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Ficaram a sós os dois.<br />
www.nead.unama.br<br />
— Vem cá, balbuciou ela, tomando as mãos de Gaspar, vem dar-me o teu<br />
primeiro beijo... Chega-te mais para mim!... Afaga-me! dize-me as ternuras que<br />
reservavas para a nossa noite de núpcias, fala-me do nosso pobre amor! Tu choras,<br />
meu amigo!... Então sempre é verdade que me amavas muito!... Sim! bem sei que<br />
era!... E teu amor foi sempre puro e consolador como uma boa ação. Não me<br />
repreendas; deixa-me conversar contigo!... Coloca teu braço debaixo da minha<br />
cabeça.... Assim! Mas a ferida começa a doer-me muito! Se me desse um pouco<br />
d’água! Tenho uma sede horrível! Ai quanto custa morrer!...<br />
— Não te aflijas, Violante! Não fales em morrer! Havemos ambos de gozar<br />
ainda do nosso amor em plena exuberância da vida!<br />
— Gaspar, disse ela, dá-me de sobre aquela cômoda uma caixinha de<br />
charão que lá está. Bom! é isso mesmo. Toma esse leque para ti, é de sândalo: foi o<br />
único presente que fez Paulo, além da nossa desgraça... Fica-te com ele; conserveo<br />
depois da minha morte, como uma lembrança de tua esposa... Agora, apanha o<br />
meu punhal e guarde-o bem para entregares a meu filho, logo que este se<br />
emancipe. Peço-te que a meu filho nunca desampares. Ele, coitado! desde que eu<br />
feche os olhos, só a ti terá no mundo; dá-lhe um pouco de teu coração, e cria aquela<br />
alma com a substância do teu amor e do teu caráter. Educa-o à tua semelhança,<br />
faze dele um homem honrado. Conta-lhe a história desse punhal, e ensina-lhe a não<br />
odiar a memória de sua mãe... Tu serás o pai de Gabriel... Ele é rico; incumbe-te de<br />
todos os seus interesse... nunca o abandones, continua nele a obra de teu pai em<br />
mim principiada e...<br />
Mas Violante interrompeu-se com um grito agudo.<br />
— Sinto-me convulsionada! exclamou ela. Meu Deus! já será a morte!...<br />
Gaspar! Gaspar! vê se me obténs mais um bocado de vida! Tu és médico! Então?!<br />
Mas o que? Choras desse modo?!<br />
E Violante, com um novo grito, estirou-se em todo o comprimento da cama;<br />
entesou os braços, deixou cair para trás a cabeça, e deu um arranco surdo e muito<br />
prolongado, que se foi transformando em um gemido doloroso e profundo e lhe foi<br />
morrendo na garganta, lentamente...<br />
Duas lágrimas, grossas e mornas, correram-lhe pelo mármore das faces,<br />
com os últimos restos da vida que a abandonava.<br />
Gaspar dobrou os braços sobre a cômoda e abafou com as duas mãos os<br />
seus soluços.<br />
Estava tudo consumado! De suas esperanças, de seu amor, de seus sonhos<br />
de felicidade, só restava ali aquele corpo inânime, que ia desaparecer para sempre!<br />
— Pobre mulher! disse ele, ajoelhando-se ao lado do cadáver; pobre mulher,<br />
que amei sem possuir, e que possuí sem gozar! Tinha no teu sangue o veneno do<br />
ódio e todas as doçuras da dedicação e do sacrifício! Por que havia a porção má de<br />
estrangular a outra? Por que não fizeste vingar em proveito do nosso amor as<br />
açucenas da tua ternura?... por que as deixaste tão expostas ao fogo do teu<br />
temperamento?... E vais partir, minha pobre esposa! vais partir sem me teres dado o<br />
meu quinhão de felicidade a que tinha direito como teu marido! Partes, quando eu<br />
mais me ligava a ti pelo casamento, pelo dever, pela dignidade! O que fiz para<br />
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