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www.nead.unama.br<br />
Havia um grande mal-estar por toda a casa. A própria Emília, sempre alegre<br />
e brincalhona, nada conseguia com o seu bom humor. Gabriel falava em retirar-se;<br />
sentia-se já perfeitamente bom e não lhe convinha ficar ali.<br />
Os olhos tristes do moço encontravam-se constantemente com os de<br />
Eugênia, e os dois ficavam a cismar.<br />
Um dia, em que ela se encontrou mais desconsolada, Gabriel perguntou-lhe:<br />
— O que tanto a aflige, minha amiguinha? o que a faz tão muda e<br />
pesarosa?...<br />
— Para que me pergunta? disse ela; se não me pode dar nenhum<br />
remédio?... Meu gênio foi sempre este!... Nunca fui de expansões... Olhe, se<br />
promete visitar algumas vezes minha família, pode ser que, com a convivência,<br />
venha a contar-lhe os meus segredos; mas, por agora, não lhe direi uma palavra...<br />
O moço ficou a pensar. Que estranho era o coração daquela rapariga!... Que<br />
mistério poderia haver naquela alma quase infantil?...<br />
E Gabriel afinal partiu.<br />
Ambrosina, ao se despedir-se dele, estendeu-lhe a mão expansivamente e<br />
disse-lhe, arrependida e cheia de mágoa:<br />
— Não me fiquei tendo ódio... seja meu amigo; compreenda que sou eu<br />
menos culpada de tudo o que se passou entre nós dois!...<br />
— Ah! se a senhora me amasse! se me houvesse compreendido!...<br />
exclamou o desgraçado.<br />
— E pensa que não?... Só eu sei o que sofri por sua causa!...<br />
Gabriel segurou-lhe as mãos.<br />
— Então ainda me ama?! Responda!<br />
— Mais tarde o saberá... por enquanto, ausente-se de mim... Adeus.<br />
E fugiu.<br />
Gabriel meteu-se lá fora no carro com o coração a saltar-lhe num grande<br />
alvoroço. Depois das palavras de Ambrosina, tudo em volta dele se alegrou e sorriu.<br />
E pelo caminho de casa ia fazer cálculos de felicidade, mas a sinistra figura<br />
do doido aparecia-lhe nos sonhos como um demônio a cabriolar no paraíso.<br />
— Ora! concluía ele; o essencial é que ela me ame!...<br />
E estalava de contentamento quando chegou à casa.<br />
No dia seguinte, o comendador expirou. Porém antes de morrer, encarregou<br />
a Gaspar de obter do pobre Alfredo o perdão do muito mal que lhe havia feito; e<br />
pediu ao marido de Ursulina, o esplenético negociante inglês que admitisse o infeliz<br />
como empregado no seu escritório comercial.<br />
A morte do comendador dissolveu o grupo que se tinha formado em casa<br />
dele. O inglês e a família retiraram-se; Gaspar fez o mesmo, e a viúva mudou-se<br />
pouco depois, com a filha para o palacete da cidade.<br />
Tratou-se do inventário e, com pasmo geral, chegou-se à conclusão de que<br />
o comendador, tão opulento em vida, nem só não deixara bens, como ainda ficara<br />
devendo duzentos contos de réis à praça.<br />
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