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— Para quê? para convencer-me de que sou o mais desgraçado dos<br />
homens?<br />
— Ou a mais impaciente das crianças....<br />
— Vê! V. Exa. zomba de mim, enquanto eu...<br />
— Vai dizer que sofre, e é exato; mas não por minha causa, sim pelos seus<br />
vinte anos, que estão purgando o idealismo absorvido durante todo o seu período<br />
acadêmico de S. Paulo.<br />
— Pensará então que eu...<br />
— Não me ama?... Valha-me Deus! não disse tal! Sei, ao contrário, que o<br />
senhor me adora; me adora com fogo, com entusiasmo, com paixão, com poesia! e<br />
é justamente por isso, é porque o seu amor é forte demais, que desconfio dele. O<br />
senhor não possui em si o combustível necessário para alimentar semelhante<br />
chama durante uma existência inteira... O seu coração não é nenhuma mina<br />
inesgotável de carvão de pedra!<br />
— Crimina-se então por amá-la demais?...<br />
— Certamente! O homem, qualquer que ele seja só pode dar de si uma certa<br />
e determinada dose de amor; nada mais pode dar por melhor que o deseje, porque<br />
mais não tem. A grande ciência da felicidade conjugal consiste em fazer com que<br />
essa dose chegue para a vida inteira. Ora, o senhor quer dar-me toda ela de uma só<br />
vez, e eu não a quero receber por essa forma. O que não quer dizer que não aceite;<br />
aceito-o, mas em pequenas prestações. Recebendo tudo de uma vez temo fazer<br />
como os perdulários — esbanjar a fortuna e ter depois de mendigar. Para que<br />
havemos de consumir em poucos dias aquilo que nos chega para sempre?... Além<br />
de que, meu caro, o abuso traz sempre consigo a saciedade, e o tédio, o enjôo; e<br />
eu, no fim de contas...<br />
— Aborrecia-se de mim...<br />
— Não digo isso, mas aborrecia-me de ser amada. E esta é a pior desgraça<br />
que pode suceder a uma mulher.<br />
— Mas então só me resta o recurso de fingir, indiferença, e amá-la em<br />
segredo, amá-la com todo o ardor da minha paixão!<br />
— Isso ainda seria pior: além da prodigalidade, haveria o completo<br />
desperdício. Seria como se alguém para não passar por pródigo, vivesse na miséria,<br />
mas fosse às escondidas atirando fora a sua riqueza. Não! não! nesse caso seria<br />
melhor sorvê-la de um trago, e dar depois um tiro nós ouvidos.<br />
— Por que se faz tão inocente e má?... Não vê que não pode haver termo de<br />
comparação entre o amor e o dinheiro? entre o coração e uma bolsa?... O dinheiro<br />
mede-se, conta-se, e o amor é indivisível. Como se pode conceber um registro para<br />
o coração?... O dinheiro tira-se do bolso quando se precisa e quanto se deseja; e o<br />
amor não! o amor sai por si, derrama-se, corre, como o sangue de uma ferida!<br />
— Ora! também não se pode parar o curso do tempo, nem lhe transpor as<br />
leis, e, no entanto, há quem o esperdice, e há quem o aproveite admiravelmente...<br />
— Não! o tempo não existe; a idéia dele é toda relativa; ao passo que o<br />
amor não tem relações, nem admite leis. É um fato real; existe! existe, que o sinto<br />
palpitar aqui dentro, não como um miserável relógio que nos mede vida gota a gota,<br />
mas louca e desnorteadamente, como neste instante! Eu te amo Ambrosina!<br />
E Gabriel segurou-lhe as mãos com ansiedade:<br />
— Não me repilas! exclamou; não esmague com essa indiferença e frio!<br />
Despreza-me, se quiseres, porém não me apunhales desta forma! Oh! mas por que<br />
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