNIO, 2007, p.13).<br />
Na década <strong>de</strong> 1970, e <strong>de</strong> forma mais acentuada, a partir dos anos 1980, a UNESCO<br />
[...] se propôs a construir e a <strong>de</strong>senvolver uma reflexão mais madura sobre as bases nas quais<br />
<strong>de</strong>veria se assentar uma política <strong>de</strong> educação [...] (WERTHEIN E CUNHA, 2000, p.12). A<br />
educação permanente, que também passara a se chamar Educação ao longo da vida ,<br />
significava para essa organização um campo aberto aos sistemas educacionais, no sentido <strong>de</strong><br />
se buscarem novas formas e meios <strong>de</strong> possibilitar a, pelo menos, gran<strong>de</strong> parte da população<br />
adulta, um mínimo <strong>de</strong> conhecimento e competências (KALLEN, 1996, p.19), úteis ao<br />
fortalecimento da <strong>de</strong>mocracia e ao <strong>de</strong>senvolvimento econômico. O alcance <strong>de</strong>sse propósito,<br />
para a UNESCO, <strong>de</strong>pendia <strong>de</strong> um <strong>de</strong>senvolvimento, <strong>de</strong> maneira conjunta, dos programas<br />
educativos, científicos, sociopolíticos e culturais (KALLEN, 1996).<br />
Contrariamente ao paradigma da educação permanente - que fora impulsionado pelo<br />
Conselho da Europa e pela UNESCO, e que tinha objetivos mais amplos em relação à política<br />
educativa, o paradigma da educação contínua, proposto pela OCDE (Organização para a<br />
Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e financiado, em gran<strong>de</strong> parte, pelas empresas,<br />
tinha um objetivo mais mo<strong>de</strong>sto, que se voltava para a disseminação <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s<br />
educativas menores ao longo da vida <strong>de</strong> um indivíduo [...] , disponibilizando-as quando<br />
necessárias (KALLEN, 1996, p.19).<br />
Através da crítica ao sistema escolar, atribuindo-lhe ineficácia pelo fato <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar<br />
que afastava o jovem da vida real, a educação contínua, sugerida pela OCDE, propunha uma<br />
alternância entre educação e trabalho ou outra ativida<strong>de</strong>, o que nos leva a enten<strong>de</strong>r a forte<br />
conotação econômica que a abarcava.<br />
A abordagem <strong>de</strong>sses três paradigmas da Aprendizagem ao Longo da Vida das décadas<br />
<strong>de</strong> 1960, 1970 e daqueles que surgiram no discurso contemporâneo levou Kallen (1996, p.20)<br />
a fazer a seguinte reflexão:<br />
O sincronismo dos três paradigmas <strong>de</strong> Aprendizagem ao Longo da Vida,<br />
atrás mencionados, no início da década <strong>de</strong> setenta, encontrou um paralelo na<br />
contemporaneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> publicações muito críticas sobre a<br />
educação formal. Muitas <strong>de</strong>las inspiraram e influenciaram directamente o<br />
pensamento sobre novos conceitos e políticas <strong>de</strong> Aprendizagem ao Longo da<br />
Vida.
Essas palavras evi<strong>de</strong>nciam que o que uniu entre si esses paradigmas da Aprendizagem<br />
ao Longo da Vida das décadas acima referidas, acabando também por se unir aos <strong>de</strong>mais, que<br />
surgiram na década <strong>de</strong> 1990, foi a <strong>de</strong>scrença na educação inicial oportunizada em contexto<br />
escolar. A mensagem básica <strong>de</strong> todos eles, nos textos que se publicavam, apontava para a falta<br />
<strong>de</strong> credibilida<strong>de</strong> na escola, <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alcançar, sozinha, objetivos ligados à<br />
promoção da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s e à qualificação básica dos educandos para o<br />
mercado <strong>de</strong> trabalho, os quais pareciam emergentes naqueles contextos sociais on<strong>de</strong> a APLV<br />
(aprendizagem ao longo da vida) ganhou força.<br />
Assim, a importância dada aos referidos paradigmas da Aprendizagem ao Longo da<br />
Vida, nos respectivos períodos, <strong>de</strong>veu-se a esse consenso entre os acadêmicos e os executores<br />
das políticas, no que diz respeito à ineficácia da educação escolar. Vale registrar que, ainda<br />
que essa perspectiva tenha ganhado terreno no discurso político das socieda<strong>de</strong>s mais<br />
<strong>de</strong>senvolvidas, na prática, poucos progressos, ligados ao <strong>de</strong>senvolvimento cultural e social das<br />
pessoas <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> sua aplicação, foram vistos.<br />
Para Kallen (1996), não houve esses progressos, porque quando as organizações<br />
adotaram esses paradigmas, reduziram-nos a algumas dimensões específicas ligadas<br />
unicamente aos seus interesses. Dessa forma, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>raram os objetivos libertadores,<br />
emancipatórios e politicamente progressistas que a proposta abarcava.<br />
Na nossa compreensão, talvez essa falta <strong>de</strong> progressos se <strong>de</strong>vesse também (e talvez<br />
ainda hoje se <strong>de</strong>va) ao fato <strong>de</strong> nem todas as pessoas conseguirem os laços e/ou os vínculos<br />
capazes <strong>de</strong> provocar tais progressos e a emancipação <strong>de</strong>sejados, <strong>de</strong>vido às circunstâncias <strong>de</strong><br />
suas vidas, po<strong>de</strong>ndo isso indicar que as <strong>aprendizagens</strong> adquiridas ao longo da vida são<br />
capazes <strong>de</strong> abrir outras possibilida<strong>de</strong>s, ligadas, por exemplo, a mundos como o da<br />
marginalida<strong>de</strong> e o da criminalida<strong>de</strong>.<br />
Na década <strong>de</strong> 1990, o <strong>de</strong>bate sobre políticas <strong>de</strong> educação/formação reaparece com<br />
bastante ênfase no cenário acadêmico e nas agendas políticas. Ele surge, primeiramente, no<br />
contexto europeu e, em seguida, prolifera-se internacionalmente. Na Europa, esse <strong>de</strong>bate teve<br />
início através da publicação do Memorando sobre Aprendizagem ao Longo da Vida<br />
(Comissão das comunida<strong>de</strong>s Europeias, 2000) que, segundo Alheit e Dausien (2007), fora o<br />
mais importante documento europeu sobre a política <strong>de</strong> formação.<br />
Nele, acentuou-se a emergência da Aprendizagem ao Longo da Vida, sob o argumento<br />
<strong>de</strong> que a socieda<strong>de</strong> europeia apresentava características radicais, que indicavam a<br />
complexida<strong>de</strong> nos campos do conhecimento e da economia. Tal complexida<strong>de</strong> fazia com que<br />
essa aprendizagem fosse colocada como priorida<strong>de</strong> das políticas, tendo em vista as esperanças
que lhes eram <strong>de</strong>positadas na promoção da cidadania ativa e da empregabilida<strong>de</strong>, o que nem<br />
sempre era possível <strong>de</strong> se obter.<br />
Citando a <strong>de</strong>finição do memorando sobre essa nova conceituação <strong>de</strong> Aprendizagem ao<br />
Longo da Vida, Alhei e Dausien (2007, p.12) assim apresentaram:<br />
[...] «El aprendizaje a lo largo <strong>de</strong> la vida (lifelong learning) no es sólamente<br />
uno <strong>de</strong> los aspectos <strong>de</strong> la educación y <strong>de</strong>l aprendizaje; <strong>de</strong>be llegar a ser el<br />
principio rector, garantizando a todos un acceso a las ofertas <strong>de</strong> educación<br />
y <strong>de</strong> formación, en una gran variedad <strong>de</strong> contextos <strong>de</strong> aprendizaje.»<br />
(Comission of the European Communities, 2000, p.3).<br />
Verifica-se aí que o protagonismo atribuído à aprendizagem, através <strong>de</strong>sse<br />
memorando, conforme analisaram Alheit e Dausien (2007), <strong>de</strong>ve-se à consi<strong>de</strong>ração dos vários<br />
contextos e espaços on<strong>de</strong> ela po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ocorrer. O Memorandum, segundo esses autores,<br />
estipula claramente que a educação ao longo da vida concerne a todas as ativida<strong>de</strong>s<br />
significativas <strong>de</strong> aprendizagem, o que implica dizer que estão contempladas aquelas que<br />
adquirimos com e nas experiências <strong>de</strong> vida da cotidianida<strong>de</strong>, como pressupõe a aprendizagem<br />
biográfica 20 .<br />
Consi<strong>de</strong>rando-se, pois, os imperativos <strong>de</strong>sse novo conceito <strong>de</strong> educação/aprendizagem<br />
ao longo da vida, surge-nos o questionamento: Se são consi<strong>de</strong>radas nessa proposta todas as<br />
<strong>aprendizagens</strong> adquiridas nas experiências <strong>de</strong> vida dos sujeitos, quais as estratégias <strong>de</strong><br />
superação das <strong>aprendizagens</strong> negativas, ou não emancipadoras<br />
política?<br />
utilizadas no campo da<br />
Essa indagação se fundamenta na i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a educação, em si mesma (mesmo na<br />
perspectiva ao longo da vida), não é suficiente para romper as estruturas sociais, tampouco<br />
para superar os condicionamentos psicológicos/individuais dos sujeitos inseridos em culturas<br />
e contextos <strong>de</strong>sfavorecidos e marginais. No entanto, ela po<strong>de</strong>ria ser uma das vias possíveis se<br />
viesse aliada a outras políticas públicas sociais como: <strong>de</strong> emprego, <strong>de</strong> urbanização, <strong>de</strong> lazer,<br />
etc.<br />
Alhei e Dausien (2007) também <strong>de</strong>monstram uma preocupação nesse sentido, por isso<br />
sugerem que o empilhamento das experiências dos sujeitos (vividas nos seus mundos <strong>de</strong> ações<br />
concretos com as pessoas que nele interagem) se integre a outros domínios <strong>de</strong> experiências (a<br />
20 Tal conceito representa a contribuição teórica <strong>de</strong> Alheit e Dausien (2007) na questão da formação ao longo da<br />
vida.
escola, o trabalho, etc.), (re) unindo-os em uma figura com sentido particular. Na prática, essa<br />
integração po<strong>de</strong> favorecer, <strong>de</strong> acordo com esses autores, a transformação (ou reelaboração)<br />
<strong>de</strong>ssas experiências e <strong>de</strong> estruturas <strong>de</strong> ação inscritas, históricas e socialmente, nos mundos <strong>de</strong><br />
vida individuais (ALHEIT E DAUSIEN, 2007).<br />
Para ilustrar essa explicação, citamos o exemplo <strong>de</strong> um professor que acumula, ao<br />
longo da vida, uma vasta experiência na profissão. Estruturado nessa e em outras experiências<br />
que adquire na relação com o mundo e com as <strong>de</strong>mais pessoas do seu meio, ele constrói a sua<br />
biografia individual, mas não ainda a sua biograficidad. Todavia, quando esse mesmo<br />
professor passa a refletir sobre suas experiências (profissionais e pessoais) e, através <strong>de</strong>ssa<br />
reflexão, percebe que po<strong>de</strong> retirar <strong>de</strong>las <strong>aprendizagens</strong> importantes para <strong>de</strong>senvolver novos<br />
projetos, efetuar novas ações nos seus mundos <strong>de</strong> ação concretos e adquirir novas<br />
<strong>aprendizagens</strong>, começa a passar por um processo <strong>de</strong> transformação e, consequentemente, <strong>de</strong><br />
reelaboração e\ou ressignificação <strong>de</strong>ssa experiência biográfica, provocada pela assimilação<br />
subjetiva das <strong>aprendizagens</strong> ofertadas implícita ou explicitamente ao longo da vida. É nesse<br />
sentido que se po<strong>de</strong> dizer que a biograficidad se concretizou, ou está se concretizando na vida<br />
<strong>de</strong>sse professor.<br />
Essa breve <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> fatos reforça o caráter da construtivida<strong>de</strong> social da<br />
biograficidad. Sobre isso, Alheit e Dausien (2007, p.32) comentam:<br />
En las construcciones biográficas, individuos concretos (la mayoría)<br />
muestran con ello no sólo la índole <strong>de</strong> construcción social <strong>de</strong> la biografía,<br />
sino también la índole <strong>de</strong> construcción biográfica <strong>de</strong> la realidad social. La<br />
reproducción y transformación <strong>de</strong> constructos y componentes <strong>de</strong> la<br />
experiencia sociales ha <strong>de</strong> pasar, en cierta medida, a través <strong>de</strong>l «ojo <strong>de</strong> la<br />
aguja» <strong>de</strong> la reproducción biográfico-individual. Dicho <strong>de</strong> otro modo, que<br />
también a la producción y reproducción <strong>de</strong> las estructuras <strong>de</strong> sentido y <strong>de</strong><br />
acción sociales subyacen, sin embargo, las reglas obstinadas <strong>de</strong> la<br />
articulación biográfica21. Para conceptualizar essas i<strong>de</strong>as, <strong>de</strong> que las<br />
construcciones biográficas forman el polo opuesto dialéctico a la<br />
socialidad, Alheit ha propuesto el concepto <strong>de</strong> «biograficidad»<br />
[Biographizität] (cfr. 1990a, 1992, 1993b).<br />
21 Schutze ha <strong>de</strong>scrito algunas reglas básicas <strong>de</strong> essa articulación con sus «figuras cognitivas». Sería<br />
interesante investigar los «principios <strong>de</strong> construcción» correspondientes también en otros planos <strong>de</strong> la<br />
elaboración subjetiva, como, por ejemplo, en el ámbito <strong>de</strong> las emociones (cfr. Ma<strong>de</strong>r, 1994) o en el plano <strong>de</strong>l<br />
saber <strong>de</strong>l cuerpo.
O conceito <strong>de</strong> biograficida<strong>de</strong>, assim compreendido, não se <strong>de</strong>sapega da trama do<br />
<strong>de</strong>bate paradigmático da Educação ao Longo da Vida tal como vem sendo abordado na<br />
contemporaneida<strong>de</strong>, atrelado ao conceito <strong>de</strong> Educação <strong>de</strong> Jovens e Adultos. Ele se alia ao seu<br />
objeto <strong>de</strong> preocupação, que se volta justamente para a promoção <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong><br />
<strong>aprendizagens</strong> capazes <strong>de</strong> favorecer aos sujeitos o <strong>de</strong>senvolvimento das suas capacida<strong>de</strong>s<br />
individuais, o enriquecimento dos seus conhecimentos, a melhoria <strong>de</strong> suas qualificações<br />
técnicas e\ou profissionais. Tudo isso, <strong>de</strong> modo a contribuir com a satisfação das suas<br />
necessida<strong>de</strong>s e as <strong>de</strong> sua socieda<strong>de</strong>\comunida<strong>de</strong>, o que implica a construtivida<strong>de</strong> social da<br />
biografia (CONFINTEA V, 1997).<br />
Veja-se que as duas perspectivas teórico-metodológicas - Biograficidad e Educação ao<br />
Longo da Vida - se ligam mutuamente porque ambas propõem aos sujeitos a construção ativa<br />
<strong>de</strong> si mesmos e <strong>de</strong> suas realida<strong>de</strong>s, por meio das <strong>aprendizagens</strong> que constantemente adquirem<br />
no interior das experiências <strong>de</strong> vida. Portanto, o que se coloca no centro da explicação acerca<br />
<strong>de</strong>ssa ligação e que correspon<strong>de</strong> ao conteúdo do <strong>de</strong>bate dos respectivos paradigmas é a<br />
aprendizagem.<br />
Nas duas perspectivas, ela (a aprendizagem) é consi<strong>de</strong>rada a principal responsável<br />
pelas transformações que ocorrem tanto nas <strong>biografias</strong> das pessoas quanto no espaço social<br />
on<strong>de</strong> essas pessoas circulam. Essa característica transformadora e inovadora da aprendizagem<br />
é o que justifica a perspectiva da biograficidad.
CAPÍTULO III: CONTEMPORANEIDADE E BIOGRAFIAS FEMININAS<br />
Neste capítulo, apresentamos uma reflexão sobre alguns dos discursos produzidos pela<br />
literatura acerca do direcionamento que as <strong>mulheres</strong> têm dado às suas <strong>biografias</strong> na<br />
contemporaneida<strong>de</strong>. Esses discursos se apresentam atrelados às discussões sobre as relações<br />
<strong>de</strong> gênero e seus significados/implicações no processo <strong>de</strong> construção biográfica 22 , tendo como<br />
principais referências teóricas os autores Alheit e Dausien (2007).<br />
A importância <strong>de</strong> refletir sobre <strong>biografias</strong> femininas contemporâneas, em especial, <strong>de</strong><br />
<strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>, <strong>de</strong>ve-se à compreensão <strong>de</strong> que o processo <strong>de</strong> transição da primeira<br />
para a segunda mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, marcado por uma série <strong>de</strong> mudanças (na socieda<strong>de</strong>, na<br />
economia, no mundo do trabalho, na família, na escola etc.) impactou diretamente o modo <strong>de</strong><br />
construção biográfica dos gêneros, favorecendo os mais diferentes modos <strong>de</strong> construção.<br />
Com a teoria da biograficidad, Alheit e Dausien (2007) analisam essas mudanças e<br />
<strong>de</strong>senvolvem uma análise sociológica direcionada especificamente para a construção<br />
biográfica do gênero. Eles enten<strong>de</strong>m que, com a reconstrução das <strong>biografias</strong>, os indivíduos<br />
reconstroem, ao mesmo tempo, [...] su historia respectiva como mujer o como hombre (en<br />
un <strong>de</strong>terminado contexto social y <strong>de</strong>l mundo <strong>de</strong> vida) (ALHEIT & DAUSIEN, 2007, p.35).<br />
Esses autores compreen<strong>de</strong>m que os sujeitos, além <strong>de</strong> construírem suas <strong>biografias</strong><br />
individuais, também produzem protótipos para as suas <strong>biografias</strong> <strong>de</strong> gênero. Ou seja,<br />
produzem eles mesmos [ ] las prescripciones <strong>de</strong>l mundo <strong>de</strong> vida para las reglas<br />
«masculinas» y «femeninas» <strong>de</strong> la acción biográfica , o que implica dizer que também<br />
po<strong>de</strong>m mudá-las (DAUSIEN, 2007, apud, ALHEIT & DAUSIEN, 2007).<br />
Além <strong>de</strong>les, outros estudiosos, como: Touraine (2007), Hiratta (2007), Me<strong>de</strong>iros<br />
(2002), Rosemberg (2001) e Heilborn (1999), ofereceram a esse trabalho subsídios analíticos<br />
importantes para se compreen<strong>de</strong>rem as configurações biográficas das <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong><br />
do nosso estudo.<br />
A contribuição <strong>de</strong> Touraine (1998) sobre esse assunto se <strong>de</strong>u através das explicações<br />
novas que ele ofereceu para as mudanças em processo na socieda<strong>de</strong>, inclusive o papel do<br />
sujeito/indivíduo (homem e mulher) na or<strong>de</strong>m emergente. Foi, mais especificamente, na obra<br />
Po<strong>de</strong>remos viver juntos? Iguais e diferentes , que i<strong>de</strong>ntificamos essas i<strong>de</strong>ias. Nelas se<br />
ressalta o sujeito como combinação <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal e duma cultura particular com<br />
22 O termo construção biográfica significa não somente o construto biográfico, o produto final das construções<br />
coletivas e individuais, mas também o processo da construção , ou seja, a produção e reprodução em si. E esse<br />
não é somente um ato cognitivo, mas uma complexa relação, uma práxis, que, por sua vez, está amarrada a um<br />
contexto <strong>de</strong> ação pragmática e opera na realida<strong>de</strong> (GONÇALVES & LISBOA, 2006, p.05).
a participação num mundo racionalizado (TOURAINE, 1998, p.25). Tal combinação ocorre<br />
através <strong>de</strong> um processo que envolve o esforço do indivíduo para se tornar um ator e para<br />
afirmar a sua liberda<strong>de</strong> pessoal. As <strong>mulheres</strong> são, para esse autor, entendidas como as que<br />
mais têm <strong>de</strong>sempenhado esse esforço na contemporaneida<strong>de</strong>.<br />
Aliás, esse esforço, segundo Touraine (1998), é tanto causa como consequência das<br />
mudanças ocorridas nas relações <strong>de</strong> gênero no mundo contemporâneo. Essas, que se<br />
baseavam no mo<strong>de</strong>lo europeu <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização, segundo ele, já não são mais as mesmas. A<br />
ação libertadora feminina, que pôs fim à [...] imagem central, única, do sujeito humano e à<br />
[...] i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> uma categoria particular <strong>de</strong> seres humanos com o universal<br />
(TOURAINE, 1998, p.220), foi a principal responsável por essas mudanças, provocando<br />
também profundas transformações nas teorias sociológicas.<br />
Assim, para Touraine (1998), a construção do sujeito feminino e masculino, como<br />
atrizes e atores <strong>de</strong> suas próprias histórias, só se consolida no centro das práticas sociais<br />
contemporâneas (ou nos mundos <strong>de</strong> ação concretos), quando são recompostos os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong><br />
vida tradicionais, nos quais os homens exercem dominação sobre as <strong>mulheres</strong>, ou seja, ao se<br />
por fim ao que Bourdieu (2002) chamou <strong>de</strong> violência simbólica 23 .<br />
No seu mais recente livro, O mundo das <strong>mulheres</strong> , Touraine (2007) aprofunda essas<br />
i<strong>de</strong>ias relativas às <strong>mulheres</strong>, <strong>de</strong>senvolvendo reflexões importantes sobre seus pensamentos e<br />
experiências vividas na contemporaneida<strong>de</strong>. Ele elabora uma discussão teórica sobre as<br />
tentativas <strong>de</strong> as <strong>mulheres</strong> provocarem as recomposições <strong>de</strong> suas vidas pela via da construção<br />
<strong>de</strong> si mesmas enquanto sujeitos.<br />
Analisando o pensamento <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong> e a experiência vivida por elas (que,<br />
segundo ele, é muito diferente daquilo que se diz sobre o que elas dizem e fazem), ele<br />
apresenta uma crítica aos estudos/publicações acadêmicas que se tem produzido nas últimas<br />
décadas sobre elas. Alega que os seus autores têm se preocupado mais em ostentar a imagem<br />
da mulher vítima da dominação masculina, submissa aos <strong>de</strong>sejos, regras e funções impostas<br />
por outros, que a sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação e reação autônoma em <strong>de</strong>staque na era<br />
contemporânea.<br />
Esse novo enfoque tira a mulher da situação <strong>de</strong> vítima para torná-la um novo sujeito<br />
na construção da sua própria historia e na historia da conjuntura on<strong>de</strong> se encontra inserida. A<br />
mulher, portanto, passa a ser sujeito capaz <strong>de</strong> se transformar e <strong>de</strong> transformar o seu entorno<br />
social.<br />
23 Bourdieu (2002) <strong>de</strong>screve a violência simbólica como um ato sutil, que oculta relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que alcançam<br />
não apenas as relações entre os gêneros, mas toda a estrutura social.
Em outras palavras, a compreensão <strong>de</strong> que, historicamente, os homens foram os<br />
inventores e patrões da vida social (TOURAINE, 2007) e <strong>de</strong> que ainda existem<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s entre os gêneros, não justifica, na compreensão <strong>de</strong> Touraine (2007, p.40), essa<br />
ostentação da vitimização da mulher, pois ele enten<strong>de</strong> que a <strong>de</strong>núncia das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s teria<br />
mais força se se apoiasse mais na consciência feminina <strong>de</strong> si enquanto sujeito.<br />
Nessa direção, o sociólogo adverte que os objetivos das <strong>mulheres</strong> da era<br />
contemporânea, que po<strong>de</strong>mos chamar <strong>de</strong> era pós-feminista, já não são mais os mesmos<br />
daqueles da era feminista. Isso implica dizer que a luta que elas agora travam não é mais para<br />
garantir a liberda<strong>de</strong> e a igualda<strong>de</strong> em relação aos homens - contra a sua dominação, mas em<br />
favor <strong>de</strong> suas próprias afirmações como sujeitos 24 que se inventam e, como tais, criam o<br />
próprio significado <strong>de</strong> si mesmas. Elas [...] preocupam-se menos com os homens do que com<br />
elas mesmas, porque o objetivo principal é a construção <strong>de</strong> si mesmas (TOURAINE, 2007,<br />
p.83).<br />
As outras estudiosas no assunto sobre as <strong>mulheres</strong>, que acima mencionamos,<br />
ofereceram contribuições a esse trabalho por tratarem nos seus estudos dos principais<br />
domínios da vida das <strong>mulheres</strong> que contribuem para essa (re) configuração biográfica do<br />
gênero, como: o trabalho (e com ele, a remuneração), a família (em suas diversas<br />
modalida<strong>de</strong>s), a educação (escolarização) e a sexualida<strong>de</strong>.<br />
Esses domínios formaram o repertório dos trabalhos <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong>/estudiosas, que<br />
se firmaram nas seguintes temáticas: a nova divisão sexual do trabalho (HIRATTA, 2007); os<br />
novos arranjos familiares - alterações da estrutura familiar tradicional (MEDEIROS, 2002); a<br />
situação das <strong>mulheres</strong> no sistema educacional (DAUSIEN, 2007); o gênero, a sexualida<strong>de</strong> e a<br />
construção <strong>de</strong> si (HEILBORN, 1999, TOURAINE, 2007).<br />
As autoras supracitadas <strong>de</strong>monstraram, em seus trabalhos que, ainda que, em alguns<br />
setores, persista-se uma visão discriminatória contra as <strong>mulheres</strong>, são elas as que mais têm<br />
provocado mudanças no modo <strong>de</strong> construção biográfica dos gêneros, no modo <strong>de</strong> conduzir<br />
suas vidas e, com isso, <strong>de</strong> contribuírem com a (re) construção da socieda<strong>de</strong> e da cultura.<br />
Essas mudanças, ou novas formas <strong>de</strong> construção biográfica das <strong>mulheres</strong>, estão no<br />
cerne das reflexões que <strong>de</strong>senvolveremos a seguir.<br />
24 O sujeito, em Touraine (1997), é o esforço do indivíduo para ser um ator. Ele não tem outro conteúdo que a<br />
produção <strong>de</strong>le mesmo (TOURAINE, 1998, p.23).
3.1 OS MUNDOS DE AÇÃO CONCRETOS DAS MULHERES: RELAÇÕES DE GÊNERO<br />
E IMPLICAÇÕES NAS BIOGRAFIAS<br />
Damos início às reflexões <strong>de</strong>ste capítulo, procurando compreen<strong>de</strong>r: Que mundos <strong>de</strong><br />
ação concretos são esses, em que homens e <strong>mulheres</strong> estão construindo as suas <strong>biografias</strong> na<br />
contemporaneida<strong>de</strong>? Para nos aproximar da resposta para essa questão, recorremos a Dausien<br />
(2007), que esclarece:<br />
Los mundos <strong>de</strong> acción concretos (mundo <strong>de</strong> vida, medios [Milieu],<br />
biografías individuales), en los que los individuos construyen su biografía, si<br />
se refieren a sí mismos reflexivamente, pue<strong>de</strong>n ser concebidos también como<br />
«posicionamientos» [Positionierungen] (Gid<strong>de</strong>ns, 1988) en el espacio<br />
social. No obstante, el posicionamiento está marcado <strong>de</strong> un modo <strong>de</strong>cisivo<br />
por la relación <strong>de</strong> género, que afecta25 a todas las <strong>de</strong>más dimensiones <strong>de</strong>l<br />
espacio social y está insertada <strong>de</strong> un modo complejo en las contradicciones<br />
estructurales (diferencias) y en las estructuras <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r (jerarquías). De<br />
ellos forman parte las gran<strong>de</strong>s divisiones sociales <strong>de</strong>l trabajo en producción<br />
y reproducción, profesión y familia, espacio público y privacidad, que<br />
representan el hecho distintivo para los géneros <strong>de</strong> que las mujeres, <strong>de</strong><br />
modo específico, estén doblemente socializadas. (DAUSIEN, 2007, p.35).<br />
Os mundos <strong>de</strong> ação concretos representam assim o lugar ou espaço social on<strong>de</strong> as<br />
pessoas refletem sobre as suas vidas e se posicionam, tomando como referência as orientações<br />
das estruturas sociais (instituições, normas) e do gênero a que pertencem. Não são, portanto,<br />
disposiciones muertas, sino contextos vivos <strong>de</strong> interacción , lugar on<strong>de</strong> los individuos<br />
construyen su biografía en relación a los <strong>de</strong>más (DAUSIEN, 2007, p.33).<br />
Para Dausien (2007, apud, ALHEIT & DAUSIEN, 2007), essa construção en<br />
relación a los <strong>de</strong>más , é especificamente uma construção biográfica do gênero, que<br />
[ ] no resulta <strong>de</strong> procesos separados herméticamente, sino <strong>de</strong> la relación<br />
en las interacciones cotidianas <strong>de</strong> las mujeres y los hombres, ya se<br />
establezca essa relación <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> una pareja concreta, en el puesto <strong>de</strong><br />
trabajo, en el contexto familiar o en otros campos sociales, o se represente<br />
sólo simbólicamente, mediante las imágenes <strong>de</strong> hombres y mujeres, las<br />
estructuras <strong>de</strong> las <strong>de</strong>mandas, los juicios, etc., <strong>de</strong>l mundo <strong>de</strong> acción concreto<br />
(DAUSIEN, 2007, p.40, apud, ALHEIT & DAUSIEN, 2007).<br />
25 Como Bourdieu propone (1983, 1987), el espacio social pue<strong>de</strong> ser interpretado como una estructura<br />
específica <strong>de</strong> división <strong>de</strong>l capital económico, cultural y social. La posición <strong>de</strong>l individuo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> essa matriz<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> en efecto <strong>de</strong> las dimensiones continuas <strong>de</strong> la «colocación en el espacio social» (Mannheim, 1964).<br />
Junto a la generación (esto es, la situación histórica) y la pertenencia étnica y regional, el género resulta aquí<br />
un factor <strong>de</strong> estratificación <strong>de</strong>cisivo.
Pressupõe-se, <strong>de</strong>ssa maneira, que os mundos <strong>de</strong> ação concretos on<strong>de</strong> essas relações se<br />
<strong>de</strong>senvolvem (trabalho, contexto familiar, escola e outros espaços educativos etc.),<br />
compreendidos como condicionantes contextuais das ações dos sujeitos, estruturam as<br />
<strong>biografias</strong> (sejam elas masculinas ou femininas), num movimento inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, como que<br />
em um espiral: estructura social (entornos <strong>de</strong> acción) y la estructura individual (construcción<br />
biográfica).<br />
Nesse movimento, homens e <strong>mulheres</strong> po<strong>de</strong>m somente reproduzir o que está<br />
<strong>de</strong>terminado sócio-historicamente para o seu gênero; como po<strong>de</strong>m também romper com essas<br />
<strong>de</strong>terminações e <strong>de</strong>senvolverem ações contraditórias ou alternativas a elas, ligadas a uma<br />
orientação do saber <strong>de</strong> fundo biográfico 26 . Esse saber, segundo Dausien (2007), refere-se<br />
aos exce<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> sentido das construções biográficas. Não há um pleno controle e<br />
consciência racional acerca do seu uso por parte do sujeito, embora seja através <strong>de</strong>le que ele<br />
media as suas ações.<br />
O saber <strong>de</strong> fundo biográfico é utilizado, geralmente, nos momentos mais importantes e<br />
<strong>de</strong>terminantes da vida, por exemplo, [...] cuando efectuamos acciones, tomamos <strong>de</strong>cisiones,<br />
hacemos planes o narramos nuestra historia <strong>de</strong> vida (DAUSIEN, 2007, p.33).<br />
Quando utilizado narrativamente, como reconstrução/reflexão das<br />
vivências/experiências biográficas, o saber <strong>de</strong> fundo contribui para que elas (as experiências)<br />
possam ser ressignificadas, oferecendo aos sujeitos a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolverem projetos<br />
<strong>de</strong> ação diferentes para suas vidas, voltados aos seus novos interesses biográficos (DAUSIEN,<br />
2007).<br />
Com base nessa orientação, estamos enten<strong>de</strong>ndo que são as <strong>mulheres</strong> as que têm<br />
utilizado, com mais intensida<strong>de</strong>, esse saber <strong>de</strong> fundo na construção das <strong>biografias</strong> individuais,<br />
pois, nesses novos tempos, são elas (e não, os homens) as mais interessadas (talvez <strong>de</strong>vido à<br />
longa história <strong>de</strong> discriminação e dominação masculina) em se construírem a si mesmas<br />
biograficamente, ou seja, em <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser mulher para o outro e ser mulher para si<br />
(TOURAINE, 2007, p.41). Essa construção requer a articulação das experiências do passado<br />
(e é aí on<strong>de</strong> se recorre ao saber <strong>de</strong> fundo biográfico) com os projetos <strong>de</strong> ação do presente e do<br />
futuro. Nesse processo, surgem, para elas, novas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ação, <strong>de</strong> comportamentos<br />
alternativos e contrários aos tradicionais, ligados à submissão.<br />
26 Son representadas como saber <strong>de</strong> fondo biográfico aquellas experiencias que no se incluyen en la «línea» <strong>de</strong><br />
la reconstrucción biográfica, experiencias y aspectos contradictorios y resistentes <strong>de</strong> la vida «no vivenciada».<br />
(ALHEIT E DAUSIEN, 2007, p.40).
As consi<strong>de</strong>rações acima apontam elementos importantes para revisarmos os modos <strong>de</strong><br />
construção das <strong>biografias</strong> femininas contemporâneas, que suscitaram os seguintes<br />
questionamentos: Em que o saber <strong>de</strong> fundo biográfico tem contribuído para a construção <strong>de</strong><br />
novas formas <strong>de</strong> ser feminino? Em quais domínios da vida ou em que mundos <strong>de</strong> ação<br />
concretos (a família, o lugar do trabalho, a educação escolar, a sexualida<strong>de</strong>) as <strong>mulheres</strong> têm<br />
mais utilizado esse saber? Com que objetivo elas o utilizam? O que a sua utilização implica<br />
nas relações <strong>de</strong> gênero, particularizando o gênero feminino?<br />
Essas questões guiaram a reflexão pretendida neste trabalho sobre os<br />
<strong>de</strong>senvolvimentos biográficos das <strong>mulheres</strong>, nesta segunda fase da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, cujas marcas<br />
principais são: a combinação <strong>de</strong> fases (a construção <strong>de</strong> uma família, o exercício <strong>de</strong> uma<br />
profissão e a formação/educação), as rupturas, as transições, a <strong>de</strong>sistitucionalização 27 , a<br />
<strong>de</strong>socialização 28 etc.<br />
Para ilustrar mais concretamente essas proposições acerca dos <strong>de</strong>senvolvimentos<br />
biográficos das <strong>mulheres</strong> contemporâneas, que acreditamos serem orientados por um saber <strong>de</strong><br />
fundo biográfico, tomamos como exemplos algumas <strong>mulheres</strong> que circulam a nossa vida<br />
cotidiana (mãe, irmãs, tias, cunhadas, amigas, vizinhas, colegas <strong>de</strong> trabalho etc.) e, mais à<br />
frente, os estudos produzidos no meio acadêmico sobre as <strong>mulheres</strong>, os quais mencionamos<br />
no início <strong>de</strong>ste capítulo.<br />
Das observações feitas acerca das experiências e expectativas <strong>de</strong> vida das <strong>mulheres</strong> da<br />
nossa cotidianida<strong>de</strong>, arriscamos as primeiras interpretações, entre as quais, está a <strong>de</strong> que são<br />
diversas as maneiras <strong>de</strong> conduzir a vida entre elas 29 . Os relatos abaixo, ouvidos em conversas<br />
informais, elucidaram essa afirmação:<br />
1. Fiz até o ensino médio e agora só estou trabalhando aqui como manicure.<br />
O meu <strong>de</strong>sejo é fazer meu curso <strong>de</strong> cabeleireira pra eu po<strong>de</strong>r garantir a<br />
minha in<strong>de</strong>pendência, e não precisar pedir nada a ninguém (Mulher que tem<br />
entre 28 a 33 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, é manicure <strong>de</strong> um salão <strong>de</strong> beleza, casada e tem<br />
um filho recém nascido).<br />
27 Por <strong>de</strong>sinstitucionalização <strong>de</strong>ve-se enten<strong>de</strong>r o enfraquecimento ou <strong>de</strong>saparição das normas codificadas e<br />
protegidas por mecanismos legais e, mais simplesmente, o <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong> julgamentos <strong>de</strong> normalida<strong>de</strong> aos<br />
comportamentos regidos por instituições (TOURAINE, 1998, p. 50).<br />
28 A <strong>de</strong>ssocialização é o <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong> papéis, normas e valores sociais pelos quais se construía o mundo<br />
vivido. É a consequência direta da <strong>de</strong>sisntitucionalização da economia, da política e da religião (TOURAINE,<br />
1998, p.53).<br />
29 Enten<strong>de</strong>mos que essa diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> modos <strong>de</strong> conduzir a vida tem a ver com a orientação <strong>de</strong> uma lógica<br />
individual que, segundo Alheit e Dausien (2007), as pessoas utilizam, sejam elas homens ou <strong>mulheres</strong>, para dar<br />
um direcionamento às suas <strong>biografias</strong> particulares, ainda que sofram também condicionamentos dos seus<br />
contextos <strong>de</strong> vida.
2. Terminei um curso técnico no CEFET, fiz contabilida<strong>de</strong> na UFPB e<br />
atualmente tô fazendo uma pós-graduação na mesma área. Des<strong>de</strong> cedo<br />
comecei a trabalhar, mesmo antes <strong>de</strong>ssas formações. Nunca pensei em abrir<br />
mão do trabalho para formar uma família, sempre achei que essas coisas<br />
podiam ser conciliáveis. Pretendo continuar conciliando a minha vida<br />
profissional e a minha vida pessoal, sem abrir mão <strong>de</strong> nenhuma das duas.<br />
Não foi fácil quando meu filho nasceu. Mas logo <strong>de</strong>pois da fase <strong>de</strong> licença<br />
maternida<strong>de</strong> o coloquei em um berçário e voltei a trabalhar logo em<br />
seguida. Agora, que ele já está gran<strong>de</strong>, continuo trabalhando para ajudar o<br />
meu esposo a construir algo bom para ele no futuro (Mulher adulta <strong>de</strong> 30<br />
anos, com curso superior, é casada, e tem um filho <strong>de</strong> cinco anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>).<br />
3. Sou pedagoga, e hoje faço mestrado. Há sete anos sou casada, mas não<br />
pretendo ter filho agora. Quero antes concluir essa formação e garantir a<br />
minha estabilida<strong>de</strong> financeira através da aprovação <strong>de</strong> algum concurso<br />
público. Após essas etapas eu pretendo realizar o meu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ser mãe<br />
(Mulher adulta <strong>de</strong> 32 anos, com curso superior, é casada e não tem filhos).<br />
4. Casei e tive filho muito cedo, por causa disso, e também por falta <strong>de</strong><br />
condições financeiras, tive que abrir mão dos cursos <strong>de</strong> enfermagem e <strong>de</strong><br />
recursos naturais que iniciei. Se eu tivesse continuado, com certeza eu<br />
estaria bem melhor que hoje, estaria mais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Agora, o que eu<br />
espero é que os meus planos <strong>de</strong> colocar uma doçaria dêem certo e eu possa<br />
reconstruir minha vida. (Mulher, jovem <strong>de</strong> 22 anos, casada, tem um filho e<br />
está grávida do segundo, tem nível médio completo e cursos técnicos<br />
incompletos).<br />
5. Terminei o ensino médio e fiz um curso técnico <strong>de</strong> informática.<br />
Atualmente trabalho em uma lan house, mas estou à procura <strong>de</strong> um emprego<br />
melhor, algo que me dê mais in<strong>de</strong>pendência, mais horário livre para cuidar<br />
da minha saú<strong>de</strong>, e uma remuneração melhor pra eu pagar um cursinho prévestibular<br />
ou um bom curso profissionalizante e com isso progredir na vida.<br />
(Mulher, jovem <strong>de</strong> 20 anos, solteira, com Ensino Médio Completo,<br />
trabalhadora assalariada).<br />
6. Eu tenho o curso <strong>de</strong> Letras incompleto. Abandonei o curso porque tive<br />
que ajudar meu marido no comércio que ele tinha, e que <strong>de</strong>pois acabou<br />
falindo. Hoje em dia tenho pensado em voltar a estudar, a realizar o sonho<br />
<strong>de</strong> concluir uma faculda<strong>de</strong>. Não sei ainda se faço o mesmo curso que iniciei<br />
ou se faço outro. Apesar <strong>de</strong> já me sentir velha para isso, quem sabe ainda dá<br />
tempo <strong>de</strong> concretizar o sonho e <strong>de</strong> garantir a estabilida<strong>de</strong> da minha família<br />
através <strong>de</strong>le? Tudo é possível não é? (Mulher <strong>de</strong> 54 anos, casada há 32<br />
anos, com cinco filhos, tem o superior incompleto).<br />
Pelo que se percebe, o fato <strong>de</strong> todas as pessoas ouvidas acima serem <strong>mulheres</strong> não<br />
indica um mesmo posicionamento, uma mesma postura, um mesmo objetivo ou um mesmo<br />
modo <strong>de</strong> conduzir a vida na socieda<strong>de</strong>. Há, nesses sentidos, diferenças significativas entre<br />
elas, que acreditamos estarem ligadas às formas como utilizam o saber <strong>de</strong> fundo biográfico e a
lógica individual que dão/<strong>de</strong>ram às experiências adquiridas no meio social, ainda que essas<br />
tenham sido vividas em mundos <strong>de</strong> ação concretos parecidos.<br />
Além da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que existem diversas maneiras <strong>de</strong> conduzir a vida entre as <strong>mulheres</strong><br />
mesmo que em todos os casos se perceba a combinação entre a orientação dos entornos <strong>de</strong><br />
ação concretos (estruturas sociais que ao mesmo tempo são estruturas <strong>de</strong> gênero) com os<br />
planos <strong>de</strong> realizações individuais (construções biográficas), esses <strong>de</strong>poimentos reforçam o<br />
pressuposto <strong>de</strong> Touraine (2007) <strong>de</strong> que a maioria das <strong>mulheres</strong>, mesmo que tenham projetos<br />
<strong>de</strong> vida diferentes, perseguem um objetivo comum no processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> suas<br />
<strong>biografias</strong>, o <strong>de</strong> se tornarem sujeitos e atrizes <strong>de</strong> suas próprias histórias - não mais reduzidas<br />
unicamente à <strong>de</strong>pendência dos homens ou a qualquer outra forma <strong>de</strong> dominação (as<br />
instituições, as normas, o consumo, etc.).<br />
Em quase todos os <strong>de</strong>poimentos acima, vimos que os domínios da vida (ou mundos <strong>de</strong><br />
ação concretos) que mais contribuem para que as <strong>mulheres</strong> persigam esse objetivo, tendo<br />
como propósito a (re) construção <strong>de</strong> suas <strong>biografias</strong> são: a família, o trabalho e a<br />
formação/educação. Contudo, como esclarece Alheit (2007), a vida das <strong>mulheres</strong> é<br />
configurada nesses domínios <strong>de</strong> maneira problemática, ou seja, Las mujeres son<br />
sistematicamente por estructuras <strong>de</strong> exigencias contradictorias en la<br />
profesión, en la formación y en la família (ALHEIT, 2007,p.124).<br />
A profissão, a formação/educação e a família, um não mais que o outro, constituem-se<br />
cada vez mais campos férteis para a utilização das <strong>mulheres</strong> do saber <strong>de</strong> fundo biográfico. Ao<br />
que parece, a utilização <strong>de</strong>sse saber representa para elas [...] la potencialidad para la<br />
producción y transformación <strong>de</strong> las estructuras sociales en los procesos <strong>de</strong> configuración<br />
biográficos (DAUSIEN, 2007, p.35), ou seja, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> provocar transformações nelas<br />
mesmas e nas estruturas sociais e culturais, através da inversão das relações <strong>de</strong>siguais entre<br />
homens e <strong>mulheres</strong> (TOURAINE, 2007, p.163).<br />
A capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> provocar essas mudanças tem sido <strong>de</strong>legada mais às <strong>mulheres</strong> pelo<br />
fato <strong>de</strong> serem elas as que mais lidam com situaciones sociales nuevas (DAUSIEN, 2007,<br />
p.37) no curso da vida e as que - motivadas pelo saber <strong>de</strong> fundo que utilizam, favorecendo-<br />
lhes um elevado grau <strong>de</strong> reflexivida<strong>de</strong> sobre as suas potencialida<strong>de</strong>s - mais <strong>de</strong>sejam e buscam<br />
a reconstrução das próprias experiências <strong>de</strong> vida.<br />
Diferente dos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> curso <strong>de</strong> vida masculinos, cuja sucessão das fases da vida<br />
ocorre <strong>de</strong> maneira não problemática, mas linear: fase <strong>de</strong> preparação (infância e juventu<strong>de</strong> - a<br />
fase da escolarização), fase <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> (ida<strong>de</strong> adulta - a fase da ida<strong>de</strong> ativa do trabalho), e<br />
fase <strong>de</strong> sossego (velhice - fase da aposentadoria), o que marca os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> curso <strong>de</strong> vida
femininos, como vimos nos <strong>de</strong>poimentos acima, são os rompimentos biográficos (por<br />
exemplo, abrir mão da carreira profissional ou <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> escolarização para cuidar do<br />
filho recém-nascido), ou, em alguns casos, a combinação <strong>de</strong> experiências biográficas.<br />
Embora se observe que as <strong>mulheres</strong> buscam, cada vez mais, conciliar a vida<br />
profissional (trabalho, formação) com a pessoal (sexualida<strong>de</strong>, família), ainda é muito comum,<br />
nos itinerários <strong>de</strong> suas vidas, a negação (ou suspensão) <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas experiências,<br />
provocadas tanto por tais rompimentos biográficos (como o fato <strong>de</strong> terem um filho e<br />
precisarem abandonar o emprego) quanto pela necessida<strong>de</strong> (alegada por algumas <strong>mulheres</strong>) <strong>de</strong><br />
optarem por uma experiência em <strong>de</strong>trimento da outra, por causa das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
articulação entre elas, em um mesmo período <strong>de</strong> tempo.<br />
Por outro lado, concordamos com Dausien (2007, p.37), quando afirma que La<br />
«socialización como mujer» pue<strong>de</strong> significar en un caso concreto una fijación clara en los<br />
roles <strong>de</strong> familia [...] pero en otros casos, la perspectiva doble <strong>de</strong> la profesión y la familia<br />
[...] . Essa afirmação nos faz lembrar dois dos <strong>de</strong>poimentos acima mencionados - o da jovem<br />
<strong>de</strong> 22 anos, quando diz que abandonou os cursos profissionalizantes para cuidar da família, e<br />
o da adulta <strong>de</strong> 30 anos, com curso superior, quando afirma que está sendo possível conciliar a<br />
vida profissional com a familiar.<br />
Essas duas realida<strong>de</strong>s, ainda muito presentes na vida das <strong>mulheres</strong> contemporâneas,<br />
são analisadas por Hiratta (2007) como provenientes da divisão sexual do trabalho. A segunda<br />
realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> maneira especial, que representa a conciliação entre vida familiar e vida<br />
profissional, é compreendida por Hiratta (2007) como uma<br />
[...] política fortemente sexuada, visto que <strong>de</strong>fine implicitamente um único<br />
ator (ou atriz) <strong>de</strong>ssa conciliação : as <strong>mulheres</strong>, e consagra o statu quo<br />
segundo o qual homens e <strong>mulheres</strong> não são iguais perante o trabalho<br />
profissional. Na própria essência <strong>de</strong>ssa política há um paradoxo: a vonta<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> chegar à igualda<strong>de</strong> pela promoção da conciliação (NOUVELLES<br />
QUESTIONS FÉMINISTES, 2004, p.8; apud, HIRATTA, 2007, p.603).<br />
Com essa citação, a autora apresenta uma compreensão mais ampla acerca da divisão<br />
sexual do trabalho. Uma abordagem que analisa a complementarida<strong>de</strong> do trabalho profissional<br />
e doméstico utilizada pelas <strong>mulheres</strong>, como provedora da reprodução dos papéis sexuados e,<br />
consequentemente, da reprodução <strong>de</strong> um novo tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>.
De modo semelhante, mas se utilizando <strong>de</strong> paradigmas biográficos, Dausien (1996)<br />
analisa os novos modos <strong>de</strong> divisão sexual do trabalho. O argumento que fundamenta as suas<br />
reflexões se firma na seguinte pergunta: Qual o peso da questão profissional (formação,<br />
profissão, carreira, condições <strong>de</strong> existência) e da questão familiar (relações, filhos,<br />
sexualida<strong>de</strong>, projeto familiar) para os planos <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> uma mulher?<br />
Numa tentativa <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a essa questão, Dausien (1996), apud Lisboa (2006)<br />
apresentou quatro mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> vida das <strong>mulheres</strong>, que muito se encaixam na realida<strong>de</strong><br />
brasileira: o primeiro mo<strong>de</strong>lo foi chamado <strong>de</strong> Vida pela meta<strong>de</strong> , que <strong>de</strong>corre da opção pela<br />
família, em <strong>de</strong>trimento da profissão; o segundo ela chamou <strong>de</strong> Vida dupla , pois, através<br />
<strong>de</strong>le, as <strong>mulheres</strong> buscam - sob duras penas - a conciliação dos dois aspectos da estrutura<br />
social: família e trabalho; o terceiro mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>nominou <strong>de</strong> Vida <strong>de</strong>scontínua , por ser cada<br />
vez mais comum as <strong>mulheres</strong> precisarem interromper a vida profissional para terem um filho,<br />
ou abdicar da carreira para acompanhar um cônjuge que mudou o local <strong>de</strong> trabalho, por<br />
exemplo; o quarto e último mo<strong>de</strong>lo ela chamou <strong>de</strong> Vida não-vivida , correspon<strong>de</strong> à vida<br />
daquelas <strong>mulheres</strong> que se sacrificam pelos outros e não conseguem conquistar sua autonomia.<br />
Esses são, portanto, alguns exemplos que levam Dausien (1996) a afirmar que as trajetórias <strong>de</strong><br />
vida das <strong>mulheres</strong> são bem mais complexas que as dos homens.<br />
A reflexão em torno <strong>de</strong>sse segundo mo<strong>de</strong>lo, é, no entanto, o que move as discussões<br />
<strong>de</strong> Hiratta (2007) sobre as novas configurações da divisão sexual do trabalho. Um exame mais<br />
apurado sobre o que pensam outros pesquisadores acerca <strong>de</strong>ssa conciliação (família e<br />
trabalho) fez com que ela constatasse opiniões como as suas. Esses pesquisadores propunham<br />
a substituição do termo conciliação por conflito , tensão , contradição . A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> todos<br />
eles, inclusive <strong>de</strong> Hiratta (2005), é a <strong>de</strong> se evi<strong>de</strong>nciar a natureza conflituosa da incumbência<br />
simultânea <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s profissionais e familiares às <strong>mulheres</strong>.<br />
Ao que parece, eles enten<strong>de</strong>m que a realida<strong>de</strong> das práticas sociais contemporâneas<br />
<strong>de</strong>senvolvidas entre os gêneros não converge com o princípio <strong>de</strong> parceria 30 , tal como foi<br />
preconizado na 4ª conferência Mundial sobre as Mulheres, organizada pela Organização das<br />
Nações Unidas, em Pequim, em 1995. Nesse sentido, Hiratta (2007, p.604) adverte:<br />
30 Através <strong>de</strong>sse princípio, as <strong>mulheres</strong> e os homens são consi<strong>de</strong>rados parceiros no <strong>de</strong>senvolvimento dos papéis,<br />
exercendo relações mais em termos <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> que <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r (HIRATTA, 2007).
Esse paradigma da parceria po<strong>de</strong>ria alimentar uma prática <strong>de</strong> divisão das<br />
tarefas domésticas no casal no plano individual , porém as pesquisas <strong>de</strong><br />
emprego do tempo realizadas pelo Insee na França, em 1986 e 1999 (por<br />
exemplo, Brousse, 1999), mostram que a realida<strong>de</strong> das práticas sociais não<br />
confirma a atualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo.<br />
Diante disso, o que se percebe é que, embora a óptica da conciliação represente um<br />
avanço por permitir o acesso das <strong>mulheres</strong> ao emprego, [...] não po<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolver fora do<br />
contexto <strong>de</strong> reflexão sobre as modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> reprodução da servidão doméstica , uma vez<br />
que a atribuição do trabalho doméstico às <strong>mulheres</strong> [...] continua sendo um dos problemas<br />
mais importantes na análise das relações sociais <strong>de</strong> sexo/gênero (HIRATTA, 2007, p.607).<br />
Baseando-nos nessas reflexões, que dizem respeito às novas configurações da divisão<br />
sexual do trabalho - compreendidas por Hiratta (2007) como a passagem do mo<strong>de</strong>lo<br />
tradicional para os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> conciliação e <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação 31 ; bem como pela distinção dos<br />
seus princípios 32 (um <strong>de</strong> separação e um hierárquico) e reconhecimento <strong>de</strong> suas<br />
modalida<strong>de</strong>s 33 , é que vislumbramos as diversas possibilida<strong>de</strong>s que as <strong>mulheres</strong> têm <strong>de</strong> se<br />
construírem biograficamente e <strong>de</strong> contribuírem com as transformações sociais, inclusive as<br />
alterações nas relações <strong>de</strong> gênero.<br />
O fato <strong>de</strong> terem uma oportunida<strong>de</strong> particular <strong>de</strong> fazer acessível aquele saber <strong>de</strong> fundo<br />
biográfico (DAUSIEN, 2007, p.39), já que o valor <strong>de</strong> orientação das prescrições do mundo da<br />
vida para as suas ações concretas é limitado, faz com que as <strong>mulheres</strong> tenham acesso, nesses<br />
novos tempos, a possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> que antes não dispunham, como por exemplo, a autonomia<br />
em relação ao rumo que preten<strong>de</strong>m dar às suas próprias vidas. Mediante o aproveitamento <strong>de</strong><br />
suas experiências biográficas, mais do que os homens, elas têm maiores chances <strong>de</strong><br />
transgredir os limites traçados socialmente, que <strong>de</strong>finem/<strong>de</strong>terminam seu espaço <strong>de</strong> ação<br />
como mulher (DAUSIEN, 2007, p.41), e buscarem outros espaços <strong>de</strong> atuação (não só a<br />
família), outras experiências e, com elas, novas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong> biográficas<br />
que lhes permitam a reconstrução <strong>de</strong> si mesmas, enquanto sujeitos.<br />
31 Esse mo<strong>de</strong>lo é o que se refere à <strong>de</strong>legação do trabalho doméstico e familiar <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> para outras <strong>mulheres</strong>.<br />
32 O princípio <strong>de</strong> separação implica a compreensão da existência <strong>de</strong> trabalhos <strong>de</strong> homens e trabalhos <strong>de</strong><br />
<strong>mulheres</strong>. Já o princípio hierárquico implica a compreensão <strong>de</strong> que um trabalho <strong>de</strong> homem vale mais que um<br />
trabalho <strong>de</strong> mulher (HIRATTA, 2007).<br />
33 Por modalida<strong>de</strong>s , enten<strong>de</strong>mos, por exemplo, a concepção do trabalho reprodutivo, o lugar das <strong>mulheres</strong> no<br />
trabalho mercantil etc. (HIRATTA, 2007, p.600).
Ressalte-se que pela observação das mudanças no tradicional padrão da divisão sexual<br />
do trabalho apontadas por Hiratta (2007), é possível também perceber um conjunto <strong>de</strong><br />
modalida<strong>de</strong>s diferenciadas <strong>de</strong> socialização combinando-se entre si para a reprodução e/ou<br />
transformação renovada das relações sociais, ou seja, nas relações <strong>de</strong> gênero. Ainda que em<br />
passos lentos, observa-se a construção <strong>de</strong> novas relações, baseadas em uma nova<br />
compreensão do ser humano mulher e homem.<br />
Por exemplo, na família (com alterações em sua estrutura), na escola (com diversos<br />
arranjos), nas relações sexuais (os diferentes padrões <strong>de</strong> sexualida<strong>de</strong>), esses mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong><br />
socialização parecem cada vez mais diversificados, modificados e, ao mesmo tempo, visíveis.<br />
Seus <strong>de</strong>sdobramentos se fazem muito presentes nas relações individuais e coletivas e<br />
compreen<strong>de</strong>m uma espécie <strong>de</strong> reviravolta no modo <strong>de</strong> pensar e agir dos homens e das<br />
<strong>mulheres</strong>.<br />
A família - mundo <strong>de</strong> ação concreto <strong>de</strong>sses sujeitos e principal ambiente <strong>de</strong><br />
socialização e <strong>de</strong> reprodução <strong>de</strong> valores e padrões culturais dos indivíduos - é um domínio da<br />
vida que mais tem anunciado mudanças, principalmente nos modos <strong>de</strong> construção biográfica<br />
das <strong>mulheres</strong>. A força <strong>de</strong>sse argumento é encontrada nos estudos <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros (2002) sobre as<br />
novas configurações familiares, pela ótica <strong>de</strong> gênero.<br />
Com base em dados publicados pelo IBGE (PNAD E CENSO 2001), a autora<br />
constatou que a organização interna da família brasileira, a partir da década <strong>de</strong> 90, apresentou<br />
novos arranjos familiares , marcados por separações e divórcios constantes, mas também, e<br />
contraditoriamente, pelo crescimento dos recasamentos (MEDEIROS, 2002, p.01). Esses<br />
novos arranjos são marcados, principalmente, por mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> famílias monoparentais, a<br />
maioria <strong>de</strong>las formada por mães e filhos.<br />
Segundo Hasenbalg (2003), um dos grupos mais vulneráveis à pobreza é o<br />
<strong>de</strong> domicílios chefiados por <strong>mulheres</strong>, categoria social que cresceu<br />
significativamente, nas duas últimas décadas, no amplo contexto da América<br />
Latina, particularmente nas regiões urbanas (BANDEIRA, 2005, p.17).<br />
À luz <strong>de</strong>ssas mudanças (provocadas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1930, como resultado das<br />
transformações mo<strong>de</strong>rnizantes) no interior das famílias e nas condições sociais e econômicas,<br />
essas <strong>mulheres</strong> passaram a ter o seu papel social re<strong>de</strong>finido (MEDEIROS, 2002).
Elas conquistaram direitos políticos, asseguraram o acesso à educação e<br />
passaram a ganhar o espaço público do trabalho. O estabelecimento do novo<br />
padrão <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> feminina permitiu a passagem da mulher das camadas<br />
médias do status anterior <strong>de</strong> esposa e <strong>de</strong> mãe para o status <strong>de</strong> trabalhadora. A<br />
busca <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> própria e do reconhecimento social <strong>de</strong>ssa<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> teve um impacto profundo sobre o mo<strong>de</strong>lo dominante <strong>de</strong> família<br />
baseado na ética do provedor (MEDEIROS, 2002, p. 09).<br />
Revelam-se, <strong>de</strong>sse modo, as características impulsionadoras dos novos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong><br />
socialização das <strong>mulheres</strong> e dos novos cursos <strong>de</strong> vida, dos quais resultam também novas<br />
construções biográficas - diferentes daquelas cujos efeitos da dominação masculina eram a<br />
sua principal marca. Com isso, não queremos dizer que o fato <strong>de</strong> terem ocorrido essas<br />
modificações nos modos <strong>de</strong> socialização feminina afastou totalmente as <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong>sses<br />
efeitos: discriminações, <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, nos mais diferentes aspectos da vida, mas que essas<br />
novas configurações biográficas (especialmente as femininas), <strong>de</strong>senvolvidas na relação entre<br />
biograficidad e sociabilidad, como sustenta Dausien (2007), também tem contribuído para a<br />
produção <strong>de</strong> novos construtos histórico-sociais.<br />
Isso implica dizer que, embora se persistam algumas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s no âmbito familiar<br />
- visto que, apesar das mudanças, a mulher continua sendo a principal responsável pelas<br />
ativida<strong>de</strong>s domésticas mesmo quando trabalha fora <strong>de</strong> casa - as <strong>mulheres</strong> parecem estar se<br />
constituindo, ao longo da história, como as principais responsáveis pelos direcionamentos<br />
dados à sua vida privada e a outros setores da vida social. Os novos arranjos familiares, sobre<br />
os quais as <strong>mulheres</strong> vêm se construindo biograficamente, têm sido capazes <strong>de</strong> provocar tanto<br />
a transformação da situação <strong>de</strong>las mesmas quanto da condição dos homens na socieda<strong>de</strong><br />
(TOURAINE, 2007).<br />
O processo <strong>de</strong> escolarização - como outra forma <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong><br />
é também um dos<br />
principais aspectos impulsionadores <strong>de</strong>ssas transformações biográficas nas últimas décadas. A<br />
aquisição <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong> em contextos escolares é consi<strong>de</strong>rada, na contemporaneida<strong>de</strong>, a<br />
principal provedora da superação das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s entre sexos. E pelo que as estatísticas<br />
<strong>de</strong>monstram, é cada vez maior a presença das <strong>mulheres</strong> (sejam crianças, adolescentes, jovens<br />
ou adultas) nos processos <strong>de</strong> escolarização, o que ocasiona uma reconfiguração significativa<br />
em suas trajetórias <strong>de</strong> vida. Todavia, não se po<strong>de</strong> esquecer que a ampliação das oportunida<strong>de</strong>s<br />
educacionais para as <strong>mulheres</strong> é algo muito recente, o que significa dizer que o lugar da<br />
educação, na construção <strong>de</strong> suas <strong>biografias</strong>, po<strong>de</strong> ser muito restrito, ainda que ela (a educação)<br />
se compreenda como principal meio <strong>de</strong> ascensão social.
Diante <strong>de</strong>ssas premissas, surgem-nos algumas indagações: Qual o significado da<br />
educação escolar para as <strong>mulheres</strong> contemporâneas? Que contribuições reais a educação<br />
escolar po<strong>de</strong> oferecer-lhes? Que obstáculos elas ainda enfrentam, nos dias <strong>de</strong> hoje, tanto para<br />
enveredar pelos estudos como para permanecer neles? Quais têm sido os seus objetivos, em<br />
especial das jovens e das adultas, ao buscarem a escola? Que <strong>aprendizagens</strong> elas mais <strong>de</strong>sejam<br />
adquirir nesse espaço social?<br />
Dentre as tantas respostas que se po<strong>de</strong> alcançar para essas indagações, uma,<br />
possivelmente, abarca todas elas: o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> viver uma existência por elas mesmas<br />
transformada, que implica a conquista da autonomia e a garantia <strong>de</strong> suas construções<br />
enquanto sujeitos e atrizes <strong>de</strong> suas próprias histórias (TOURAINE, 2007).<br />
Sabe-se, entretanto, que, embora a escola seja um espaço <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s reais <strong>de</strong><br />
aquisição das aspirações dos sujeitos (inclusive, das <strong>mulheres</strong>), ela também se constitui como<br />
ambiente propício <strong>de</strong> produção e reprodução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s (<strong>de</strong> gênero, classe, raça e<br />
ida<strong>de</strong>). Como tal, não dá lugar a novas perspectivas biográficas entre os gêneros e, com isso,<br />
limita a construção <strong>de</strong> um projeto social mais humano e igualitário.<br />
Associadas à compreensão da existência <strong>de</strong> uma instabilida<strong>de</strong> geral, ou <strong>de</strong> uma<br />
explosão silenciosa 34 que marca o mundo atual, essas reflexões são importantes para se<br />
pensar e se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, como fizeram Alheit e Dausien (2007), uma proposta <strong>de</strong><br />
educação/aprendizagem biográfica (educação/aprendizagem ao longo da vida), cujos fatores<br />
<strong>de</strong> orientação da ação educativa se diferenciam daqueles dos mo<strong>de</strong>los clássicos.<br />
Tradicionalmente, esses fatores 35 serviram (e parecem ainda estar servindo), ainda que<br />
sutilmente, para perpetuar a dominação <strong>de</strong> uma classe (a masculina) sobre a outra (a<br />
feminina), ao invés <strong>de</strong> oferecerem subsídios em favor da equida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero.<br />
No mo<strong>de</strong>lo proposto por Alheit e Dausien (2007, p.18), [...] la situación y las<br />
condiciones <strong>de</strong> los las personas que están aprendiendo (Bentley, 1998) y la consi<strong>de</strong>ración <strong>de</strong><br />
sus entornos <strong>de</strong> aprendizaje no-formal e informal<br />
processos educativos <strong>de</strong>vem se <strong>de</strong>senvolver.<br />
são os fatores que indicam como os<br />
34 [ ] (a) la transformación <strong>de</strong> la significación <strong>de</strong>l «trabajo», (b) las modificaciones acaecidas en la función <strong>de</strong>l<br />
«saber», (c) la experiencia <strong>de</strong> las disfunciones crecientes <strong>de</strong> las instituciones <strong>de</strong> formación y (d) los <strong>de</strong>safíos<br />
dirigidos a los propios actores sociales, que términos como «individualización», «mo<strong>de</strong>rnización reflexiva»<br />
(Beck, 1986; Beck, Gid<strong>de</strong>ns & Lash, 1996; Gid<strong>de</strong>ns, 1990). (FIELD, 2000, p. 35, apud, ALHEIT E DAUSIEN,<br />
2007, p.15).<br />
35 [ ] el carácter operativo <strong>de</strong> la enseñanza, la eficiencia <strong>de</strong> las estrategias didácticas y el contenido <strong>de</strong> los<br />
currícula formales. (ALHEIT & DAUSIEN, 2007, p.18).
La cuestión central <strong>de</strong> la pedagogía ya no es saber cómo pue<strong>de</strong> ser<br />
enseñada una materia dada <strong>de</strong> la manera más eficaz posible, sino cuáles son<br />
los entornos <strong>de</strong> aprendizaje que resultan mejores para estimular que las<br />
personas que están aprendiendo se encarguen ellas mismas <strong>de</strong> los procesos<br />
<strong>de</strong> aprendizaje, o dicho <strong>de</strong> otro modo, cómo «apren<strong>de</strong>n» por ellas mismas<br />
(SIMONS, 1992; SMITH, 1992, apud, ALHEIT & DAUSIEN, 2007, p.18).<br />
O viés <strong>de</strong> gênero <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa proposta educativa se torna evi<strong>de</strong>nte, pois, quando a<br />
ação educativa consi<strong>de</strong>ra as situações e as condições dos apren<strong>de</strong>ntes, consi<strong>de</strong>ra, ao mesmo<br />
tempo, as dificulda<strong>de</strong>s pelas quais as <strong>mulheres</strong> passam (por terem que cuidar dos filhos, da<br />
família e, ao mesmo tempo, trabalhar), no processo <strong>de</strong> construção das suas <strong>biografias</strong><br />
educativas e/ou <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong>.<br />
A nosso ver, as <strong>biografias</strong> femininas, construídas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa perspectiva sugerida<br />
por Alheit e Dausien (2007), tornam as <strong>mulheres</strong> as atrizes centrais <strong>de</strong> uma transformação<br />
cultural (TOURAINE, 2007, p.163) necessária nesses novos tempos.<br />
[...] o estudo das <strong>mulheres</strong> aparece hoje como um elemento central da i<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> que vivemos a passagem <strong>de</strong> um modo social para um modo propriamente<br />
cultural <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong> nossa experiência (TOURAINE, 2007, p.109)<br />
Com efeito, segundo Touraine (2007, p.116), essa transformação cultural, [...] mesmo<br />
tendo um alcance geral, transforma o lugar das <strong>mulheres</strong> na vida cultural e lhes dá vantagem<br />
sobre os homens . Tal transformação, que se baseia precisamente na construção <strong>de</strong> si<br />
mesmas, passa também pela construção da sexualida<strong>de</strong> (TOURAINE, 2007, p.163). Aliás, a<br />
sexualida<strong>de</strong> é um domínio da vida da mulher em evidência na contemporaneida<strong>de</strong>, que muito<br />
tem contribuído com a sua construção pessoal, apoiada na ativida<strong>de</strong> sexual a mais <strong>de</strong>ssociável<br />
possível. Daí a importância extrema ao corpo como espaço <strong>de</strong> relação a si e <strong>de</strong> construção <strong>de</strong><br />
si (TOURAINE, 2007).<br />
O manejo da ativida<strong>de</strong> sexual por parte dos sujeitos é, segundo Heilborn (1999),<br />
fundamental para a constituição das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e para a configuração biográfica do gênero<br />
(masculino ou feminino). Através do relato <strong>de</strong> vida e utilizando-se daquele saber <strong>de</strong> fundo,<br />
tanto a mulher quanto o homem colocam em relevo <strong>de</strong>terminados acontecimentos, entre os<br />
quais, os relacionados à vida sexual/amorosa.
Os <strong>de</strong>nominados roteiros sexuais<br />
(SIMON E GAGNON, 1973, apud, HEILBORN,<br />
1999) apresentam-se como produtos e produtores <strong>de</strong> uma trajetória, cujo impacto mais direto<br />
é a construção do eu, como Heilborn (1999, p.02-03) assinala:<br />
A sucessão <strong>de</strong> experiências, as datas e circunstâncias em que ocorrem, os<br />
intervalos entre elas e seus <strong>de</strong>sdobramentos em suma, o <strong>de</strong>senrolar dos<br />
eventos traduzem-se em roteiros sexuais, <strong>de</strong>lineados sobre um pano <strong>de</strong><br />
fundo on<strong>de</strong> se combinam as diferentes marcas sociais que <strong>de</strong>limitam o<br />
campo <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s dos indivíduos: origem e classe social, história<br />
familiar, etapa do ciclo <strong>de</strong> vida em que se encontram as relações <strong>de</strong> gênero<br />
estatuídas no universo em que habitam. Todos esses elementos fornecem as<br />
balizas para o processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lação da subjetivida<strong>de</strong>, entendido como as<br />
circunstâncias sociais e biográficas que ensejam o sentido do eu.<br />
Heilborn (1999) adverte que, através dos relatos biográficos (1999), é que essas<br />
experiências sexuais se manifestam, revelando uma transformação no campo da cultura, como<br />
indicou Touraine (2007), pela via da construção <strong>de</strong> uma nova sexualida<strong>de</strong> feminina.<br />
De acordo com Heilborn (1999), a iniciação na vida sexual revela-se, nesses relatos,<br />
com significativas diferenças <strong>de</strong> gênero. Para os homens, a iniciação exprime<br />
[...] uma mudança <strong>de</strong> status e da percepção <strong>de</strong> ser homem, que é a um só<br />
tempo ter a<strong>de</strong>ntrado o universo masculino da obrigação <strong>de</strong> trazer dinheiro<br />
para casa (o grupo doméstico <strong>de</strong> origem) e ter se iniciado sexualmente. A<br />
iniciação sexual é, assim, um dos apanágios <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não mais<br />
criança e se integra no processo <strong>de</strong> constituição da masculinida<strong>de</strong> adulta<br />
(HEILBORN 1997, apud, HEILBORN, 1999, p. 04).<br />
Para a mulher, a iniciação sexual apresenta-se como<br />
[...] uma frequente estratégia no estabelecimento <strong>de</strong> vínculos, possibilitando<br />
a realização da aliança. Casamento, filhos e casa são valores centrais em<br />
seus projetos <strong>de</strong> vida. O sexo é, assim, uma forma <strong>de</strong> negociação com o<br />
parceiro masculino e uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transição <strong>de</strong> status, isto é, <strong>de</strong><br />
tornar-se adulta (HEILBORN, 1999, p.14).
A reflexão sobre essas questões que tratam dos novos sentidos e significados<br />
atribuídos ao sexo e à sexualida<strong>de</strong>, nas trajetórias <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> homens e <strong>mulheres</strong>, permite-<br />
nos enquadrá-las <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização, cujas consequências se<br />
materializaram em estilos <strong>de</strong> vida (o manejo da vida sexual, por exemplo) cada vez mais<br />
dinâmicos.<br />
As transformações/alterações das relações <strong>de</strong> gênero saem, então, reforçadas nesse<br />
processo, e a sexualida<strong>de</strong> (em particular, a feminina), é um dos campos mais expressivos<br />
<strong>de</strong>ssas transformações e um dos aspectos <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> que mais apresenta avanços no<br />
interior das <strong>biografias</strong> femininas.<br />
A título <strong>de</strong> conclusão <strong>de</strong>ste capítulo, sustentamos que, embora a história das <strong>mulheres</strong>,<br />
<strong>de</strong> um modo geral, seja marcada pela dominação, pela negação dos seus direitos e pela<br />
anulação da sua própria subjetivida<strong>de</strong> (TOURAINE, 2007), o que vimos nessas reflexões que<br />
fizemos foi o anúncio, nesses novos tempos, <strong>de</strong> muitas mudanças nos principais domínios <strong>de</strong><br />
suas vidas. Essas mudanças têm provocado novos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> construções biográficas dos<br />
gêneros.
CAPÍTULO IV - BIOGRAFIAS DE APRENDIZAGENS DE MULHERES<br />
ENCARCERADAS<br />
Neste capítulo, mergulhamos nas <strong>biografias</strong> das <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>. Em suas<br />
narrativas, procuramos analisar o acúmulo das experiências vividas (e não vividas), em seus<br />
mundos <strong>de</strong> ação concretos, e o sentido particular (subjetivo) que elas ofereceram a essas<br />
experiências, a partir das <strong>aprendizagens</strong> biográficas adquiridas.<br />
Como partimos do pressuposto <strong>de</strong> que foram tais <strong>aprendizagens</strong> que oportunizaram as<br />
suas aproximações com o mundo do crime, <strong>de</strong>cidimos analisar dos seus percursos biográficos,<br />
(da infância até à fase em que se encontram hoje) alguns dos principais domínios da vida,<br />
como por exemplo: a família (em suas diversas modalida<strong>de</strong>s), o trabalho e a educação<br />
(escolarização). Com a análise das experiências vividas nesses domínios, o nosso objetivo foi<br />
conhecer as <strong>aprendizagens</strong> adquiridas por essas <strong>mulheres</strong> (ou <strong>de</strong>sejadas, mas não obtidas) e<br />
compreen<strong>de</strong>r a sua relação com as práticas <strong>de</strong>lituosas cometidas.<br />
Registre-se que, na medida em que as narrativas ofereceram subsídios para i<strong>de</strong>ntificar<br />
as <strong>aprendizagens</strong> extraídas das suas experiências <strong>de</strong> vida, contribuíram com a análise acerca<br />
da capacida<strong>de</strong> e/ou a possibilida<strong>de</strong> que as <strong>encarceradas</strong> tiveram (ou não) <strong>de</strong> reelaborar suas<br />
experiências e, com isso, estruturar novas experiências sociais e culturais, ou seja, <strong>de</strong> analisar<br />
o pressuposto teórico principal <strong>de</strong>ste estudo, firmado na biograficidad.<br />
Para discutir melhor essas questões, classificamos os dados coletados em categorias<br />
sugeridas pelas próprias entrevistadas em suas narrativas e ligadas à proposta teórica da<br />
biograficidad. Dentre elas, selecionamos três, que consi<strong>de</strong>ramos mais a<strong>de</strong>quadas à<br />
interpretação/análise da relação entre aprendizagem biográfica - que consi<strong>de</strong>ra [...] los<br />
procesos <strong>de</strong> aprendizaje ligados a formas, espacios o tiempos <strong>de</strong>terminados, [...] , na [..] la<br />
historicidad vivida <strong>de</strong> la experiencia que hacen las personas que apren<strong>de</strong>n<br />
(KRUGER &<br />
MAROTZKI, 1995, 1999, apud, ALHEIT E DAUSIEN, 2007), e as trajetórias que as<br />
conduzem à criminalida<strong>de</strong>.<br />
Embora as narrações não tenham obe<strong>de</strong>cido à linearida<strong>de</strong> do curso da vida (infância,<br />
adolescência, juventu<strong>de</strong>, ida<strong>de</strong> adulta), porquanto [ ] las personas entrevistadas no<br />
presentan «i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s» fijas, sino las historias «en las que han sido como son» , (ALHEIT<br />
E DAUSIEN, 2007, p.34), procuramos organizar a análise consi<strong>de</strong>rando o percurso da<br />
construção biográfica da infância, até a ida<strong>de</strong> das <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>lituosas cometidas e dos seus<br />
encarceramentos.
Além disso, procuramos apresentar o contexto <strong>de</strong> acción espacio-temporal das<br />
<strong>encarceradas</strong>, ou os seus mundos <strong>de</strong> ação concretos, objetivando favorecer a interpretação das<br />
construções das <strong>biografias</strong> <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong> e das ações <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong>, através da análise<br />
<strong>de</strong> suas condições contextuais, que po<strong>de</strong>m ser possíveis e/ou restringíveis (DAUSIEN, 2007).<br />
No que diz respeito às categorias selecionadas, justificamos os seguintes interesses:<br />
com a primeira categoria - biografia e família<br />
- procuramos compreen<strong>de</strong>r os arranjos<br />
familiares em que se <strong>de</strong>u o <strong>de</strong>senvolvimento das <strong>aprendizagens</strong> biográficas das <strong>encarceradas</strong>,<br />
analisando as suas implicações na construção da sua sociabilida<strong>de</strong> e da sua subjetivida<strong>de</strong>.<br />
Com a segunda - biografia e trabalho<br />
- procuramos compreen<strong>de</strong>r tanto as implicações das<br />
<strong>aprendizagens</strong> biográficas das entrevistadas (em contextos formais, não-formais ou<br />
informais), na estruturação das suas experiências profissionais, ao longo da vida, quanto as<br />
implicações <strong>de</strong>ssas experiências no processo <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> novas <strong>aprendizagens</strong> e <strong>de</strong> novas<br />
experiências. Também analisamos, através <strong>de</strong>ssa categoria, alguns mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> vida das<br />
<strong>mulheres</strong> 36 apontados por Dausien (1996), apud, Lisboa (2006).<br />
A terceira e última categoria, biografia e escola , propiciou a análise das experiências<br />
educativas e/ou <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong> vividas (ou não vividas) em contextos escolares e as suas<br />
implicações na construção das <strong>biografias</strong>.<br />
Em todas as categorias, as análises giraram em torno do conteúdo <strong>de</strong>ssas experiências,<br />
as quais subsidiariam a compreensão das <strong>aprendizagens</strong> processadas por meio <strong>de</strong>las.<br />
Discutimos, ainda, a interpretação das próprias investigadas sobre suas experiências<br />
biográficas e a relação entre as <strong>aprendizagens</strong> adquiridas através das experiências com as<br />
motivações (subjetivas e/ou sociais) para o mundo da criminalida<strong>de</strong>.<br />
Pela natureza <strong>de</strong>sse estudo, os resultados da análise quantitativa, que se referem aos<br />
dados coletados nos prontuários e no questionário aplicado com as <strong>encarceradas</strong>, serviram <strong>de</strong><br />
suporte para a análise qualitativa/biográfica posteriormente apresentada. Prece<strong>de</strong> a essa<br />
análise a apresentação do perfil geral do grupo <strong>de</strong> entrevistadas com base nos aspectos<br />
selecionados para a amostra. Em seguida, apresentamos dados mais personalizados sobre os<br />
contextos e as suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, particularmente nos aspectos ligados ao entorno familiar, ao<br />
36 1º Vida pela meta<strong>de</strong> : nesse mo<strong>de</strong>lo, a mulher opta pela família em <strong>de</strong>trimento da profissão; 2º Vida dupla :<br />
através <strong>de</strong>le, as <strong>mulheres</strong> buscam - sob duras penas, a conciliação dos dois aspectos da estrutura social: família e<br />
trabalho; 3º Vida <strong>de</strong>scontínua : as <strong>mulheres</strong> interrompem a vida profissional para ter um filho, ou abdicam da<br />
carreira para acompanhar um cônjuge que mudou o local <strong>de</strong> trabalho; Vida não-vivida : correspon<strong>de</strong> à vida<br />
daquelas <strong>mulheres</strong> que se sacrificam pelos outros, e não conseguem conquistar sua autonomia.
contexto on<strong>de</strong> nasceram, à ida<strong>de</strong>, à ligação com o trabalho e com os processos <strong>de</strong><br />
formação/educação institucionalizados (escola, prisão).<br />
De um modo geral, embora o grupo <strong>de</strong> entrevistadas apresente, à primeira vista,<br />
características muito semelhantes do ponto <strong>de</strong> vista das vivências sociais, políticas,<br />
econômicas, culturais e educativas, algumas diferenças nesses e noutros aspectos foram<br />
observadas.<br />
Das cinco investigadas, duas nasceram em João Pessoa, uma, em Bayeux (localizada a<br />
apenas seis quilômetros <strong>de</strong>ssa capital), outra, em Cuité (localizada no interior da Paraíba a<br />
235 quilômetros <strong>de</strong> João Pessoa), e a última é natural <strong>de</strong> Montes Claros, interior <strong>de</strong> Minas<br />
Gerais, mas residia em São Paulo, quando foi aprisionada nas imediações da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> João<br />
Pessoa.<br />
O nível <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> do grupo também se revelou heterogêneo: das cinco<br />
entrevistadas, uma nunca havia estudado (a não ser no presídio, conforme relatado), duas<br />
tinham o Ensino Fundamental incompleto, a outra havia completado esse nível <strong>de</strong><br />
escolarida<strong>de</strong>, e a última havia <strong>de</strong>ixado o Ensino Médio sem concluir.<br />
Em relação às experiências <strong>de</strong> trabalho, todas revelaram ter <strong>de</strong>senvolvido algum tipo<br />
<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> antes do encarceramento, quase todas <strong>de</strong> baixa valorização social e condições <strong>de</strong><br />
trabalho precárias. Três <strong>de</strong>las trabalharam como empregadas domésticas: a primeira, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />
infância; a segunda, no início da adolescência, embora tenha inicialmente se assumido apenas<br />
como estudante e revelado seu trabalho somente durante a narrativa; e a terceira, além <strong>de</strong> ser<br />
doméstica, também atuou com vendas <strong>de</strong> produtos <strong>de</strong> beleza e, na infância, nunca<br />
<strong>de</strong>senvolveu qualquer ativida<strong>de</strong>. A quarta mulher contou ter sido garçonete e dançarina <strong>de</strong><br />
boates, on<strong>de</strong> fazia strip-tease e se prostituía. Por fim, a quinta e última entrevistada disse que<br />
tivera várias experiências <strong>de</strong> trabalho, sendo a primeira <strong>de</strong>las na infância, quando ajudava a<br />
mãe na lavoura, e a última, <strong>de</strong>senvolvida poucos meses antes do seu encarceramento, como<br />
supervisora <strong>de</strong> uma empresa <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços gerais.<br />
No que concerne à ação <strong>de</strong>lituosa, as duas mais jovens tinham praticado assalto a mão<br />
armada; uma <strong>de</strong>las praticou outros crimes além <strong>de</strong>sse; a terceira cometeu homicídio; a quarta,<br />
um furto simples numa loja <strong>de</strong> supermercado, e a última transportava droga (maconha), <strong>de</strong><br />
São Paulo para Natal, tendo sido <strong>de</strong>scoberta durante a viagem.<br />
O perfil da população investigada que ora apresentamos revelou aspectos ligados às<br />
experiências sociais/estruturais. Os aspectos subjetivos/psicológicos das <strong>biografias</strong>, ligados a<br />
essas experiências sociais, só pu<strong>de</strong>ram ser vistos através das narrativas, que permitiram a<br />
verificação das práticas <strong>de</strong>lituosas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> construções biográficas, justificadas, <strong>de</strong> um lado,
pelo contexto social e pela consi<strong>de</strong>ração da dimensão da sociabilida<strong>de</strong> da aprendizagem<br />
biográfica, cujos processos reflexivos não se <strong>de</strong>senvolvem [...] solamente <strong>de</strong> manera interna<br />
al individuo, sino que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n <strong>de</strong> la comunicación y <strong>de</strong> la interacción con otros o, [...] <strong>de</strong> la<br />
relación con un contexto social<br />
(ALHEIT E DAUSIEN, 2007, p.28), e, <strong>de</strong> outro, pela<br />
subjetivida<strong>de</strong> humana, que, mesmo materializada na realida<strong>de</strong> vivenciada e estruturada nas<br />
interações sociais, obe<strong>de</strong>ce [...] a una «lógica individual», que es el producto <strong>de</strong> la<br />
estructura biográfica particular <strong>de</strong> la experiencia adquirida<br />
(ALHEIT E DAUSIEN,<br />
2007,p.28), favorecendo, segundo esses autores, a aquisição <strong>de</strong> novas experiências na relação<br />
com o mundo, com as <strong>de</strong>mais pessoas e com ele mesmo.<br />
Mergulhamos nas análises <strong>de</strong>ssas narrativas apresentando, no primeiro momento, os<br />
retratos biográficos <strong>de</strong> cada encarcerada investigada, consi<strong>de</strong>rando os aspectos acima<br />
mencionados. A nossa intenção, com a exposição <strong>de</strong>sses retratos, foi a <strong>de</strong> compor o enigma<br />
para se compreen<strong>de</strong>rem as diversas questões que atravessaram a vida <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong>.<br />
4.1 RETRATOS BIOGRÁFICOS DAS ENCARCERADAS INVESTIGADAS<br />
Neste tópico, apresentamos fragmentos das <strong>biografias</strong> das entrevistadas, extraídas <strong>de</strong><br />
suas próprias narrativas, numa tentativa <strong>de</strong> aproximar o leitor da realida<strong>de</strong> das <strong>encarceradas</strong><br />
nos seus mundos <strong>de</strong> vida e nas suas subjetivida<strong>de</strong>s.<br />
Com a liberda<strong>de</strong> oferecida às entrevistadas para que narrassem <strong>de</strong> suas histórias <strong>de</strong><br />
vida completa o que consi<strong>de</strong>rassem mais importante, vimos ocorrer o que Alheit e Dausien<br />
(2007) já nos alertaram sobre a narrativa da construção biográfica. Segundo esses autores, as<br />
<strong>biografias</strong>, quando narradas, apresentam uma complicada estrutura temporal <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong><br />
que [...] las personas entrevistadas no presentan «i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s» fijas, sino las historias «en<br />
las que han sido como son<br />
(ALHEIT E DAUSIEN, 2007, p. 34). Isso favoreceu a<br />
estruturação narrativa e biográfica próprias <strong>de</strong> cada encarcerada entrevistada, <strong>de</strong>vido às<br />
particularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suas histórias <strong>de</strong> vida. Sobre isso, Alheit e Dausien (2007, p.33)<br />
argumentam:<br />
Cada historia <strong>de</strong> vida narra una «historia» particular (estructura narrativa)<br />
y trata <strong>de</strong> una «vida» particular (estructura biográfica). Al mismo tiempo,<br />
resulta claro que ambos aspectos están integrados en relaciones y<br />
estructuras sociales. El concepto <strong>de</strong> construcción social se levanta, por una<br />
parte, sobre el hecho <strong>de</strong> que los individuos son «constructores» activos <strong>de</strong> su<br />
realidad; pero, por otra parte, clarifica que no son libres en el proceso <strong>de</strong><br />
construir, ya que cualquier otra persona pue<strong>de</strong> «manipular» en sus<br />
biografías como mujer o como hombre (estructura narrativa) y trata <strong>de</strong> una<br />
«vida» particular (estructura biográfica).
Consi<strong>de</strong>rando tais premissas sobre os modos <strong>de</strong> construção biográfica, em que o<br />
sujeito é colocado como peça-chave nessa construção, embora não tenha toda a liberda<strong>de</strong> para<br />
construir, foi que nos motivamos por apresentar alguns fragmentos dos itinerários biográficos<br />
das <strong>encarceradas</strong>.<br />
Para a narração <strong>de</strong>sses fragmentos que retrataram suas <strong>biografias</strong>, consi<strong>de</strong>ramos<br />
aspectos relacionados aos contextos on<strong>de</strong> nasceram, aos seus entornos familiares, à ida<strong>de</strong>, à<br />
ligação com o mundo do trabalho, à ligação com os processos <strong>de</strong> formação/educação<br />
institucionalizados (escola, prisão), às experiências amorosas e aos aspectos ligados ao crime.<br />
A organização da apresentação <strong>de</strong>sses retratos biográficos segue a mesma or<strong>de</strong>m da<br />
organização da amostra.<br />
4.1.1 Retrato biográfico <strong>de</strong> Diná<br />
Bayeux<br />
Diná é uma jovem <strong>de</strong> 18 anos, que nasceu no final da década <strong>de</strong> 1980, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
PB. É filha <strong>de</strong> mãe viúva, cujo marido (seu pai) foi assassinado em São Paulo, e é<br />
mãe <strong>de</strong> uma criança <strong>de</strong> dois anos (uma menina), cujo pai está preso. A jovem entrevistada<br />
disse ter sido criada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância pela avó: eu morava com minha avó, eu fui criada pela<br />
minha avó <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequena (Diná), numa casa em que além <strong>de</strong>la, residiam outros parentes e<br />
agregados. Era eu, uma prima, um menino e uma menina da minha tia, [...] e tinha 3<br />
meninos que era da filha do marido da minha avó que morreu (Diná, 18 anos) .<br />
O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> família <strong>de</strong> Diná reflete as mudanças ocorridas no contexto familiar<br />
brasileiro, mais precisamente, na década <strong>de</strong> 1990 (MEDEIROS, 2002), em que se perceberam<br />
novas formas <strong>de</strong> agrupamento familiares, sendo, quase sempre, dirigidas por <strong>mulheres</strong> (mãe,<br />
avó, tia, etc). O caso específico da família <strong>de</strong> Diná baseia-se, mais precisamente, num mo<strong>de</strong>lo<br />
<strong>de</strong> família recomposta, aquela em que o/s sujeito/s dirigentes/provedores geraram nova união,<br />
por terem se divorciado <strong>de</strong> seus cônjuges e se separado outro agrupamento familiar.<br />
Convém lembrar que, na primeira fase da infância <strong>de</strong> Diná, ela convivera com a mãe,<br />
já que essa também residia com a sua avó. Todavia, pelo fato <strong>de</strong> avó ter se separado do seu<br />
cônjuge e, em seguida, ter se unido a outro companheiro, a mãe <strong>de</strong> Diná resolvera sair <strong>de</strong><br />
casa. Diná, porém não a acompanha, alegando ser mais acostumada com a avó.
Minha mãe saiu <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da casa <strong>de</strong> minha avó, aí eu não fui morar com<br />
ela não, porque eu já era acostumada com minha avó. Porque ela saiu da<br />
casa da sua avó? Assim, não foi ela que saiu da casa da minha avó, foi a<br />
minha avó que se separou do marido <strong>de</strong>la e foi morar com outro homem né?<br />
Aí ela me levou. Então, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> recém-nascida que eu fui criada com minha<br />
avó. (DINÁ)<br />
Observe-se, nesse relato, a associação da biografia <strong>de</strong> Diná com outras <strong>biografias</strong><br />
femininas, cujos retratos também vão se <strong>de</strong>svelando à medida que ela narra a sua biografia.<br />
Isso reforça a nossa compreensão sobre a construção biográfica que, segundo Alheit e<br />
Dausien (2007, p.35), é compreendida como uma construção social, [... ] producto <strong>de</strong><br />
procesos sociales <strong>de</strong> interacción .<br />
Foi nesse processo <strong>de</strong> construção social e <strong>de</strong> interação com as pessoas <strong>de</strong> seu contexto<br />
que Diná conheceu, aos 12 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, numa quadrilha junina que dançava em seu bairro,<br />
o primeiro namorado, com quem teve a primeira relação sexual. Essa experiência amorosa,<br />
no entanto, não se prolongou, <strong>de</strong>vido à <strong>de</strong>cisão que ele já havia tomado, antes <strong>de</strong> começarem<br />
o relacionamento, <strong>de</strong> ir embora para Brasília em busca <strong>de</strong> melhores condições <strong>de</strong> vida. Em sua<br />
narrativa, ela lembra que o namorado pediu-lhe que o esperasse, pois ele iria buscá-la para<br />
casar, assim que estivesse mais bem estruturado: Assim, porque ele buliu comigo e no tempo<br />
que ele buliu comigo ele foi simbora pra Brasília. Aí só que ele disse que vinha me buscar<br />
com o tempo. Só que quando ele veio me buscar eu tava com outro (DINÁ).<br />
Refletindo essa experiência durante a narrativa, a própria Diná <strong>de</strong>clara que, se tivesse<br />
esperado o namorado retornar, possivelmente não estaria on<strong>de</strong> estava hoje (na prisão).<br />
Eu tinha 12 anos mulher! Nem pensava em nada, porque se eu tivesse<br />
pensado eu tinha esperado [...] né? Aí se ele tivesse vindo me buscar eu<br />
tinha casado, talvez hoje eu não tava nessa vida que eu tô não é?<br />
Essa realida<strong>de</strong>, inscrita na história <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> Diná, revela a força da índole<br />
particular/subjetiva <strong>de</strong> uma biografia, e a lógica individual que um sujeito po<strong>de</strong> oferecer ao<br />
seu percurso biográfico, mesmo diante <strong>de</strong> estruturas sociais e <strong>de</strong> contextos culturais<br />
<strong>de</strong>sfavoráveis, tal como <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m Alheit e Dausien (2007) em sua teoria.<br />
Assim, a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> Diná <strong>de</strong> não esperar o retorno do namorado dá sequência a uma<br />
série <strong>de</strong> experiências <strong>de</strong> vida propiciadoras da continuação do seu itinerário biográfico, no
qual se inscreveu a marca do <strong>de</strong>lito e do aprisionamento. Essas experiências estiveram ligadas<br />
ao mundo do trabalho, aos processos educativos e/ou <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong>, à vida conjugal e à<br />
prisão.<br />
As duas últimas se associaram ao processo <strong>de</strong> construção da biografia <strong>de</strong> Diná, uma<br />
vez que ela <strong>de</strong>cidira cometer o <strong>de</strong>lito por razões conjugais. Por outro lado, as duas primeiras<br />
que, na verda<strong>de</strong>, começaram a ser vividas antes das experiências amorosas, ainda que não<br />
<strong>de</strong>monstrem uma associação direta com a prática <strong>de</strong>lituosa e com o aprisionamento <strong>de</strong> Diná,<br />
revelam circunstâncias <strong>de</strong> vida exclu<strong>de</strong>ntes, propiciadoras da inserção no mundo da<br />
marginalida<strong>de</strong>, e consequentemente, da criminalida<strong>de</strong>.<br />
A ligação <strong>de</strong> Diná com o mundo do trabalho começou aos 12 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, quando<br />
passou a trabalhar em uma casa <strong>de</strong> família como empregada doméstica. Ela também trabalhou<br />
como ven<strong>de</strong>dora numa banca <strong>de</strong> roupas, localizada no comércio informal (camelô) <strong>de</strong> João<br />
Pessoa. Nesse trabalho, passou dois anos, tendo voltado em seguida a <strong>de</strong>senvolver ativida<strong>de</strong>s<br />
domésticas em outra casa, cujo dono tinha uma lanchonete e recorria aos seus serviços quando<br />
precisava.<br />
No que diz respeito à experiência no contexto educativo, ou à sua ligação com os<br />
processos <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong> formais, Diná afirmou ter estudado somente até a 4ª série, não<br />
tendo completado essa fase. Depois <strong>de</strong> sucessivas reprovações nessa mesma série, <strong>de</strong>sistiu <strong>de</strong><br />
estudar, alegando <strong>de</strong>sinteresse e cansaço pelo fato <strong>de</strong> trabalhar o dia todo. Sua ligação com o<br />
processo educativo fora, portanto, curto e <strong>de</strong>ficitário, <strong>de</strong>vido às duas experiências biográficas<br />
(trabalho e estudo), cuja combinação na infância e adolescência não é a mais apropriada,<br />
conforme alegam alguns estudiosos, como Marques (2001), Dallari (1986), Ferreira (2001) e<br />
Garcia (2002): Eu fazia a 4ª série, e foi nesses 4 anos que eu comecei a trabalhar, aí eu<br />
<strong>de</strong>sisti. [...] era muito cansativo, aí no outro dia eu tinha que acordar cedo (DINÁ).<br />
Aparece, então, <strong>de</strong> maneira muito clara, no itinerário biográfico <strong>de</strong> Diná, a lacuna do<br />
processo <strong>de</strong> escolarização em função do trabalho <strong>de</strong>senvolvido na adolescência. A experiência<br />
do trabalho, ainda que mal remunerado, era priorida<strong>de</strong>, naquele momento da sua vida, <strong>de</strong>vido<br />
à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobreviver. Registre-se, no entanto, que Diná abandonou tanto o trabalho<br />
quanto a escola, logo que se uniu ao seu parceiro conjugalmente e ficou grávida.<br />
Esses fatos ocorridos na vida <strong>de</strong> Diná refletem a inseguridad biográfica<br />
(WOHLRAB-SAHR, 1993, apud, ALHEIT, 2007), típica do curso <strong>de</strong> vida das <strong>mulheres</strong> nessa<br />
fase da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Para Alheit (2007, p. 137), isso <strong>de</strong>corre exatamente do fato <strong>de</strong> elas<br />
serem [ ] sistemáticamente por estructuras <strong>de</strong> exigencias<br />
contradictorias en la profesión, en la formación y en la familia (ALHEIT, 2007, P.127).
Diná conheceu o seu parceiro, que seria o pai da sua filha, três anos <strong>de</strong>pois da sua<br />
primeira experiência amorosa. Com pouco tempo <strong>de</strong> namoro, apenas três meses, resolveram<br />
morar juntos, em um local próximo à casa <strong>de</strong> sua avó em Bayeux. Logo em seguida, Diná<br />
engravidou.<br />
O parceiro, conforme narrou, era envolvido com o mundo do crime: Ele vivia no<br />
tráfico, cometia homicídio<br />
(DINÁ). Destarte, associamos o seu envolvimento nesse mundo<br />
com o relacionamento que tivera com ele. Diná, porém, alegou não existir associação direta<br />
nesse sentido, afirmando que não sabia explicar o motivo que a levou a tal empreendimento:<br />
[...] até hoje eu num sei por que eu fiz esse negócio não! Não sei como foi, se você me<br />
perguntar como foi eu não sei<br />
(DINÁ, 18 anos).<br />
No <strong>de</strong>correr da narração, no entanto, ela justificou a ação <strong>de</strong>lituosa cometida,<br />
associando-a à convivência conflituosa com o parceiro. Assim, o dinheiro que receberia com<br />
o assalto realizado, segundo ela, iria servir para retornar à casa da sua família e para se libertar<br />
da condição <strong>de</strong> opressão e <strong>de</strong> violência que vivia junto com o parceiro. Esse foi o motivo,<br />
segundo Diná, que fez com que ela aceitasse a proposta <strong>de</strong>lituosa sugerida por uma amiga.<br />
Depois que realizou o <strong>de</strong>lito, conseguiu fugir e ficou foragida da polícia em João Pessoa, on<strong>de</strong><br />
tinha passado a morar. Nesse tempo, o marido já havia sido preso por força <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>núncia,<br />
e ela, contrariando o que disse sobre o motivo <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>lito e correndo risco <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scoberta,<br />
passa a visitá-lo na <strong>de</strong>legacia: Eu fui visitar ele, eu tava levando as coisas pra ele (DINÁ, 18<br />
anos). Numa <strong>de</strong>ssas visitas, ela acabou sendo i<strong>de</strong>ntificada/reconhecida por um policial e presa<br />
logo em seguida.<br />
Na prisão, ela conta que tem vivido maus bocados , <strong>de</strong>vido aos problemas <strong>de</strong><br />
convivência com as <strong>de</strong>mais <strong>encarceradas</strong>, às limitações estruturais do contexto e à própria<br />
situação <strong>de</strong> encarceramento. Há mais <strong>de</strong> um ano vivendo na prisão, sem ainda ter sido<br />
julgada, ela caracteriza esse lugar como a faculda<strong>de</strong> da malandragem<br />
recuperar os sujeitos nele internos, ensina-lhes a a<strong>de</strong>ntrar nele ainda mais.<br />
4.1.2 Retrato biográfico <strong>de</strong> Isabel<br />
que, ao invés <strong>de</strong><br />
Isabel é uma jovem espirituosa, <strong>de</strong> 21 anos, solteira, mãe <strong>de</strong> um filho, fruto <strong>de</strong> uma<br />
relação conjugal conflituosa, cujo parceiro era envolvido com práticas criminosas e que, por<br />
esse motivo, também estava preso. A entrevistada é natural <strong>de</strong> João Pessoa, tendo vivido,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância até o seu encarceramento, no Bairro São José, consi<strong>de</strong>rado um dos mais
violentos da capital paraibana, e cujas ocupações ocorrem em áreas ambientalmente frágeis<br />
(beira <strong>de</strong> córregos, rios e reservatórios). Lima (2004) retrata melhor esse contexto:<br />
[...] com aproximadamente 13000 habitantes, é um bairro com características<br />
<strong>de</strong> favela, ocupação <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada e em áreas <strong>de</strong> risco ambiental, precarieda<strong>de</strong><br />
das moradias, insalubrida<strong>de</strong>, sem espaços <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>, alta <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong><br />
construtiva e condições <strong>de</strong> habitabilida<strong>de</strong> inalcançáveis.<br />
Além <strong>de</strong> viver em um contexto precário e violento e com todas as características acima<br />
mencionadas, que, a nosso ver, ampliam as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> entrada dos sujeitos no mundo<br />
da marginalida<strong>de</strong>, Isabel teve uma experiência familiar dramática. Sem pai e sem irmãos, ela<br />
conta que, no começo da sua infância, a sua mãe a doou a uma senhora do mesmo bairro,<br />
alegando falta <strong>de</strong> tempo, e a tomou <strong>de</strong> volta várias vezes.<br />
Minha mãe me teve, me <strong>de</strong>u a outra mulher, aí <strong>de</strong>pois tomou, aí me <strong>de</strong>u <strong>de</strong><br />
novo, aí ficou. [...] Aí fiquei com ela até os sete anos, quando eu tava na<br />
escola ela (a mãe biológica) me tomou. trabalhava muito nunca teve<br />
tempo para mim. [...] Aí ficou nessa: me tomando, me dando, me tomando<br />
me dando! Aí fui morar com minha mãe <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> vez, aí <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um<br />
tempo, ela faleceu (ISABEL).<br />
A senhora a quem ela foi doada (que nunca havia tido uma filha mulher), como conta,<br />
já vinha observando, há algum tempo, a situação <strong>de</strong> abandono em que vivia Isabel em sua<br />
casa. Por causa disso, sentiu-se motivada e resolveu propor à mãe <strong>de</strong> Isabel que a <strong>de</strong>ixasse<br />
criá-la. Sem muito sinal <strong>de</strong> preocupação, conforme relatou a entrevistada, a mãe <strong>de</strong> Isabel<br />
aceitou a proposta e entregou a filha para ser criada por essa senhora.<br />
Quando ela já havia se adaptado à segunda mãe, estando bem cuidada e tendo iniciado<br />
o processo <strong>de</strong> escolarização, a mãe legítima<br />
<strong>de</strong>ci<strong>de</strong> tomá-la <strong>de</strong> volta, <strong>de</strong>volvendo-a pouco<br />
tempo <strong>de</strong>pois. Isabel vive, portanto, nesse período, uma experiência <strong>de</strong> vida, que po<strong>de</strong>ria vir a<br />
ser comprometedora para o seu processo <strong>de</strong> formação (pessoal e social), <strong>de</strong>vido aos dois<br />
mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> educação recebidos e às <strong>aprendizagens</strong> adquiridas pelas duas mães, como relata:
Foi dois mundos assim, duas mães, dois pensamentos, duas educação, então<br />
e isso mexeu muito com minha cabeça. Minha mãe verda<strong>de</strong>ira me ensinava<br />
uma coisa, era mais rígida, já minha mãe <strong>de</strong> criação era mais boa, era uma<br />
pessoa muito maravilhosa (ISABEL, 21 anos).<br />
Observe-se que, ao dizer que essa experiência mexeu com a sua cabeça, Isabel tenta<br />
justificar a pessoa em que se tornou: uma jovem <strong>de</strong>linquente e, atualmente, encarcerada. Ela<br />
narra também que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muitas idas e vindas da casa da sua mãe verda<strong>de</strong>ira , houve um<br />
dia em que ela <strong>de</strong>cidiu não voltar mais, indo, portanto, morar <strong>de</strong> vez com a sua mãe <strong>de</strong><br />
criação.<br />
O drama <strong>de</strong> Isabel nessa questão, no entanto, não terminou com essa <strong>de</strong>cisão, pois ela<br />
acabou tendo que voltar a morar com a mãe biológica, uma vez que a sua mãe <strong>de</strong> criação<br />
falecera. A experiência <strong>de</strong> tal perda foi revoltante e, segundo o seu relato, motivou-a a entrar<br />
no mundo das drogas, abrindo possibilida<strong>de</strong>s para a vivência <strong>de</strong> experiências as mais diversas<br />
ligadas a esse mundo.<br />
Antes, porém, <strong>de</strong> enveredar nesse e em outros mundos <strong>de</strong> vida, Isabel narra que,<br />
mesmo envolvida nesse drama, viveu, na sua infância e adolescência, outras experiências<br />
importantes para a construção <strong>de</strong> sua biografia. Com certo encantamento, ela conta, por<br />
exemplo, as experiências lúdicas vividas na infância, junto com outras crianças do seu bairro.<br />
Minhas bonecas eram umas bonequinhas <strong>de</strong> pano assim pretinha, veiiinha<br />
meu Deus! Aí a gente brincava, fazia roupa, tinha os maridos, a gente fazia<br />
até os maridos a gente fazia, os maridos e os bonequinhos assim pequenos<br />
<strong>de</strong> pano, fazia cama, travesseiro. Também gostava muito <strong>de</strong> brincar <strong>de</strong><br />
amarelinha, que é aquela que agente risca no chão e joga uma pedra, e <strong>de</strong><br />
casinha, <strong>de</strong> boneca. Assim, eu sempre gostava muito <strong>de</strong> brincar. Tinha uma<br />
brinca<strong>de</strong>ira caiu no poço, eu brinquei muito também (ISABEL, 21 anos).<br />
Embora tenha narrado, com satisfação, essa experiência, Isabel se lembrou, com<br />
tristeza, do fato <strong>de</strong> sua mãe biológica nunca ter lhe dado um brinquedo, ou qualquer outro<br />
presente como forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> carinho e afeto. Ela afirmou que, quando criança,<br />
sentia inveja <strong>de</strong> suas amigas, cujas mães se preocupavam em agradá-las com gestos como<br />
esse, <strong>de</strong>monstrando a atenção que tinha com elas.
A mãe das meninas chegava assim, recebiam dinheiro aí diziam: Toma<br />
Lidiane, olhe tá aqui uma bonequinha pra tu! Toma fulana uma roupinha<br />
pra tu! , aí eu ficava olhando assim, minha mãe, trabalhava e nada pra<br />
mim. Sei não, viu? Doeu <strong>de</strong>mais a minha infância! (ISABEL, 21 anos).<br />
Além das experiências lúdicas vividas com as amigas da vizinhança, Isabel conta que<br />
viveu também com elas a experiência <strong>de</strong> pedinte nas casas do bairro nobre, vizinho ao em que<br />
morava.<br />
[...] eu já pedi esmolas já. Saía com duas, três, minha mãe saía pra<br />
trabalhar e eu saía com duas, três no João Agripino [...]. A gente ía nas<br />
casas, pedia alimento, a gente dizia que era pra doar. Que agente ia fazer<br />
uma campanha, que era pra doar (risos). É, a gente dizia por que a gente<br />
tinha vergonha assim né? (ISABEL, 21 anos).<br />
Essa realida<strong>de</strong> evi<strong>de</strong>ncia as estratégias utilizadas por Isabel e por suas amigas para<br />
lhes garantir o mínimo <strong>de</strong> satisfação das necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sobrevivência, em um ambiente<br />
social precário, e a situação <strong>de</strong> pobreza em que elas viviam. O pobre, aqui, é entendido como<br />
[...] não apenas aquele que tem menos que os outros, mas sim aquele que não dispõe do<br />
mínimo <strong>de</strong> meios para viver (SEN, 1985, 1992, apud, ESTIVILL, 2006, p.107).<br />
No <strong>de</strong>correr da narrativa, Isabel conta, ainda, que, na infância, além <strong>de</strong> brincar e pedir<br />
esmolas, também estudou e trabalhou. E mesmo vivendo essas duas experiências<br />
simultaneamente, ela conseguiu concluir o Ensino Fundamental, ainda que passando por<br />
sucessivas reprovações durante esse percurso.<br />
O seu processo <strong>de</strong> escolarização começou aos cinco anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, incentivado pela<br />
mãe <strong>de</strong> criação, que até em aulas <strong>de</strong> reforço a colocou quando foi necessário. Portanto,<br />
alegando [...] uma preguiça da mente, uma preguiça <strong>de</strong> raciocinar<br />
e o <strong>de</strong>sinteresse por<br />
estudar foi que Isabel justificou as suas reprovações na escola. Apesar disso, ela chegou a<br />
ingressar no ProJovem 37 , o que, talvez, tenha lhe favorecido concluir o Ensino Fundamental,<br />
embora somente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> já estar presa.<br />
37 Programa Nacional <strong>de</strong> Inclusão <strong>de</strong> Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária do Governo Fe<strong>de</strong>ral.<br />
O mesmo é <strong>de</strong>stinado à capacitação e inclusão social <strong>de</strong> jovens entre 18 e 24 anos que ainda não concluíram o<br />
ensino fundamental. O jovem matriculado no programa recebe um benefício <strong>de</strong> R$ 100,00 mensais, durante o<br />
período do curso (12 meses), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que cumpra as metas estipuladas e tenha frequência mínima <strong>de</strong> 75% nas<br />
aulas.
Atualmente, mesmo já tendo concluído essa etapa da Educação Básica, Isabel participa<br />
das ativida<strong>de</strong>s educativas existentes <strong>de</strong>ntro do presídio, na tentativa <strong>de</strong> reduzir a sua pena<br />
pelos dias estudados. Seria o caso <strong>de</strong> estar cursando o Ensino Médio, mas esse nível <strong>de</strong><br />
escolarida<strong>de</strong> não vem sendo oferecido naquele presídio, talvez pelo fato <strong>de</strong> a maioria das<br />
internas não ter concluído sequer o Ensino Fundamental ou por serem analfabetas, como<br />
vimos nos dados estatísticos que apresentamos.<br />
Em relação à experiência <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> Isabel (como empregada doméstica), ela conta<br />
que foi a partir dos 11 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> que viveu essa experiência, mas que isso não lhe teria<br />
prejudicado a infância, uma vez que, mesmo fazendo toda a arrumação da casa, trabalhava<br />
somente pela manhã, alternando o outro horário com o estudo e com as brinca<strong>de</strong>iras próprias<br />
da infância naquele contexto em que vivia. A dona da casa on<strong>de</strong> trabalhava (que frequentava<br />
uma igreja evangélica), segundo Isabel, era atenciosa e <strong>de</strong>monstrava preocupação com o seu<br />
direcionamento biográfico, <strong>de</strong>vido à situação <strong>de</strong> abandono em que a via. Portanto, ainda que<br />
usufruísse<br />
do trabalho <strong>de</strong> Isabel, não lhe exigia tanto. Ao contrário disso, ela a incentivava<br />
nos estudos e dava-lhe conselhos sobre os diversos temas da vida.<br />
A preocupação com Isabel também levou a dona da casa a incentivá-la a se tornar<br />
evangélica, acreditando que isso minimizaria os riscos do seu envolvimento com o mundo da<br />
marginalida<strong>de</strong>. Dessa feita, Isabel tornou-se evangélica e permaneceu como tal, durante mais<br />
<strong>de</strong> três anos.<br />
Fui evangélica por mais três anos. Eu comecei por influência, porque<br />
convivia muito lá na casa da mulher que me ajudava, [...]. Sempre me<br />
ajudava, sempre me ajudava. E ela era evangélica e só eu é que era<br />
católica. [...], aí ela sempre me incentivou, me dava bíblia, a palavra, e eu vi<br />
assim que ela era tão boa pra mim que <strong>de</strong> tanto ela me pedir, assim pra mim<br />
ser evangélica que eu peguei entrei na igreja. [...] passei uns quatro anos e<br />
<strong>de</strong>pois saí. (Isabel, 21 anos).<br />
Não somente por esse motivo, mas foi logo <strong>de</strong>pois que Isabel saiu da casa on<strong>de</strong><br />
trabalhava, abandonando também a referida experiência religiosa, e pouco tempo <strong>de</strong>pois da<br />
morte da sua mãe <strong>de</strong> criação, que ela começou a se relacionar com pessoas ligadas ao mundo<br />
do crime. Ela teria passado quatro anos morando nessa casa e, quando saiu <strong>de</strong> lá, <strong>de</strong>u início à<br />
sua trajetória <strong>de</strong>lituosa, conforme relata: [...] quando eu saí, eu me envolvi com gente<br />
errada. Aí pra me sustentar eu tive que começar a ven<strong>de</strong>r drogas (ISABEL, 21 anos).
Ressalte-se que a entrevistada respon<strong>de</strong> a três processos por ter cometido mais <strong>de</strong> uma<br />
ação <strong>de</strong>lituosa (roubo, estelionatário, tráfico <strong>de</strong> drogas). Quando cometeu seu primeiro <strong>de</strong>lito,<br />
ela já não estava morando na casa on<strong>de</strong> trabalhava, tinha voltado a morar com a sua mãe e a<br />
ajudava, naquele perído, na casa em que ela (a mãe) trabalhava: Antes da minha primeira<br />
queda eu ajudava ela (a mãe), eu ia um dia sim e um dia não. Porque eu via a situação <strong>de</strong>la<br />
né? Ela paga aluguel, tem um marido que não ajuda em nada, é que nem gigolô. (ISABEL).<br />
Vê-se, pois, que o ofício <strong>de</strong> empregada doméstica da mãe foi reproduzido pela filha.<br />
Esse tipo <strong>de</strong> trabalho é, na verda<strong>de</strong>, praticado por inúmeras crianças brasileiras, no entanto,<br />
por estar sob a proteção do lar, a socieda<strong>de</strong> não o consi<strong>de</strong>ra como prejudicial às crianças<br />
(FERREIRA, 2001). De acordo com Cipola (2001), isso ocorre porque há pouca consciência<br />
<strong>de</strong> que o trabalho infantil [...] fere os direitos <strong>de</strong> cidadania, inibe a escolarida<strong>de</strong> e o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento integral, traz riscos aos meninos e meninas praticantes, além <strong>de</strong> outras<br />
distorções ainda não estudadas (CIPOLA, 2001, p.13).<br />
Por outro lado, o fato <strong>de</strong> a mãe <strong>de</strong> Isabel não se importar e até querer vê-la trabalhando<br />
(para ajudá-la), não <strong>de</strong>ve ser encarado apenas como uma forma <strong>de</strong> exploração, visto que [...]<br />
o trabalho infantil no Brasil é também uma questão cultural e está ligada à pobreza e às<br />
<strong>de</strong>ficiências do sistema educacional<br />
(CIPOLA, 2001, p.30-31).<br />
Nessas circunstâncias <strong>de</strong> vida, em que Isabel combina em sua trajetória a experiência<br />
<strong>de</strong> trabalho doméstico (ajudando a mãe) e a experiência escolar, foi que ela, motivada pelas<br />
amigas do mesmo bairro, foi chamada a praticar o seu primeiro roubo. As amigas, que já<br />
tinham experiência nesse sentido, teriam argumentado antes com Isabel, na tentativa <strong>de</strong><br />
convencê-la sobre os benefícios que isso lhes proporcionaria, como por exemplo, <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />
viver na humilhação, pedindo a um e a outro o que precisava . Mesmo temerosa, como<br />
relatou, Isabel aceitou a proposta e resolveu participar do grupo que assaltaria uma casa do<br />
bairro vizinho ao em que morava. Esse foi, portanto, o primeiro <strong>de</strong>lito cometido por Isabel.<br />
Por causa <strong>de</strong>le, ela foi encarcerada pela primeira vez. Porém, por não terem<br />
conseguido provar a sua participação - já que, no diário escolar, estava registrada a sua<br />
presença, recebeu, em pouco tempo, o alvará <strong>de</strong> soltura. Ao sair da prisão, Isabel foi acusada<br />
<strong>de</strong> estelionato. Ela conta que, enquanto estava presa, colocaram o dinheiro <strong>de</strong> um roubo <strong>de</strong><br />
terras localizadas em Recife em sua conta corrente. Afirmou que não sabia como isso teria<br />
ocorrido e que soube da existência <strong>de</strong>sse dinheiro em sua conta somente quando saiu do<br />
presídio e foi informada pela pessoa que teria feito a transação. Por esse e por outro <strong>de</strong>lito em<br />
que se envolveu <strong>de</strong>pois (o tráfico <strong>de</strong> drogas), ela foi presa e ficou cumprindo a pena em<br />
regime semiaberto, ou seja, trabalhava o dia todo e voltava à noite para dormir no presídio.
Em um <strong>de</strong>sses retornos ao presídio, foi pega com 12 pedras <strong>de</strong> crack <strong>de</strong>ntro do pão que levava<br />
para lá. Isso fez com que ela saísse do regime semiaberto e voltasse ao fechado, gerando-lhe<br />
mais um processo.<br />
Outro aspecto da vida <strong>de</strong> Isabel, que merece ser registrado em seu retrato biográfico,<br />
diz respeito ao aspecto amoroso. Ela conheceu aquele que seria o seu companheiro e pai do<br />
seu filho, numa festa <strong>de</strong> rua - prévia do carnaval. Em pouco tempo <strong>de</strong> namoro, eles foram<br />
morar juntos, na casa da mãe <strong>de</strong>le, e o relacionamento durou quatro anos. Segundo ela, foi<br />
uma experiência muito mais <strong>de</strong> sofrimento que <strong>de</strong> alegria, pois, além das humilhações por que<br />
passava ao vê-lo com outras <strong>mulheres</strong>, sofria <strong>de</strong>le a violência doméstica. Ela conta que ele lhe<br />
bateu até quando estava grávida. Por esses motivos, teria chegado um dia em que, não<br />
aguentando mais aquela situação, resolveu ir embora, e, mesmo tendo sofrido ameaça <strong>de</strong><br />
morte pela <strong>de</strong>cisão que tomou, não voltou mais.<br />
Ela narra, ainda, que atualmente o ex-companheiro se encontra preso por ter cometido<br />
um homicídio e que da prisão lhe envia cartas (que são entregues pela sua mãe), dizendo que<br />
tinha passado a lhe dar valor e que, quando saísse, ia tentar uma reconciliação. Isabel, no<br />
entanto, <strong>de</strong>scarta essa hipótese.<br />
Na prisão, além <strong>de</strong> estudar, Isabel tem <strong>de</strong>senvolvido algumas ativida<strong>de</strong>s artesanais e<br />
trabalhado no jardim aguando e cuidando das flores. Ela também lava roupa das amigas<br />
presas e ajuda na cozinha. Todas essas ativida<strong>de</strong>s são <strong>de</strong>senvolvidas pensando na remissão da<br />
pena e em garantir o mínimo para po<strong>de</strong>r comprar o seu cigarro semanalmente.<br />
Sobre as <strong>de</strong>mais experiências vividas nesse contexto, ela conta que apren<strong>de</strong>u muito<br />
com todas elas, mas também revela que teve que <strong>de</strong>sapren<strong>de</strong>r coisas que a própria vida lhe<br />
ensinou, para po<strong>de</strong>r conviver em paz naquele ambiente.<br />
4.1.3 Retrato biográfico <strong>de</strong> Judite<br />
Filha <strong>de</strong> camponeses, Judite é a mais nova entre cinco irmãos; tem 32 anos, é solteira,<br />
tem dois filhos e está presa por ter cometido crime hediondo, cuja pena foi <strong>de</strong> 17 anos. Ela<br />
nasceu em Cuité, interior da Paraíba, on<strong>de</strong> foi criada até os seis anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Com a<br />
separação dos pais, Judite veio morar em João Pessoa, com a mãe e o irmão, na década <strong>de</strong><br />
1980. Seus outros irmãos, que eram mais velhos, saíram <strong>de</strong> casa há mais tempo. Teriam ido<br />
tentar a vida em outras regiões brasileiras.<br />
A infância <strong>de</strong> Judite, no lugar on<strong>de</strong> nasceu, foi muito curta e, por isso, as lembranças<br />
que tem <strong>de</strong>sse lugar são muito restritas. Ela lembra, no entanto, que seus pais moravam numa
fazenda, em que o pai era o vaqueiro. Donos e empregados, conforme relata Judite, moravam<br />
nessa fazenda em casas pegadas . Talvez representando um gesto <strong>de</strong> gratidão dos<br />
empregados para com os patrões, Judite se tornou afilhada <strong>de</strong>les. Ela se lembra, com carinho,<br />
daqueles que se tornaram seus padrinhos e disse que eles gostavam e que ainda gostam muito<br />
<strong>de</strong>la.<br />
Quando vieram para João Pessoa<br />
ela, a mãe e o irmão - foram morar em uma granja,<br />
localizada no Bairro do Altiplano, um bairro pouco populoso e caracterizado por abrigar, ao<br />
mesmo tempo, algumas favelas, residências <strong>de</strong> classe média e edifícios <strong>de</strong> luxo.<br />
A mãe <strong>de</strong> Judite veio <strong>de</strong> Cuité-Pb para João Pessoa com a garantia <strong>de</strong> que trabalharia<br />
nessa granja. Até mesmo a escola para sua filha já estava reservada. Moraram, então, nesse<br />
lugar, cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos e só saíram <strong>de</strong>pois que a dona da granja, que tinha muito apreço pela<br />
mãe <strong>de</strong> Judite, falecera.<br />
Quando isso aconteceu, Judite tinha 17 anos e já estava com o seu primeiro filho. Ela<br />
conta que a patroa da sua mãe a tratava como uma filha, até a colocou para estudar em escola<br />
particular: Eu estu<strong>de</strong>i em colégio particular. Foi ela quem me <strong>de</strong>u um bom estudo. Eu<br />
agra<strong>de</strong>ço primeiro a Deus e segundo a ela, mesmo ela não estando mais aqui (JUDITE, 32<br />
anos). Apesar disso, Judite sequer terminou o Ensino Fundamental, <strong>de</strong>sistindo <strong>de</strong> estudar na 7ª<br />
série, após duas reprovações.<br />
Conforme relatou, no começo do seu processo <strong>de</strong> escolarização (com seis anos <strong>de</strong><br />
ida<strong>de</strong>), era muito interessada nos estudos, porém, quando começou a namorar, foi per<strong>de</strong>ndo o<br />
interesse, tendo chegado até a pular o muro da escola para fugir.<br />
Ao contrário <strong>de</strong> Diná e <strong>de</strong> Isabel, cujas <strong>biografias</strong> retratamos anteriormente, durante a<br />
sua infância, Judite não fez outra coisa além <strong>de</strong> brincar e estudar, tendo começado a trabalhar<br />
somente aos <strong>de</strong>zessete anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> quando já tinha o seu primeiro filho. Nesse período, a<br />
dona da granja já havia falecido, e elas não mais moravam naquele lugar: [...] eu só vim<br />
saber o que era emprego na minha vida, <strong>de</strong>pois que eu tive o meu primeiro filho. Eu tinha 17<br />
anos<br />
(JUDITE, 32 anos).<br />
A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar o filho sozinha<br />
pois não tinha o apoio do pai, que era casado<br />
e teria dito não se responsabilizar com a criança que nasceria - e sem o apoio <strong>de</strong> quem a<br />
sustentara por muito tempo (a dona da granja), fez com que ela <strong>de</strong>cidisse procurar emprego.<br />
Trabalhou, portanto, exercendo funções <strong>de</strong> diarista, cuidadora <strong>de</strong> crianças e <strong>de</strong> pessoas idosas,<br />
ven<strong>de</strong>dora <strong>de</strong> produtos <strong>de</strong> beleza e lingeries. O fato <strong>de</strong> ter começado a trabalhar, no entanto,<br />
não impediu que ela doasse o seu filho a uma tia, com quem ele mora até hoje.
Somando-se a essa experiência materna, cujo tempo foi curto, Judite viveu, em<br />
seguida, um relacionamento <strong>de</strong> quase seis anos com um homem por quem disse ter sido muito<br />
apaixonada, e cuja vida foi perdida no mundo do crime. Abalada e <strong>de</strong>pressiva, em razão do<br />
ocorrido, ela começou a frequentar uma igreja perto <strong>de</strong> on<strong>de</strong> morava, na tentativa <strong>de</strong> aliviar a<br />
sua dor. Nesse entremeio, entre a igreja e sua casa, começa a paquerar um homem, que seria o<br />
seu futuro namorado e pai da sua filha. Foi ele, na verda<strong>de</strong>, quem a ingressou no mundo da<br />
criminalida<strong>de</strong>.<br />
[...] quando eu conheci ele na rua, foi ele que me ensinou a entrar no mundo<br />
do crime, [...]. Ele perguntou a mim se eu sabia roubar, aí eu: Não, sei<br />
roubar não visse! Ele fez: vamos dar uma volta comigo que eu te ensino. Aí<br />
eu fui dá uma volta com ele (JUDITE, 32 anos).<br />
Fora da prisão, o seu relacionamento com esse namorado durou apenas três meses,<br />
<strong>de</strong>pois ele acabou sendo preso, e ela per<strong>de</strong>u o contato, ficou sem saber o que havia<br />
acontecido. Com pouco tempo, ela recebeu um bilhete enviado por ele, pedindo que lhe<br />
visitasse no presídio. Ela conta que ficou apreensiva com a proposta, pois nunca tinha ido a<br />
uma ca<strong>de</strong>ia, mas que logo passou a visitá-lo, inclusive, nos dias <strong>de</strong> visita íntima. Foi, portanto,<br />
numa <strong>de</strong>ssas visitas, que ela teria ficado grávida do seu segundo filho, uma menina.<br />
Enquanto estava grávida, Judite <strong>de</strong>u encaminhamento/continuida<strong>de</strong> àquela vida do<br />
crime que havia apenas começado a apren<strong>de</strong>r com o namorado quando ele a levou para dar<br />
uma volta , como vimos no relato acima. Na fala seguinte, ela explica as implicações daquela<br />
volta, que significou a apresentação a esse mundo:<br />
[...] o pior foi que eu gostei <strong>de</strong>ssa história <strong>de</strong>ssa voltinha, aí comecei a<br />
frequentar a rua <strong>de</strong> noite, aí fui conhecendo outras pessoas, porque uma<br />
leva pra conhecer as outras [...] Aí eu conheci <strong>de</strong> tudo, <strong>de</strong> prostituta, <strong>de</strong><br />
ladrão, <strong>de</strong> homicida, <strong>de</strong> traficante [...] (JUDITE, 32 anos).
A entrada <strong>de</strong> Judite nesse mundo, conforme relatou, começa na prostituição. Ela,<br />
porém, abandona essa ativida<strong>de</strong> em pouco tempo, por incentivo das amigas, que lhe ensinam<br />
outro ofício que, possivelmente, seria para ela mais vantajoso - o roubo 38 .<br />
Depois <strong>de</strong> nove meses <strong>de</strong> gravi<strong>de</strong>z e da aquisição <strong>de</strong> muitas <strong>aprendizagens</strong> e<br />
experiências no mundo do crime, Judite teve a sua filha. O namorado, que se encontrava<br />
preso, foi solto pouco tempo <strong>de</strong>pois, porém o casal não permaneceu junto, o que não impediu<br />
que ele continuasse tentando controlar a vida da entrevistada, passando a agredi-la e a<br />
ameaçá-la, caso suspeitasse <strong>de</strong> algum envolvimento seu com outra pessoa ou, simplesmente,<br />
visse uma conversa um pouco <strong>de</strong>morada com outro homem.<br />
Ele passou, assim, ele passou a me agredir, porque ele nem ficava comigo, e<br />
nem <strong>de</strong>ixava que ninguém ficasse comigo. Quando ele me via perto <strong>de</strong><br />
alguém, ou sei lá, conversando <strong>de</strong>mais com aquela pessoa, aí ele já queria<br />
estranhar e qualquer coisinha ele queria me bater! (JUDITE, 32 anos).<br />
Quando Judite já não aguentava mais aquela vida <strong>de</strong> opressão com o pai da sua filha,<br />
ele acabou sendo preso novamente. Para sua alegria, foi con<strong>de</strong>nado a oito anos <strong>de</strong> prisão e,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> cumprir pena, foi solto, mas, em pouco tempo, mataram-no. Com o ocorrido, Judite<br />
dá continuida<strong>de</strong> às suas experiências <strong>de</strong>lituosas <strong>de</strong> maneira mais intensa e mais livre. Em sua<br />
narração, ela <strong>de</strong>stacou, <strong>de</strong>ssas experiências, a que mais marcou a sua biografia - a do golpe<br />
Boa Noite Cin<strong>de</strong>rela 39 , que aplicava nas praias <strong>de</strong> João Pessoa e que foi o motivo da sua<br />
primeira prisão e a experiência do homicídio que cometeu com uma amiga <strong>de</strong> sela, quando<br />
cumpria pena em regime semiaberto.<br />
Sobre essa última experiência, ela conta que foi con<strong>de</strong>nada a 17 anos <strong>de</strong> prisão. No<br />
tocante ao crime, ela narra que ocorreu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Santa Rita, em um período <strong>de</strong> campanha<br />
eleitoral. Ela teria ido, a convite da vítima e <strong>de</strong> um amigo, para um showmício e lá teriam<br />
bebido e se drogado muito. Depois <strong>de</strong> algum tempo consumindo drogas, tiveram uma<br />
discussão, na qual a vítima teria dito <strong>de</strong>saforos<br />
sobre a sua índole e sobre o seu marido,<br />
38 No mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> roubo aprendido e praticado por Judite, os ladrões/ladras se utilizam <strong>de</strong> comprimidos<br />
(geralmente Rupinol) para efetuarem o/s seu/s objetivo/s. Esses comprimidos (que <strong>de</strong>veriam ser vendidos apenas<br />
com prescrição médica) são colocados nas bebidas dos seus alvos para lhes <strong>de</strong>ixarem dopados e, com isso,<br />
realizarem o roubo.<br />
39 O golpe consiste na utilização <strong>de</strong> drogas (medicamentos), geralmente colocadas na bebida da vítima, para que<br />
ela, estando dopada e sem a consciência <strong>de</strong> tudo o que está acontecendo à sua volta, seja roubada.
etirando em seguida <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua roupa uma faca-serra. Conta Judite que, naquela hora,<br />
foi tomada pelo ódio e, para não morrer, tomou a faca da amiga e aplicou-lhe as facadas. Ela<br />
disse ter perdido o equilíbrio e o controle naquele momento.<br />
[...] eu perdi todo o meu equilíbrio, perdi todo o meu controle e o meu ódio<br />
tomou <strong>de</strong> conta <strong>de</strong> tudo na hora, minha raiva. Naquele momento ali eu<br />
ceguei, eu não via ninguém, eu não via nem quem tava com ela na hora<br />
(JUDITE).<br />
Duas horas <strong>de</strong>pois do ato cometido, ela foi presa. Contou que estava tão drogada que<br />
não teve a malícia <strong>de</strong> fugir.<br />
[...] fui pra casa, não tive nem a malícia <strong>de</strong> ir embora, <strong>de</strong> sair <strong>de</strong> lá, <strong>de</strong><br />
fugir, não tive, enten<strong>de</strong>u? Eu fiquei atordoada, quando saí do local que tava<br />
fiquei andando <strong>de</strong> rua em rua, [...]. [...], fui abordada, por que a <strong>de</strong>legada<br />
tava bem pertinho <strong>de</strong> casa, não resisti a nada, fui tranquila, não tive<br />
condições <strong>de</strong> dar um <strong>de</strong>poimento na hora porque eu estava muito drogada<br />
(JUDITE).<br />
Em consequência disso, ela foi presa e con<strong>de</strong>nada a muitos anos <strong>de</strong> prisão e teve que<br />
apren<strong>de</strong>r a viver nesse contexto, já que sabia que ia passar muito tempo nele. O presídio, que<br />
ela nomeou <strong>de</strong> outro mundo , é caracterizado como um mundo em que não há confiança ;<br />
em que as pessoas fazem questão por tudo , já que não têm quase nada; um mundo em que a<br />
amiza<strong>de</strong>, o respeito, a união, a inveja, a ganância e a covardia se misturam; um mundo em que<br />
se apren<strong>de</strong> a dar valor à liberda<strong>de</strong>; um mundo em que as pessoas, as quais menos se<br />
valorizavam, passam a ser as mais importantes; um mundo em que se tem que se adaptar às<br />
coisas tristes, à rejeição, ao abandono; um mundo em que chorar é mais comum do que sorrir;<br />
um mundo em que a lua e as estrelas não po<strong>de</strong>m ser contempladas; enfim, um mundo em que<br />
as experiências se transformam em <strong>aprendizagens</strong> e em que as <strong>aprendizagens</strong> se transformam<br />
em novas experiências mesmo que não se queira.<br />
Um exemplo disso, que ela conta, foi a experiência <strong>de</strong> escrever um livro, vivenciada<br />
nesse tempo <strong>de</strong> prisão, que já dura mais <strong>de</strong> quatro anos. Ela conta que essa experiência<br />
<strong>de</strong>correu do fato <strong>de</strong> ter recuperado, nesse ambiente, o gosto pela leitura e pela escrita. A sua
experiência <strong>de</strong> prisioneira teria lhe <strong>de</strong>spertado a inspiração para a poesia e para a narração <strong>de</strong><br />
sua história como presa.<br />
A escrita <strong>de</strong> poemas e <strong>de</strong> outros textos é o que tem ocupado as horas vagas <strong>de</strong> Judite<br />
no presídio. Além <strong>de</strong> estudar e trabalhar nesse lugar, ela tem reservado tempo para escrever<br />
sobre suas experiências (tristes e alegres) no presídio, e incentivado suas amigas prisioneiras a<br />
fazerem o mesmo, objetivando, com isso, reunir os <strong>de</strong>poimentos numa segunda publicação <strong>de</strong><br />
um livro.<br />
Ao final da narração, Judite revela os sonhos que tem cultivado <strong>de</strong>ntro da prisão para<br />
quando <strong>de</strong> lá sair, que são: cuidar da sua filha e da sua mãe, sem mais se envolver nesse<br />
mundo, e ser reconhecida nos seus escritos, tornando-se, quem sabe, uma gran<strong>de</strong> escritora.<br />
4.1.4 Retrato biográfico <strong>de</strong> Madalena<br />
Madalena é uma mulher vaidosa, tem 40 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e dois filhos jovens que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
a infância, foram criados pelo pai em outra região do país. Nascida na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> João Pessoa,<br />
ela conta que, na infância, viveu mais na rua e que não tinha um lugar certo para morar. Sem<br />
pai nem irmãos, foi abandonada pela mãe <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os nove anos. Ela conta que foi morar com<br />
uma vizinha e com ela ficou até os quinze anos, quando fugiu para a casa <strong>de</strong> amigas com<br />
quem começou a vida na prostituição e, posteriormente, no crime.<br />
À prisão ela teria chegado por ter cometido um furto numa loja <strong>de</strong> supermercado. Pela<br />
natureza do crime, ela conseguiu ficar em regime semiaberto, mas retornou ao regime<br />
fechado, por não ter, certo dia, retornado ao presídio como <strong>de</strong>veria, o que <strong>de</strong>u a enten<strong>de</strong>r que<br />
teria fugido. A entrevistada está há mais <strong>de</strong> um ano na prisão e, atualmente, espera novamente<br />
po<strong>de</strong>r cumprir sua pena, <strong>de</strong> cinco anos e seis meses, em regime semiaberto.<br />
A marca principal do retrato biográfico <strong>de</strong> Madalena é a ausência <strong>de</strong> uma referência<br />
familiar. Em sua narrativa, isso se tornou evi<strong>de</strong>nte em todas as etapas da vida narradas. Logo<br />
no início da narrativa, essa carência foi evi<strong>de</strong>nciada: Eu não tenho nem família, não tem nem<br />
por on<strong>de</strong> ninguém se lembrar mais <strong>de</strong> mim (MADALENA). Ela revela, ainda, que o que<br />
mais marcou a sua infância foi a sauda<strong>de</strong> que teve da mãe que a abandonou, que sempre quis<br />
muito tê-la ao seu lado e que morria <strong>de</strong> inveja das amigas, cujas mães conviviam com elas.<br />
De acordo com Madalena, sua mãe era mulher da vida , trabalhava em boate para se<br />
sustentar. Ela a teria abandonado sem <strong>de</strong>ixar nenhum rastro, quando estava com nove anos <strong>de</strong><br />
ida<strong>de</strong>. Saiu <strong>de</strong> casa pedindo a vizinha que ficasse com ela enquanto voltava e não apareceu<br />
mais: [...] minha mãe ela, eu tava com 9, 10 anos quando ela fugiu. Ela disse à vizinha:
fique com minha filha aí que eu venho já! . Foi, e até hoje...!<br />
(MADALENA).<br />
Percebemos, durante a narração, que esse ocorrido na vida <strong>de</strong> Madalena impactou tanto a<br />
construção da sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> quanto da sua sociabilida<strong>de</strong>. Foi ele, portanto, o responsável por<br />
uma série <strong>de</strong> experiências e <strong>aprendizagens</strong> que Madalena teve ao longo da vida.<br />
Relatando algumas <strong>de</strong>las, ela se lembra da experiência que viveu com a mulher que a<br />
criou, ou seja, a experiência que apren<strong>de</strong>u nessa convivência, a <strong>de</strong> roubar. Conta que apren<strong>de</strong>u<br />
a <strong>de</strong>senvolver essa prática <strong>de</strong>lituosa quando acompanhava essa mulher aos locais em que ela<br />
roubava: Ela ia pras lojas e eu ficava mais ela ajudando a tirar perfume, essas coisas nas<br />
lojas. [...] mas ela não mandava não, eu via ela fazendo aí eu aprendi (MADALENA).<br />
A aprendizagem <strong>de</strong> Madalena, nesse caso, ocorreu por observação da prática <strong>de</strong>lituosa<br />
cometida por quem a havia criado até certa ida<strong>de</strong>.<br />
Sobre as pessoas do contexto em que viveu, Madalena conta que estabeleceu ótimas<br />
relações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>, principalmente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter fugido da casa da vizinha que a criou, para<br />
a casa das amigas, que moravam na Rua da Areia - localizada no <strong>Centro</strong> Histórico da cida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> João Pessoa, embaixo <strong>de</strong> uma ponte. Foi com elas que Madalena <strong>de</strong>u início à sua vida <strong>de</strong><br />
dançarina, garçonete e prostituta <strong>de</strong> boates, únicas ativida<strong>de</strong>s profissionais exercidas durante<br />
toda a vida, além do roubo.<br />
Pouco antes <strong>de</strong> viver essas experiências com as amigas, Madalena dá início ao seu<br />
itinerário amoroso. Ela estava com treze anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> quando teve o primeiro namorado.<br />
Conta que, em pouco tempo <strong>de</strong> namoro, ele foi morto por motivos ligados ao seu<br />
envolvimento com o crime.<br />
Passado um tempo <strong>de</strong>sse ocorrido, ela conheceu outra pessoa, a quem passou a<br />
namorar. Esse, segundo ela, era <strong>de</strong> família mais ou menos , funcionário público, não tinha<br />
qualquer envolvimento com o mundo do crime e gostava muito <strong>de</strong>la. Depois <strong>de</strong> dois anos<br />
juntos, o namoro teria acabado porque ela resolveu fugir <strong>de</strong>le para ficar livre para viajar pelo<br />
interior da Paraíba, com suas amigas, conhecendo as boates e se tornando conhecidas no<br />
Estado como dançarinas. Ali ela começa a trajetória que <strong>de</strong>sembocou na sua prisão.<br />
Ela conta que gostava muito do que fazia e que valia a pena o seu trabalho, do ponto<br />
<strong>de</strong> vista econômico, pois a remuneração era boa e não tinha qualquer atraso no seu<br />
recebimento. Conta ainda que, com ele, garantia o seu sustento e, ainda por cima, alimentava<br />
a sua vaida<strong>de</strong> <strong>de</strong> andar chique e arrumada e <strong>de</strong> ter o que é bom . Confessa que, por não<br />
gostar <strong>de</strong> ter que ir para a cama com qualquer cliente, preferindo dançar e fazer striptease,<br />
colocava um preço alto pelo seu serviço , na tentativa <strong>de</strong> que os que não lhe agradavam,<br />
<strong>de</strong>sistissem.
Continuando a falar sobre suas experiências amorosas, ela revela que foi numa <strong>de</strong>ssas<br />
noites, trabalhando em uma <strong>de</strong>ssas boates, que conheceu o seu atual namorado 40 , com quem<br />
troca cartas na prisão atualmente. Ela conta que, enquanto dançava e fazia striptease, ele teria<br />
ficado encantado com a sua beleza e que, por isso, teria resolvido chamá-la para lhe oferecer<br />
uma bebida e, em seguida, dormirem juntos.<br />
Daí em diante, eles começaram um intenso relacionamento, que durou três anos fora<br />
da prisão. Nesse tempo em que conviveram, muitas experiências foram vividas juntos, das<br />
quais lembrou: a traição que cometeu, as diversas brigas por causa <strong>de</strong> ciúmes, a facada que ele<br />
lhe <strong>de</strong>u, os bares que frequentaram, a garrafada que lhe <strong>de</strong>u na cabeça etc.<br />
De todos os homens com quem Madalena se envolveu, esse foi o <strong>de</strong> que ela mais teria<br />
gostado. Não é à toa que ela alimenta, até hoje, uma reaproximação, <strong>de</strong>pois que se libertarem<br />
da prisão. Esse homem teria sido a pessoa que fez com que ela abandonasse a vida da<br />
prostituição, alguém que, apesar das brigas e da violência que praticava com ela, ofereceu-lhe<br />
uma vida melhor do que a que viveu <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua infância, com mais segurança.<br />
Quando o companheiro foi preso, por ter cometido um homicídio, embora ela tenha<br />
continuado morando com a mãe <strong>de</strong>le, voltou a manter contato com as amigas do tempo <strong>de</strong><br />
dançarina. Isso teria implicado o seu retorno às boates, ainda que com bem menos frequência,<br />
uma vez que o que passou a fazer mesmo nesse período foi roubar com as amigas, sem que a<br />
mãe do companheiro preso soubesse.<br />
[...] quando ele foi preso, aí eu inventei <strong>de</strong> andar mais as meninas,<br />
segurando bolsa roubada dos outros, aí vim pra ca<strong>de</strong>ia aqui. Foi <strong>de</strong>pois que<br />
Roberto foi preso. A mãe <strong>de</strong>le não podia me dar nada. Aí eu comecei a<br />
andar mais as meninas. Elas roubavam nas lojas e eu segurava na esquina<br />
as bolsas pra po<strong>de</strong>r sair mais rápido. Quando eu vivia com ele eu não<br />
roubava não (MADALENA).<br />
Observando o relato <strong>de</strong> Madalena, imaginamos que o seu companheiro representasse<br />
para ela uma espécie <strong>de</strong> amparo. Quando ela o per<strong>de</strong> por causa da prisão, segue os rumos da<br />
mulher que a criara até os 15 anos (indo roubar) e o <strong>de</strong>stino do próprio companheiro (sendo<br />
presa).<br />
40 Madalena escon<strong>de</strong> até hoje do namorado que ficou grávida <strong>de</strong>le. O filho, portanto, foi criado fora da Paraíba,<br />
por outro homem com quem se relacionou <strong>de</strong>pois. Esse também não sabe da verda<strong>de</strong>, ou seja, <strong>de</strong> que não é pai<br />
do filho mais velho que cria <strong>de</strong>s<strong>de</strong> criança. Ela disse que no começo do relacionamento com esse, já estava<br />
grávida do outro e não dava para perceber.
Atualmente na prisão, ela trabalha fazendo a limpeza dos setores on<strong>de</strong> se localizam os<br />
trabalhadores do sistema: agentes, diretora, psicólogos/as, assistentes sociais e advogadas/os.<br />
Disse ser muito querida por todos/as eles/elas, <strong>de</strong>vido ao seu bom comportamento. Com as<br />
<strong>de</strong>mais <strong>encarceradas</strong>, também afirma ter uma boa convivência, ainda que não seja bem vista<br />
por algumas pelo fato <strong>de</strong> estar trabalhando junto com o sistema, o que gera <strong>de</strong>sconfiança por<br />
parte das <strong>de</strong>mais.<br />
Um <strong>de</strong> seus gran<strong>de</strong>s sonhos, conforme narrou, é o <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a ler e a escrever. Ela<br />
disse nunca ter estudado na vida e teria feito isso somente <strong>de</strong>pois da prisão, quando começou<br />
a apren<strong>de</strong>r as primeiras letras numa turma <strong>de</strong> alfabetização ali existente.<br />
Outro sonho que ela cultiva e que, na sua interpretação, seria mais difícil <strong>de</strong> alcançar, é<br />
o <strong>de</strong> reencontrar a mãe que a abandonou: [...] eu tinha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver a minha mãe se ela<br />
aparecesse um dia, ela podia tá bem veinha, mas eu queria ver ela (MADALENA, 40 anos).<br />
Quanto aos projetos <strong>de</strong> vida fora da prisão, ela preten<strong>de</strong>, junto com seu companheiro, investir<br />
em um bar, ven<strong>de</strong>ndo bebidas e comidas. Para começar, ela afirma que receberá ajuda da<br />
diretora do presídio, que lhe prometeu o carrinho <strong>de</strong> churrasquinho .<br />
4.1.5 Retrato biográfico <strong>de</strong> Lia<br />
Lia é uma mulher batalhadora, cujo discurso é bem articulado. Tem 47 anos, é natural<br />
<strong>de</strong> Montes Claros<br />
MG, divorciada há onze anos e mãe <strong>de</strong> dois filhos jovens. Filha <strong>de</strong><br />
camponeses, Lia per<strong>de</strong>u seu pai muito cedo, quando tinha quatro anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, vítima da<br />
doença <strong>de</strong> chagas, muito comum e pouco curável na época. Com a morte do seu pai, ela foi<br />
morar com a mãe e dois irmãos no Paraná, on<strong>de</strong> viveu até os 13 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Ela conta que,<br />
com a morte do pai, a mãe teria vindo para esse Estado porque nele a perspectiva <strong>de</strong> vida no<br />
campo era melhor do que na cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> nascera. Lá havia, como narrou, plantações <strong>de</strong> café,<br />
cana e algodão.<br />
Foi nesse Estado, portanto, em que Lia apren<strong>de</strong>u o ofício <strong>de</strong> agricultora, mesmo sendo<br />
ainda criança. Ela conta que o lugar em que ela e sua família viveram, nesse período, parecia<br />
uma colônia, com várias casas divididas entre as famílias dos trabalhadores rurais e as dos<br />
administradores. As condições financeiras da sua família eram compatíveis com a da época<br />
em que viviam. Sua mãe, como muitas outras daquele lugar, precisava da ajuda dos filhos na<br />
lavoura para honrar os compromissos com seus patrões e ganhar o necessário para sobreviver.<br />
O trabalho infantil foi, portanto, para Lia e seus irmãos, uma das marcas das suas<br />
trajetórias biográficas. Segundo Lia, isso não os impedia <strong>de</strong> estudar. Disse que sua mãe nunca
quis que os filhos <strong>de</strong>ixassem <strong>de</strong> estudar, ao contrário, estipulava-lhes uma rotina que<br />
conciliasse o trabalho e o estudo, sem danos para nenhuma <strong>de</strong>ssas experiências.<br />
[...] estudar e trabalhar, porque pra minha mãe era fundamental, primeiro<br />
estudar, daí ia pra casa, se trocava, almoçava e ia pra roça. De cinco horas<br />
voltava pra casa. De seis e meia a gente já tinha que ta sempre prontinho ali<br />
na mesa, mostrando o ca<strong>de</strong>rno, fazendo a nossa lição a ela ainda exigia<br />
dizendo: não po<strong>de</strong> ter erro né? (LIA).<br />
Lia conta que sua mãe sempre foi muito atenciosa com ela e com os irmãos, no que se<br />
referia ao acompanhamento na escola. Ela disse que, ao contrário <strong>de</strong> muitas mães daquele<br />
lugar e daquela época, a sua observava, diariamente, suas tarefas e visitava a escola com<br />
frequência para saber o andamento dos filhos. Além disso, ela não queria que eles<br />
reproduzissem a sua trajetória nem a <strong>de</strong> seu pai que, por não terem estudado, tiveram poucas<br />
oportunida<strong>de</strong>s na vida: Minha mãe dizia: Eu não estu<strong>de</strong>i, mas eu quero que vocês estu<strong>de</strong>m.<br />
Não quero que vocês sofram amanhã como eu sofro hoje , essas coisas (LIA).<br />
Quando Lia tinha treze anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, o seu irmão mais velho, que já fora para São<br />
Paulo há um ano, em busca <strong>de</strong> melhores condições <strong>de</strong> vida, convida a ela, o irmão e a mãe<br />
para irem morar naquela cida<strong>de</strong>. Ele argumenta, na carta que escreve para a mãe, que lá seria<br />
melhor para eles viverem e que arrumaria um trabalho para a irmã, caso fossem.<br />
Ela, então, segue para São Paulo com o irmão mais novo e a mãe 41 . Lá começa a<br />
trabalhar em um restaurante como cozinheira, enquanto a mãe fica em casa, cuidando dos<br />
afazeres domésticos. Sobre o trabalho que começou a realizar em São Paulo, Lia comenta:<br />
Eu saí da lavoura e fui direto trabalhar <strong>de</strong> cozinheira <strong>de</strong> um minirestaurante.<br />
Até hoje eu brinco muito assim porque as panelas eram maior<br />
que eu, mas eu tinha que ajudar minha mãe. Por que até aí ela não tinha<br />
ganhado nada, era tudo comigo e com meu irmão. Então eu trabalhei muito!<br />
A trajetória biográfica <strong>de</strong> Lia, em São Paulo, começa com muita responsabilida<strong>de</strong>,<br />
pois ela e o irmão passaram a ser os únicos provedores da família. Mesmo nessas<br />
circunstâncias, ela continua os estudos por meio <strong>de</strong> uma rotina bem sacrificada, como conta:<br />
41 Registre-se que uma das irmãs <strong>de</strong> Lia teria ficado em Montes Claros e constituído família e, naquele período<br />
em que eles foram para São Paulo, ela morava em Belo Horizonte com o esposo e a família.
[...] eu trabalhava o dia todo, corria pra casa, tomava banho e estudava à noite (LIA, 47<br />
anos). Quando precisava estudar além do horário da escola, fazia isso no próprio trabalho,<br />
quando sobrava tempo:<br />
Eu levava meus ca<strong>de</strong>rnos pro trabalho, a minha mãe vinha e chamava a<br />
patroa e explicava pra ela o quanto era importante pra mim o estudo. [...],<br />
quando tinha prova eu estudava ali um pouquinho e assim eu ia [...]. Foi<br />
difícil, mas eu digo pra você, foi uma dificulda<strong>de</strong> boa, eu tenho boas<br />
recordações (LIA).<br />
A conciliação das experiências <strong>de</strong> trabalho com o estudo, na vida <strong>de</strong> Lia, segue, então,<br />
<strong>de</strong>ssa maneira. Mesmo em meio às dificulda<strong>de</strong>s para estudar, ela conta que nunca tirou notas<br />
baixas e que nunca repetiu o ano, tendo apenas <strong>de</strong>sistido quando já estava no 2º ano do Ensino<br />
Médio.<br />
A sua adolescência e o início da juventu<strong>de</strong> foram também marcados pela combinação<br />
<strong>de</strong>ssas duas experiências. Ela conta que não tinha tempo para viver outras experiências como:<br />
namorar, paquerar, ir a festas, sair com os amigos etc., o que era muito comum para as<br />
pessoas <strong>de</strong> sua ida<strong>de</strong> na época: [...] na minha adolescência , eu não tive muito tempo pra<br />
isso não, porque eu trabalhava muito<br />
(LIA, 47 anos). O seu lazer, como disse, era o<br />
trabalho, motivo <strong>de</strong> muito orgulho: [...] eu tinha o maior orgulho pra que chegasse o final<br />
do mês, pra que eu pegasse o meu dinheiro pra eu po<strong>de</strong>r dar pra minha mãe<br />
(LIA, 47 anos).<br />
Apesar disso, Lia conta que, certo dia, conheceu aquele que seria seu esposo. Eles<br />
moravam no mesmo bairro, eram vizinhos, o que não é <strong>de</strong> se estranhar, já que as<br />
possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> se envolver com alguém <strong>de</strong> outro lugar eram mínimas, porquanto quase não<br />
saía <strong>de</strong> casa, a não ser para trabalhar. Em apenas cinco meses, eles namoraram, noivaram e<br />
casaram: [...], a gente só namorou cinco meses. Com cinco meses a gente namorou, noivou e<br />
casou. E aí passamos 17 anos e temos dois filhos (LIA).<br />
Naquela ocasião, Lia tinha seus 19 anos. Com essa ida<strong>de</strong>, ela já havia <strong>de</strong>ixado o<br />
trabalho <strong>de</strong> cozinheira e, com a ajuda do irmão, tinha arranjado um emprego melhor numa<br />
fábrica <strong>de</strong> baralho, trabalhando como cortadora <strong>de</strong> cartas <strong>de</strong> baralho. Passou dois anos nesse<br />
emprego, mas teria saído exatamente em função do casamento e da família, pois teria<br />
engravidado: Depois eu saí <strong>de</strong>ssa empresa, foi quando eu me casei. [...]. Aí eu me casei e<br />
fiquei acho que um ano em casa sem trabalhar<br />
(LIA, 47 anos).
Os condicionantes da estruturação biográfica <strong>de</strong> Lia são revelados quando se observa,<br />
em seus mundos <strong>de</strong> ação concretos, que se referem a posicionamentos no espaço social<br />
(ALHEIT E DAUSIEN, 2007), a marca da relação <strong>de</strong> gênero. Essa marca, segundo esses<br />
autores, afeta todas as <strong>de</strong>mais dimensões do espaço social. No caso <strong>de</strong> Lia, a relação com o<br />
seu cônjuge teria afetado a sua vida profissional pelo menos por um ano, uma vez que<br />
também foi nesse período que ela teve o seu primeiro filho.<br />
Ressalte-se que a marca da relação <strong>de</strong> gênero na vida <strong>de</strong> Lia não afetou somente o<br />
campo do trabalho, as suas implicações po<strong>de</strong>m ser analisadas <strong>de</strong> maneira mais profunda. O<br />
fato, por exemplo, <strong>de</strong> ela ter sofrido violência doméstica no casamento, como ressaltou, e <strong>de</strong><br />
ter <strong>de</strong>cidido a separação somente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 17 anos <strong>de</strong> convivência, aponta-nos os outros<br />
caminhos que ela po<strong>de</strong>ria ter seguido, caso não tivesse aceitado tanto tempo <strong>de</strong> opressão.<br />
Lia revela, no entanto, em sua narração, que a sua biografia foi preenchida por uma<br />
intensa vida <strong>de</strong> trabalho, tanto durante a convivência com o esposo quanto <strong>de</strong>pois que se<br />
separou <strong>de</strong>le. Ela conta que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter passado um ano sem trabalhar, em função do<br />
casamento, começou a trabalhar em uma fábrica <strong>de</strong> vidro, on<strong>de</strong> passou quatro anos. Depois<br />
que saiu <strong>de</strong> lá, trabalhadou em uma empresa terceirizada, como encarregada <strong>de</strong> seção, e,<br />
posteriormente, em um hospital, como coor<strong>de</strong>nadora do setor <strong>de</strong> limpeza, on<strong>de</strong> passou cinco<br />
anos supervisionando cinquenta <strong>mulheres</strong> que cuidavam da higienização do hospital.<br />
Após essa experiência, em função da qualida<strong>de</strong> do seu trabalho, Lia conta que recebeu<br />
uma proposta irrecusável do dono <strong>de</strong> uma empresa terceirizada e aceitou. Essa teria sido a sua<br />
última experiência <strong>de</strong> trabalho antes do seu encarceramento. Aliás, quando cometeu o <strong>de</strong>lito<br />
que motivou sua prisão, estava <strong>de</strong>sempregada fazia três meses. Em relação a isso, ela explicou<br />
que fora presa por ter sido pega transportando droga <strong>de</strong> um Estado para outro. Alega não<br />
saber direito o que a teria feito aceitar, com tanta naturalida<strong>de</strong>, ess tipo <strong>de</strong> proposta:<br />
Eu agi como se fosse a coisa mais normal, mais social. Aliás, eu não sei<br />
dizer pra você, o que eu mais fui, se eu fui ingênua, ou se eu fui burra, ou se<br />
eu fui as duas coisas ao mesmo tempo! Eu me pergunto e falo: Meu Deus,<br />
o que é que eu fui? Burra, ingênua ou eu fui burra e ingênua ao mesmo<br />
tempo? (LIA).
Por outro lado, Lia justifica a ação <strong>de</strong>lituosa cometida, associando-a à preocupação<br />
com o bem-estar 42 dos filhos e o suprimento <strong>de</strong> algumas <strong>de</strong> suas necessida<strong>de</strong>s, ainda que não<br />
fossem, segundo ela, necessida<strong>de</strong>s básicas emergentes. De modo especial, refere-se ao filho<br />
que faz o curso <strong>de</strong> Direito, para esclarecer aquelas necessida<strong>de</strong>s que teriam motivado sua<br />
ação. Assim explica:<br />
[...] eu achei que um dinheirinho a mais também não me fazia mal, e aí eu<br />
ajudava os meus filhos, sabe? Porque meu mundo sempre foi Deus, os meus<br />
filhos e o meu trabalho, sabe? Então, foi mais por isso! Não que eu estivesse<br />
passando por uma situação difícil, não tava não! [...]. [...] essa ajuda seria<br />
boa pros meus filhos, principalmente pra o meu filho que estuda, [...].<br />
Porque os livros <strong>de</strong> Direito são muito caros, tem livro até <strong>de</strong> 700,00 reais.<br />
Sobre o momento da prisão, Lia conta não ter tido nenhum reação negativa do ponto<br />
<strong>de</strong> vista policial: [...] eu fui a pessoa mais tranquila <strong>de</strong>ssa vida. Eu não respondi ninguém,<br />
não entrei em <strong>de</strong>sespero, sabe? Eu mantive a minha postura (LIA).<br />
Na prisão, Lia é a cozinheira, chefe da cozinha on<strong>de</strong> fazem as refeições os agentes<br />
penitenciários, diretores e <strong>de</strong>mais funcionários do sistema. No dia da entrevista, ela estava há<br />
quatro meses naquele lugar e esperava o seu julgamento. Conta que é muito querida pelos<br />
funcionários do sistema e que isso é motivo <strong>de</strong> olhares <strong>de</strong>sconfiados por parte <strong>de</strong> algumas<br />
presas:<br />
[...] lá <strong>de</strong>ntro a gente é muito criticada porque acham que a gente vem <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ntro pra fora pra entregar as coisas que vê lá <strong>de</strong>ntro. A gente fica como se<br />
tivesse levando e trazendo. Mas a gente nem comenta nada daqui lá <strong>de</strong>ntro,<br />
e nem nada <strong>de</strong> lá <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro aqui pra fora (LIA, 47 anos).<br />
Sobre o que é viver na prisão, ela conta que cada dia vivido representa uma vitória, já<br />
que se trata <strong>de</strong> um lugar <strong>de</strong> muita tensão, um verda<strong>de</strong>iro barril <strong>de</strong> pólvora constante<br />
e que<br />
isso muito a amedrontava: [...] eu já percebi que aqui é um lugar que se fala muito em faca<br />
não é? On<strong>de</strong> se fala muito em se esfaquear as outras assim, então isso é uma coisa que me<br />
amedronta muito (LIA).<br />
42 O bem-estar <strong>de</strong> uma pessoa, segundo Sen (2001, p.79), po<strong>de</strong> ser concebido em termos da qualida<strong>de</strong> do seu<br />
estado .
Ela disse, ainda, que o que a levou a cometer o <strong>de</strong>lito não tem nada a ver com a sua<br />
história <strong>de</strong> vida, pois enten<strong>de</strong> que essa foi uma <strong>de</strong>cisão pessoal, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />
circunstâncias sociais e históricas.<br />
[...] eu acho que eu seria assim hipócrita, seria uma pessoa que fugisse<br />
totalmente da minha responsabilida<strong>de</strong> em dizer pra você: olha, foi por só<br />
por lá trás eu ter passado o que eu passei que isso refletiu agora. E eu ia ta<br />
sendo injusta até comigo mesma se eu lhe disser isso (LIA).<br />
Quanto aos projetos <strong>de</strong> vida, para quando sair da prisão, ela conta que, embora<br />
carregando o título <strong>de</strong> ex-presidiária , quer voltar a trabalhar honestamente, como sempre<br />
fez, primeiro, para pagar o advogado que a está <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo e, em seguida, para continuar<br />
batalhando, junto com os filhos, pelas suas sobrevivências e satisfação dos seus projetos.<br />
Os retratos biográficos apresentados, resultantes das entrevistas realizadas, ajudaram-<br />
nos a tecer cinco <strong>biografias</strong>, das 48 <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong> que fizeram parte da pesquisa. Eles<br />
possibilitaram a elucidação das principais marcas dos seus <strong>de</strong>senvolvimentos biográficos: a<br />
combinação <strong>de</strong> fases (a construção <strong>de</strong> uma família, o exercício <strong>de</strong> uma profissão e a<br />
formação/educação), as rupturas, as transições, as <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>s, todas elas arraigadas em<br />
seus mundos <strong>de</strong> ação concretos, tal como os <strong>de</strong>finem Alheit e Dausien (2007).<br />
Com a elucidação <strong>de</strong> tais retratos, vimos predominar, entre as <strong>mulheres</strong> entrevistadas,<br />
histórias dramáticas, ligadas à ausência <strong>de</strong> uma referência familiar, experiências <strong>de</strong> trabalho<br />
infantil e <strong>de</strong> precárias inserções no mundo do trabalho na juventu<strong>de</strong> e na ida<strong>de</strong> adulta,<br />
experiências <strong>de</strong>ficitárias no processo <strong>de</strong> escolarização, e uma trajetória <strong>de</strong>lituosa ligada a<br />
todas essas questões que atravessaram as suas construções biográficas.<br />
Por outro lado, os retratos biográficos também revelaram a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas<br />
<strong>mulheres</strong> <strong>de</strong> usarem novos esquemas <strong>de</strong> estruturação biográfica, ligados a uma assimilação<br />
subjetiva das <strong>aprendizagens</strong> proporcionadas pelas suas experiências <strong>de</strong> vida e, com ela, a<br />
produção <strong>de</strong> um sentido biográfico próprio, ainda que associado a um espaço social<br />
imediatamente próximo. A tentativa <strong>de</strong> se afirmarem como sujeitos, tal como se refere<br />
Touraine (1998), foi uma constatação extremamente frequente nas narrativas.<br />
Em alguns casos, a ausência da mãe e/ou <strong>de</strong> uma referência familiar foi interpretada<br />
pelas próprias <strong>mulheres</strong> como propiciadoras dos seus direcionamentos biográficos. As<br />
narrativas revelaram também que as experiências vividas nas relações <strong>de</strong> gênero,
especialmente nas relações amorosas, ofereceram implicações significativas para tais<br />
direcionamentos.<br />
A seguir, apresentamos as análises que se referem às experiências vividas e não-<br />
vividas pelas <strong>encarceradas</strong> nos seus mundos <strong>de</strong> ação concretos, mais especificamente, no<br />
entorno da família, do trabalho e da escola, lugares on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolveram as <strong>aprendizagens</strong><br />
biográficas e que, implícita ou explicitamente, <strong>de</strong>ram forma às suas <strong>biografias</strong>. Compreen<strong>de</strong>r<br />
a relação entre essas <strong>aprendizagens</strong> e as suas <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>lituosas e os encarceramentos foi o<br />
principal objetivo <strong>de</strong>ssas análises.<br />
4.2 ANÁLISES DAS CATEGORIAS FAMÍLIA , TRABALHO E ESCOLA<br />
EXTRAÍDAS DAS NARRATIVAS BIOGRÁFICAS DAS ENCARCERADAS<br />
4.2.1 Biografia e família<br />
Conforme argumenta Alheit e Dausien (2007), o [...] carácter «obstinadamente»<br />
subjetivo <strong>de</strong> la asimilación <strong>de</strong> las ofertas <strong>de</strong> aprendizaje, [...] ajusta la posibilidad <strong>de</strong><br />
elaboración <strong>de</strong> nuevas estructuras <strong>de</strong> experiencia culturales y sociales . Com base nessa<br />
afirmativa, e consi<strong>de</strong>rando as <strong>biografias</strong> das <strong>encarceradas</strong>, analisamos os seguintes<br />
questionamentos: Que experiências viveram essas <strong>mulheres</strong> nos seus contextos familiares?<br />
Que ofertas <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong> essas experiências lhes proporcionaram? Como elas<br />
assimilaram essas <strong>aprendizagens</strong>? Que novas estruturas <strong>de</strong> experiências favoreceram essas<br />
<strong>aprendizagens</strong>?<br />
Para analisar essas questões, com base no que disseram as próprias <strong>encarceradas</strong>, foi<br />
preciso antes conhecer os arranjos familiares que compuseram suas <strong>biografias</strong>.<br />
Na minha família eram 10 <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa. Era eu, uma prima, um menino e<br />
uma menina da minha tia, (tinha 2 filhos da minha tia) e tinha 3 meninos<br />
que era da filha do marido da minha avó que morreu. Eu morava com minha<br />
avó, eu fui criada pela minha avó <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequena. [...] minha mãe saiu <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ntro da casa <strong>de</strong> minha avó, aí eu não fui morar com ela não, porque eu já<br />
era acostumada com minha avó. (DINÁ).
Tenho pai, mas só que eu não consi<strong>de</strong>ro ele como um pai. [...], eu vim<br />
conhecer ele eu tinha 15 anos quando conheci meu pai. Minha mãe sempre<br />
falava <strong>de</strong>le <strong>de</strong> mal [...], diz ela que uma vez ela foi pedir uma lata <strong>de</strong> leite a<br />
ele aí ele mandou ela me enterrar num buraco viva. Aí eu nunca tive um<br />
amor por meu pai né? Só <strong>de</strong> mãe, e nem <strong>de</strong> mãe tanto né? Porque a minha<br />
mãe que eu tinha, que era minha mãe, Deus levou ela, eu fiquei muito triste.<br />
A <strong>de</strong> criação, ela sempre... me botou na escola, fez tudo por mim. E Irmãos<br />
você tem? Irmão eu só tenho por parte <strong>de</strong> pai, minha mãe só teve eu, a<br />
minha mãe verda<strong>de</strong>ira. (Isabel).<br />
[Meu pai] se separou da minha mãe e formou outra família. Aí eu vim morar<br />
em João Pessoa com a minha mãe e o meu irmão. Só que eu tenho mais<br />
irmãos. [...] Os outros já tinham in<strong>de</strong>pendência né? Uma morava em Minas,<br />
sempre morou em Minas. E a outra morava aqui em João Pessoa, mas ai ela<br />
foi fazer faculda<strong>de</strong>. São cinco e eu sou a caçula. (Judite)<br />
Eu não tenho nem família, não tem nem por on<strong>de</strong> ninguém se lembrar mais<br />
<strong>de</strong> mim. Olha, minha mãe ela, eu tava com 9, 10 anos quando ela fugiu. Ela<br />
disse a vizinha : fique com minha filha ai que eu venho já! . Foi, e até<br />
hoje...! [...] Eu vivi mais na rua eu. E seu pai? Meu pai eu nunca nem vi não,<br />
eu via ela (Madalena).<br />
[...] minha mãe ficou viúva muito cedo, tinha o meu irmão que hoje tem 54<br />
anos, tem a outra filha, que é a primeira filha <strong>de</strong>la que tem quase 60 anos, e<br />
eu. São quantos filhos? São quatro filhos, sendo que um já é falecido. Hoje<br />
nós somos duas <strong>mulheres</strong> e um homem, um já é falecido (LIA).<br />
A realida<strong>de</strong> acima exposta nos aponta alguns achados. O primeiro <strong>de</strong>les é que o<br />
arranjo tradicional <strong>de</strong> família (pai, mãe e filhos) não fez parte das <strong>biografias</strong> <strong>de</strong> nenhuma<br />
encarcerada. Em quase todos os casos acima, vimos arranjos compostos por acréscimo e<br />
excesso <strong>de</strong> parentes (o caso da família <strong>de</strong> Diná), arranjos compostos por mães solteiras ou<br />
sem companheiros e seus filhos (o caso das famílias <strong>de</strong> Isabel, Judite e Lia), arranjos<br />
compostos <strong>de</strong> famílias incompletas (on<strong>de</strong> faltam alguns filhos, como nos casos também <strong>de</strong><br />
Judite e <strong>de</strong> Lia) e vimos, por outro lado, <strong>de</strong>sarranjos familiares (o caso <strong>de</strong> Madalena, por<br />
exemplo), dada a ausência <strong>de</strong> qualquer referência familiar no processo <strong>de</strong> construção<br />
biográfica.<br />
Essas constatações que expressam os novos arranjos familiares <strong>de</strong>ssa socieda<strong>de</strong> em<br />
situação <strong>de</strong> incertezas reforçam o que dizem os estudiosos <strong>de</strong>sse assunto, sobre a<br />
caracterização das relações familiares na contemporaneida<strong>de</strong>. Eles alegam que aquele mo<strong>de</strong>lo<br />
<strong>de</strong> família tradicional, reproduzido culturalmente, está passando por um período <strong>de</strong> transição.
E nessa transição, muitos outros mo<strong>de</strong>los estão surgindo, <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> outros fenômenos<br />
sociais, ligados, principalmente, às mudanças processadas nas relações <strong>de</strong> gênero, no mundo<br />
do trabalho, na cultura, na economia, além <strong>de</strong> em outros domínios da vida.<br />
Me<strong>de</strong>iros (2008), por exemplo, justifica o surgimento <strong>de</strong> novos arranjos familiares<br />
recorrendo ao que teria argumentado Castells (2000, apud, MEDEIROS, 2008) sobre os<br />
motivos do enfraquecimento do patriarcado. Ou seja, recorrendo aos principais indicadores,<br />
que ele teria afirmado que contribuíram para o <strong>de</strong>clínio das formas tradicionais da família,<br />
como por exemplo:<br />
[...] a transformação da economia e do mercado <strong>de</strong> trabalho associado à<br />
abertura <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s para as <strong>mulheres</strong> no campo da educação; as<br />
transformações tecnológicas ocorridas na biologia, farmacologia e<br />
medicina, controlando a reprodução humana; a transformação econômica,<br />
tecnológica e cultural; e a rápida difusão <strong>de</strong>ssas i<strong>de</strong>ias em uma cultura<br />
globalizada, [...] (MEDEIROS, 2008, p. 01-02, apud, Castells, 2000).<br />
No Brasil, como relata a autora acima citada, essa realida<strong>de</strong> apresenta uma<br />
complexida<strong>de</strong> talvez nunca vista, <strong>de</strong>vido ao crescimento do número <strong>de</strong> divórcios e, ao mesmo<br />
tempo, <strong>de</strong> recasamentos e <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> solteiras chefiando família.<br />
Constata-se que, no que diz respeito à organização interna da Família<br />
Brasileira a partir da década <strong>de</strong> 90 para cá, as separações e divórcios<br />
adicionam um grau <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> na média em que crescem os<br />
recasamentos, com tendências para a variação nos diversos tipos <strong>de</strong><br />
Arranjos Familiares [...]. (MEDEIROS, 2008, p.01-02).<br />
Observa-se, <strong>de</strong>sse modo, que os arranjos familiares das <strong>mulheres</strong> que compõem o<br />
nosso estudo não estão muito distantes nem muito diversos dos arranjos que se veem na<br />
realida<strong>de</strong> brasileira contemporânea. A socialização <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong> ocorreu, portanto, no<br />
interior daquelas estruturas familiares, em que ela parecia, senão <strong>de</strong>ficitária, pelo menos<br />
diferente do modo tradicional. Por meio das formas <strong>de</strong> socialização adquiridas através da<br />
família, <strong>aprendizagens</strong> foram adquiridas, propiciando a formação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> formas <strong>de</strong><br />
conviver com ele mesmo e com o mundo (socieda<strong>de</strong> e comunida<strong>de</strong>) e <strong>de</strong> novas estruturas <strong>de</strong><br />
experiências impulsionando as construções das <strong>biografias</strong>.
É importante registrar que, para a maioria daquelas <strong>mulheres</strong>, a socialização como<br />
mulher significou uma fixação clara com os roles <strong>de</strong> família<br />
(ALHEIT e DAUSIEN, 2007),<br />
embora tenham oferecido novas possibilida<strong>de</strong>s biográficas diferentes, associadas às ligações<br />
com o mundo do crime.<br />
Sobre isso, Alhei e Dausien (2007, p.39) argumentam:<br />
La situación familiar temprana <strong>de</strong>ja su huella, ciertamente, en la<br />
construcción biográfica <strong>de</strong> un modo visible, pero <strong>de</strong> ningún modo<br />
compromete «la biografía completa». En el curso <strong>de</strong> toda la biografía se<br />
buscan una y otra vez situaciones sociales nuevas (trabajo remunerado,<br />
creación <strong>de</strong> una familia, etc.), y también los «viejos» entornos <strong>de</strong> acción se<br />
modifican, por ejemplo, en el curso <strong>de</strong> los procesos <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnización.<br />
O que esses autores procuram alertar é que as <strong>mulheres</strong> contemporâneas, em seu<br />
processo <strong>de</strong> socialização, po<strong>de</strong>m tanto reproduzir os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>biografias</strong> <strong>de</strong> seus familiares<br />
quanto modificá-los. O segundo caso (que se refere à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> modificação <strong>de</strong>sses<br />
mo<strong>de</strong>los) po<strong>de</strong> resultar das mudanças ocorridas nos seus contextos <strong>de</strong> ação (e isso não<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong>las diretamente, mas <strong>de</strong> toda uma estrutura social que se modifica continuamente<br />
em <strong>de</strong>corrência dos processos <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização) e da busca individual por experiências novas,<br />
ou por novas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ação, capazes <strong>de</strong> favorecer-lhes um direcionamento biográfico<br />
diferente.<br />
Com a narração das primeiras experiências <strong>de</strong> socialização (na infância e na<br />
adolescência), vividas no interior da família, as entrevistadas já apontam os primeiros indícios<br />
das motivações para as <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>lituosas cometidas, embora eles não representem as suas<br />
justificativas. Da narração da história <strong>de</strong> vida completa, tal como nos sugeriram Alheit e<br />
Dausien (2007), foi que procuramos extrair essas experiências.<br />
Eu não tenho pai não! Mataram em São Paulo. Eu era pequena, não cheguei<br />
a conhecer ele não. E minha mãe saiu <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da casa <strong>de</strong> minha avó, aí eu<br />
não fui morar com ela não, porque eu já era acostumada com minha avó.<br />
Porque ela saiu da casa da sua avó? Assim, não foi ela que saiu da casa da<br />
minha avó, foi a minha avó que se separou do marido <strong>de</strong>la e foi morar com<br />
outro homem né? Aí ela me levou. Então, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> recém-nascida que eu fui<br />
criada com minha avó. (DINÁ).
A minha infância não foi tão muito boa não! Minha mãe me teve, me <strong>de</strong>u a<br />
outra mulher, aí <strong>de</strong>pois tomou, ai me <strong>de</strong>u <strong>de</strong> novo, ai ficou. Eu fui morar<br />
com ela eu ia fazer 4 anos, com a mãe <strong>de</strong> criação. Ai fiquei com ela até os<br />
sete anos, quando eu tava na escola ela (a mãe biológica) me tomou.<br />
trabalhava muito nunca teve tempo para mim. Então ela me tomou, aí eu fui<br />
morar com ela. Aí ela acabou falando pra eu ir morar com essa minha outra<br />
mãe, a <strong>de</strong> criação. Aí passei uns 3 anos com ela, aí retornei <strong>de</strong> novo. Aí<br />
ficou nessa: me tomando, me dando, me tomando me dando! Aí fui morar<br />
com minha mãe <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> vez, aí <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um tempo, ela faleceu. Acho<br />
que tinha uns 12 anos, uns 12 pra 13 anos eu tinha quando ela faleceu. Foi<br />
muito triste porque eu gostava muito <strong>de</strong>la, amava mais ela do que a minha<br />
própria mãe! Aí fui morar com a minha mãe verda<strong>de</strong>ira e sempre assim, ela<br />
trabalhou muito! Nunca tinha atenção pra me dar. (ISABEL).<br />
Minha mãe ela sempre foi assim, <strong>de</strong> casa né? Lavou muita roupa <strong>de</strong> ganho,<br />
trabalhou em muita cozinha dos outros pra dar o sustento <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa.<br />
Porque <strong>de</strong>pois que meu pai se separou <strong>de</strong>la, então a gente passou [...] a<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r muito da minha mãe. Quando a gente saiu lá <strong>de</strong>sse lugar a gente<br />
foi direto pra morar numa granja aqui em João Pessoa. [...]. Então eu<br />
passei bem <strong>de</strong>z anos morando com eles, com esse pessoal ai, eu e minha<br />
mãe. Depois a gente teve que sair <strong>de</strong>ssa granja pra morar em casa própria<br />
mesmo, porque a gente morava lá, não pagava nada né? Minha mãe fazia<br />
tudo! Cozinhava, lavava. E a dona <strong>de</strong>ssa casa, <strong>de</strong>ssa granja, ela me tinha<br />
como uma filha. [...] era como se eu fosse filha <strong>de</strong>la tá enten<strong>de</strong>ndo? Eu<br />
estu<strong>de</strong>i em colégio particular. Foi ela quem me <strong>de</strong>u um bom estudo. Eu<br />
agra<strong>de</strong>ço primeiro a Deus e segundo a ela, mesmo ela não estando mais<br />
aqui. (JUDITE).<br />
Eu me lembro <strong>de</strong> tudo mulher da minha vida. Não tinha ali a rua da areia?<br />
Ali no 18 andar que tem uma ponte, que é um viaduto assim? Eu morava ali<br />
<strong>de</strong>baixo. Com quem? Morei com Nice. Quem era Nice? Ela foi a mulher que<br />
terminou <strong>de</strong> me criar né? Dos 9 anos até os 15 anos, ai com os 15 anos eu<br />
me soltei viu? Fumava tanto visse? Comecei a andar, comecei a frequentar<br />
boate E seus pais? Não tenho não, ela (a mãe) não num foi embora? [...]<br />
quando eu era novinha, até meus 9 anos, ai ela foi embora me <strong>de</strong>ixou com a<br />
vizinha. Dizem ainda hoje que ela (a mãe) é viva né? Que ela mora lá no<br />
Roger. E ela saiu e me <strong>de</strong>ixou com ela (com Nice), foi embora e até hoje. Já<br />
saí já no jornal, pra ver se sabia notícia <strong>de</strong>la, contei a minha história<br />
todinha. A doutora Vitória fez uma entrevista aqui, eu fui entrevistada pra o<br />
jornal <strong>de</strong> todo canto, eu falei pra todo canto! Mas ela é morta mulher! Acho<br />
que mataram ela né? Porque ela era mulher da vida né? Ela vivia no bar da<br />
feira, lá numa boate chamada Maria Oião. Vivia ali naquelas boates que<br />
tem por ali no centro da cida<strong>de</strong>. (MADALENA).<br />
[...] a minha mãe colocou a gente pra trabalhar muito cedo. Então, quer<br />
dizer, quando viemos pra São Paulo também, continuou a mesma coisa. Os<br />
cuidados já eram mais, porque ai a gente já não morava mais num sítio, mas
numa gran<strong>de</strong> cida<strong>de</strong>, numa metrópole né? E ai a gente foi trabalhar e eu<br />
fiquei ajudando minha mãe. Ai aos 20 anos, aos 19 anos eu perdi a minha<br />
mãe, com 19 anos mesmo eu me casei, aos 20 eu tive a minha filha que hoje<br />
tem 26 anos e aos 29 eu tive o meu filho Pedro. (LIA).<br />
Observa-se, nesses relatos, a associação das experiências das <strong>encarceradas</strong> com as <strong>de</strong><br />
outras <strong>mulheres</strong>, cuja representativida<strong>de</strong> influenciou os seus modos <strong>de</strong> intervenção social e a<br />
construção <strong>de</strong> suas subjetivida<strong>de</strong>s. A primeira entrevistada, por exemplo, não evi<strong>de</strong>nciou, em<br />
sua narrativa, as experiências que marcaram o seu processo <strong>de</strong> socialização no interior da<br />
família. No entanto, ao contar que não teve convivência com seu pai - já que ele havia sido<br />
morto e que foi criada pela sua avó - já que não tinha familiarida<strong>de</strong> com a própria mãe - uma<br />
vez que essa não fez questão <strong>de</strong> criá-la, Diná acaba <strong>de</strong>ixando visíveis as carências que sofrera<br />
no seu âmbito doméstico. Essas, possivelmente, impulsionaram a construção da sua<br />
subjetivida<strong>de</strong>, responsável pela estruturação das experiências posteriormente vividas e<br />
também aquelas não-vividas.<br />
A segunda entrevistada, ao relatar sua experiência no contexto familiar, <strong>de</strong>monstrou<br />
enquadrar-se no mesmo perfil cultural da primeira, já que também sofreu carências familiares<br />
e construiu seu perfil biográfico, orientando-se pelos seus contextos domésticos, que se<br />
mostraram <strong>de</strong> riscos à socialização. A ressignificação das experiências vividas e não-vividas,<br />
no seio das famílias <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong>, teriam então produzido efeitos voltados não à<br />
emancipação humana, como enten<strong>de</strong> Freire 43 , mas a uma <strong>de</strong>ssocialização, como a enten<strong>de</strong><br />
Touraine 44 (1998).<br />
Esses efeitos estariam, na compreensão <strong>de</strong> Alheit e Dausien (2007, p.43), associados à<br />
[ ] relación entre la construcción biográfica <strong>de</strong>l género y la índole <strong>de</strong> estar vinculados a<br />
un género <strong>de</strong> las biografías , que é vista como<br />
[...] un movimiento en espiral inter<strong>de</strong>pendiente en el que se plantean las<br />
posibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> transformación y las emergencias, pero también las<br />
persistencias, las inercias y la reproducción (ALHEIT E DAUSIEN, 2007,<br />
p.43).<br />
43 Emancipação na perspectiva <strong>de</strong> Freire é apropriar-se e experimentar o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> pronunciar o mundo, a<br />
vivência da condição humana <strong>de</strong> ser protagonista <strong>de</strong> sua história (FIGUEIREDO, 2005, P.05).<br />
44 Chamo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ssocialização ao <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong> papéis, normas e valores sociais pelos quais se construía o<br />
mundo vivido. A <strong>de</strong>ssocialização é a consequência direta da <strong>de</strong>sisntitucionalização da economia, da política e da<br />
religião (TOURAINE, 1998, p.53).
A experiência familiar da terceira entrevistada nos aponta outros achados. Ela viveu<br />
com sua família mais próxima (mãe e irmão) a experiência da migração. O motivo pelo qual<br />
migraram para João Pessoa não foi <strong>de</strong> maneira satisfatória esclarecido, mas, com base em sua<br />
narração a esse respeito, suspeitamos que o ocorrido tenha se dado em função da tentativa <strong>de</strong><br />
fuga, por parte da sua mãe, da humilhação do abandono pela qual passava naquele<br />
momento, já que seu pai havia formado outra família, ou talvez, simplesmente pela situação<br />
<strong>de</strong> precarieda<strong>de</strong> em que passaram a viver com o fim da relação conjugal, uma vez que o pai<br />
era o principal provedor da família.<br />
Ocorre, nesse caso, a formação <strong>de</strong> um novo mo<strong>de</strong>lo familiar, em que a mãe passa a ser<br />
única responsável pelos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. Com o trabalho que realizava, ela garantia não somente<br />
a sobrevivência dos filhos, como também a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> eles vivenciarem experiências<br />
apropriadas para a ida<strong>de</strong>, como por exemplo, brincar e estudar.<br />
O contexto que Judite passou a viver e a nova estrutura familiar on<strong>de</strong> continuou a<br />
construção da sua biografia teriam lhe proporcionado uma socialização coerente com os i<strong>de</strong>ais<br />
<strong>de</strong> integrabilida<strong>de</strong> social e <strong>de</strong> emancipação, caso ela tivesse direcionado suas experiências<br />
para o sentido oposto ao que direcionou a sua biografia. Em outras palavras, as disposições<br />
econômicas e as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong> oferecidas a ela, naquele meio <strong>de</strong> ação<br />
concreto em que viveu com a sua mãe, a nosso ver, po<strong>de</strong>ria ter assegurado uma vida menos<br />
arriscada e com efeitos menos <strong>de</strong>bilitadores sobre sua liberda<strong>de</strong>.<br />
Talvez pelo <strong>de</strong>sejo individual <strong>de</strong> construir a si mesma enquanto sujeito, com a<br />
liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolher o direcionamento <strong>de</strong> sua própria vida, foi que ela procurou construir<br />
experiências distanciadas das prescrições sociais e voltadas a possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ações<br />
contraditórias (DAUSIEN, 2007). A marca da <strong>de</strong>ssocialização em sua biografia foi, portanto,<br />
o principal motivo impulsionador das suas <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>lituosas.<br />
O caso da nossa quarta entrevistada revelou, mais do que nas <strong>biografias</strong> das outras<br />
<strong>mulheres</strong> entrevistadas, experiências <strong>de</strong> extrema carência familiar vividas na infância e na<br />
adolescência. Conforme relatou Madalena, sua mãe a abandonou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os seus nove anos <strong>de</strong><br />
ida<strong>de</strong> e lhe teria <strong>de</strong>ixado com uma vizinha que a criou até os quinze anos. Ela lembra, com<br />
tristeza e esperança, esse fato ocorrido na sua vida.<br />
Uma vez que estamos enten<strong>de</strong>ndo a família como primeira instituição social, on<strong>de</strong> se<br />
internalizam normas e valores, assim como formas <strong>de</strong> relacionamentos com os outros, com o<br />
mundo e com ele mesmo e lócus <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong> contínuas, acreditamos que um dos<br />
motivos para o <strong>de</strong>clínio da socialização <strong>de</strong> Madalena foi a experiência <strong>de</strong> abandono que<br />
vivera.
Portanto, não seria exagero afirmar que a construção da subjetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Madalena<br />
teria sido comprometida em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> tal experiência, que envolveu, ao redor <strong>de</strong>la, outras<br />
questões sociais, ligadas às incertezas e aos riscos das socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rno-contemporâneas,<br />
especialmente para as pessoas marginalizadas.<br />
Dessa constatação, emergem algumas interpretações - uma <strong>de</strong>las é a <strong>de</strong> que o<br />
abandono materno teria afetado a sua estrutura psicológica e, em consequência disso, ela teria<br />
reproduzido a trajetória <strong>de</strong> vida da sua mãe e da mulher que a criou até os 15 anos. A análise<br />
das <strong>de</strong>mais categorias esclarece melhor essa nossa interpretação. Aliás, a própria encarcerada<br />
alega que, se tivesse tido uma família, sua vida teria sido diferente: Acho que eu seria outra<br />
pessoa, mulher, não tava nesse lugar não (MADALENA).<br />
A quinta entrevistada revelou ter vivido diversas experiências no âmbito da família,<br />
como: a perda do pai na infância<br />
e, em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>ssa perda, a migração para outro<br />
Estado junto com a sua mãe e irmãos, a perda da mãe no início da juventu<strong>de</strong> - pouco <strong>de</strong>pois<br />
do seu casamento, e a perda <strong>de</strong> um irmão. As <strong>de</strong>mais experiências vividas nesse contexto<br />
estiveram associadas a outros domínios da vida, como o trabalho e a escolarização. Sobre<br />
essas experiências associadas, ela conta:<br />
A gente tinha meio dia pra trabalhar e meio dia pra estudar. Nós<br />
estudávamos <strong>de</strong> manhã, eu e o meu outro irmão - das sete da manhã até às<br />
onze da manhã, íamos pra casa, tomava banho, almoçava e íamos pra roça<br />
trabalhar. E ainda quando chegávamos em casa a gente tinha por obrigação<br />
tomar um banho, jantar, escovar os <strong>de</strong>ntes direitinho e ir pra mesa fazer a<br />
lição pra no dia seguinte irmos pra escola. Isso quando nós chegávamos da<br />
roça. (LIA).<br />
Percebidas as associações das experiências familiares <strong>de</strong>ssa encarcerada com outras <strong>de</strong><br />
diferentes domínios da vida, somos conduzidas ainda mais a concordar com Dausien (2007),<br />
em relação ao que afirma sobre a construção biográfica específica do gênero feminino, pois,<br />
segundo ela, as Experiencias particulares, que son relevantes con vistas a la «socialización<br />
<strong>de</strong> genero», han sido integradas en el saber biográfico y conectadas con otras experiencias<br />
(DAUSIEN, p.41).<br />
Em quase todas as narrativas, vimos experiências familiares marcadas por condições<br />
<strong>de</strong> vida precárias e por carências sentidas pela ausência da mãe nos seus percursos<br />
biográficos. Para duas entrevistadas, especificamente (Isabel e Madalena), que entendiam a
mãe como principal referência familiar, a ausência <strong>de</strong>la em suas <strong>biografias</strong> fora interpretada<br />
como favorável aos seus envolvimentos com mundos <strong>de</strong> vida ligados ao crime. Na narração<br />
da infância, elas sempre se lembravam das suas mães quando refletiam sobre suas<br />
experiências nessa fase da vida:<br />
[...], ela não me dava atenção! A gente quando tem uma mãe, quando tá com<br />
uma dúvida, com um problema aí a gente chega na mãe da gente assim:<br />
Mãe eu tô com isso! , aí ela chega senta e conversa. Uma mãe sempre<br />
chega e diz: Filha como foi a aula filha? Deixa eu ver seus ca<strong>de</strong>rnos,<br />
<strong>de</strong>ixa eu ver isso, como é que você tá? Minha mãe nunca foi isso, minha<br />
mãe verda<strong>de</strong>ira, não sabia se eu estudava, não sabia como era meu dia a<br />
dia, nunca se interessou por nada disso, sempre trabalhando, trabalhando,<br />
pra ela tudo o que importava era o trabalho, o que valia mais era o<br />
trabalho. Então eu ficava, botava na minha cabeça: Meu Deus, minha<br />
mãe...! . E eu via muito gente, muitas mães assim boas pras filhas e as<br />
filhas, chamava nome, esculhambava. Minhas amigas mesmos tinham mães<br />
ótimas e nunca <strong>de</strong>ram valor, e eu que tive uma mãe assim rígida, sempre<br />
quis que minha mãe fosse boa, tivesse ali meu lado, quando eu fosse dormir<br />
me <strong>de</strong>sse um boa noite, um abraço, um beijo, que um filho sempre quer isso<br />
<strong>de</strong> uma mãe. Dê um conselho, uma palavrinha amiga: Não filho, isso não é<br />
assim não, isso é assim! ; Filho, boa noite! ; ao contrário, <strong>de</strong> manhã<br />
sempre me acordava nos gritos, sempre me tratava mal minha mãe. Até hoje<br />
quando ela vem aqui, da última vez que ela veio aqui ela me tratou tão mal!<br />
Fui dar um abraço nela ela negou, ela virou as costas! (Isabel).<br />
Ah mulher, o que marcou [a minha infância] foi a sauda<strong>de</strong> que eu tive <strong>de</strong>la,<br />
somente! Não gosto nem <strong>de</strong> me lembrar viu? (Lágrimas nos olhos da<br />
entrevistada). Mulher eu queria ter ela do meu lado!! Eu queria bem a Nice<br />
(a mulher que lhe criou), ainda hoje eu quero bem a Nice ainda. Mas o que<br />
mais me marcou foi a sauda<strong>de</strong> <strong>de</strong>la, eu não gosto nem <strong>de</strong> falar mulher. Eu<br />
sofri viu um pouquinho? Eu sofri até umas horas! Na casa <strong>de</strong> uma, na casa<br />
<strong>de</strong> outro. Passava um mês na casa <strong>de</strong> um, passava um mês na casa <strong>de</strong> outro.<br />
(Madalena).<br />
Observa-se, na primeira fala, a representação da entrevistada sobre como ela acha que<br />
<strong>de</strong>ve ser uma mãe e sobre o que, no entanto, ela não teve. O papel da mãe, para Isabel, é<br />
compreendido <strong>de</strong>ntro daqueles mol<strong>de</strong>s da família tradicional, aquela que dá carinho, atenção e<br />
que, acima <strong>de</strong> tudo, <strong>de</strong>ve zelar pela educação dos filhos. A mãe, <strong>de</strong>sse modo, serviria como<br />
uma espécie <strong>de</strong> barreira aos seus possíveis envolvimentos com o mundo do crime. A projeção<br />
i<strong>de</strong>alizada da mãe encobre, a nosso ver, os <strong>de</strong>mais significados existentes sobre o lugar da<br />
mulher-mãe na família nos dias <strong>de</strong> hoje. Essa, embora queira, nem sempre po<strong>de</strong> dar a atenção
<strong>de</strong>sejada aos seus filhos em função da falta <strong>de</strong> tempo, já que é obrigada a aceitar trabalhos<br />
precários e com alta carga horária.<br />
Isabel não reflete, em sua narrativa, essas questões ligadas às novas exigências<br />
impostas às <strong>mulheres</strong> da socieda<strong>de</strong> contemporânea e que, possivelmente, teria afetado a sua<br />
mãe. Nesse sentido, ela se coloca como vítima da ausência <strong>de</strong> atenção por parte <strong>de</strong>la, o que<br />
teria favorecido uma socialização <strong>de</strong>ficitária e o seu envolvimento com diversas práticas<br />
<strong>de</strong>lituosas.<br />
Na segunda fala acima exposta, vê-se também uma carência associada à ausência da<br />
mãe. A senhora Madalena <strong>de</strong>screve essa experiência com um elevado grau <strong>de</strong> reflexivida<strong>de</strong>.<br />
Isso se expressa, especialmente, quando ela recorre a um saber <strong>de</strong> fundo biográfico para<br />
narrar [...] experiencias y aspectos contradictorios y resistentes <strong>de</strong> la vida «no vivenciada»<br />
(DAUSIEN, 2007, p. 43), como foi o caso da ausência <strong>de</strong> experiências biográficas com a mãe.<br />
Isso teria marcado profundamente a biografia <strong>de</strong> Madalena e oferecido implicações as mais<br />
diversas, inclusive voltadas às ligações com mundos <strong>de</strong> vida ligados ao crime.<br />
Com a narração das histórias <strong>de</strong> vida completa, três entrevistadas apresentaram<br />
explicitamente as <strong>aprendizagens</strong> que adquiriram no contexto familiar:<br />
Aprendi, que agente tem que respeitar os mais velhos, sempre tem que andar<br />
na linha certa. Só que eu tive duas criação, foi uma criação da minha mãe<br />
<strong>de</strong> criação e outra da minha mãe verda<strong>de</strong>ira. Foi dois mundos assim, duas<br />
mães, dois pensamentos, duas educação, então e isso mexeu muito com<br />
minha cabeça. Minha mãe verda<strong>de</strong>ira me ensinava uma coisa, era mais<br />
rígida, já minha mãe <strong>de</strong> criação era mais boa, era uma pessoa muito<br />
maravilhosa. Quando ela morreu eu sofri <strong>de</strong>mais, foi quando eu me revoltei<br />
quando ela morreu, entrei no mundo das drogas. (ISABEL).<br />
[...], se eu disser que eu aprendi com fulano ... Não eu aprendi quebrando a<br />
cara mesmo! Aprendi no mundo, como diz né? Aprendi no mundo. O que eu<br />
aprendi assim [com aminha mãe] foi a ter uma educação... porque essa<br />
parte ai eu não posso dizer né, que ela nunca me <strong>de</strong>u. Porque ela sempre me<br />
<strong>de</strong>u uma boa educação! Mesmo ela sendo assim um pouquinho rudi. Ainda é<br />
né? [...]. (JUDITE).<br />
[...] eu acho que aprendi bastante, mas eu gostaria <strong>de</strong> ter aprendido mais,<br />
muito mais. Eu acho que a minha mãe sempre teve o potencial pra isso. Ela<br />
nos mostrou muito, nos ensinou muito. Pra mim e pros meus irmãos. Tanto<br />
é que eu posso falar pra você que <strong>de</strong> tudo que [...] eu aprendi com ela eu<br />
transferi, passei isso para os meus filhos sabe? (LIA).
Ao que parece, as experiências vividas no interior da família teriam proporcionado a<br />
essas <strong>encarceradas</strong> importantes <strong>aprendizagens</strong> para a vida, ainda que <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> estruturas<br />
familiares complexas (como foi o caso <strong>de</strong> Isabel), e cujo processo tenha <strong>de</strong>ixado lacunas a<br />
serem preenchidas, como foi o caso <strong>de</strong> LIA, que disse que gostaria <strong>de</strong> ter aprendido mais.<br />
Cabe, <strong>de</strong>sse modo, <strong>de</strong>stacar a dimensão da socialida<strong>de</strong> da aprendizagem biográfica<br />
(ALHEIT e DAUSIEN, 2007), já que, através das falas das entrevistadas acima citadas,<br />
verificamos que suas <strong>aprendizagens</strong> foram estruturadas nas interações sociais <strong>de</strong>senvolvidas<br />
em seus contextos <strong>de</strong> ação e/ou mundos <strong>de</strong> vida e não apenas <strong>de</strong> maneira interna a elas<br />
mesmas (ALHEIT e DAUSIEN, 2007).<br />
4.2.2 Biografia e trabalho<br />
O mundo do trabalho passa por transformações radicais. O ritmo acelerado do<br />
reor<strong>de</strong>namento econômico em escala mundial e a mo<strong>de</strong>rnização tecnológica e gerencial<br />
alteraram completamente o perfil da oferta <strong>de</strong> empregos (Casali, 1997, p.15). Os reflexos<br />
<strong>de</strong>ssas transformações<br />
[ ] forman parte las gran<strong>de</strong>s divisiones sociales <strong>de</strong>l trabajo en producción<br />
y reproducción, profesión y familia, espacio público y privacidad, que<br />
representan el hecho distintivo para los géneros <strong>de</strong> que las mujeres, <strong>de</strong><br />
modo específico, estén doblemente socializadas 45 . (DAUSIEN, 2007, p.38).<br />
Dessa feita, vimos, nas narrativas das <strong>encarceradas</strong>, experiências profissionais<br />
vinculadas a ofícios consi<strong>de</strong>rados tipicamente femininos, levando-nos a pensar como Dausien<br />
(2007, p.38) sobre o lugar social do gênero . Para a autora, esse lugar<br />
[ ] está a<strong>de</strong>más no sólo horizontalmente <strong>de</strong>terminado, sino que tiene en<br />
todo caso un efecto acumulativo en la perspectiva vertical. Lo que se<br />
transforma, por ejemplo, en una distinción clara <strong>de</strong> itinerarios profesionales<br />
preestructurados <strong>de</strong> mujeres y hombres. (DAUSIEN, 2007, p.38).<br />
45 En un texto posterior, Dausien (1999) vuelve sobre el concepto «socialización específica <strong>de</strong> género», rastrea<br />
las orientaciones que presenta en lareciente sociología alemana y propone una perspectiva <strong>de</strong> investigación en<br />
la línea <strong>de</strong>l texto compilado. (N. <strong>de</strong>l E.).
Os relatos abaixo expressam o reflexo <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>terminação social do gênero, ao serem<br />
narradas pelas <strong>encarceradas</strong> suas experiências <strong>de</strong> trabalho.<br />
Primeiro foi em casa <strong>de</strong> família, ai <strong>de</strong>pois fui pro camelô, ai <strong>de</strong>pois fui pra<br />
casa <strong>de</strong> família <strong>de</strong> novo. A primeira casa que eu trabalhei era 2 meninos.<br />
[...] Eu trabalhei em duas casas lá no Altiplano, numa eu tomava conta das<br />
2 meninas e 1 menino, e na outra casa não tinha menino. Era bem grandona<br />
a casa, <strong>de</strong> primeiro andar. Eu arrumava a casa todinha, fazia almoço fazia<br />
tudo, só não lavava roupa, mas o resto fazia tudo! [...] Eu tinha uns 12 anos,<br />
aí eu passei acho que uns dois anos lá, trabalhando no camelô. (DINÁ).<br />
Des<strong>de</strong> os quinze anos trabalhei na casa dos outros, lavava, passava, fiz um<br />
bocado <strong>de</strong> coisa. Brinquei, trabalhei muito, [...]. A gente sempre tem que ter<br />
um tempinho pra tudo! Pra brincar, trabalhar. [...] Trabalhava durante a<br />
manhã, [...] eu trabalhava na casa da mulher somente <strong>de</strong> manhã, das sete às<br />
duas. (ISABEL).<br />
Em casa <strong>de</strong> Família, eu trabalhava assim <strong>de</strong> diarista, tomando <strong>de</strong> conta <strong>de</strong><br />
criança, pessoas idosas também. Mas eu já fiz outras coisas também, eu<br />
trabalhei em gráfica, já vendi produtos, assim, cosméticos. (JUDITE).<br />
Eu não trabalhava não mulher, eu vivia fazendo programa. Eu morei mais<br />
em cabaré, porque o cabaré me pagava bem e ajudava e eu via o dinheiro<br />
na mão assim. O dinheiro que pegava pra comer era esse. (MADALENA).<br />
Eu saí da lavoura e fui direto trabalhar <strong>de</strong> cozinheira <strong>de</strong> um minirestaurante.<br />
Até hoje eu brinco muito assim porque as panelas eram maior<br />
que eu, mas eu tinha que ajudar minha mãe. [...] quando eu saí <strong>de</strong><br />
cozinheira eu fui trabalhar numa fábrica <strong>de</strong> baralhos. Eu fui ser cortadora<br />
<strong>de</strong> baralho. (LIA).<br />
Além do que Dausien (2007) nos aponta sobre o perfil profissional das investigadas<br />
acima exposto, as falas acima também revelam a marca do trabalho infantil nas <strong>biografias</strong> da<br />
maior parte das <strong>encarceradas</strong>. Com exceção <strong>de</strong> Judite e Madalena<br />
(a primeira, porque<br />
revelou só ter começado a trabalhar <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter o seu primeiro filho, e a segunda, porque só<br />
teria começado a trabalhar nas boates <strong>de</strong>pois dos 15 anos, mesmo ainda não sendo uma ida<strong>de</strong>
permitida por lei para trabalhar nesses locais), as outras <strong>encarceradas</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito cedo,<br />
começaram a trabalhar sob a influência <strong>de</strong> suas mães ou avós.<br />
Sabemos que essa realida<strong>de</strong>, no entanto, não atingiu somente as <strong>biografias</strong> das nossas<br />
entrevistadas. Conforme i<strong>de</strong>ntificamos na literatura, o trabalho infantil representa um dos<br />
principais problemas sociais do Brasil, assumindo-se como tal somente nos anos <strong>de</strong> 1980. Em<br />
consequência disso, o governo brasileiro, pressionado pelo cenário internacional, em 1996,<br />
criou um programa <strong>de</strong> assistência social no contexto das políticas sociais na tentativa <strong>de</strong><br />
promover o seu combate: PETI 46 .<br />
Na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> João Pessoa - Pb, esse programa foi implantado em abril <strong>de</strong> 2000,<br />
visando ao atendimento às crianças e adolescentes catadores <strong>de</strong> lixo , que trabalhavam no<br />
lixão do Roger e, ainda, os flanelinhas, feirantes e engraxates. O número <strong>de</strong> crianças e<br />
adolescentes atendidos pelo Programa nesta capital, <strong>de</strong> acordo com o Relatório Técnico do<br />
PETI<br />
junho/2000 a <strong>de</strong>zembro/2001, elaborado pela SETRAPS, foi <strong>de</strong> 846 famílias e 1431<br />
crianças e adolescentes com registro <strong>de</strong> trabalho precoce [...]. (SETRAPS/JP, 2001).<br />
Com base nessa tendência, é que se encaixam as nossas <strong>encarceradas</strong> no interior <strong>de</strong>sse<br />
problema. Resultam claros os marcos sociais que vigoravam no momento em que a maioria<br />
das <strong>encarceradas</strong> construiu a sua infância. Pelo visto, elas não eram as únicas envolvidas com<br />
o problema do trabalho infantil no Brasil e na Paraíba, uma gama <strong>de</strong> sujeitos, vivendo sob<br />
condições contextuais semelhantes, como vimos acima, também esteve envolvida com o<br />
problema. A própria estrutura social não assegurava meios para a sua minimização ou<br />
resolução. Nesse sentido, era quase impossível às nossas investigadas nadarem contra a<br />
corrente .<br />
Aliás, analisando o cerne <strong>de</strong>ssa problemática, Cipola (20001, p.08) adverte que<br />
somente [...] um mergulho sem volta no mais repelente círculo criado pela humanida<strong>de</strong>: o da<br />
miséria<br />
po<strong>de</strong> fazer com que se conheça [...] a amplitu<strong>de</strong> do trabalho infantil . Isso indica<br />
que as possíveis soluções só serão encontradas quando forem consi<strong>de</strong>radas nessa discussão<br />
não só a criança trabalhadora, mas também o mundo que a cerca, aí incluindo a comunida<strong>de</strong><br />
em que vive, sua família e as estratégias <strong>de</strong> sua sobrevivência.<br />
46<br />
O PETI - Programa <strong>de</strong> Erradicação do Trabalho Infantil tem por objetivo eliminar o trabalho infantil existente<br />
e (re) ingressar a criança ou adolescente na escola. De acordo com o manual <strong>de</strong> orientações do programa, a<br />
família nele inserida recebe uma bolsa mensal para os filhos, com ida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sete a quinze anos, que forem<br />
retirados do trabalho. Para isso, os pais assumem o compromisso <strong>de</strong> matricular seus filhos na escola e <strong>de</strong> fazê-los<br />
cumprir uma jornada paralela à escola Jornada Ampliada, <strong>de</strong> forma a complementar as aulas com ativida<strong>de</strong>s<br />
recreativas, esportivas, culturais ou <strong>de</strong> reforço escolar.
Registre-se, por outro lado, que, mesmo a miséria sendo um dos fatores principais que<br />
favorece a oferta da mão-<strong>de</strong>-obra infantil, ela não é o único fator. Segundo dados do Unicef, o<br />
trabalho infantil, no Brasil e no mundo, além <strong>de</strong> manter estreita relação com a pobreza do<br />
país, esten<strong>de</strong> também essa relação para o grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> dos pais <strong>de</strong>ssas crianças. Na<br />
narração das nossas entrevistadas, vimos esse fato ser comprovado.<br />
Todas as <strong>encarceradas</strong>, sem exceção, disseram que seus pais (mãe e pai,<br />
principalmente) não tiveram experiências ligadas aos processos <strong>de</strong> escolarização. Algumas<br />
falas ilustram o que estamos dizendo: Minha mãe não estudou <strong>de</strong> jeito nenhum (LIA,),<br />
[Minha avó], ela é analfabeta e [minha mãe] também, nunca estudou! . Analisando essa<br />
questão, Ferreira (2001, p.74) argumenta:<br />
O nível <strong>de</strong> estudo e o ofício dos pais constituem outros motivos<br />
fundamentais à colocação <strong>de</strong> menores no mercado <strong>de</strong> emprego. Adultos que<br />
não terminaram o primeiro grau ou sequer frequentaram a escola têm mais<br />
probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fornecer mão-<strong>de</strong>-obra através <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes.<br />
Não obstante, o tipo <strong>de</strong> função exercido pelos pais (ou familiares mais próximos)<br />
também é [...] um condicionante importante <strong>de</strong>ssa oferta, pois trabalhadores informais, sem<br />
benefícios e com baixos rendimentos ten<strong>de</strong>m a incorporar o esforço dos filhos como ajuda à<br />
família (FERREIRA, 2001, p.74).<br />
Para as nossas investigadas, o trabalho <strong>de</strong>senvolvido pelos pais (quase sempre a mãe)<br />
não apenas condicionou a oferta <strong>de</strong> suas mãos-<strong>de</strong>-obra na infância, como produziu efeitos<br />
ligados à reprodução (no interior das suas <strong>biografias</strong>) dos seus ofícios. A associação entre<br />
esses ofícios e as suas trajetórias profissionais mostrava-se, portanto, evi<strong>de</strong>nte em suas<br />
narrativas.<br />
A minha avó sempre trabalhou em casa <strong>de</strong> família.(DINÁ).<br />
[Minha mãe] Trabalhava em casa <strong>de</strong> família. Lavava roupa pros outros por<br />
40 reais, lava passava, fazia faxina. (ISABEL).<br />
Minha mãe ela sempre foi assim, <strong>de</strong> casa né? Lavou muita roupa <strong>de</strong> ganho,<br />
trabalhou em muita cozinha dos outros pra dar o sustento <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa.<br />
(JUDITE).
en espiral<br />
[...] ela era mulher da vida né? Ela vivia no bar da feira, lá numa boate<br />
chamada Maria Oião. Vivia ali naquelas boates que tem por ali no centro<br />
da cida<strong>de</strong>. [...].O trabalho <strong>de</strong> Nice era o mesmo da minha mãe, era boate.<br />
[...], quando eu já tava com os meus 15 anos, ai não podia ter mulher <strong>de</strong><br />
menor <strong>de</strong>ntro da boate não sabe? Porque o juiz prendia as meninas na casa<br />
<strong>de</strong> cativa. (MADALENA).<br />
Ela trabalhava assim no campo, em lavoura né. (LIA).<br />
Essas informações esclarecem o pensamento <strong>de</strong> Dausien (2007) sobre o movimiento<br />
em que se <strong>de</strong>senvolvem as construções biográficas do gênero. É nesse<br />
movimento, segundo ela, que estão [...] las posibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> transformación y las<br />
emergencias, pero también las persistencias, las inercias y la reproducción<br />
(DAUSIEN,<br />
2007, p.42). Para as nossas entrevistadas, foi a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reprodução , e não, a <strong>de</strong><br />
transformação, que movimentou a construção <strong>de</strong> suas <strong>biografias</strong> <strong>de</strong> gênero nesse domínio da<br />
vida (o trabalho). Isso implica dizer que, nesse aspecto, não foram verificadas ações<br />
contraditórias àquelas prescritas nos seus mundos <strong>de</strong> vida.<br />
Para além <strong>de</strong>ssa constatação, observamos, nos relatos abaixo das entrevistadas,<br />
mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> curso <strong>de</strong> vida marcados por alternâncias, combinação, abandono e/ou<br />
<strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> experiências. A apropriação <strong>de</strong> um ou <strong>de</strong> outro mo<strong>de</strong>lo orienta-se tanto<br />
por uma [...] lógica <strong>de</strong> la construcción interna <strong>de</strong> la historia <strong>de</strong> vida, <strong>de</strong> aquel código <strong>de</strong><br />
experiência biográfico , como por [...] estímulos <strong>de</strong>l entorno social, [...] . (ALHEIT e<br />
DAUSIEN, 2007, p.131).<br />
No primeiro caso, vê-se um exemplo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> curso da vida cuja marca é a<br />
<strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> e o rompimento biográfico, enquadrando-se, portanto, no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> vida<br />
<strong>de</strong>scontínua sugerida por Dausien (1996). A <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> abandonar o estudo para trabalhar,<br />
abandonando, em seguida, essas duas experiências (estudo e trabalho) em função da família,<br />
foi tomada seguindo uma orientação transmitida implicitamente por um saber <strong>de</strong> fundo<br />
biográfico . Tal <strong>de</strong>cisão teria impactado negativamente a biografia <strong>de</strong> Diná, uma vez que a<br />
sua <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>lituosa foi motivada, conforme narrou, pela experiência dramática vivida na<br />
relação conjugal.<br />
Eu estudava <strong>de</strong> noite e trabalhava o dia todo. Eu fazia a 4ª série, e foi nesses<br />
4 anos que eu comecei a trabalhar, aí eu <strong>de</strong>sisti. Quis não porque era muito<br />
cansativo, aí no outro dia eu tinha que acordar cedo. Aí pronto! Aí no tempo<br />
que eu engravi<strong>de</strong>i foi que eu <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> uma vez! Nem trabalhava mais e nem<br />
estudava. Foi no tempo que eu fui morar com o pai da minha filha. (DINÁ).
Caso não tivesse abandonado aquelas experiências anteriores, teria Diná seguido um<br />
outro caminho? Não temos como respon<strong>de</strong>r a essa questão, mas ela nos serve <strong>de</strong> reflexão para<br />
o que nos apontam Alhei e Dausien (2007) sobre a capacida<strong>de</strong> dos sujeitos <strong>de</strong> serem<br />
construtores ativos <strong>de</strong> suas realida<strong>de</strong>s , ainda que não tenham toda a liberda<strong>de</strong> no processo<br />
<strong>de</strong> construir.<br />
Ao contrário <strong>de</strong> Diná, no segundo caso abaixo, observa-se a opção <strong>de</strong> Isabel por<br />
experiências <strong>de</strong> formação e <strong>de</strong> trabalho em <strong>de</strong>trimento da opção pela experiência<br />
amorosa/conjugal.<br />
Já fui trabalhar <strong>de</strong> frentista por que tinha vaga no posto. Eu fazia pró-jovem<br />
né? [...]. Aí fui atrás <strong>de</strong> emprego e tinha um aviso né, dizendo que<br />
precisavam <strong>de</strong> uma pessoa pra fazer limpeza no posto. [...] meu marido não<br />
queria que eu fizesse pró-jovem não, que eu estudasse não, [...]. Aí eu<br />
peguei me separei <strong>de</strong>le, ele <strong>de</strong>u em mim porque eu fui pra escola. Aí pegou<br />
eu me separei <strong>de</strong>le. Eu digo: Oxe! Quer mandar em mim! Aí eu peguei<br />
meu filho e fui simbora. Aí pronto! Terminei o pró-jovem, ai fui atrás <strong>de</strong><br />
emprego [...]. (ISABEL).<br />
A opção pela experiência <strong>de</strong> formação (através do pró-jovem) e pela busca <strong>de</strong> um<br />
emprego teria sido guiada pelo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> Isabel <strong>de</strong> ser mulher para si em lugar <strong>de</strong> ser<br />
mulher para o outro (TOURAINE, 2007). Ao que parece, o seu direcionamento biográfico<br />
foi menos influenciado por essa <strong>de</strong>cisão que pela experiência dramática vivida no seu<br />
contexto familiar.<br />
O que disse Isabel sobre sua <strong>de</strong>cisão por romper a relação amorosa em função <strong>de</strong> sua<br />
formação e trabalho revela a imagem positiva que fazia <strong>de</strong>la mesma. É possível que a audácia<br />
<strong>de</strong> sua <strong>de</strong>cisão não tenha sido motivada diretamente pelo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> participar mais<br />
efetivamente do mundo do trabalho, mas por uma transformação <strong>de</strong> sua vida privada, como<br />
refere Touraine (2007), o que, possivelmente, provocaria transformações em vários outros<br />
domínios da vida.<br />
No terceiro caso exposto abaixo, verifica-se também o domínio da sexualida<strong>de</strong><br />
exercendo influência sobre a vida da entrevistada. A preocupação com o filho (cujo pai era<br />
casado), fruto <strong>de</strong> uma relação amorosa fragilizada, teria levado Judite - que nunca precisou<br />
trabalhar para se manter, a mover-se em direção a sua autonomia financeira. Verifica-se o<br />
surgimento <strong>de</strong> uma nova mulher , ainda que saibamos - pelo que vimos no seu retrato<br />
biográfico, que essa aspiração por autonomia tenha motivado a vivência <strong>de</strong> outras
experiências <strong>de</strong> trabalho<br />
associadas ao mundo do crime: [...] eu só vim saber o que era<br />
emprego na minha vida, <strong>de</strong>pois que eu tive o meu primeiro filho. Eu tinha 17 anos .<br />
(JUDITE, 32 anos).<br />
No quarto caso, o processo biográfico <strong>de</strong> aprendizagem, no curso da vida da<br />
entrevistada, configurou-se como um processo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e igual aos processos biográficos<br />
das <strong>de</strong>mais <strong>encarceradas</strong>, ligado a uma socialização específica do gênero feminino.<br />
Olha na minha adolescência, eu não tive muito tempo pra isso não<br />
(paquerar, namorar), por que eu trabalhava muito. É como eu disse pra<br />
você, eu fui pra São Paulo eu tinha 13 anos, né? Eu saí da lavoura e fui<br />
direto trabalhar <strong>de</strong> cozinheira <strong>de</strong> um mini restaurante. [...]. Então eu digo<br />
pra você, a minha adolescência eu acho que foi muito boa, eu acho que eu<br />
fui feliz ! Acho não, eu fui feliz na minha adolescência! Por que eu fui feliz?<br />
Porque eu fiz tudo que eu realmente amava, que era trabalhar e ajudar<br />
minha mãe, que era a pessoa que eu mais amava nessa vida. Eu trabalhava<br />
o dia inteirinho. Eu saia da minha casa, tipo <strong>de</strong> seis e meia, sete horas da<br />
noite, quando chegava lá minha mãe tava, ai eu ficava por ali e no dia<br />
seguinte ia direto pro trabalho, tomava um banho e <strong>de</strong>pois dormia e ia<br />
direto pro trabalho. No dia <strong>de</strong> folga [...] minha mãe dizia pra mim: Maria<br />
você vai folgar amanhã eu dizia: Eu folgo amanhã . então olha, essa<br />
roupa tudinho é pra você lavar amanhã, essa aqui tudinho é pra você<br />
passar, o almoço e o jantar é seu! Pronto !!! Fechou o meu dia <strong>de</strong> folga!<br />
[...]. Então minha vida foi isso, foi trabalho, foi conviver com a minha mãe<br />
[...]. Trabalhar era o meu lazer na gra<strong>de</strong> São Paulo [...]. (LIA).<br />
O relato <strong>de</strong> Lia acerca <strong>de</strong>ssa questão aparece associado ao quarto mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> vida da<br />
mulher sugerido por Dausien (1996), ou seja, o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Vida não-vivida , que diz respeito<br />
a uma construção biográfica <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> que se sacrificam pelos outros, dificultando ou não<br />
conseguindo a conquista <strong>de</strong> sua autonomia.<br />
De um modo geral, o que disseram as <strong>mulheres</strong> investigadas sobre suas experiências<br />
<strong>de</strong> trabalho reforçou o que foi comprovado naqueles dados estatísticos anteriormente<br />
apresentados, que apontaram uma inserção precária da maioria <strong>de</strong>las no mundo <strong>de</strong> trabalho, e<br />
elucidou a estrutura <strong>de</strong> exigências contraditórias em que elas constroem as suas trajetórias<br />
profissionais, já que são obrigadas ou a conciliar o trabalho com as ativida<strong>de</strong>s domésticas e<br />
outros projetos <strong>de</strong> vida (como a continuida<strong>de</strong> dos estudos, a qualificação profissional etc.), ou<br />
a interromper essas trajetórias, em função da vivência <strong>de</strong> outras experiências <strong>de</strong> vida:<br />
casamento, criação dos filhos, cuidados com a família etc.
Abaixo apresentamos a análise das experiências educativas e/ou <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong><br />
vividas (ou não vividas) pelas <strong>encarceradas</strong>, em contextos escolares, e as suas implicações na<br />
construção das <strong>biografias</strong>.<br />
4.2.2 Biografia e escola<br />
Consi<strong>de</strong>rando a escola como uma das instituições sociais que têm [...] a função <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>signar e <strong>de</strong> controlar o <strong>de</strong>svio e a marginalida<strong>de</strong> (DUBET, 2006, p.37) e um lugar<br />
privilegiado <strong>de</strong> socialização, <strong>de</strong> troca <strong>de</strong> experiências biográficas e <strong>de</strong> interação com os<br />
outros, lócus, por excelência, <strong>de</strong> múltiplas <strong>aprendizagens</strong>, foi que nos interessamos em<br />
analisar o que disseram as <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong> sobre suas trajetórias escolares, procurando<br />
interpretar, através <strong>de</strong>las, as <strong>aprendizagens</strong> e as contribuições oferecidas aos seus<br />
direcionamentos biográficos.<br />
A primeira encarcerada que entrevistamos disse que havia estudado somente até a<br />
quarta série do Ensino Fundamental, tendo repetido por diversas vezes.<br />
Estu<strong>de</strong>i até a 4ª série. Eu não me interessava muito, <strong>de</strong>pois eu ficava<br />
bagunçando, sem querer estudar. Eu nunca me interessava muito pelos<br />
estudos não! Eu era né, Mas <strong>de</strong>pois que eu cheguei na 4ª serie eu me<br />
<strong>de</strong>sinteressei, passei quatro anos repetindo a 4ª serie. Eu tinha interesse,<br />
mas <strong>de</strong>pois eu fui me <strong>de</strong>sinteressando (pausa). Assim, porque às vezes a<br />
gente tinha que passar muito tempo né, trancada, dava uma agonia! Mas,<br />
pior eu tô passando aqui agora né? Trancada direto! (DINÁ, 18 anos).<br />
No contexto brasileiro, a realida<strong>de</strong> vivida por Diná é uma constante. As interpretações<br />
que têm sido dadas para analisar esse fenômeno são as mais diversas. Nos meios escolares, a<br />
culpa pelo fracasso escolar geralmente é atribuída ao aluno e as suas condições físicas,<br />
cognitivas, sociais e psicológicas. Leon e Menezes-Filho (2003, p.418), ao analisar esse<br />
fracasso materializado nos índices <strong>de</strong> reprovação escolar no Brasil, <strong>de</strong> 1984 a 1997,<br />
apontaram alguns dos fatores que contribuem para o <strong>de</strong>sempenho na escola e,<br />
consequentemente, para a ocorrência <strong>de</strong>sse fenômeno. Eles assim afirmaram:
[...] o <strong>de</strong>sempenho na escola po<strong>de</strong>m ser influenciado por diversos fatores: as<br />
condições socioeconômicas do estudante, a compatibilida<strong>de</strong> do estudo com a<br />
inserção no mercado <strong>de</strong> trabalho [ver Filgueira, Filgueira e Fuentes (2000)],<br />
as condições econômicas e sociais da região on<strong>de</strong> vive, as suas<br />
características observadas, como ida<strong>de</strong> e sexo, e as não-observadas, como<br />
talento, <strong>de</strong>terminação e vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> continuar estudando. (LEON &<br />
MENEZES-FILHO, 2003, p.418),<br />
Com essa assertiva, vê-se a consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> fatores que não culpabilizam somente os<br />
sujeitos pelo seu fracasso na escola, mas a uma série <strong>de</strong> questões, que se não impe<strong>de</strong>m,<br />
dificultam o sucesso <strong>de</strong>sejado. Verifica-se, então, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma educação que atenda<br />
às reais necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong> dos educandos, em suas especificida<strong>de</strong>s,<br />
consi<strong>de</strong>rando-se as suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s 47 . Por exemplo, os obstáculos pelos quais as <strong>mulheres</strong><br />
passam tanto para iniciar como para permanecer estudando muito se diferem daqueles<br />
enfrentados pelos homens e por outros grupos sociais. Os seus objetivos escolares também<br />
não são os mesmos. Assim, quando não são consi<strong>de</strong>rados esses obstáculos e objetivos <strong>de</strong><br />
aprendizagem, facilmente po<strong>de</strong> ocorrer com outras <strong>mulheres</strong> em processo <strong>de</strong> escolarização, o<br />
que ocorreu com Diná.<br />
Na narrativa <strong>de</strong> Diná, verifica-se que o <strong>de</strong>sinteresse pelos estudos começou somente<br />
quando ela estava na quarta série, período em que ela havia começado a trabalhar em casa <strong>de</strong><br />
família como empregada doméstica. Isso implica dizer que a sua condição <strong>de</strong> mulher, cujos<br />
atributos e mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> conduta são conferidos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância, contribuiu para o seu<br />
fracasso. Vê-se, aí, o viés <strong>de</strong> gênero impactando a trajetória escolar <strong>de</strong> Diná.<br />
Por outro lado, a entrevistada interpreta o seu fracasso, associando-o à forma como a<br />
escola está estruturada espacialmente. Ela atribui o seu <strong>de</strong>sinteresse ao fato <strong>de</strong> ter que ficar<br />
trancada por muito tempo, uma situação parecida (ainda que com diferenças) com a que ela<br />
está vivendo atualmente no presídio. Isso nos lembrou a <strong>de</strong>nuncia <strong>de</strong> Foucault (2002) sobre o<br />
po<strong>de</strong>r disciplinar exercido por várias instituições sociais, inclusive a escola, cuja organização,<br />
segundo esse filósofo, segue o mo<strong>de</strong>lo panóptico das prisões e tem como mesmo objetivo<br />
garantir corpos dóceis , disciplinados à socieda<strong>de</strong>. Nesse sentido, Goergen 48 argumenta:<br />
47 La i<strong>de</strong>ntidad aparece como instancia <strong>de</strong> mediación entre la subjetividad individual <strong>de</strong> una persona (las<br />
necesida<strong>de</strong>s individuales, <strong>de</strong>seos, expectativas y representaciones <strong>de</strong> un individuo) y las estructuras sociales<br />
(crf. ROMMELSPARCHER, 1997, p. 250, apud, ALHEIT E DAUSIEN, 2007, p.127).<br />
48 http://www.cori.unicamp.br/foruns/magis/evento5/Texto%20PEDRO.doc
Com seu olhar panóptico, a escola controla, separa, analisa, diferencia e<br />
regula os alunos que são configurados, adaptados, enquadrados. O educando<br />
não é estimulado a conquistar o seu espaço, a usar o seu tempo, mas a<br />
aceitar uma or<strong>de</strong>m já estabelecida que ela não sabe por quem nem por que<br />
foi instituído. Ele não é convocado a <strong>de</strong>senvolver-se, a expandir-se, mas a<br />
aceitar e respeitar o controle, a vigilância dos seus gestos, do seu corpo, <strong>de</strong><br />
sua mente. O espaço e o tempo são separados e divididos não apenas para<br />
otimizar a aprendizagem e menos ainda para libertar, agregar e solidarizar,<br />
mas para vigiar e punir (Foucault), para segregar e submeter, para<br />
transformá-los em células solitárias, acuadas e fracas.<br />
A partir <strong>de</strong>ssas premissas, <strong>de</strong>scobrem-se os diversos fatores que po<strong>de</strong>m implicar as<br />
<strong>de</strong>cisões ou circunstâncias que levam os sujeitos a construírem trajetórias escolares<br />
fracassadas, ligadas tanto ao abandono quanto às reprovações sucedidas durante o processo.<br />
A trajetória escolar <strong>de</strong> Isabel, exposta abaixo, é muito parecida com a <strong>de</strong> Diná. A<br />
diferença entre as duas po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntificada pela persistência <strong>de</strong> Isabel em continuar<br />
estudando, mesmo <strong>de</strong>pois das sucessivas reprovações nas diferentes séries que cursou.<br />
Comecei a estudar com 5 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Fiz o pré, fiz alfabetização, ai<br />
passei três anos na 1ª série, três anos. Tinha a formatura e eu nunca ia. Sei<br />
lá, acho que eu não tinha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudar, sei lá! No começo do ano eu<br />
estudava, quando chegava no mês das provas já começava a <strong>de</strong>sistir,<br />
gostava <strong>de</strong> gaziar aula, começava a brincar, ai não queria saber <strong>de</strong> escola,<br />
ai pronto! [...]. Ai da outra vez eu vi todo mundo sendo aprovado assim, ai<br />
eu disse: sabe <strong>de</strong> uma coisa, eu vou estudar! , aí estu<strong>de</strong>i, estu<strong>de</strong>i. [...], aí<br />
comecei a estudar, estudar, ai fiz e passei né? Depois <strong>de</strong> 3 anos na mesma<br />
série eu passei, porque eu já sabia <strong>de</strong> cor e salteado já (risos). Era só uma<br />
preguiça da mente, uma preguiça <strong>de</strong> raciocinar. Aí eu fiz a segunda série<br />
passei, fiz a terceira passei, aí na quarta fui reprovada aí passei no outro<br />
ano. Aí na quinta eu passei 2 anos, sempre repetindo as séries, porque eu<br />
não gostava <strong>de</strong> estudar não, era muito ruim sei lá. Repeti a 5ª duas vezes, aí<br />
na terceira vez eu passei. Fui fazer a sexta, ai pra fazer a sexta-série eu fui<br />
pra o pró-jovem, [...]. (ISABEL).<br />
Curioso perceber que, mesmo tantas vezes reprovada, Isabel, ao contrário <strong>de</strong> Diná,<br />
concluiu o Ensino Fundamental. Uma tentativa <strong>de</strong> explicação para esse fato po<strong>de</strong> ser<br />
encontrada no âmbito das discussões biográficas, ou seja, do sentido individual que os sujeitos<br />
po<strong>de</strong>m oferecer às construções das suas <strong>biografias</strong>. Não há como <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar também a<br />
influência em sua trajetória escolar <strong>de</strong> um Programa <strong>de</strong> Inclusão <strong>de</strong> Jovens criado pelo
Governo Fe<strong>de</strong>ral, cujo objetivo é exatamente o <strong>de</strong> dar oportunida<strong>de</strong> a pessoas como Isabel,<br />
jovens <strong>de</strong> 18 a 24 anos, <strong>de</strong> concluírem o Ensino Fundamental, para elevar sua escolarida<strong>de</strong>.<br />
No caso da entrevistada abaixo, evi<strong>de</strong>ncia-se uma trajetória escolar motivada por uma<br />
situação familiar temporária. Ela narra que, nos seus primeiros anos <strong>de</strong> escolarização, o seu<br />
interesse pelos estudos se <strong>de</strong>via apenas à gratidão que tinha pela pessoa que ajudou sua mãe<br />
a criá-la e que lhe possibilitou ótimas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> escolarização.<br />
[Comecei] com 6 anos. Comecei na alfabetização. Eu era bem interessada,<br />
eu queria passar <strong>de</strong> ano porque eu era muito cobrado <strong>de</strong> mim, pela parte da<br />
minha madrinha. Eu estu<strong>de</strong>i em colégio particular. Foi ela quem me <strong>de</strong>u um<br />
bom estudo. [...].Ela gostava muito <strong>de</strong> mim, ela dizia assim: antes <strong>de</strong> eu<br />
morrer eu quero <strong>de</strong>ixar você, pelo menos você terminar seus estudos . Mas<br />
era porque eu era danada né? (JUDITE).<br />
Observa-se que Judite reconhece as oportunida<strong>de</strong>s que lhe foram garantidas em sua<br />
trajetória escolar e atribui o não aproveitamento <strong>de</strong>ssas oportunida<strong>de</strong>s a uma índole<br />
pessoal/subjetiva ( eu era danada ) que, quando manifestada, contradizia os interesses e os<br />
objetivos da escola. O que isso nos sugere para interpretação é que talvez o conteúdo<br />
transmitido pela escola não correspon<strong>de</strong>sse às aspirações <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong> <strong>de</strong> Judite.<br />
Possivelmente, esses conteúdos não apresentavam vestígios <strong>de</strong> ligação com o seu mundo<br />
vivido e com a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero, como argumenta Tozoni-Reis (2002, p. 83).<br />
[...] os conteúdos <strong>de</strong> ensino que veicula essa escola e que são muito<br />
diferentes da vida cotidiana dos alunos das classes populares, mais do que<br />
serem instrumentos <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> conhecimentos produzidos<br />
socialmente, são instrumentos que esvaziam as funções <strong>de</strong> formação humana<br />
crítica e reflexiva para promover o ensino da or<strong>de</strong>m, da disciplina e da<br />
submissão.<br />
Da compreensão acerca das consequências negativas que se po<strong>de</strong>m provocar, quando<br />
se distancia a escola do mundo da vida dos seus educandos, foi que Alheit e Dausien (2007)<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ram uma mudança radical no ato educativo. Eles alegam que, se o objetivo da<br />
educação é favorecer o encurtamento <strong>de</strong> distâncias entre os sujeitos e a emancipação humana,<br />
o ato educativo, nos seus mol<strong>de</strong>s tradicionais, <strong>de</strong>ve ser modificado.
Os fatores que <strong>de</strong>vem orientar a ação educativa não são mais, há muito<br />
tempo, o caráter operatório do ensino, a eficácia das estratégias didáticas e o<br />
conteúdo dos currículos formais, massa situação e as condições dos<br />
apren<strong>de</strong>ntes (Bentley, 1998) e a consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> seus ambientes <strong>de</strong><br />
aprendizagem não formal e informal (ALHEIT E DAUSIEN, 2007, p.19).<br />
Entre esses fatores, <strong>de</strong>vem estar consi<strong>de</strong>rados aqueles ligados à realida<strong>de</strong> específica <strong>de</strong><br />
cada gênero, uma vez que [...] los entornos <strong>de</strong> acción concretos<br />
a ação educativa se <strong>de</strong>senvolve) son siempre también «entornos <strong>de</strong> género»<br />
DAUSIEN, 2007, p.40).<br />
(nesse caso, a escola on<strong>de</strong><br />
(ALHEIT E<br />
A narrativa seguinte revela a ausência <strong>de</strong> uma trajetória escolar na biografia da<br />
encarcerada em questão. Para narrar essa experiência escolar não-vivida, Madalena recorreu<br />
ao saber <strong>de</strong> fundo biográfico 49 .<br />
Nem quando eu era pequena, eu acho que eu nunca estu<strong>de</strong>i não. Eu não me<br />
lembro não ter estudado não. Lembro que eu fumei um baseado com 10<br />
anos, mas que estu<strong>de</strong>i não. [...] Eu sou louca ainda pra apren<strong>de</strong>r. Louca,<br />
louca, louca! A menina botou meu nome pra estudar à noite. [...]. Eita! Eu<br />
começo hoje a estudar! Eu não tava nem me lembrando. Hoje não é segunda<br />
né? É hoje. Eu vou estudar <strong>de</strong> noite, [...]. Tu acha que eu aprendo ainda?<br />
Ou mulher, eu queria tanto apren<strong>de</strong>r, mas chega me dá dor <strong>de</strong> cabeça<br />
quando eu imagino que eu não sei. (risos). Olhe, no dia que eu apren<strong>de</strong>r a<br />
ler eu vou fazer uma oração, vou pegar uma folha e vou copiar um louvor<br />
pra mim. Eu vou criar um louvor e vou fazer uma carta bem bonita pro juiz.<br />
O que eu tenho mais vonta<strong>de</strong> é <strong>de</strong> fazer a minha carta. (MADALENA).<br />
Descobre-se, portanto, uma espécie <strong>de</strong> angústia sentida por Madalena por não saber ler<br />
e escrever. Por outro lado, percebem-se repetidas afirmações sobre o <strong>de</strong>sejo que ela sente <strong>de</strong><br />
apren<strong>de</strong>r, motivada por alguns interesses e/ou aspirações, como: escrever as próprias cartas<br />
para o namorado, expressando o seu amor, escrever para o juiz, solicitando a atenção <strong>de</strong>vida<br />
para o seu caso, escrever a sua própria oração a Deus, agra<strong>de</strong>cendo ou pedindo por alguma<br />
intenção etc.<br />
49 [ ]: son representadas como saber <strong>de</strong> fondo biográfico aquellas experiencias que no se incluyen en la<br />
«línea» <strong>de</strong> la reconstrucción biográfica, experiencias y aspectos contradictorios y resistentes <strong>de</strong> la vida «no<br />
vivenciada». son representadas como saber <strong>de</strong> fondo biográfico aquellas experiencias que no se incluyen en la<br />
«línea» <strong>de</strong> la reconstrucción biográfica, experiencias y aspectos contradictorios y resistentes <strong>de</strong> la vida «no<br />
vivenciada» (ALHEITe DAUSIEN, 2007, p.43).
As intenções e os interesses <strong>de</strong> Madalena pela aprendizagem das letras, apesar <strong>de</strong><br />
serem semelhantes aos <strong>de</strong> muitos sujeitos que também ainda não foram alfabetizados,<br />
divergem do ponto <strong>de</strong> vista do direcionamento dado à aprendizagem. Em relação a esse<br />
aspecto, Prestes (2005, p. 05) adverte: Esses estados intencionais, evi<strong>de</strong>ntemente, não<br />
possuem o mesmo conteúdo para todos os indivíduos. Os <strong>de</strong>sejos e intenções variam segundo<br />
a ida<strong>de</strong>, o espaço on<strong>de</strong> vive o gênero, a ocupação, as formas <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> .<br />
É, portanto, da situação <strong>de</strong> vida concreta, fundamentada na biografia particular <strong>de</strong> cada<br />
um, que se <strong>de</strong>finem os interesses <strong>de</strong> aprendizagem dos sujeitos. No caso <strong>de</strong> Madalena, o<br />
interesse em se alfabetizar se dá também em função do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ter a sua vida modificada,<br />
<strong>de</strong>ntro do contexto em que atualmente vive - o presídio. A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escrever as<br />
próprias cartas, como contou, possibilitaria novas competências e maior autonomia, sendo<br />
isso indicadores <strong>de</strong> modificação da vida.<br />
A quinta entrevistada <strong>de</strong>stacou, em sua narrativa, o fato <strong>de</strong> sua experiência escolar ter<br />
sido vivida junto com outra experiência biográfica (o trabalho), consi<strong>de</strong>rada, do seu ponto <strong>de</strong><br />
vista, como mais <strong>de</strong>cisiva em sua vida. Percebe-se, portanto, uma trajetória escolar marcada<br />
pela superação das dificulda<strong>de</strong>s que a vida lhe apresentou nas diferentes etapas da<br />
escolarização.<br />
A gente tinha meio dia pra trabalhar e meio dia pra estudar. Nós<br />
estudávamos <strong>de</strong> manhã, eu e o meu outro irmão - das sete da manhã até às<br />
onze da manhã, íamos pra casa, tomava banho, almoçava e íamos pra roça<br />
trabalhar. E ainda quando chegávamos em casa a gente tinha por<br />
obrigação tomar um banho, jantar, escovar os <strong>de</strong>ntes direitinho e ir pra<br />
mesa fazer a lição pra no dia seguinte irmos pra escola. Isso quando nós<br />
chegávamos da roça. Vamos dizer que amanhã tinha prova, hoje a gente só<br />
dormia <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> estudar, porque a primeira coisa <strong>de</strong>pois da aula era ir pra<br />
roça. Minha mãe dizia: Eu não estu<strong>de</strong>i, mas eu quero que vocês estu<strong>de</strong>m.<br />
Não quero que vocês sofram amanhã como eu sofro hoje , essas coisas. Lá<br />
no Paraná eu estu<strong>de</strong>i dos sete anos aos treze. Vim pra São Paulo eu<br />
trabalhava o dia todo, corria pra casa, tomava banho e estudava a noite,<br />
das 7h as 11h da noite. Eu vim fazer a 6ª,7ª e 8ª série em São Paulo. (LIA).<br />
Além <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciada, na trajetória escolar <strong>de</strong> Lia, a superação das dificulda<strong>de</strong>s -<br />
ligadas às experiências <strong>de</strong> trabalho vividas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância, que po<strong>de</strong>riam ter motivado o<br />
abandono dos estudos muito cedo - evi<strong>de</strong>nciou-se também a superação <strong>de</strong> problemas ligados à<br />
migração, experiência que ela viveu durante a sua trajetória escolar na transição da 5ª para a<br />
6ª série do Ensino Fundamental.
A condição <strong>de</strong> migrante <strong>de</strong> Lia, em um contexto bem diferente do que viveu na<br />
infância 50 , po<strong>de</strong>ria ter contribuído com o seu fracasso escolar no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> sua trajetória.<br />
Isso, no entanto, não ocorreu.<br />
Uma razão explicativa para esse fenômeno parece residir na participação frequente da<br />
mãe da entrevistada no seu processo <strong>de</strong> escolarização. Essa participação, não muito comum<br />
entre as famílias <strong>de</strong> baixas condições econômicas, como a <strong>de</strong> Lia, vem sendo interpretada por<br />
alguns estudiosos como um dos motivos que levam ao sucesso escolar dos educandos, mesmo<br />
em contextos <strong>de</strong> vida precários, do ponto do vista socioeconômico.<br />
A importância da participação dos pais na vida escolar dos filhos tem<br />
apresentado um papel importante no <strong>de</strong>sempenho escolar. O diálogo entre a<br />
família e a escola, ten<strong>de</strong> a colaborar para um equilíbrio no <strong>de</strong>sempenho<br />
escolar, o que é possível consi<strong>de</strong>rar que a criança e os pais trazem consigo<br />
uma ligação íntima com o <strong>de</strong>sempenho. (CHECHIA e ANDRADE, 2002,<br />
p.01).<br />
Embora não tenhamos nos aprofundado na complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse assunto, consi<strong>de</strong>ramos<br />
importante ressaltar que, <strong>de</strong> outro lado, outros estudiosos alegam que <strong>de</strong>legar à família a<br />
responsabilização pelo sucesso escolar do filho representa uma tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>scaracterizar a<br />
função da escola e dos seus educadores, responsáveis diretos pela aprendizagem dos<br />
educandos.<br />
Em resumo, constatamos, nas narrativas das entrevistadas, trajetórias escolares<br />
<strong>de</strong>ficitárias, marcadas pela <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> ou interrupção prematura do processo <strong>de</strong><br />
escolarização, por causa da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar; pela combinação <strong>de</strong>sse processo com<br />
outras experiências em outros domínios da vida (trabalho, família); pelo prosseguimento dos<br />
estudos, mesmo diante das dificulda<strong>de</strong>s surgidas no percurso da vida, e até pela própria não-<br />
vivência <strong>de</strong> experiências escolares no contexto da biografia.<br />
50 Lia conta que, enquanto vivia no Paraná, morava no campo, e que, com treze anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, foi morar em São<br />
Paulo, uma metrópole, contextos bem diferenciados.
5 (IN) CONCLUSÃO<br />
Esta dissertação <strong>de</strong> Mestrado teve como categoria básica <strong>de</strong> análise as vivências e os<br />
processos <strong>de</strong> aprendizagem. Constituiu a preocupação primária <strong>de</strong> análise saber como se<br />
revelam, nas narrativas das <strong>biografias</strong> <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>, as suas <strong>aprendizagens</strong> ao<br />
longo da vida: quais foram as <strong>aprendizagens</strong> vividas por essas pessoas, cujos conteúdos<br />
revelados nas suas narrativas foram capazes <strong>de</strong> contribuir com a aproximação a mundos <strong>de</strong><br />
vida ligados à criminalida<strong>de</strong> e ao cárcere, e que tipos <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong> não vividas fazem<br />
parte das suas narrativas?<br />
Essas questões básicas tiveram como eixos específicos <strong>de</strong> análises das trajetórias <strong>de</strong><br />
aprendizagem as categorias: família, trabalho e escola, lócus on<strong>de</strong>, supostamente, ocorrem os<br />
mais intensos processos <strong>de</strong> experiência - sejam eles os vividos ou os não vividos. Não<br />
negamos que as experiências e as <strong>aprendizagens</strong> vividas em outros domínios, como o da<br />
sexualida<strong>de</strong> e o do próprio encarceramento, favoreceram (ou não) as construções das<br />
<strong>biografias</strong> dos indivíduos - nesse caso, em particular, os das <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>. Por isso,<br />
ainda que não tenhamos aprofundado a análise nesses domínios, realizamos algumas reflexões<br />
a respeito <strong>de</strong>les.<br />
Outro aspecto que nos chamou à atenção foi o fato <strong>de</strong> que, no estudo, ainda que<br />
tenhamos trabalhado com <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>, representando o fenômeno constante, outros<br />
fenômenos mais contingenciais, como ida<strong>de</strong>, naturalida<strong>de</strong>, estado civil etc, significaram<br />
variáveis utilizadas para verificar a capacida<strong>de</strong> que tinham <strong>de</strong> oferecer influência com maior<br />
ou menor intensida<strong>de</strong> a variável principal: os processos <strong>de</strong> aprendizagem que conduziram à<br />
<strong>de</strong>linquência e ao encarceramento. A i<strong>de</strong>ia foi a <strong>de</strong> perceber a recorrência do fenômeno<br />
investigado sob diferentes vertentes, ou seja, observando-se as diferenças ou semelhanças<br />
entre as <strong>aprendizagens</strong> adquiridas pelas <strong>encarceradas</strong> e as suas implicações segundo esses<br />
critérios. Por isso, a seleção das <strong>mulheres</strong> entrevistadas neste estudo levou em consi<strong>de</strong>ração a<br />
ida<strong>de</strong>, a escolarida<strong>de</strong>, a naturalida<strong>de</strong>, as experiências <strong>de</strong> trabalho anterior à prisão e o <strong>de</strong>lito<br />
cometido.<br />
As primeiras sínteses conclusivas apoiadas nesses dados e relativas ao objeto do<br />
estudo foi a <strong>de</strong> que parecem existir poucas diferenças entre essas várias <strong>mulheres</strong> objetos <strong>de</strong><br />
estudo, no que diz respeito ao mundo vivido, às condições socioeconômicas, às experiências<br />
culturais, sexual-amorosas, educativas e <strong>de</strong> trabalho. Segundo as suas narrativas, parece que<br />
as <strong>aprendizagens</strong>, nos aspectos subjetivos, também se assemelharam, no plano do coletivo,<br />
ainda quando possam ter se diferenciado nas especificida<strong>de</strong>s do sujeito.
Em relação ao eixo específico<br />
família - que serviu <strong>de</strong> análise das trajetórias das<br />
<strong>aprendizagens</strong> das <strong>encarceradas</strong>, fomos guiadas por indagações como: Que tipos <strong>de</strong><br />
<strong>aprendizagens</strong> foram produzidos nos contextos familiares <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong>? Como essas<br />
<strong>aprendizagens</strong> foram adquiridas e assimiladas subjetivamente por essas <strong>mulheres</strong> e, <strong>de</strong>pois,<br />
aplicadas nos diferentes processos <strong>de</strong> vivências?<br />
A ausência do pai foi um fator que se <strong>de</strong>stacou em todos os casos narrados. Em geral,<br />
essas <strong>mulheres</strong> não conheciam quem era seu pai ou ele tinha abandonado a casa quando elas<br />
ainda eram crianças, ou já haviam morrido. Também a ausência da mãe, ocorrência menor, foi<br />
um fenômeno que pareceu ter contribuído para que a vida <strong>de</strong>las tivesse tomado rumos<br />
diferentes dos quais <strong>de</strong>sejavam. Fora as ausências, havia os excessos e as situações <strong>de</strong><br />
constantes mutabilida<strong>de</strong>s: excesso <strong>de</strong> parentes convivendo numa mesma casa, sob a proteção<br />
da avó; mãe solteiras cuidando dos filhos, <strong>de</strong>ntro do próprio ambiente <strong>de</strong> trabalho; mães<br />
viúvas, migradas <strong>de</strong> outras cida<strong>de</strong>s, etc. Todos esses acontecimentos e processos foram<br />
narrados pelas entrevistadas como prepon<strong>de</strong>rantes para a aquisição e a assimilação das<br />
<strong>aprendizagens</strong> e para a condução do domínio da vida, concretizando os processos <strong>de</strong><br />
<strong>aprendizagens</strong> implícitas 51 e biográficas 52 , <strong>de</strong>fendidos por Alheit e Dausien (2007).<br />
No primeiro caso, a ênfase é dada à apropriação subjetiva da aprendizagem adquirida,<br />
através das experiências vividas no interior ou no exterior das instituições, como a família,<br />
por exemplo. Já no segundo, essa apropriação ocorre na comunicação e na interação com os<br />
outros, ou seja, na relação com um contexto social, não se <strong>de</strong>senvolvendo [...] solamente <strong>de</strong><br />
manera interna al individuo, [...]<br />
aprendizagem biográfica .<br />
(ALHEIT & DAUSIEN, 2007, p.27). É a chamada<br />
Assim, o fato <strong>de</strong> algumas das <strong>mulheres</strong> não terem tido a presença <strong>de</strong> suas mães no<br />
processo <strong>de</strong> socialização das primeiras experiências <strong>de</strong> vida, no contexto familiar,<br />
51 A través <strong>de</strong> los procesos <strong>de</strong> aprendizaje implícito que se <strong>de</strong>sarrollan tras el comienzo <strong>de</strong> la vida tanto en el<br />
interior como en el exterior <strong>de</strong> las instituciones, no son sólo los elementos singulares <strong>de</strong> la experiencia los que<br />
son asimilados como componentes <strong>de</strong>l mundo social, sino también el «sistema <strong>de</strong> asimilación» mismo que se ha<br />
<strong>de</strong>sarrollado. Se trata aquí <strong>de</strong> la formación <strong>de</strong> estructuras superor<strong>de</strong>nadas y generativas <strong>de</strong> la acción y <strong>de</strong>l<br />
saber, que, según las opciones teóricas, pue<strong>de</strong>n ser interpretadas como estructuras <strong>de</strong> adquisición y <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> las «disposiciones <strong>de</strong> aprendizaje» (FIELD, 2000), estructuras cognitivas en el sentido <strong>de</strong> Piaget,<br />
«sistema emocional <strong>de</strong> orientación» (MADER, 1997), formación <strong>de</strong>l habitus (BOURDIEU, 1987) o<br />
construcción <strong>de</strong>l sistema <strong>de</strong> referencias <strong>de</strong>l sí y <strong>de</strong>l mundo (MAROTZKI, 1990). (ALHEIT e DAUSIEN, 2007,<br />
p.27).<br />
52 El aprendizaje biográfico está ligado a los mundos <strong>de</strong> vida, que bajo ciertas condiciones pue<strong>de</strong>n ser<br />
igualmente analizados como «ambientes» o «medios» <strong>de</strong> aprendizaje. Las nociones <strong>de</strong> aprendizaje experiencial,<br />
<strong>de</strong> aprendizaje en el mundo <strong>de</strong> vida o <strong>de</strong> aprendizaje contextual dan cuenta <strong>de</strong> esse aspecto <strong>de</strong>l Lifelong<br />
Learning, a saber, cómo se relaciona la atención respecto <strong>de</strong> la asociación y la configuración <strong>de</strong> los ambientes<br />
<strong>de</strong> aprendizaje (DOHMEN, 1998, apud, ALHEIT E DAUSIEN, 2007, p.27).
possivelmente lhes propiciou indagações, ou processos reflexivos , como dizem os autores,<br />
favoráveis à assimilação subjetiva <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong>. Aí se percebe o processo da<br />
aprendizagem implícita e, como conseqüência, a [...] construcción <strong>de</strong>l sistema <strong>de</strong><br />
referencias <strong>de</strong>l sí y <strong>de</strong>l mundo (MAROTZKI, 1990, apud, ALHEIT & DAUSIEN, 2007,<br />
p.27).<br />
A ausência da mãe <strong>de</strong>monstra as possibilida<strong>de</strong>s do não-vivido na construção <strong>de</strong><br />
<strong>biografias</strong> <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong>. Assim, as disposições e/ou as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r das<br />
pessoas que não vivenciam experiências <strong>de</strong>sejadas, mas que as consi<strong>de</strong>ram importantes para<br />
os direcionamentos <strong>de</strong> suas <strong>biografias</strong>, também estão abertas. Aliás, mais do que disposições e<br />
possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong>, Alheit e Dausien (2007) compreen<strong>de</strong>m que a não negação <strong>de</strong><br />
uma realida<strong>de</strong> contraditória, durante uma narrativa, significa que o saber <strong>de</strong> fundo<br />
biográfico permanece reflexivamente disponível para a tomada <strong>de</strong> ações. Os autores alegam<br />
que Con ello surge un potencial <strong>de</strong> acción: la posibilidad para «procesos <strong>de</strong> aprendizaje<br />
que permitan transiciones» (Alheit 1993b) y modificaciones <strong>de</strong> la propia biografia<br />
(ALHEIT E DAUSIEN, 2007, p.47).<br />
Por fim, é possível que as experiências <strong>de</strong> socialização não-vividas, no âmbito da<br />
família, e o potencial <strong>de</strong> ação do saber <strong>de</strong> fundo biográfico favorecido tenham direcionado<br />
as suas <strong>biografias</strong> para mundos <strong>de</strong> vida ligados ao crime. Nesse sentido, o caráter não<br />
emancipatório <strong>de</strong>sse potencial <strong>de</strong> ação nas <strong>biografias</strong> das <strong>encarceradas</strong> saiu reforçado.<br />
O segundo eixo específico <strong>de</strong> análise nos proporcionou conhecer os tipos <strong>de</strong><br />
<strong>aprendizagens</strong> produzidos nos contextos <strong>de</strong> experiências <strong>de</strong> trabalho vividas e/ou não vividas<br />
e como essas <strong>aprendizagens</strong> foram assimiladas e aplicadas nos processos <strong>de</strong> vida.<br />
A inserção precária no mundo do trabalho foi o fato que mais se <strong>de</strong>stacou nas<br />
narrativas biográficas. Em todos os casos narrados, vimos prevalecerem experiências <strong>de</strong><br />
trabalhos consi<strong>de</strong>rados <strong>de</strong> baixa valorização social, realizados sem nenhuma proteção da<br />
socieda<strong>de</strong>, com elevadas cargas horárias e rendimentos baixos. Foi possível também perceber,<br />
através <strong>de</strong>ssas narrativas, que as experiências <strong>de</strong> trabalho das <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>, quando<br />
estavam em liberda<strong>de</strong>, eram reproduções daquelas já <strong>de</strong>senvolvidas por pessoas <strong>de</strong> referência<br />
da família: mãe, avós, entre outras. Convém ressaltar que quase todas elas vivenciaram<br />
experiências <strong>de</strong> trabalho infantil e tiveram precários processos educacionais formais.<br />
A combinação das experiências <strong>de</strong> trabalho com outras experiências, como por<br />
exemplo, trabalho e escolarização, trabalho e criação dos filhos, trabalho e casamento,<br />
apareceu <strong>de</strong> maneira muito frequente nas narrativas biográficas, mesmo que existindo<br />
rupturas. Nesses casos, as <strong>mulheres</strong>, por diferentes circunstâncias, tiveram que optar pelo
trabalho em <strong>de</strong>trimento da escolarização. Em outros momentos, quando a opção colocava em<br />
cheque o casamento ou a criação dos filhos, o trabalho ficava em último plano. Em algumas<br />
narrativas, foi contado que, quando se separavam do companheiro, era preciso retomar<br />
algumas ativida<strong>de</strong>s que lhes propiciassem alguma compensação financeira. Essas ativida<strong>de</strong>s,<br />
entretanto, nem sempre eram consi<strong>de</strong>radas legais e socialmente aceitáveis 53 .<br />
Se, <strong>de</strong> um lado, a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dados fornecidos por essas <strong>mulheres</strong> em suas<br />
narrativas auxiliou para a i<strong>de</strong>ntificação das <strong>aprendizagens</strong> que, possivelmente, contribuíram<br />
para direcionar suas <strong>biografias</strong> a mundos <strong>de</strong> vida ligados ao crime, <strong>de</strong> outro, apresentaram<br />
características muito comuns ao que tem sido divulgado na literatura sobre as populações<br />
femininas <strong>de</strong> classes pobres, mesmo quando as evidências <strong>de</strong>monstram existir uma relação<br />
direta entre <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong> e nível socioeconômico baixo.<br />
Ainda quando esse fator seja consi<strong>de</strong>rado condição prepon<strong>de</strong>rante para os crimes<br />
comumente encontrados nos cárceres femininos - furtos e tráfico <strong>de</strong> drogas - pergunta-se: Que<br />
fatores contribuem para que <strong>mulheres</strong> pertencentes às classes pobres, que vivenciam<br />
processos <strong>de</strong> experiências <strong>de</strong> trabalho socialmente <strong>de</strong>sprestigiados e situações <strong>de</strong><br />
marginalida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> exclusão, não envere<strong>de</strong>m pelo mundo do crime? Nesse sentido, o trabalho<br />
seria apenas uma variável explicativa para o fenômeno da criminalida<strong>de</strong> entre as <strong>mulheres</strong>,<br />
mas não se po<strong>de</strong> dizer que ele seria a sua principal causa.<br />
A análise das trajetórias <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong>, através do terceiro e último eixo <strong>de</strong> análise<br />
- a escola - foi guiada pelas seguintes questões: Como se <strong>de</strong>senvolveram as <strong>aprendizagens</strong> das<br />
investigadas no processo <strong>de</strong> escolarização? Que experiências foram vividas e/ou não vividas<br />
nesse processo? Como essas experiências <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong> escolares vividas (ou não) foram<br />
assimiladas subjetivamente e <strong>de</strong>pois aplicadas nos diferentes processos <strong>de</strong> vivências?<br />
As narrativas apontaram que, das cinco entrevistadas, uma era analfabeta (não tinha<br />
vivido processo algum <strong>de</strong> escolarização); duas não tinham completado o Ensino Fundamental<br />
(tiveram poucas experiências <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong> na escola); uma havia completado esse nível<br />
<strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong>, e outra cursara o Ensino Médio, mas não o concluiu.<br />
A experiência da reprovação escolar foi constatada em todas as narrativas das<br />
participantes da pesquisa que haviam cursado o nível fundamental (completo ou incompleto).<br />
A frequência com a qual essa experiência ocorreu, durante a trajetória escolar <strong>de</strong> duas<br />
entrevistadas (as mais jovens da amostra), ficou evi<strong>de</strong>nte em suas narrativas. Entre essas<br />
53 Tráfico <strong>de</strong> drogas e roubos, furtos simples a pessoas que pareciam ter boas condições socioeconômicas, ou em<br />
estabelecimentos comerciais, foram consi<strong>de</strong>rados trabalhos por algumas <strong>encarceradas</strong>.
mesmas <strong>mulheres</strong>, vimos também <strong>de</strong>monstrações <strong>de</strong> <strong>de</strong>sinteresse pela escola, <strong>de</strong>vido à<br />
ausência <strong>de</strong> sentido que foi atribuída à vida.<br />
Outro aspecto importante foi verificado em dois casos narrados: experiências <strong>de</strong><br />
perseverança em relação aos processos escolares, vivenciadoas por Isabel e Lia, ainda que<br />
tivessem sendo vividas experiências <strong>de</strong> fracasso escolar e <strong>de</strong> trabalho. Nesse sentido, uma<br />
constatação muito frequente foi o fato <strong>de</strong> as interrupções ou o abandono da escola terem sido<br />
causados em <strong>de</strong>trimento da opção ou necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver outras experiências, ligadas à<br />
maternida<strong>de</strong>, ao trabalho e à relação amorosa, por exemplo. A experiência não-vivida em<br />
processos escolares também foi uma constatação nesse eixo <strong>de</strong> análise.<br />
Há que se registrar que, embora a literatura indique que a escola é um importante<br />
espaço <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> ampliação das oportunida<strong>de</strong>s para os sujeitos e que tenhamos<br />
<strong>de</strong>fendido a hipótese <strong>de</strong> que, através <strong>de</strong>la, haveria menos possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> essas <strong>mulheres</strong> se<br />
envolverem com ativida<strong>de</strong>s criminosas, não parece, em uma primeira visão, que ela contribuiu<br />
para lhes propiciar uma trajetória <strong>de</strong> vida diferenciada, em que as suas construções biográficas<br />
se afastassem <strong>de</strong> mundos <strong>de</strong> vida ligados à criminalida<strong>de</strong>.<br />
Não se po<strong>de</strong>, entretanto, sustentar essa afirmação, consi<strong>de</strong>rando que todas as <strong>mulheres</strong><br />
entrevistadas são <strong>de</strong>tentoras <strong>de</strong> baixa escolarida<strong>de</strong>. Isso nos permite refletir as consequências<br />
do não-vivido, ou seja: Até que ponto a escola po<strong>de</strong>ria ter possibilitado novas condições <strong>de</strong><br />
sociabilida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> ampliações <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s capazes <strong>de</strong> afastar essas <strong>mulheres</strong> da<br />
criminalida<strong>de</strong>?<br />
Se, <strong>de</strong> um lado, a variável família aparece como a suposta principal causa do tipo <strong>de</strong><br />
história <strong>de</strong> vida que conduziu as investigadas à criminalida<strong>de</strong>, há que se consi<strong>de</strong>rar, em<br />
contrapartida, o próprio tipo <strong>de</strong> família que serviu <strong>de</strong> referência para a construção <strong>de</strong> suas<br />
<strong>biografias</strong><br />
cujas marcas são também a ausência da escolarida<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />
trabalhos precários e a vivência <strong>de</strong> outras experiências em um mundo circulado e produzido<br />
pela pobreza e pela marginalida<strong>de</strong>. Nesse sentido, a escola po<strong>de</strong>ria ser compreendida como o<br />
caminho que propicia outro tipo <strong>de</strong> vida a essas pessoas e a construção <strong>de</strong> <strong>biografias</strong><br />
diferentes.<br />
A continuação do estudo sobre essas mesmas <strong>mulheres</strong>, do ponto <strong>de</strong> vista do<br />
encarceramento, e outras localizadas em contextos <strong>de</strong> vida semelhantes (do ponto <strong>de</strong> vista das<br />
vivências sociais, econômicas, culturais, etc.) àqueles em que as <strong>encarceradas</strong> construíram<br />
suas <strong>biografias</strong>, mas que, no entanto, não partiram para a criminalida<strong>de</strong>, é o que nos <strong>de</strong>safia<br />
para o futuro. A i<strong>de</strong>ia é estabelecer comparações e testar hipóteses sobre o que leva um grupo<br />
a enveredar neste mundo, enquanto o outro não o faz.
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VERGARA, F. O perfil sócio-<strong>de</strong>mográfico da mulher criminosa em Marília (1990 -1997).<br />
1998. Monografia (Bacharelado em Ciências Sociais) - Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia e Ciências,<br />
Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista, Marília, 1998.<br />
WERTHEIN, Jorge; CUNHA, Célio da. A UNESCO e as novas perspectivas para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento do ensino superior. Publ: 2000; 17 p<br />
ZARCO, Carlos. Educacion, ciudadania, <strong>de</strong>rechos humanos y participacion <strong>de</strong> las<br />
personas jovenes y adultas. In: UNESCO. La Educacion <strong>de</strong> Personas Jovenes y Adultas en<br />
America Latina y El Caribe: priorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> accin en el siglo 21. Santiago <strong>de</strong> Chile, Mayo,<br />
2000.
ANEXO<br />
(Levantamento <strong>de</strong> dissertações e teses por área acadêmica sobre os assuntos: criminalida<strong>de</strong><br />
feminina, mulher prisioneira, <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>, prisão feminina etc.; realizado no site da<br />
CAPES).
ASSUNTO = CRIMINALIDADE FEMININA ÁREA: SAÚDE<br />
Alessandra <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> Rinald. A sexualização do crime no Brasil: um estudo sobre<br />
criminalida<strong>de</strong> feminina no contexto <strong>de</strong> relações amorosas (1890-1940) - 01/05/2004<br />
Doutorado. Universida<strong>de</strong> do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro - SAÚDE COLETIVA<br />
Angélica Espinosa Barbosa Miranda. Doenças sexualmente transmissíveis na<br />
Penitenciária Feminina do Espírito Santo: prevalência, perfil clínico e fatores <strong>de</strong> risco. -<br />
01/10/1998 Mestrado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Espírito Santo - DOENÇAS INFECCIOSAS<br />
E PARASITÁRIAS.<br />
Denise da Rocha Tourinho. Sexo seguro na prisão: por que não? Fatores psicossociais,<br />
culturais e institucionais do uso/não uso do preservativo, em duas unida<strong>de</strong>s prisionais <strong>de</strong><br />
Salvador-Bahia. - 01/11/2003 (assunto: prisão feminina) Doutorado. UNIVERSIDADE<br />
FEDERAL DA BAHIA - SAÚDE COLETIVA<br />
Eric Bassetti Soares. Estudo clínico, epi<strong>de</strong>miológico, laboratorial e <strong>de</strong> histologia hepática<br />
em doadoras <strong>de</strong> sangue da fundação hemominas com sorologia positiva para o vírus da<br />
hepatite c e sua soroprevalênica entre seus familiares. - 01/12/1999 (assunto: <strong>mulheres</strong><br />
<strong>encarceradas</strong>) Mestrado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais - MEDICINA<br />
(GASTROENTEROLOGIA)<br />
Erika <strong>de</strong> Freitas Roldão. Estudo farmacoquímico <strong>de</strong> cordia verbenaceae dc.<br />
(BORAGINACEAE) - 01/09/2006 (assunto: prisão feminina) Mestrado. Universida<strong>de</strong><br />
Estadual Paulista Júlio <strong>de</strong> Mesquita Filho/Botucatu - CIÊNCIAS BIOLÓGICAS<br />
(FARMACOLOGIA)<br />
José Ricardo Pio Marins. Soroprevalencia da infecção por HIV em população carcerária.<br />
- 01/11/1996 (assunto: <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>) Mestrado. Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong><br />
Campinas - SAUDE COLETIVA<br />
Karla Mathias <strong>de</strong> Almeida. Metáforas <strong>de</strong> uma pena capital - um estudo sobre a<br />
experiência prisional e suas relações com a saú<strong>de</strong> mental <strong>de</strong> presidiárias. - 01/12/1998<br />
(assunto: <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>) Mestrado. UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA -<br />
SAÚDE COLETIVA<br />
Luiza Emylce Pela Rosado Schmaltz. Perfil <strong>de</strong> risco para aquisição da infecção pelo HIV<br />
em <strong>mulheres</strong> na fase reprodutiva: Hospital Materno Infantil, Goiânia, Goiás -<br />
01/12/2004 (assunto: <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>) Mestrado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Goiás -<br />
MEDICINA TROPICAL
Maira Di Ciero Miranda Vieira. Velhice feminina no asilo: do imaginário ao real -<br />
01/04/2001 (assunto: prisão feminina) Doutorado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Ceará<br />
ENFERMAGEM.<br />
Márcia <strong>de</strong> Lima. Da visita íntima à intimida<strong>de</strong> da visita: a mulher no sistema prisional -<br />
01/10/2006 (assunto: <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>) Mestrado. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo -<br />
SAÚDE PÚBLICA<br />
Márcia Lazaro Carvalho. Sistema prisional e drogas: interfaces em uma socieda<strong>de</strong><br />
violenta - 01/03/2003 (assunto: prisão feminina). Doutorado. Universida<strong>de</strong> do Estado do<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro - SAÚDE COLETIVA<br />
Maria Lúcia Duarte Pereira. A (re) invenção da sexualida<strong>de</strong> feminina após infecção pelo<br />
HIV - 01/05/2001 (assunto: <strong>mulheres</strong> prisioneiras) Doutorado. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo -<br />
ENFERMAGEM<br />
Marizete Me<strong>de</strong>iros da Costa Ferreira. Infecção pelos retrovírus HIV-1, HTLV-I e HTLV-<br />
II na população feminina da Penitenciária do Estado <strong>de</strong> São Paulo - Prevalência, fatores<br />
<strong>de</strong> risco e conhecimento <strong>de</strong> risco - 01/11/1997 (assunto: prisão feminina) Doutorado.<br />
Universida<strong>de</strong> se São Paulo - SAÚDE PÚBLICA<br />
Mauro Nogueira Cardoso. Projeto Aju<strong>de</strong> Brasil II: incidência <strong>de</strong> Aids e mortalida<strong>de</strong> em<br />
usuários <strong>de</strong> drogas injetáveis - 01/03/2005 (assunto: <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>) Mestrado.<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral De Minas Gerais - SAÚDE PÚBLICA<br />
Paulo Augusto Costivelli <strong>de</strong> Moraes. Saú<strong>de</strong> mental e religião em <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>:<br />
um estudo epi<strong>de</strong>miológico e <strong>de</strong> Psiquiatria Cultural. - 01/02/2006 Mestrado. Universida<strong>de</strong><br />
Estadual <strong>de</strong> Campinas - CIÊNCIAS MÉDICAS<br />
Rosângela Cortes Araujo. Agência Goiana do Sistema Prisional: estudo das condições<br />
socio<strong>de</strong>mográficas e comportamentais <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>tentos, relacionados à<br />
vulnerabilida<strong>de</strong> ao vírus HIV - 01/08/2006 (assunto: prisão feminina). Mestrado.<br />
Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Goiás - CIÊNCIAS AMBIENTAIS E SAÚDE<br />
Viebig Guilherme Ricardo. Estudo eletromanométrico do retossigmoi<strong>de</strong> na diverticulose<br />
colica: implicações quanto à localizacao, diverticulite prévia e hábito intestinal. -<br />
01/04/1993 (assunto: prisão feminina). Mestrado. Inst. Brasileiro <strong>de</strong> Estudos e Pesquisas<br />
Gastroenterologia - MEDICINA (GASTROENTEROLOGIA)
ASSUNTO = CRIMINALIDADE FEMININA ÁREA: DIREITO<br />
Berna<strong>de</strong>the Motta Moser. A questão da violência <strong>de</strong> gênero no contexto doméstico no<br />
âmbito dos juizados especiais criminais - 01/02/2004 Mestrado. UNIVERSIDADE<br />
ESTÁCIO DE SÁ DIREITO<br />
Carla Maria Petersen Herrlein Voegeli. Criminalida<strong>de</strong> e violência no mundo feminino -<br />
01/06/2001 Mestrado. Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul - CIÊNCIAS<br />
CRIMINAIS<br />
Elza Roxana Alvares Saldanha. Infanticidio e aborto - um estudo da sociologia do direito<br />
penal com referência à criminalida<strong>de</strong> feminina. - 01/09/1991 Mestrado. Universida<strong>de</strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Pernambuco DIREITO<br />
Yordan Moreira Delgado. A finalida<strong>de</strong> preventiva e socializadora da pena como<br />
expressão dos direitos humanos. - 01/12/2002 (assunto: prisão feminina) Mestrado.<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito De Campos - DIREITO<br />
Guilma Olga Espinoza Mavila. "A mulher encarcerada face ao po<strong>de</strong>r punitivo: o direito<br />
ao trabalho em uma prisão feminina" (assunto: prisão feminina) Mestrado. Universida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> São Paulo DIREITO<br />
Patrícia Maria Dusek. A criminalização por drogas numa perspectiva <strong>de</strong> gênero -<br />
01/09/2002. Mestrado. Universida<strong>de</strong> Cândido Men<strong>de</strong>s DIREITO<br />
Rachel Carvalho Pereira S. S. Dias. A maternida<strong>de</strong> na prisão - 01/11/2003 (assunto:<br />
<strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>) Mestrado. Universida<strong>de</strong> Cândido Men<strong>de</strong>s DIREITO<br />
Regina Helena <strong>de</strong> Souza Marques. Violência doméstica: <strong>de</strong>legacia da mulher e acesso à<br />
cidadania. - 01/03/2003 Mestrado. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ribeirão Preto DIREITO<br />
Thais Ferla Guilhermano. Fatores associados ao comportamento criminoso em <strong>mulheres</strong><br />
cumprindo pena em regime fechado na penitenciária feminina Madre Pelletier. -<br />
01/10/2000 (assunto: <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>) Mestrado. Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica<br />
do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul - CIÊNCIAS CRIMINAIS.<br />
Valmor Antônio da Silva. A criminalida<strong>de</strong> feminina: um estudo <strong>de</strong> caso no município <strong>de</strong><br />
Nova Prata - RS, no período <strong>de</strong> 1988 a 1997 - 01/08/1999 Mestrado. Universida<strong>de</strong> Do Vale<br />
Do Rio Dos Sinos DIREITO
Valéria Maria Cavalcanti Lins Lemos. Os serviços técnicos penitenciários e a quastão da<br />
AIDS na sexualida<strong>de</strong> da mulher encarcerada - Colônia Penal Feminina do Bom Pastor. -<br />
01/04/1998 (assunto: <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>) Mestrado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />
Pernambuco - DIREITO<br />
Viviane Moura Sleimon. Histórias <strong>de</strong> crime e sedução no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> 1890 a<br />
1930 - 01/06/2001 Mestrado. Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica do Rio Gran<strong>de</strong> Do Sul -<br />
CIÊNCIAS CRIMINAIS<br />
ASSUNTO = CRIMINALIDADE FEMININA ÁREA: SERVIÇO SOCIAL<br />
Andréa Almeida Torres. Para além da prisão: experiências significativas do serviço<br />
social na penitenciária feminina da capital / SP (1978 - 1983) - 01/07/2005 Doutorado.<br />
Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo - SERVIÇO SOCIAL<br />
Maria Cecília Ulhoa Cintra <strong>de</strong> Mendonca. "A mulher presa e os direitos humanos: uma<br />
relação (im) possível" - 01/08/2005 (assunto: <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>) Mestrado.<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio De Janeiro - SERVIÇO SOCIAL<br />
Marlene Braz Rodrigues Lourenço. Corpo, sexualida<strong>de</strong> e violência sexual na<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> (contributos para uma análise contextualizada da violência sexual na<br />
socieda<strong>de</strong> portuguesa). - 01/04/2001 Doutorado. Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São<br />
Paulo - SERVIÇO SOCIAL<br />
Sandra Constâncio Nunes <strong>de</strong> Lima. Prisão e trabalho: seu significado entre <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong><br />
uma unida<strong>de</strong> prisional. - 01/05/1996 (assunto: prisão feminina). Mestrado. Pontifícia<br />
Universida<strong>de</strong> Católica do Rio <strong>de</strong> Janeiro - SERVIÇO SOCIAL<br />
Verônica Cristina Condé Araújo. Abuso sexual incestuoso - Da família ao sistema <strong>de</strong><br />
justiça criminal - Caminhos e <strong>de</strong>scaminhos. - 01/05/2001 Mestrado. Pontifícia<br />
Universida<strong>de</strong> Católica do Rio <strong>de</strong> Janeiro - SERVIÇO SOCIAL.<br />
ASSUNTO = CRIMINALIDADE FEMININA ÁREA: HISTÓRIA<br />
Arion Mergar. A representação do gênero feminino nos autos criminais na Província do<br />
Espírito Santo (1853-1870) - 01/07/2006 Mestrado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Espírito Santo<br />
HISTÓRIA
Janaína Carneiro Santiago da Silva. Mulheres infratoras: formas <strong>de</strong> sobrevivência e<br />
criminalida<strong>de</strong> - uma tentativa <strong>de</strong> vislumbrar as <strong>mulheres</strong> na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo (1890-<br />
1920). - 01/08/2004 Mestrado. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo - HISTÓRIA ECONÔMICA<br />
Lilian Lisboa Miranda. Gentes <strong>de</strong> baixa esfera em São Paulo: quotidiano e violência no<br />
Setecentos. - 01/10/1997 (assunto: <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>) Mestrado. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São<br />
Paulo - HISTÓRIA SOCIAL<br />
Maria do Socorro Cipriano. A adultera no território da infi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> - 01/01/2002<br />
Mestrado. Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Campinas HISTÓRIA<br />
Marlene <strong>de</strong> Fáveri. "Memórias <strong>de</strong> uma (outra) guerra. Cotidiano e medo durante a<br />
Segunda Guerra em Santa Catarina - 01/04/2002 (assunto: <strong>mulheres</strong> prisioneiras)<br />
Doutorado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catarina HISTÓRIA<br />
Raquel Alvarenga Sena Venera. CORTINA DE FERRO: quando o estereótipo é a lei e a<br />
trangressão feminina (processos <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> em Itajaí - décadas <strong>de</strong> 1960 a<br />
1999) - 01/02/2003 Mestrado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catarina - HISTÓRIA<br />
REGINA CÉLIA LIMA CALEIRO. MULHERES E COTIDIANO NA ORDEM<br />
ESCRAVOCRATA - A violência que se adivinha - 01/08/2004 Doutorado. Universida<strong>de</strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais HISTÓRIA<br />
Yonissa Marmitt Wadi. Louca pela vida: a história <strong>de</strong> Pierina - 01/04/2002 Doutorado.<br />
Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo HISTÓRIA<br />
Maria Cecilia <strong>de</strong> Oliveira Adão. Militância feminina: contradições e particularida<strong>de</strong>s<br />
(1964-1974) - 01/12/2002 Mestrado. (assunto: prisão feminina). Universida<strong>de</strong> Estadual<br />
Paulista Júlio De Mesquita Filho/Franca HISTÓRIA<br />
Odila Schwingel Lange. Violência doméstica - cicatrizes da alma: um histórico geral da<br />
luta das <strong>mulheres</strong> e o emprego da força contra a mulher na vida conjugal na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Dourados-MS (1986-2000) - 01/08/2004 (assunto: <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>) Mestrado.<br />
Fundação Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Mato Grosso do Sul - HISTÓRIA<br />
??????????Patrícia <strong>de</strong> Freitas. Corpos <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> em CRe)Vista: a representação da<br />
menopausa na Revista <strong>de</strong> genicologia e <strong>de</strong> obstetrícia. (1907-1978). - 01/02/2005<br />
(assunto: <strong>mulheres</strong> prisioneiras) Doutorado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catarina<br />
HISTÓRIA
Tania Nunes Davi. "A <strong>de</strong>mocracia no Brasil é um intervalo comercial": autoritarismo,<br />
estética e representações em Memórias do cárcere (1953;1984) - 01/02/2004 (assunto:<br />
<strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>) Mestrado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Uberlândia - HISTÓRIA<br />
ASSUNTO = CRIMINALIDADE FEMININA ÁREA: CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Elaine Cristina Pimentel Costa. AMOR BANDIDO: as teias afetivas que envolvem a<br />
mulher no tráfico <strong>de</strong> drogas - 01/09/2005 Mestrado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Alagoas<br />
SOCIOLOGIA (ASSUNTO: PRISÃO FEMININA)<br />
Giane Cristini Boselli. Instituições gênero e violência: um estudo da Delegacia da<br />
Mulher e do Juizado Criminal - 01/10/2003 Mestrado. Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista Júlio<br />
<strong>de</strong> Mesquita Filho/Marília - CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Janaina Sampaio Zaranza. Amores exilados: revelações sobre a sexualida<strong>de</strong> enclausurada<br />
- 01/09/2004 Mestrado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Ceará<br />
feminina).<br />
Sociologia (assunto: prisão<br />
Maria Lúcia <strong>de</strong> Oliveira Almeida. Vozes <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro ... <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> ... e <strong>de</strong> muralhas. Um<br />
estudo sobre jovens presidiários em Salvador, Bahia - 01/05/2006 Mestrado. Universida<strong>de</strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral da Bahia - CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Michelle Peixoto Moki. Representações sociais do trabalho carcerário feminino -<br />
01/03/2005 (ASSUNTO: PRISÃO FEMININA) Mestrado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> São<br />
Carlos - CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Nilvanete <strong>de</strong> Lima Cabral Alves. Com a palavra as <strong>mulheres</strong>: um estudo sobre relações<br />
amorosas e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> feminina - 01/03/2001 Mestrado. UNIVERSIDADE FEDERAL DE<br />
SÃO CARLOS - CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Rute Bernardo Pinto. Mulheres no sistema penitenciário: criminalida<strong>de</strong>, punição e<br />
gênero - 01/11/2004 Mestrado. Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista Júlio De Mesquita<br />
Filho/Marilia - CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Samuel Costa da Silva. A arquitetura da violência: o <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Atendimento Juvenil<br />
Especializado (CAJE) enquanto forma singular <strong>de</strong> campo <strong>de</strong> concentração <strong>de</strong><br />
adolescentes - 01/10/2002 (assunto: prisão feminina) Doutorado. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília -<br />
SOCIOLOGIA
Silmara Aparecida Quintino. Creche na penitenciária feminina: humanização da pena ou<br />
intensificação do controle social do Estado? - 01/11/2005 (assunto: prisão feminina)<br />
Mestrado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Paraná - SOCIOLOGIA<br />
ASSUNTO = CRIMINALIDADE FEMININA ÁREA: PSICOLOGIA<br />
Cintia Benso da Silva. Conjugalida<strong>de</strong> e parentalida<strong>de</strong>: a perspectiva <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong><br />
nìvel socioeconômico baixo - 01/01/2004 Mestrado. Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica do Rio<br />
Gran<strong>de</strong> do Sul PSICOLOGIA<br />
Claudia Stella. Filho(as) <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> presas: soluções e impasses para seu<br />
<strong>de</strong>senvolvimento - 01/08/2000 (assunto: prisão feminina) Mestrado. Pontifícia<br />
Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo - PSICOLOGIA (PSICOLOGIA SOCIAL)<br />
Fernanda <strong>de</strong> Magalhães Dias Frinhani. Mulheres aprisionadas: representando o universo<br />
prisional. - 01/06/2004 Mestrado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Espírito Santo PSICOLOGIA<br />
Ingrid Faria Gianordoli-Nascimento. Mulheres e militância no Espírito Santo: encontros<br />
e confrontos durante a ditadura militar - 01/04/2006 (assunto: prisão feminina).<br />
Doutorado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Espírito Santo PSICOLOGIA<br />
Jair Izaíaz Kappann. As drogas segundo a percepção <strong>de</strong> professores e alunos do ensino<br />
fundamental. - 01/12/2005 Mestrado. Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista Júlio <strong>de</strong> Mesquita<br />
Filho/Assis PSICOLOGIA<br />
Luciana <strong>de</strong> Oliveira Hulle. Meninas em conflito com a lei e com a esperança: estrelas<br />
sem guia - 01/08/2006 Mestrado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Espírito Santo PSICOLOGIA<br />
Marina Caldas Teixeira. "A mudança <strong>de</strong> sexo em close: um estudo sobre o fenômeno<br />
contemporâneo do transexualismo, a partir da abordagem lacaniana das psicoses" -<br />
01/01/2003 (assunto: <strong>mulheres</strong> prisioneiras) Mestrado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas<br />
Gerais - PSICOLOGIA<br />
Nádia Degrazia Ribeiro. Correspondência amorosa na prisão - 01/08/1997 (assunto:<br />
prisão feminina). Mestrado. Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica do Rio <strong>de</strong> Janeiro -<br />
PSICOLOGIA (PSICOLOGIA CLÍNICA)
Neilza Alves Barreto. No ventre da ca<strong>de</strong>ia: um estudo sobre os projetos futuros <strong>de</strong><br />
<strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong> - 01/01/2006 (assunto: <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>) Doutorado.<br />
Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica do Rio <strong>de</strong> Janeiro - PSICOLOGIA (PSICOLOGIA<br />
CLÍNICA)<br />
PAULO EMÍLIO MACÊDO PINTO. As mães do Bom Pastor: a condição materna da<br />
mulher presidiária - 01/10/2006 (assunto: <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>) Mestrado.<br />
Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Pernambuco - PSICOLOGIA CLÍNICA<br />
Rosalice Lopes. Prisioneiras <strong>de</strong> uma mesma história: o amor materno atrás das gra<strong>de</strong>s -<br />
01/09/2004 assunto: <strong>mulheres</strong> prisioneiras) Doutorado. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo -<br />
PSICOLOGIA SOCIAL<br />
Silvana Santos Garcia. Worktown: as prisioneiras da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Estudo psicossocial<br />
sobre as secretárias executivas do centro empresarial <strong>de</strong> São Paulo. - 01/05/1994<br />
Mestrado. Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo - PSICOLOGIA (PSICOLOGIA<br />
SOCIAL)<br />
ASSUNTO = CRIMINALIDADE FEMININA ÁREA: EDUCAÇÃO<br />
Ângela Maria Bessa Linhares. O pensamento criador ou narrativida<strong>de</strong> como ato criador:<br />
processos artísticos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma crítica da cultura - 01/08/2001 (assunto: <strong>mulheres</strong><br />
prisioneiras). Doutorado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Ceará - EDUCAÇÃO<br />
Cláudia Regina Vaz Torres. Desconstruindo a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> "criminoso (a)": o<br />
significado das ações educativas no Sistema Penitenciário - 01/11/2004. Mestrado.<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Bahia EDUCAÇÃO<br />
COSTA. Daianny Madalena. A pedagogia da pergunta: participação e empo<strong>de</strong>ramento<br />
do conselho escolar como trama da educação ineditamente - viável - 01/05/2003 (assunto:<br />
<strong>mulheres</strong> prisioneiras)<br />
Elza Eliana Lisboa Montano. Mulheres <strong>de</strong>linquentes: uma longa caminhada até a Casa<br />
da Rosa - 01/11/2000 Mestrado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> Do Sul EDUCAÇÃO<br />
(assunto: prisão feminina)<br />
Mariangela Graciano. A educação como direito humano: a escola na prisão - 01/10/2005<br />
Mestrado. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo EDUCAÇÃO<br />
Miriam Ida Rodrigues Breitmann. Mulheres, crimes e prisão - o significado da ação<br />
pedagógica em uma instituição carcerária feminina - 01/12/1989 (assunto: prisão<br />
feminina) Mestrado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul EDUCAÇÃO
Miriam Rodrigues Fiore. A educação na penitenciária feminina da Capital: a crença da<br />
reabilitação - 01/02/2003 (assunto: prisão feminina) Mestrado. Universida<strong>de</strong> São Marcos -<br />
EDUCAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E COMUNICAÇÃO<br />
Renata Trevelin. Violência doméstica - um olhar sobre dois órgãos <strong>de</strong> atendimento à<br />
mulher vítima <strong>de</strong> agressão no município <strong>de</strong> Mauá. - 01/05/2005. Mestrado.<br />
UNIVERSIDADE SÃO MARCOS - EDUCAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E<br />
COMUNICAÇÃO<br />
Roberto da Silva. A eficácia sócio-pedagógica da pena <strong>de</strong> privação da liberda<strong>de</strong>. -<br />
01/08/2001 Doutorado. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo EDUCAÇÃO<br />
ASSUNTO = CRIMINALIDADE FEMININA ÁREA: ADMINISTRAÇÃO<br />
Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro. Análise da Política Penitenciária Feminina do Estado<br />
<strong>de</strong> Minas Gerais: o caso da Penitenciária Industrial Estevão Pinto - 01/03/2003 (assunto:<br />
prisão feminina). Mestrado. Fundação João Pinheiro (ESCOLA DE GOVERNO) -<br />
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA<br />
ROGÉRIO MARTINS. A influência do ambiente, da escolha estratégica e da tecnologia<br />
nas mudanças estruturais da Polícia Militar do Estado <strong>de</strong> Santa Catarina - 01/08/2002<br />
Mestrado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catarina - ADMINISTRAÇÃO<br />
ASSUNTO = CRIMINALIDADE FEMININA ÁREA: POLÍTICA SOCIAL E<br />
POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE<br />
Rosângela Peixoto Santa Rita. Mães e crianças atrás das gra<strong>de</strong>s: em questão o princípio da<br />
dignida<strong>de</strong> da pessoa humana - 01/07/2006 Mestrado. UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA -<br />
POLÍTICA SOCIAL<br />
Maria Juruena <strong>de</strong> Moura. Porta fechada, vida dilacerada: mulher, tráfico <strong>de</strong> drogas e prisão -<br />
01/12/2005 (Assunto: prisão feminina) Mestrado. UNIVERSIDADE ESTADUAL DO<br />
CEARÁ - POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE
ASSUNTO = CRIMINALIDADE FEMININA ÁREA: ESTUDOS<br />
POPULACIONAIS E PESQUISAS SOCIAIS<br />
Silva Marina Albuquerque Men<strong>de</strong>s. Nos territórios da <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m - as <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns femininas<br />
na or<strong>de</strong>m da <strong>de</strong>linquência. - 01/12/1992. Mestrado. Escola Nacional <strong>de</strong> Ciências Estatísticas<br />
- ESTUDOS POPULACIONAIS E PESQUISAS SOCIAIS<br />
Simone Brandão Souza. Criminalida<strong>de</strong> feminina: trajetórias e confluências na fala das<br />
presas da Talavera Bruce. - 01/11/2005 Mestrado. Escola Nacional <strong>de</strong> Ciências Estatísticas<br />
- ESTUDOS POPULACIONAIS E PESQUISAS SOCIAIS<br />
ASSUNTO = CRIMINALIDADE FEMININA ( ÁREA: DESENVOLVIMENTO<br />
REGIONAL E AGRONEGÓCIO<br />
Salete Polonia Borilli. Análise das circunstâncias econômicas da prática criminosa no<br />
Estado do Paraná: estudo <strong>de</strong> caso nas Penitenciárias Estadual, Central e Feminina <strong>de</strong><br />
Piraquara - 01/12/2005. Mestrado. Universida<strong>de</strong> Estadual do Oeste do Paraná -<br />
DESENVOLVIMENTO REGIONAL E AGRONEGÓCIO<br />
ASSUNTO = PRISÃO FEMININA ÁREA: CIÊNCIAS DA RELIGIÃO<br />
Lucília Laura Pinheiro Lopes. As religiões nas celas: um estudo das opções religiosas das<br />
<strong>mulheres</strong> afro-<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes nos presídios femininos da capital paulista. - 01/08/2005<br />
Mestrado. Universida<strong>de</strong> Metodista <strong>de</strong> São Paulo - CIÊNCIAS DA RELIGIÃO<br />
Monika Ottermann. As vítimas <strong>de</strong> guerra que manifestaram seu juízo. Encontrando<br />
<strong>mulheres</strong> <strong>de</strong> voz profética a partir <strong>de</strong> Jeremias 38,14-28a - 01/06/2003 (assunto:<br />
<strong>mulheres</strong> prisioneiras) Mestrado. Universida<strong>de</strong> Metodista <strong>de</strong> São Paulo - CIÊNCIAS DA<br />
RELIGIÃO<br />
ASSUNTO = PRISÃO FEMININA ÁREA: ANTROPOLOGIA<br />
Maria do Amparo R. Carida<strong>de</strong>. Sexo, mulher e punição: a sexualida<strong>de</strong> feminina numa<br />
Instituição Penal. - 01/09/1988 Mestrado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Pernambuco<br />
ANTROPOLOGIA<br />
Laura Jimena Ordoñez Vargas. Sobreviver numa Penitenciária <strong>de</strong> Mulheres. Quando<br />
adaptar-se é resistir. - 01/04/2005 (assunto: <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>) Mestrado.<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília - ANTROPOLOGIA
ASSUNTO = PRISÃO FEMININA ÁREA: ARTES<br />
Regina Maria Silva Santos. O sonho possível: o teatro como instrumento <strong>de</strong><br />
transformação e conscientização do indivíduo encarnado - 01/08/1994. Mestrado.<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo - ARTES (TEATRO, CINEMA E ARTES PLÁSTICAS)<br />
ASSUNTO = PRISÃO FEMININA ÁREA: LETRAS - LITERATURA<br />
Lilian Gonçalves <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>. Diário <strong>de</strong> luas: um kunstlerroman no universo literário <strong>de</strong><br />
Carmen Moreno - 01/07/2006 (NÃO INTERESSA À PESQUISA) (assunto: prisão<br />
feminina). Mestrado. Fundação Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral DO RIO GRANDE LETRAS<br />
Maria Aparecida Zanata Peres. Destruição e silêncio: rebeldia lilitiana (análise da obra <strong>de</strong><br />
Murilo Rubião. - 01/06/1992 (assunto: prisão feminina). Mestrado. Universida<strong>de</strong><br />
Est.Paulista Júlio <strong>de</strong> Mesquita Filho/Assis - LETRAS<br />
Simone Lisboa S. Anselmo. A poesia na prisão: reflexão sobre uma experiência com<br />
<strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong> no Desterro - 01/05/2006. (assunto: prisão feminina) Mestrado.<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catarina LITERATURA<br />
Vânia Maria do Socorro Alvarez. História e memória em "Aruanda" e "Banho <strong>de</strong><br />
cheiro" - 01/08/2000 (assunto: prisão feminina) Mestrado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas<br />
Gerais - ESTUDOS LITERÁRIOS<br />
ASSUNTO = PRISÃO FEMININA ÁREA: TECNOLOGIA<br />
Valter Cardoso da Silva. A educação atrás das gra<strong>de</strong>s: representações <strong>de</strong> tecnologia e<br />
gênero entre adultos presos. - 01/02/2006 (assunto: prisão feminina) Mestrado.<br />
Universida<strong>de</strong> Tecnológica Fe<strong>de</strong>ral do Paraná - Tecnologia<br />
ASSUNTO = PRISÃO FEMININA ÁREA: PSICOSSOCIOLOGIA DE<br />
COMUNIDADE E ECOLOGIA SOCIAL<br />
Andres Isidro Mario-Casanova. "Prisioneiras políticas no Chile: projetos e histórias<br />
vividas" - 01/07/2001 (assunto: <strong>mulheres</strong> prisioneiras) Mestrado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro - PSICOSSOCIOLOGIA DE COMUNID.E ECOLOGIA SOCIAL
ASSUNTO = PRISÃO FEMININA ÁREA: ECONOMIA DOMÉSTICA<br />
Ivna Borges da Costa. Mães <strong>encarceradas</strong>: on<strong>de</strong> estão seus filhos? Um estudo <strong>de</strong> caso em<br />
uma unida<strong>de</strong> prisional <strong>de</strong> Recife-Pe. - 01/04/2003 (assunto: <strong>mulheres</strong> prisioneiras)<br />
Mestrado. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa - ECONOMIA DOMÉSTICA<br />
ASSUNTO = PRISÃO FEMININA ÁREA: EDUCAÇÃO AMBIENTAL<br />
Marisa Barreto Pires. Educação Ambiental e <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>: uma proposta -<br />
01/07/2002 (assunto: <strong>mulheres</strong> <strong>encarceradas</strong>) Mestrado. Fundação Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do<br />
Rio Gran<strong>de</strong> - EDUCAÇÃO AMBIENTAL
APÊNDICE<br />
ROTEIRO DE ENTREVISTA
INSTITUTO DE RECUPERAÇÃO FEMININA JÚLIA MARANHÃO<br />
ROTEIRO DE ENTREVISTA<br />
Entrevistador: Entrevista com ________ no dia _______ <strong>de</strong> ________ <strong>de</strong> dois mil e oito no<br />
presídio feminino______________. Meu nome é Helen. Agra<strong>de</strong>ço, mais uma vez, por você<br />
estar colaborando com meu trabalho.<br />
INFÂNCIA<br />
1º) A primeira parte da entrevista é sobre a sua infância, on<strong>de</strong> você nasceu, se você nasceu em<br />
João Pessoa, se nasceu no interior, quando é que você veio pra cá e por que?<br />
2º) Sua família era composta <strong>de</strong> quantos membros? Quem eram eles? Como era o local em<br />
que vocês moravam? Era muito povoado? Tinha muitos vizinhos?<br />
3º) Como era a sua família: seu pai trabalhava? E sua mãe? Eles estudaram? Fizeram até que<br />
série? Quem mais trabalhava na sua família? As condições financeiras eram boas, razoáveis,<br />
suficientes ou precárias para sobreviver?<br />
4º) Sua família era daquele mo<strong>de</strong>lo tradicional ou era mais mo<strong>de</strong>rna? (pedir para explicar esse<br />
tradicionalismo ou esse mo<strong>de</strong>rnismo). Você tinha uma boa relação com todos? Como era essa<br />
relação? (se era uma relação <strong>de</strong> diálogo ou <strong>de</strong> imposição, etc.).<br />
5º) Refletindo ainda sobre a sua infância, você acha que po<strong>de</strong>ria afirmar que apren<strong>de</strong>u alguma<br />
coisa com a sua família nesse tempo (pai, mãe, irmãos, tios, tias, etc.)? O que exatamente<br />
apren<strong>de</strong>u? (verificar as <strong>aprendizagens</strong> <strong>de</strong> valores, regras <strong>de</strong> vida). Isso que você diz que<br />
apren<strong>de</strong>u lhe serviu em alguma coisa? Em quê?<br />
6º) Você acha que po<strong>de</strong>ria ter aprendido mais com a sua família? O que você acha que <strong>de</strong>ixou<br />
<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r e gostaria <strong>de</strong> ter aprendido? E por que você acha que <strong>de</strong>veria ter aprendido isso?<br />
7º) Você acha que alguma/s característica/s do seu modo <strong>de</strong> ser e agir tem a ver com a<br />
educação que lhe foi transmitida pela sua família (pais, irmãos, tios)? Ou o seu modo <strong>de</strong> ser e<br />
<strong>de</strong> se comportar não tem a ver com isso, mas com as suas próprias opções e <strong>de</strong>cisões?<br />
8º) E os seus vizinhos do seu tempo <strong>de</strong> infância, como eram? Você e sua família tinham uma<br />
boa relação com eles, ou era cada um na sua?<br />
9º) Você brincava com outras crianças da vizinhança? Qual era a brinca<strong>de</strong>ira que vocês mais<br />
brincavam e mais gostavam? Por que gostavam mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada brinca<strong>de</strong>ira?<br />
10º) Nesse tempo <strong>de</strong> infância, havia alguma criança que você admirava muito/invejava ou<br />
<strong>de</strong>sejava ser igual? Quem era, e por que você a admirava/invejava tanto?<br />
11º) Você estudou quando era criança? Como você era na escola? Você era participativa ou<br />
era calada?Tirava notas boas, razoáveis ou baixas? Já ficou reprovada ou já <strong>de</strong>sistiu alguma<br />
vez? Seus pais <strong>de</strong>ixavam você estudar? Ou você era impedida?
12º) O que você mais gostava na escola? E o que você não gostava? Por quê?<br />
13º) Além da sala <strong>de</strong> aula, você estudava em outro lugar? On<strong>de</strong>? Com quem?<br />
14º) O que você acha que mais apren<strong>de</strong>u na escola? E o que você não apren<strong>de</strong>u <strong>de</strong> jeito<br />
nenhum? A que você atribui essa não aprendizagem?<br />
15º) O que mais marcou a sua infância? Por quê? (um fato marcante ou a/s experiência/s que<br />
mais marcou/aram)<br />
16º) Você também trabalhava quando era criança? O que fazia? O que você achava disso (do<br />
fato <strong>de</strong> trabalhar sendo criança)? Você gostava? Ou trabalhava sem vonta<strong>de</strong>, só porque era<br />
obrigada? Como conciliava escola (estudos) e trabalho?<br />
ADOLESCÊNCIA/JUVENTUDE E IDADE ADULTA<br />
17º) E a sua fase <strong>de</strong> adolescência e juventu<strong>de</strong>, como foi? (Falar das experiências positivas e<br />
negativas que teve e por que as consi<strong>de</strong>ram positivas ou negativas)<br />
18º) Quem eram as pessoas com quem você mais se relacionava nessa fase, e como era esse<br />
relacionamento? Você se sentia influenciada por essas pessoas? (a socialização)<br />
19º) Como era o seu envolvimento com estudos (com a escola) na fase da<br />
adolescência/juventu<strong>de</strong>? Você tinha tempo pra estudar? Gostava <strong>de</strong> estudar, pouco ou muito?<br />
Além <strong>de</strong> estudar, o que mais fazia? (pedir para narrar as experiências escolares nessa fase<br />
da vida)<br />
20º) Quando foi que você começou a trabalhar? Trabalhou fazendo o quê? Teve dificulda<strong>de</strong><br />
para conseguir o primeiro emprego? Como foi que você conseguiu? Como foi que você<br />
apren<strong>de</strong>u a exercer o seu trabalho? Algum amigo, irmão, etc, te ensinou a exercer o ofício?<br />
Como foi isso? Ou você fez algum curso <strong>de</strong> qualificação profissional? Se fez, qual foi o<br />
curso? Como foi essa experiência? Você gostou? Ajudou em alguma coisa (tipo: a conseguir<br />
o trabalho, a montar o próprio negócio, etc.)? Além da formação técnica oferecida pelo curso,<br />
o que mais você apren<strong>de</strong>u com ele? (pedir para narrar a trajetória para conseguir<br />
trabalhar).<br />
21º) Que sonhos você cultivava na sua juventu<strong>de</strong> e que não foram concretizados?<br />
22º) Qual era o seu lazer preferido nesta fase da vida? Gostava <strong>de</strong> festas? Praias? Casa <strong>de</strong><br />
amigos? Casa <strong>de</strong> shows? Praças? Igreja? Boates? TV (novelas, filmes, programas, etc.)?<br />
Internet? Quem eram as pessoas com quem você se divertia nesses locais? Eram pessoas do<br />
seu bairro? Da escola? De on<strong>de</strong> mais? Que experiências vocês viveram juntos nesses<br />
lugares?Alguma lição <strong>de</strong> vida foi <strong>de</strong>ixada através das experiências vivenciadas nestes lugares?<br />
(pedir pra narrar um ou mais acontecimentos marcantes que possivelmente tenham<br />
<strong>de</strong>ixado <strong>aprendizagens</strong> para a vida nesses lugares <strong>de</strong> diversão)
23º) Que outros ambientes você costumava frequentar? O que você buscava nesses<br />
ambientes?<br />
24º) Na sua opinião, que tipos <strong>de</strong> <strong>aprendizagens</strong> você adquiriu nesses diversos meios sociais<br />
em que você conviveu ao longo da sua vida (por exemplo, na família, nos locais <strong>de</strong><br />
divertimento entre os amigos da mesma geração, no bairro, na escola, no curso <strong>de</strong><br />
qualificação, etc.)?<br />
24º) Você é solteira, casada? Como era a sua relação com o seu cônjuge até antes <strong>de</strong> você ser<br />
presa? Havia conflitos ou era uma relação harmoniosa? Como vocês se conheceram? (pedir<br />
pra narrar a experiência conjugal: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> quando se conheceram até o dia em que foi<br />
presa<br />
e mais, se ela era <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>le e se não era, o que fazia para não ser, se já foi<br />
vítima <strong>de</strong> violência, se ele a impedia <strong>de</strong> trabalhar ou estudar, se ela tinha liberda<strong>de</strong> para<br />
fazer o que quisesse, etc).<br />
25º) E agora <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> presa, vocês ainda mantêm contato? Como tem sido? E os filhos, com<br />
quem agora estão sendo criados? On<strong>de</strong> estão morando? Quem está lhes garantindo a<br />
sobrevivência? (pedir pra narrar um pouco sobre como ficou a relação familiar <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
ter sido aprisionada).<br />
26º) No período em que você foi presa você estava trabalhando ou estava <strong>de</strong>sempregada? Se<br />
trabalhava, trabalhava em que? Caso estivesse <strong>de</strong>sempregada, por que estava? Se apenas<br />
estudava, fazia que série? Tinha filhos? Quantos? Eles estavam com que ida<strong>de</strong>? Eles já<br />
estudavam? Como estava a sua situação financeira? Quem mais ajudava nas <strong>de</strong>spesas? On<strong>de</strong><br />
moravam?<br />
O APRISIONAMENTO<br />
27º) E por falar nisso, qual o motivo da tua prisão? Como foi esse momento? Você já estava<br />
esperando isso acontecer ou foi <strong>de</strong> repente? Quem estava no momento da prisão? O que mais<br />
marcou esse momento? (pedir pra narrar o momento da prisão: o que sentiu, o que<br />
pensou, os medos, as dúvidas, etc.).<br />
28º) Você acha que o que te levou à prisão tem a ver com a tua história <strong>de</strong> vida? Ou seja, o<br />
crime que você está sendo acusada tem a ver com a sua história <strong>de</strong> vida? Em que sentido?<br />
(pedir pra explicar como ela enten<strong>de</strong> essa relação).<br />
29º) Aqui na prisão, que experiências marcantes você já teve? Qual o sentido, ou significado<br />
que você tem dado a essas experiências?
30º) Como é a sua relação com as outras presas, com as agentes, e com os <strong>de</strong>mais<br />
trabalhadores penitenciários? É uma relação conflituosa ou harmônica? Existe respeito umas<br />
com as outras?<br />
31º) Você estuda ou trabalha aqui <strong>de</strong>ntro? Como tem sido essa experiência <strong>de</strong> estudar ou<br />
trabalhar aqui <strong>de</strong>ntro? (para as que estudam, pedir pra narrar as experiências adquiridas<br />
através da escola na prisão: <strong>aprendizagens</strong> formais e informais, ganhos adquiridos por estar<br />
estudando, relações com as <strong>de</strong>mais colegas que estudam, com as professoras e com as agentes<br />
penitenciárias, se gostariam <strong>de</strong> estudar outra coisa, se estão satisfeitas com o ensino oferecido,<br />
etc) (para as que trabalham, pedir pra narrar as experiências que adquiriram através do<br />
trabalho <strong>de</strong>senvolvido: como era antes <strong>de</strong> trabalhar e como se sentem <strong>de</strong>pois que começaram<br />
a <strong>de</strong>senvolver a tal ativida<strong>de</strong>, se alguma coisa melhorou <strong>de</strong>pois disso e o que foi, se preten<strong>de</strong>m<br />
<strong>de</strong>senvolver aquele trabalho quando saírem, etc)<br />
30º) Se não estuda e nem trabalha, o que você faz além <strong>de</strong> ficar trancada? Em que isso tem lhe<br />
ajudado a conviver melhor aqui no presídio?<br />
31º) A prisão lhe oferece alguma lição <strong>de</strong> vida? O que? O que você mais tem aprendido aqui<br />
<strong>de</strong>ntro?<br />
32º) Você sente vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> voltar a estudar (apren<strong>de</strong>r mais para o trabalho e para a vida)?<br />
33º) Olhando para trás, para a tua trajetória <strong>de</strong> vida, você mudaria algo se fosse possível? O<br />
que faria <strong>de</strong> novo, o que faria diferente e o que não faria mais?<br />
34º) Agora olhando pra frente: O que você pensa em fazer ao sair daqui? Isso já faz parte dos<br />
seus pensamentos? Quais são os seus objetivos e metas? O que ainda você <strong>de</strong>seja e sonha<br />
conseguir? E o que pensa em fazer para alcançá-los?<br />
35º) Você acha que se você tivesse nascido homem e não mulher, a sua história teria sido<br />
diferente? Ou seja, um homem no seu lugar, com as mesmas condições familiares, educativas,<br />
<strong>de</strong> trabalho, etc., teria tido uma história diferente, ou seria igual? Você acha que ele teria mais<br />
ou menos oportunida<strong>de</strong>s na vida? Ou não teria diferença?<br />
36º) Bom, estamos terminando, e gostaria <strong>de</strong> saber se gostaria <strong>de</strong> comentar alguma coisa que<br />
te pareça importante e que não comentamos durante essa conversa? Fique à vonta<strong>de</strong>!<br />
Por fim, obrigada por colaborar comigo nesta pesquisa.
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