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Alfredo acompanhava-lhe os movimentos, piscando os olhos, com um ar de<br />
medo.<br />
O coronel golpeou o quarto a passos largos e pesados.<br />
Tinha a cabeça erguida, o olhar descomposto, a boca aberta, mostrando os<br />
dentes fulvos de tabaco. A fronte, larga e despojada, saía-lhe de uma nuvem de<br />
cabelos brancos.<br />
No seu porte, na sua fisionomia, no seu olhar de águia velha, havia uma<br />
trágica expressão de loucura.<br />
Foi entre o fumo das batalhas, exclamou ele estacando ao fundo do<br />
aposento e fitando o genro, que formei o meu caráter e o meu coração! Foi entre o<br />
fuzilar da metralha e o clamor dos moribundos, que se escoou a minha mocidade,<br />
limpa e vermelha, como o sangue de um justo! Nunca a mentira me anuviou o olhar,<br />
nunca a vergonha me desmaiou as faces! Fui reto e valente! Mil vezes arrisquei a<br />
vida pela pátria, mil vezes mergulhei no fogo, abraçado ao pavilhão brasileiro!<br />
Entretanto, em paga de tudo isso, ela, a pátria, só me dá o esquecimento! E a<br />
sociedade, a grande sociedade! só me dá, de quinze em quinze dias, uma inventiva<br />
pelo Jornal do Comércio! Maldito sejas tu, Brasil ingrato! Fui intrépido, leal e<br />
generoso, contudo irei para o fundo da terra isolado e crivado de insultos, como se<br />
fosse um bandido!<br />
E avançando para Alfredo, bradou-lhe com uma voz terrível:<br />
— Tu mesmo, desgraçado, não te lembrarias de fazer-me esta visita, se te<br />
sentisses menos infeliz! Vieste cá pela simpatia do desespero; entraste, porque és<br />
velho conhecido da negra miséria que cá está. Sabias que aqui pelo menos, não te<br />
cuspiriam nas costas, não te bateriam no chapéu, nem te voltariam enjoados o rosto!<br />
porém fizeste mal em vir! eu vou perfeitamente só para a sepultura. Volta por onde<br />
vieste, miserável! que já há por cá bastante mágoa, bastante agonia, bastante<br />
sofrimento! Vai exibir noutra parte a tua mingua, que ela mais me apoquenta e me<br />
irrita! Sai!<br />
E o coronel apontou-lhe a porta:<br />
— Anda! Sai!...<br />
Alfredo obedeceu, de cabeça baixa; tomou o chapéu, e saiu humilde e<br />
silencioso, como um cão enxotado.<br />
Mas, ao passar pela sala de jantar, chamou a criada, que dormia, e disse-lhe<br />
fosse ver o amo, que estava mal.<br />
E, ao chegar à rua, abriu a soluçar, com uma grande aflição.<br />
— Até este!... dizia ele; até este!... A moléstia fê-lo ficar como os outros!<br />
E assentou-se à soleira de uma porta, para chorar mais à vontade.<br />
Um pequeno que passava gritou-lhe:<br />
— Ó Marmelada!<br />
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