You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
www.nead.unama.br<br />
— Como sou feliz! Como sou feliz! exclamava ele, incendiado pelas duas<br />
palavras de fogo.<br />
Possuir Ambrosina! amá-la e ser amado por ela! tê-la ao alcance da mão, ao<br />
alcance dos braços, ao alcance da boca!... Oh delírio! Oh supremo gozo!<br />
Gaspar achava-se nessa ocasião à cabeceira de um doente em Petrópolis, e<br />
a Gabriel quadrava esta circunstância, porque lhe permitia saborear mais à vontade<br />
aquele alvoroço do seu amor. Era a primeira vez que não sentia vontade de<br />
comunicar um segredo seu ao padrasto. É que Gaspar, com certeza, acharia mau<br />
tudo aquilo, e privar-se Gabriel da felicidade sonhada, seria privar-se da própria vida.<br />
Despiu-se cantarolando; acendeu um charuto e deitou-se de costas na<br />
cama, a olhar para o teto, e a ler no espaço estas palavras:<br />
"Amo-te! Vem!"<br />
Eram escritas por ela... por Ambrosina! por aquela bela mulher de cabelos<br />
perturbadores, de olhos ardentes e sombrios, de boca vermelha e dentes brancos!<br />
Eram dela! E nessas duas palavras estava toda a sua alma e estava todo o seu<br />
sangue!<br />
Sim, era Ambrosina, que lá da sua alcova lhe bradava com delírio: "Amo-te!<br />
Vem!"<br />
E as duas palavras o invadiram e se gravaram no espírito dele, como dois<br />
pontos luminosos, duas estrelas brilhantes, que o iluminavam todo por dentro.<br />
E as duas estrelas iam despejando-lhe no ânimo d’lma uma aluvião de<br />
sorrisos de amor, de beijos e de abraços apertados. E quanto mais despejavam,<br />
mais tinham elas que despejar. Eram novas carícias, que se atropelavam, que se<br />
confundiam, tomando-lhe a respiração, escaldando-lhe os sentidos.<br />
Gabriel soprou a vela, e fez por adormecer. Aninhou-se na cama, enterrou a<br />
cabeça nos travesseiros; mas as duas irrequietas estrelas lá estavam a luzir, a luzir,<br />
a repetir: "Amo-te! Vem — Amo-te! Vem!"<br />
E de novo lhe perpassavam pelo espírito, em uma torrente vertiginosa, todos<br />
os encantos de Ambrosina; interminável e palpitante desfilar de ombros despidos,<br />
cabelos soltos, peitos trementes, olhos requebrados e lábios insaciáveis. E tudo isso<br />
lhe rodava por dentro pondo nele alucinações de febre e fazendo-o desabar fundo<br />
num inferno de desejo vivo, ou alçar-se para o nirvana de um inconscientismo de<br />
loucura; mas aqui ou ali, no vermelho ardor da extrema excitação sensual, ou no<br />
opalino vácuo do alheiamento produzido pela fadiga da insônia, lá estavam as duas<br />
implacáveis palavras de fogo, a saltar num frenesi macabro, a cuspir-lhe na pólvora<br />
do sangue faíscas de luxúria.<br />
"Amo-te! Vem!"<br />
Gabriel queria reagir, lutar; voltava-se na cama, procurava amarrar o espírito<br />
a outros assuntos; quando, porém, dava por, si via-se inda uma vez calculando<br />
como não seria bom tomar Ambrosina nos braços, cobri-la de beijos, amá-la toda<br />
inteira, de um só trago como se o desejo dele fosse um mar em que ela<br />
mergulhasse nua.<br />
— Diabo! exclamou, saltando da cama. Não posso dormir!<br />
Foi à janela e abriu-a.<br />
— O quê?! pois será possível que esteja amanhecendo?!...<br />
87