A Condessa Vésper - Unama

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www.nead.unama.br Genoveva não reparava que os pés de Alfredo estavam havia meia hora encostados aos dela, e que aquilo que a boa senhora tinha junto ao joelho, não era a perna da mesa, e sim a dele. A garrafa ficou vazia. A viúva do comendador levantara-se para fazer a cama do hóspede na sala de visitas. Alfredo, fora dos seus hábitos, fumou três charutos, e em pouco se recolhiam ambos, cada um para o seu lado. Mas a cama do hóspede, apesar de desveladamente, preparada com alvos e sedutores lençóis de linho, amanheceu intacta. E daí por diante, Alfredo ficou sendo para Genoveva o que Gabriel era já para filha desta. CAPÍTULO XXII TOCAM-SE OS EXTREMOS — Vem sentar-te ao meu lado... Estás hoje tão esquiva... — Ora! — É a primeira vez depois da morte de teu pai, que te vejo de claro... — Larguei hoje o luto. — Mas parece que não estás de bom humor... — É! — O que tens?... — Nada... Queres passear? ir ao teatro? ao circo? fazer visitas? Onde queres ir? Fala! — Não quero cousa alguma. Deixa-me — Não te mereço esses modos!... — Não faças caso! Este diálogo era entre Gabriel e Ambrosina, por uma tarde de fins de novembro, fartos meses depois de unidos. Estavam assentados um defronte do outro. Ela a ver distraidamente um jornal de modas, ele a contemplá-la enamorado. Gabriel, depois daquelas palavras, levantou-se, fumou um cigarro, e foi apoiar-se nas costas da cadeira da amante. Ambrosina continuou a ver os seus figurinos, indiferentemente. Estava mais desenvolvida e talvez mais bela, toldava-lhe, porém, a fisionomia um frio ar de desdém e de tédio. Gabriel tomou-lhe nas mãos a cabeça, e beijou-a nos olhos. — O que tanto te mortifica, minha flor?... perguntou ele. — Sei cá! Só sei que estou desiludida... — Mas, desiludida por quê? — Aborrecida! — Já sei! Foi a visita de Gaspar que te irritou os nervos... — Pelo menos, ela contribuiu muito para isso. Não sei por que, aborrece-me agora aquele sujeito ... 98

www.nead.unama.br — Não tens razão... Gaspar trata-te bem... As duas únicas vezes em que ele veio cá, dispensou-te todas as atenções; não te disse uma só palavra desagradável, não te fez a mais ligeira recriminação, apesar de o haveres tu privado da minha companhia, que tem para ele grande valor.... — Não sei; ataca-me os nervos aquele ar de hipocrisia. Não posso suportar os seus modos pedantescos de mentor de chapéu alto! — Tu exageras, coitado! O Gaspar é um excelente homem. Teve na mocidade uma boa dose de desgostos, que o fizeram triste para o resto da vida, mas é um coração de ouro. — Todavia, nem sequer procura disfarçar a sua antipatia por mim... — Coitado! ele é lá capaz de antipatizar contigo! Admira-me até dizeres isso, quando gostavas tanto dele durante a tua moléstia... — Ele nesse tempo tratava-me de outro modo. É que ainda não se habituou à idéia de que eu o deixasse totalmente, para dedicar-me de corpo e alma a ti, minha querida Ambrosina. E Gabriel puxou para si a amante, e fê-la assentar-se nos seus joelhos. — Pois se tens saudades, é voltar, disse ela. — Deixa-te de tolices! Não vês que não posso mais viver sem ti?... — O mesmo sucede comigo a teu respeito, e é justamente por isso que aborreço aquele homem. Tenho receio que ele acabe por arrebatar-te de meus braços! — Que lembrança! — Enfim, vejamos ainda uma vez; mas se o Médico Misterioso continuar a tratar-me como ultimamente, tu lhe pedirás de minha parte que me dispense a honra de suas visitas... — Ambrosina!... — É o que te digo! — Estás muito nervosa... — E o que há nisso de estranhar, sabendo-se a vida monótona que levo entre estas quatro paredes?... — Mas, o que te falta? dize. — Falta-me tudo, Gabriel! Sinto necessidade de gozar, de esquecer as contrariedades de minha vida! — Queres viajar? — Não. — Então não sei o que te faça!... E os dois calaram-se. Ambrosina, no fim de algum tempo, levantou-se. — Vamos dar um baile? disse ela. — Um baile? repetiu Gabriel, a olhar espantado para a amante. — Sim, um baile. O que achas nisso de extraordinário?... — Nada, mas a grande dificuldade está nos convidados. Quais seriam as damas do teu baile? — Minhas amigas... — Que amigas? — As amigas que eu convidasse... Ora, essa! 99

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— Não tens razão... Gaspar trata-te bem... As duas únicas vezes em que ele<br />

veio cá, dispensou-te todas as atenções; não te disse uma só palavra desagradável,<br />

não te fez a mais ligeira recriminação, apesar de o haveres tu privado da minha<br />

companhia, que tem para ele grande valor....<br />

— Não sei; ataca-me os nervos aquele ar de hipocrisia. Não posso suportar<br />

os seus modos pedantescos de mentor de chapéu alto!<br />

— Tu exageras, coitado! O Gaspar é um excelente homem. Teve na<br />

mocidade uma boa dose de desgostos, que o fizeram triste para o resto da vida,<br />

mas é um coração de ouro.<br />

— Todavia, nem sequer procura disfarçar a sua antipatia por mim...<br />

— Coitado! ele é lá capaz de antipatizar contigo! Admira-me até dizeres isso,<br />

quando gostavas tanto dele durante a tua moléstia...<br />

— Ele nesse tempo tratava-me de outro modo.<br />

É que ainda não se habituou à idéia de que eu o deixasse totalmente, para<br />

dedicar-me de corpo e alma a ti, minha querida Ambrosina.<br />

E Gabriel puxou para si a amante, e fê-la assentar-se nos seus joelhos.<br />

— Pois se tens saudades, é voltar, disse ela.<br />

— Deixa-te de tolices! Não vês que não posso mais viver sem ti?...<br />

— O mesmo sucede comigo a teu respeito, e é justamente por isso que<br />

aborreço aquele homem. Tenho receio que ele acabe por arrebatar-te de meus<br />

braços!<br />

— Que lembrança!<br />

— Enfim, vejamos ainda uma vez; mas se o Médico Misterioso continuar a<br />

tratar-me como ultimamente, tu lhe pedirás de minha parte que me dispense a honra<br />

de suas visitas...<br />

— Ambrosina!...<br />

— É o que te digo!<br />

— Estás muito nervosa...<br />

— E o que há nisso de estranhar, sabendo-se a vida monótona que levo<br />

entre estas quatro paredes?...<br />

— Mas, o que te falta? dize.<br />

— Falta-me tudo, Gabriel! Sinto necessidade de gozar, de esquecer as<br />

contrariedades de minha vida!<br />

— Queres viajar?<br />

— Não.<br />

— Então não sei o que te faça!...<br />

E os dois calaram-se. Ambrosina, no fim de algum tempo, levantou-se.<br />

— Vamos dar um baile? disse ela.<br />

— Um baile? repetiu Gabriel, a olhar espantado para a amante.<br />

— Sim, um baile. O que achas nisso de extraordinário?...<br />

— Nada, mas a grande dificuldade está nos convidados. Quais seriam as<br />

damas do teu baile?<br />

— Minhas amigas...<br />

— Que amigas?<br />

— As amigas que eu convidasse... Ora, essa!<br />

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