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A Condessa Vésper - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Enquanto Gaspar e Gabriel confidenciavam tristemente essa noite<br />

encerrados no gabinete do médico, fervia o prazer e reinava a alegria em casa do<br />

próspero comendador.<br />

As suas salas, regurgitantes de convivas, fremiam ao som da orquestra e ao<br />

quente rumor das danças. Por todas elas palpitava o gozo; por todas elas riso,<br />

jogos, libações e amor.<br />

Em breve a festa chegava ao seu momento de delírio, a esse momento<br />

apogístico do baile em que a alma parece derreter-se na saturação dos vapores do<br />

prazer, em que as luzes, os vinhos, os perfumes das toilettes e das flores, o ansioso<br />

respirar na vertigem da valsa, se vaporizam pelo ambiente, despertando os sentidos<br />

e entontecendo o espírito; instante feliz em que mais deliciosamente gemem os<br />

violinos, em que cintilam com mais luz os diamantes e os olhos das mulheres, e os<br />

colos arfam, e o corpo cede de todo à volúpia, e o sangue se embriaga e vem até<br />

aos lábios reclamando beijos.<br />

— De repente, porém, uma voz rude e áspera, voz de batalha, retumbou<br />

pelas salas, bramindo:<br />

Silêncio!<br />

Todos pasmaram. A orquestra emudeceu e os pares estacaram tolhidos de<br />

surpresa.<br />

Ao fundo do salão, no meio da inconsciência do prazer, assomara o vulto<br />

venerando do coronel.<br />

Seu porte, alto e alquebrado, destacava-se imponente; o longo capote<br />

aumentava-lhe a estatura, dando-lhe proporções naturais. O gás mordia-lhe<br />

asperamente a aridez da fronte, que faiscava como a ponta calva de um rochedo<br />

aos raios do sol; os seus olhos fundos e ardentes, chispavam de cólera, os cabelos,<br />

brancos e assanhados, davam-lhe à cabeça um terrível aspecto de loucura.<br />

Todos o olhavam com assombro. As mulheres empalideciam desmaiadas.<br />

O coronel, espectral e imóvel, permanecia ao fundo do salão.<br />

Ninguém se animava a proferir palavra.<br />

O comendador acudiu em sobressalto; mas, ao dar com o veterano, soltou<br />

um grito e estacou petrificado defronte daquela fantástica e ameaçadora figura, que<br />

o fitava sem pestanejar.<br />

— Eu sou o coronel Pinto Leite, vozeou o fantasma; e eis aí o autor das<br />

infames mofinas que há vinte anos me amarguram a existência! Esse miserável excaixeiro<br />

de taverna, covardemente me persegue desde o dia que lhe não consenti<br />

fazer parte de minha família, casando com uma de minhas filhas! Que aos dois nos<br />

julguem dentre vós os homens de bem! Quanto a mim, quero apenas apontar a<br />

hipocrisia deste monstro ao anátema social e estigmatizá-lo com o ferrete do meu<br />

ódio.<br />

E o veterano caminhou para ele.<br />

Era um estranho caminhar de estátuas. O chão parecia ir desabar debaixo<br />

dos seus pés de bronze. Caminhou majestosamente até à figura vulgar do<br />

comendador, que quedava estarrecido como sob o domínio de uma fascinação<br />

magnética, e soltou-lhe em cheio nas faces uma bofetada.<br />

Houve então uma geral exclamação de protesto e de pasmo.<br />

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