A Condessa Vésper - Unama
A Condessa Vésper - Unama A Condessa Vésper - Unama
www.nead.unama.br O céu branqueava às primeiras irradiações do sol. A natureza parecia ainda estremunhada de sono. As árvores espreguiçavam-se bocejando, os pássaros cumprimentavam o dia com um hino matinal. Gabriel olhou vagamente para o espaço. A insondável tranqüilidade da aurora invadiu-lhe o espírito, deixando-lhe a porta escancarada; e logo uma loura imagem, castamente risonha, entrou sem-cerimônia por ele, a perguntar, cruzando graciosamente os braços: — Então, meu amigo, quais são as belas cousas que o senhor ficou de dizer-me hoje?... Vamos! Eu de cá não saio sem saber quais são elas... — Eugênia! exclamou Gabriel, como se a pobre menina estivesse realmente defronte dos seus olhos. E fechou a janela para não a ver, tanto lhe atormentava a consciência aquela meiga e resignada figura de cabelos louros. Em vão o esperaria Eugênia à noite desse dia em casa, costurando a um canto da sala de jantar; as tais lindas cousas que Gabriel lhe tinha a dizer, ela nunca chegaria a ouvi-las. CAPÍTULO XX A CASA DOS AMANTES Às onze e meia da noite, horas marcadas para a entrevista, já Gabriel passeava defronte das janelas de Ambrosina. Deu meia-noite. Nada. Gabriel sentia-se impaciente e sôfrego, uma agonia formava-se-lhe no coração, tal era a sua ansiedade. O menor mexer de galhos, o rojar de um inseto, tudo lhe fazia adivinhar um vulto branco, de mulher, que ia atirar-se-lhe nos braços. Mas o vulto vinha, e ele ficava a imaginar como se apresentaria Ambrosina; quais seriam as suas primeiras palavras, a expressão da sua alegria, o perfume do seu corpo. Ela se lhe atiraria nos braços?... a beijá-lo, a dizer-lhe: "Amo-te! vem... entra para minha alcova! Tu és a minha felicidade, o meu amor. Vem! aqui me tens! Sou tua! ama-me com todo o ardor dos teus vinte e dois anos!?..." E ele, arrastado pela imaginação aos aposentos da mulher amada, sonhavase já em todas as atitudes venturosas do prazer, quando uma pancadinha no ombro lhe fez voltar a cabeça para trás. O coração bateu-lhe logo mais apressado. Era ela. — Oh! enfim! disse Gabriel, sem ter ainda voltado a si de todo. Ambrosina não deu uma palavra e foi sentar-se, sem o menor sobressalto, em um banco do jardinzinho, ao lado da casa. Estava toda vestida de negro, ainda por luto do pai. Vinha de galochas, por causa da umidade e para não fazer rumor com os pés, e trazia no peito um ramo de violetas, que espalhavam em redor dela um cheiro bom e penetrante. Gabriel quis dar-lhe um abraço. 88
www.nead.unama.br — Devagar!... opôs-lhe a rapariga, safando-se-lhe das mãos. E se continua desse modo, previno-o desde já que me retiro. Se quiser que fique, há de respeitarme como até agora! — Mas... — Não admito réplica! Autorizei-o a vir cá, porque o amo, como lhe disse; tanto que estou resolvida a mudar de situação. Mas, antes de tudo, quero saber quais são as suas intenções a meu respeito... — De concordar com tudo o que lhe parecer. — Então, pensemos maduramente: Eu o amo, e uma vez que descobri este segredo, que me não devia escapar dos lábios, confesso que só ao senhor amei até hoje, e que me seria muito penoso ter de esconder para sempre semelhante amor... — Minha Ambrosina!... — Espere! disse ela, afastando a mão de Gabriel prestes a empolgar-lhe a cintura, e retomou friamente o fio das suas considerações. Infelizmente, porém, não nos podemos unir pelos laços legais, porque sou casada; estou, entretanto, resolvida a esquecer totalmente a peste de meu marido, rejeitar a mesada que em nome dele me dá o curador.... — E... — E fazer-me sua. Quer? — Se quero, meu amor!... — Pois bem; nesse caso, procure uma boa casa onde possamos esconder decentemente a legalidade da nossa ternura, prepare-a com o luxo e conforto correspondentes à minha educação: e se estiver o senhor, além disso, resolvido a fazer por mim os sacrifícios que faria se fosse meu marido, serei sua, inteiramente sua, para toda a vida. Serve-lhe?... — Se me serve!... — Então, é tratar da casa; pronta esta, eu o acompanharei. — Obrigado! obrigado! disse Gabriel num transporte de alegria. Como sou feliz! Deixe dar-lhe um abraço! — Não! por ora... nada! Vá-se embora. — Suplico! — Nada! nada! — Então, meu anjo?!... — Solte-me! ou desisto de tudo o que disse! — Má! — Adeus, adeus. — Ingrata! — Está bom! Tome lá um beijo, mas é dá-lo e pôr-se a caminho! E Ambrosina estendeu os lábios ao futuro amante, que se precipitou sobre eles como se os fora devorar. — Está bem! Basta! disse ela... até à volta. E desapareceu. Ele saiu de lá quase a correr, mal acompanhando todavia a andadura do seu coração, que galopava. O resto da noite passou-o todo a pensar, a sonhar com os deslumbramentos da sua futura existência de amor. Gaspar demorava-se em Petrópolis. 89
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Gabriel olhou vagamente para o espaço. A insondável tranqüilidade da<br />
aurora invadiu-lhe o espírito, deixando-lhe a porta escancarada; e logo uma loura<br />
imagem, castamente risonha, entrou sem-cerimônia por ele, a perguntar, cruzando<br />
graciosamente os braços:<br />
— Então, meu amigo, quais são as belas cousas que o senhor ficou de<br />
dizer-me hoje?... Vamos! Eu de cá não saio sem saber quais são elas...<br />
— Eugênia! exclamou Gabriel, como se a pobre menina estivesse realmente<br />
defronte dos seus olhos.<br />
E fechou a janela para não a ver, tanto lhe atormentava a consciência<br />
aquela meiga e resignada figura de cabelos louros.<br />
Em vão o esperaria Eugênia à noite desse dia em casa, costurando a um<br />
canto da sala de jantar; as tais lindas cousas que Gabriel lhe tinha a dizer, ela nunca<br />
chegaria a ouvi-las.<br />
CAPÍTULO XX<br />
A CASA DOS AMANTES<br />
Às onze e meia da noite, horas marcadas para a entrevista, já Gabriel<br />
passeava defronte das janelas de Ambrosina.<br />
Deu meia-noite. Nada.<br />
Gabriel sentia-se impaciente e sôfrego, uma agonia formava-se-lhe no<br />
coração, tal era a sua ansiedade. O menor mexer de galhos, o rojar de um inseto,<br />
tudo lhe fazia adivinhar um vulto branco, de mulher, que ia atirar-se-lhe nos braços.<br />
Mas o vulto vinha, e ele ficava a imaginar como se apresentaria Ambrosina;<br />
quais seriam as suas primeiras palavras, a expressão da sua alegria, o perfume do<br />
seu corpo. Ela se lhe atiraria nos braços?... a beijá-lo, a dizer-lhe: "Amo-te! vem...<br />
entra para minha alcova! Tu és a minha felicidade, o meu amor. Vem! aqui me tens!<br />
Sou tua! ama-me com todo o ardor dos teus vinte e dois anos!?..."<br />
E ele, arrastado pela imaginação aos aposentos da mulher amada, sonhavase<br />
já em todas as atitudes venturosas do prazer, quando uma pancadinha no ombro<br />
lhe fez voltar a cabeça para trás. O coração bateu-lhe logo mais apressado. Era ela.<br />
— Oh! enfim! disse Gabriel, sem ter ainda voltado a si de todo.<br />
Ambrosina não deu uma palavra e foi sentar-se, sem o menor sobressalto,<br />
em um banco do jardinzinho, ao lado da casa.<br />
Estava toda vestida de negro, ainda por luto do pai. Vinha de galochas, por<br />
causa da umidade e para não fazer rumor com os pés, e trazia no peito um ramo de<br />
violetas, que espalhavam em redor dela um cheiro bom e penetrante.<br />
Gabriel quis dar-lhe um abraço.<br />
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