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www.nead.unama.br<br />
— Temos aí o assado do jantar e uns camarões frescos, lembrou Genoveva.<br />
E, como a criada se retirava às oito horas, andou ela mesma à cozinha para<br />
preparar a ceia; depois, a conversar, a rir, estendeu a toalha, e foi buscar uma<br />
garrafa de vinho que guardava religiosamente ainda do seu tempo de casada.<br />
— O defunto tinha ciúmes destas garrafas... observou a viúva, a limpar as<br />
teias de aranha de uma delas com o guardanapo. Foi presente que lhe veio da<br />
terra... Uma delícia!<br />
Alfredo sentia-se bem.<br />
A noite estava fria, a sala fechada, a toalha da mesa era de linho claro e<br />
cheirava aos jasmins da gaveta, a fritada de camarões enchia o ar de um aroma<br />
quente e picante.<br />
— E a verdade é que tenho bom apetite! confessava Alfredo, a abrir com mil<br />
cuidados a velha garrafa do defunto comendador.<br />
— Ora! a gente em companhia sempre é outra cousa! disse Genoveva,<br />
expandindo a sua satisfação.<br />
E assentou-se, garrida, defronte do conviva.<br />
A chuva continuava lá fora a cair, cada vez mais forte. Alfredo elogiava o<br />
vinho, saboreando-o a goles pequeninos e estalados. Genoveva enchia-lhe o prato.<br />
— Então, já vai à nossa; para que tenhamos muitos dias de boa paz, como o<br />
de hoje! disse o viúvo, a erguer o cálice, que cintilava à luz do petróleo.<br />
— A nossa! repetiu Genoveva, bebeu, saculando as bochechas.<br />
O tempo passava-se. Alfredo reparou que já era mais de meia-noite, e que a<br />
chuva ainda não havia cessado.<br />
— O verdadeiro é ficar aqui mesmo por hoje. Seria imprudência arriscar-se<br />
agora por este tempo.. alvitrou a mãe de Ambrosina, com as faces coradas.<br />
Alfredo lembrou vagamente os vizinhos; sempre havia más línguas, que em<br />
tudo achavam pretexto para murmurar!...<br />
— Ora! desdenhou Genoveva. Estou velha!<br />
E mudando de tom:<br />
— Amanhã é domingo, o senhor pode levantar-se mais tarde, e ninguém<br />
reparará nisso...<br />
Alfredo concordou alegremente. Sentia-se reanimar por aquele velho vindo<br />
do Porto. Acudiam-lhe palavras de bom humor, brilhavam-lhe os olhos, o sangue<br />
despertava-se-lhe nos membros martirizados pela vida sedentária; tinha fogo na voz<br />
e, todas as vezes que se dirigia à companheira, chamava-lhe a atenção, passandolhe<br />
os dedos pelo braço carnudo.<br />
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