A Condessa Vésper - Unama

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www.nead.unama.br se a seus pés, e o senhor dir-lhe-á o que quiser! Fique descansado! Durma hoje sem preocupação, porque o essencial está feito! — Obrigado, meu filho, muito obrigado! disse o coronel, abraçando o filho. Até já me sinto são e forte depois de tuas palavras, meu Gaspar! — Bem, mas é preciso descansar... Por enquanto, não convém falar muito sobre isto. Veja se consegue dormir. Se precisar de mim, toque a campainha. E, voltando-se para Gabriel: — Vem comigo cá ao escritório. Tenho que te falar. E quando se acharam a sós, acrescentou: — É uma incumbência sagrada! — Vais falar-me de minha mãe? — Sim, de tua mãe e de ti, meu amigo. E encerraram-se no escritório. Entretanto, o coronel, logo que sentiu a casa em silêncio, envergou o seu capote militar, pôs o boné, tomou um revólver e, apoiando-se a uma grossa bengala de cana da Índia, ganhou cautelosamente a porta da rua, e saiu. Dirigia-se para o palacete do comendador Moscoso. CAPÍTULO XV EM CASA DO COMENDADOR Gaspar fechou-se no gabinete com o enteado. — Senta-te, disse ele, dando volta a uma charuteira e tirando de sobre a estante uma garrafa de cristal. Fuma um charuto e toma um cálice de Málaga: Gabriel instalou-se em uma poltrona. Estava realmente um belo moço; e ali, contra o marroquim vermelho da cadeira, a luz do gás, caindo do alto, lhe fazia destacar bem o puro contorno da cabeça, deixando-lhe o rosto embebido em meia sombra, na qual cintilavam com um olhar ansioso as duas negras jóias, que Gabriel herdara da mãe. Havia nele toda a graça dos vinte e um anos. Gaspar acendeu um charuto, e assentou-se defronte do enteado. — Chegou a época da tua emancipação, disse, e amanhã mesmo iremos tratar dela. Estás, por conseguinte, um homem, e eu tenho de substituir, junto a ti, o meu papel de tutor pelo de teu mais dedicado amigo. Vais entrar na posse de teus bens, que aliás são bastante avultados; antes disso porém, quero contar-te a história de tua mãe e desempenhar uma comissão que ela me confiou nos seus últimos momentos... E Gaspar, muito comovido, tirou do fundo de uma gaveta da secretária um estojo, que passou ao filho de Violante. 64

— Um punhal?! exclamou este ao abri-lo. www.nead.unama.br Foi de tua mãe e pertenceu igualmente a teus avós. É objeto de família, que tem passado de pais a filhos. Guarde-o como sagrada relíquia daquele anjo que consigo me levou para sempre toda a minha esperança de felicidade. Gaspar enxugou os olhos e prosseguiu, enquanto o outro examinava o punhal: — Esse sangue que enferrujou a lâmina, é sangue de tua mãe. Violante matou-se com uma punhalada. Tinha um temperamento de leoa e uma alma de arcanjo; matou-se, porque eu lhe supliquei que não assassinasse meu cunhado Paulo Mostella... Gabriel ficou pensativo, Gaspar foi buscar um retrato de Violante e colocou-o defronte de ambos. Houve um grande silêncio, respeitoso e, profundo, como se os dois se preparassem para receber, com aquela visita do passado, uma visita da própria morta. Só se ouvia, além do palpitar da pêndula suspensa da parede, o zumbido das asas de uma mariposa, que gravitava freneticamente em torno do globo aceso. Afinal, Gaspar, com a voz enfraquecida pela comoção, narrou circunstanciadamente a Gabriel tudo o que sabia a respeito de Violante. O moço ouvia-o sereno e contrito. No seu bizarro temperamento, a história romântica de sua mãe produzia um conjunto de orgulho e mágoa. Sentia que o seu sangue era ainda o mesmo, vermelho e quente, que tingira a lâmina daquele punhal; compreendeu que em sua alma dormiam também grandes vendavais e tempestades. Ouviu falar da própria raça, sem o mais passageiro vestígio de sobressalto. A sua pálida fronte conservava-se límpida, e seus olhos dormiam no fundo do seu olhar, como dois diamantes esquecidos na areia de um lago cristalino e plácido. Quando Gaspar terminou, ele abraçou-o com toda a calma, e guardou junto do coração o seu punhal de família. O relógio marcava meia-noite. Já era tempo de recolherem. E os dois encaminharam-se para os aposentos do coronel. Mas Gaspar, ao entrar no quarto do pai, estremeceu, assustado pela escuridão e pelo completo silêncio que ali reinavam. Acendeu uma vela e penetrou na alcova; estava vazio o leito. Possuído de mil receios e cuidados, correu toda a casa. O coronel tinha desaparecido. — Ah! Já sei! exclamou, sobressaltado por uma idéia. Meu pai foi à casa do comendador! Depressa Corramos a encontrá-lo! E os dois lançaram-se para fora. Na rua tomaram um carro e mandaram tocar à disparada para o Caminho Velho de Botafogo, que era onde Moscoso tinha a sua residência na cidade. As janelas do palacete do comendador mostravam-se iluminadas. Defronte do portão do jardim havia urna enorme fila de carruagens. O palacete estava em baile. 65

— Um punhal?! exclamou este ao abri-lo.<br />

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Foi de tua mãe e pertenceu igualmente a teus avós. É objeto de família, que<br />

tem passado de pais a filhos. Guarde-o como sagrada relíquia daquele anjo que<br />

consigo me levou para sempre toda a minha esperança de felicidade.<br />

Gaspar enxugou os olhos e prosseguiu, enquanto o outro examinava o<br />

punhal:<br />

— Esse sangue que enferrujou a lâmina, é sangue de tua mãe. Violante<br />

matou-se com uma punhalada. Tinha um temperamento de leoa e uma alma de<br />

arcanjo; matou-se, porque eu lhe supliquei que não assassinasse meu cunhado<br />

Paulo Mostella...<br />

Gabriel ficou pensativo, Gaspar foi buscar um retrato de Violante e colocou-o<br />

defronte de ambos.<br />

Houve um grande silêncio, respeitoso e, profundo, como se os dois se<br />

preparassem para receber, com aquela visita do passado, uma visita da própria<br />

morta. Só se ouvia, além do palpitar da pêndula suspensa da parede, o zumbido das<br />

asas de uma mariposa, que gravitava freneticamente em torno do globo aceso.<br />

Afinal, Gaspar, com a voz enfraquecida pela comoção, narrou<br />

circunstanciadamente a Gabriel tudo o que sabia a respeito de Violante.<br />

O moço ouvia-o sereno e contrito. No seu bizarro temperamento, a história<br />

romântica de sua mãe produzia um conjunto de orgulho e mágoa. Sentia que o seu<br />

sangue era ainda o mesmo, vermelho e quente, que tingira a lâmina daquele punhal;<br />

compreendeu que em sua alma dormiam também grandes vendavais e<br />

tempestades. Ouviu falar da própria raça, sem o mais passageiro vestígio de<br />

sobressalto. A sua pálida fronte conservava-se límpida, e seus olhos dormiam no<br />

fundo do seu olhar, como dois diamantes esquecidos na areia de um lago cristalino<br />

e plácido.<br />

Quando Gaspar terminou, ele abraçou-o com toda a calma, e guardou junto<br />

do coração o seu punhal de família.<br />

O relógio marcava meia-noite. Já era tempo de recolherem. E os dois<br />

encaminharam-se para os aposentos do coronel.<br />

Mas Gaspar, ao entrar no quarto do pai, estremeceu, assustado pela<br />

escuridão e pelo completo silêncio que ali reinavam. Acendeu uma vela e penetrou<br />

na alcova; estava vazio o leito.<br />

Possuído de mil receios e cuidados, correu toda a casa. O coronel tinha<br />

desaparecido.<br />

— Ah! Já sei! exclamou, sobressaltado por uma idéia. Meu pai foi à casa do<br />

comendador! Depressa Corramos a encontrá-lo!<br />

E os dois lançaram-se para fora.<br />

Na rua tomaram um carro e mandaram tocar à disparada para o Caminho<br />

Velho de Botafogo, que era onde Moscoso tinha a sua residência na cidade.<br />

As janelas do palacete do comendador mostravam-se iluminadas. Defronte<br />

do portão do jardim havia urna enorme fila de carruagens.<br />

O palacete estava em baile.<br />

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