A Condessa Vésper - Unama
A Condessa Vésper - Unama A Condessa Vésper - Unama
www.nead.unama.br merecer os tormentos que sofri a teu lado?... para que guardei eu à vista, com tanto empenho, o tesouro da tua beleza, se o guardava para a sensualidade do sepulcro?!... E Gaspar deixou-se ficar abraçado ao cadáver de Violante, com a cabeça escondida no montão negro dos cabelos dela. E assim ficou longamente, sem percepção do que se passava em torno, sem consciência do tempo, nem do lugar. Só volveu a si quando alguém lhe tocou no ombro. Voltou-se com os olhos afogados em lágrimas. Defronte dele estava o coronel. dizer... CAPÍTULO XI A MOFINA — Meu pai! Estaria sonhando?! — Não, disse o velho. Abraça-me, depois explica-me o que tudo isso quer Gaspar contou francamente ao pai tudo o que se passara entre ele e Violante. O pobre velho comoveu-se com as desgraças do filho e lamentou o triste fim daquela infeliz rapariga, que ele, vinte anos antes, havia recolhido da miséria em Montevidéu. — Mas, por que não me escreveste a respeito dela? perguntou o coronel, impressionado por não ter podido evitar tanto infortúnio. — Tencionava fazê-lo juntamente com o pedido do seu consentimento para a nossa união... — Em todo caso, cumpre-nos tratar do mais urgente: vou daqui à casa de Virgínia; para lá irá o cadáver, e de lá sairá o enterro. Paulo está fora, mas é o mesmo. Tu ficas aqui; eu voltarei com os homens necessários para transportar o corpo. Até logo. Coragem! O enterro fez-se com efeito no dia seguinte pela manhã, por um tempo abafado e triste. Gaspar, a partir daí, parecia dominado por um desgosto profundo, que nunca mais o abandonaria. Tornou ao hotel; apoderou-se dos objetos que pertenceram à falecida, e instalou-se em casa da irmã, sepultando-se no quarto, sem ânimo para nada. — Tu tens que mudar de vida! disse-lhe o pai. Seguiremos quanto antes para o Rio de Janeiro; preciso de ti ao meu lado. Estou só. Ana mora lá com o marido; esta também cá está com o seu, e não tenciona repatriar-se tão cedo... por conseguinte, só me resta a tua companhia, eu não a posso dispensar. Sinto-me velho e desamparado. Meus negócios vão ultimamente de mal a pior; minhas especulações falharam todas; fiquei reduzido ao simples soldo! Não tenho uma comissão, nem esperança de obter cousa alguma; não há quem se empenhe por mim... E, além de tudo isso, meu filho, sofro uma guerra implacável, uma guerra cruel, e sem saber de quem! 46
— Como assim?... www.nead.unama.br Refiro-me a certas mofinas, que de bons tempos a esta parte se publicam invariavelmente duas vezes por mês no Jornal do Comércio. É uma infâmia! dizem o diabo de mim! Chegaram já a chamar-me de ladrão! — Mas quem será o autor dessa perfídia!... perguntou Gaspar, indignado. — Sei cá quem é! respondeu o pai, sacudindo os ombros. Não me dói na consciência haver feito mal a ninguém; não tenho em minha vida glórias tais que possam despertar inveja; nunca pratiquei baixezas, nem cometi crimes que pudessem levantar a indignação ou o ódio de quem quer que seja... Digo-te com franqueza que não sei absolutamente a quem possa atribuir semelhante cousa! Mas o que te afianço é que o tal autor das mofinas não se descuida... Tudo deixará de aparecer, menos uma injúria contra mim no dia quinze e no dia trinta de cada mês. Já tenho, por todos os modos, procurado ver se descubro a quem devo tão estranha perseguição, mas qual! o miserável esconde-se deveras. — Ora, havemos de ver se o descobriremos ou não. E juro-lhe, meu pai, que, se o não descobrirmos, quem mais há de pagar é o redator do jornal! — Bem! bem! mas não é disso que se trata agora! observou o coronel. O que desejo saber é se podes seguir para o Rio no primeiro vapor... — Posso, mas não para ficar de vez, porque tenho ainda o que fazer em Montevidéu; tenho que proceder ao inventário dos bens de Violante em beneficio de meu enteado. Só depois de tudo muito bem disposto, é que poderei voltar para o Rio de Janeiro e fazer-lhe companhia. Porém, de tudo, o que me parece mais razoável é que o senhor venha comigo dar um passeio à República Oriental... — Não! Estou cansado e quero morrer onde nasci; além de que, ficando na Corte, verei sempre a minha querida Ana, o que me fará bem. Em todo caso, meu filho, se os teus interesses te aconselharem que abandones o Brasil, não serei eu que a isso me oponha, posto que precise como nunca de ti ao meu lado. Não quero prejudicar-te. — De forma alguma, meu pai; terminado o que tenho a fazer em Montevidéu, mudo-me definitivamente para o Rio, e aí viveremos juntos. Tenciono dedicar-me exclusivamente à minha profissão de médico. Partiram no primeiro vapor, e Gaspar seguiu para Montevidéu. Tratou este logo do inventário, ficando Gabriel patrimoniado com trezentos mil pesos ouro. O padrasto pensou em retirar-se com ele para o Brasil. O filho de Violante orçava então pelos oito anos; era um menino sadio, forte e bem tratado. Gaspar é que não parecia o mesmo. Nada o distraía, nada conseguia espantar o bando de aves negras do seu tédio. Passava uma vida concentrada e aborrecida; tudo lhe trazia à idéia a sua pobre Violante, deixando-lhe o coração embebido em uma saudade imensa e desesperadora. Tinha ele seus então vinte e sete anos e parecia ter muito mais; estava magro, com grandes olheiras. Entre todos os rostos formosos das mulheres de Montevidéu, nem um só havia que lhe chamasse um pouco de luz aos olhos, ou um pouco de riso aos lábios. Seu único prazer, sua consolação única, era ter Gabriel nos braços. A bela criança, apesar de loura, lembrava muita cousa da mãe. Os olhos rasgados e pestanudos da oriental ali estavam com o filho como preciosas jóias herdadas da família. 47
- Page 1 and 2: nead Núcleo de Educação a Di st
- Page 3 and 4: www.nead.unama.br "Desse triste mon
- Page 5 and 6: www.nead.unama.br de tal idéia de
- Page 7 and 8: www.nead.unama.br Os criados, moíd
- Page 9 and 10: www.nead.unama.br Atravessou de car
- Page 11 and 12: CAPÍTULO III ASCENDENTES www.nead.
- Page 13 and 14: www.nead.unama.br E o grande fato
- Page 15 and 16: www.nead.unama.br É deste ponto qu
- Page 17 and 18: www.nead.unama.br Encontrei-o hoje,
- Page 19 and 20: www.nead.unama.br valem um obséqui
- Page 21 and 22: www.nead.unama.br — Só à senhor
- Page 23 and 24: www.nead.unama.br "Tenho minha mãe
- Page 25 and 26: — Uma vez propus-me um passeio ao
- Page 27 and 28: www.nead.unama.br Em seguida senti
- Page 29 and 30: www.nead.unama.br atrapalhar-nos...
- Page 31 and 32: www.nead.unama.br — Mas é que n
- Page 33 and 34: www.nead.unama.br a calma de quem s
- Page 35 and 36: No hotel, dizia ele, comia-se mal e
- Page 37 and 38: www.nead.unama.br os reclamos da tu
- Page 39 and 40: www.nead.unama.br — Porém, proib
- Page 41 and 42: www.nead.unama.br — Onde está me
- Page 43 and 44: www.nead.unama.br eu preciso descar
- Page 45: Ficaram a sós os dois. www.nead.un
- Page 49 and 50: www.nead.unama.br A cousa não seri
- Page 51 and 52: www.nead.unama.br Entre essa gente
- Page 53 and 54: www.nead.unama.br Falava nesses tra
- Page 55 and 56: www.nead.unama.br Alfredo atravesso
- Page 57 and 58: CAPÍTULO XIV DESCOBRE-SE O AUTOR D
- Page 59 and 60: www.nead.unama.br E limpava os olho
- Page 61 and 62: www.nead.unama.br — Ora, não ofe
- Page 63 and 64: www.nead.unama.br — Você almoço
- Page 65 and 66: — Um punhal?! exclamou este ao ab
- Page 67 and 68: www.nead.unama.br Moscoso voltou a
- Page 69 and 70: www.nead.unama.br Havia alguma cous
- Page 71 and 72: www.nead.unama.br realçar as graç
- Page 73 and 74: www.nead.unama.br — Para quê? pa
- Page 75 and 76: CAPÍTULO XVII LEONARDO www.nead.un
- Page 77 and 78: www.nead.unama.br Alguém foi para
- Page 79 and 80: www.nead.unama.br Ambrosina; o outr
- Page 81 and 82: www.nead.unama.br Alguns dias depoi
- Page 83 and 84: www.nead.unama.br — Adeus, disse
- Page 85 and 86: www.nead.unama.br Os credores caír
- Page 87 and 88: www.nead.unama.br — Como sou feli
- Page 89 and 90: www.nead.unama.br — Devagar!... o
- Page 91 and 92: www.nead.unama.br "Isto é negocioz
- Page 93 and 94: www.nead.unama.br — Sei cá! porq
- Page 95 and 96: www.nead.unama.br ele. Se as nossas
— Como assim?...<br />
www.nead.unama.br<br />
Refiro-me a certas mofinas, que de bons tempos a esta parte se publicam<br />
invariavelmente duas vezes por mês no Jornal do Comércio. É uma infâmia! dizem o<br />
diabo de mim! Chegaram já a chamar-me de ladrão!<br />
— Mas quem será o autor dessa perfídia!... perguntou Gaspar, indignado.<br />
— Sei cá quem é! respondeu o pai, sacudindo os ombros. Não me dói na<br />
consciência haver feito mal a ninguém; não tenho em minha vida glórias tais que<br />
possam despertar inveja; nunca pratiquei baixezas, nem cometi crimes que<br />
pudessem levantar a indignação ou o ódio de quem quer que seja... Digo-te com<br />
franqueza que não sei absolutamente a quem possa atribuir semelhante cousa! Mas<br />
o que te afianço é que o tal autor das mofinas não se descuida... Tudo deixará de<br />
aparecer, menos uma injúria contra mim no dia quinze e no dia trinta de cada mês.<br />
Já tenho, por todos os modos, procurado ver se descubro a quem devo tão estranha<br />
perseguição, mas qual! o miserável esconde-se deveras.<br />
— Ora, havemos de ver se o descobriremos ou não. E juro-lhe, meu pai,<br />
que, se o não descobrirmos, quem mais há de pagar é o redator do jornal!<br />
— Bem! bem! mas não é disso que se trata agora! observou o coronel. O<br />
que desejo saber é se podes seguir para o Rio no primeiro vapor...<br />
— Posso, mas não para ficar de vez, porque tenho ainda o que fazer em<br />
Montevidéu; tenho que proceder ao inventário dos bens de Violante em beneficio de<br />
meu enteado. Só depois de tudo muito bem disposto, é que poderei voltar para o Rio<br />
de Janeiro e fazer-lhe companhia. Porém, de tudo, o que me parece mais razoável é<br />
que o senhor venha comigo dar um passeio à República Oriental...<br />
— Não! Estou cansado e quero morrer onde nasci; além de que, ficando na<br />
Corte, verei sempre a minha querida Ana, o que me fará bem. Em todo caso, meu<br />
filho, se os teus interesses te aconselharem que abandones o Brasil, não serei eu<br />
que a isso me oponha, posto que precise como nunca de ti ao meu lado. Não quero<br />
prejudicar-te.<br />
— De forma alguma, meu pai; terminado o que tenho a fazer em<br />
Montevidéu, mudo-me definitivamente para o Rio, e aí viveremos juntos. Tenciono<br />
dedicar-me exclusivamente à minha profissão de médico.<br />
Partiram no primeiro vapor, e Gaspar seguiu para Montevidéu. Tratou este<br />
logo do inventário, ficando Gabriel patrimoniado com trezentos mil pesos ouro.<br />
O padrasto pensou em retirar-se com ele para o Brasil.<br />
O filho de Violante orçava então pelos oito anos; era um menino sadio, forte<br />
e bem tratado. Gaspar é que não parecia o mesmo. Nada o distraía, nada conseguia<br />
espantar o bando de aves negras do seu tédio. Passava uma vida concentrada e<br />
aborrecida; tudo lhe trazia à idéia a sua pobre Violante, deixando-lhe o coração<br />
embebido em uma saudade imensa e desesperadora. Tinha ele seus então vinte e<br />
sete anos e parecia ter muito mais; estava magro, com grandes olheiras. Entre todos<br />
os rostos formosos das mulheres de Montevidéu, nem um só havia que lhe<br />
chamasse um pouco de luz aos olhos, ou um pouco de riso aos lábios. Seu único<br />
prazer, sua consolação única, era ter Gabriel nos braços.<br />
A bela criança, apesar de loura, lembrava muita cousa da mãe. Os olhos<br />
rasgados e pestanudos da oriental ali estavam com o filho como preciosas jóias<br />
herdadas da família.<br />
47