Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
Se me perguntarem o que é não saberei responder; mas sinto necessidade de<br />
dedicar-me a qualquer idéia, a qualquer cousa. Preciso de um ideal que ocupe a<br />
minha atividade, que exija os meus sacrifícios, que me anime, que me estimule. Ah!<br />
E venham falar-me ainda nos encantos da mocidade, nos risos dos vinte anos...<br />
Não! nada disso existe! Sou moço, rico, tenho vigor e saúde, e, no entanto, sofro,<br />
sofro muito! sinto a existência pesar-me sobre as costas como um castigo!<br />
Eugênia, que o ouvia de cabeça baixa, ergueu-a docemente, com um<br />
sorriso.<br />
— É justamente porque nada lhe falta, que o senhor se aborrece e não<br />
aprecia a existência... disse ela. Tivesse, como outros, de trabalhar para viver, e os<br />
seus dias correriam alegres e ligeiros. Como quer o senhor gostar da existência,<br />
quando nem sequer conhece?... A vida consiste no esforço, no trabalho, na<br />
dedicação e no sacrifício. O senhor nunca experimentou nenhum desses gozos, que<br />
entretanto são os únicos verdadeiros. Quer ouvir um conselho?... Ame e trabalhe,<br />
dedique-se a alguém e a alguma cousa, constitua família e forme a sua<br />
responsabilidade de homem. Sem essa resolução, o senhor há de sentir sempre o<br />
mal de que se queixa, e nunca poderá ser feliz.<br />
— Bem! Pois vou então falar-lhe com toda a franqueza; vou abrir-lhe o meu<br />
coração, para que a senhora escolha e guarde o que nele houver de aproveitável, e<br />
lance fora o resto...<br />
Eugênia estremeceu e largou o trabalho que tinha entre mãos. Gabriel<br />
aproximou ainda mais a sua cadeira, e fitou os olhos da rapariga, postos agora<br />
tranqüilamente à espera.<br />
Estavam transparentes, infinitamente doces, e via-se no fundo deles brilhar o<br />
sorriso de uma esperança.<br />
Houve entre os dois moços um idílio instantâneo e mudo, precursor do<br />
"Amo-te!" sagrado.<br />
Nesse momento, porém, entrou o Sr. Windsor, que os buscava para a<br />
cerimônia do chá.<br />
Gabriel prometeu a Eugênia fazer-lhe no dia seguinte a suprema revelação<br />
prenunciada. Iria visitá-la expressamente para este fim.<br />
Mas, nessa mesma noite, ao entrar em casa, o criado entregou-lhe uma<br />
cartinha perfumada e cor-de-rosa.<br />
O moço abriu-a, e leu:<br />
"Gabriel. Não queria procurar-te. Tencionava nunca mais te ver, nem te falar.<br />
Não posso! A porta do jardim ficará aberta durante a noite. Às onze e meia já todos<br />
os de casa estarão recolhidos... Amo-te! Vem!<br />
Ambrosina"<br />
Gabriel leu o bilhete de Ambrosina, uma, quatro, vinte vezes.<br />
Aquelas duas últimas palavras, breves, quentes e palpitantes, faiscavam-lhe<br />
no cérebro: "Amo-te Vem!"<br />
— Que harmonia! Que música! Como lhe soavam agradavelmente ao<br />
coração aquelas notas feiticeiras! "Amo-te! Vem!"<br />
Um paraíso em duas palavras! Um mundo de delícias! Um rosário de<br />
venturas!<br />
86