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— Desce, vai à rua e dize ao homem que lá está à minha espera, que já não<br />
preciso dele. Dá-lhe dinheiro e ordena-lhe que nunca mais me apareça.<br />
Gaspar desceu a escada a três e três degraus.<br />
Ao voltar ao quarto de Violante, soltou um grito; a bela mulher estava<br />
estendida no tapete, aos pés do leito, e seu colo nadava em sangue.<br />
Apunhalara-se.<br />
— Perdoa-me! disse ela, ofegante, ao ver entrar Gaspar. Eu sou uma<br />
desgraçada! Reconheço que é mau tudo o que cometi, mas não estava em mim<br />
poder evitá-lo... Não sei odiar de outro modo. Meu ódio só se pode esvair em<br />
sangue... Estou agora mais aliviada... parece-me ver correr do próprio peito a cólera<br />
vermelha e ardente, que dentro dele se tinha acumulado... Ai! quanto me desafronta<br />
o sangue que derramo! Sinto-me melhor... mais propensa à piedade... Vou<br />
compreendendo toda a razão das tuas palavras, meu bom companheiro... Cerraramse-me<br />
os olhos, desfaleço, como se adormecesse no elevamento de um amor<br />
ideal... Já vejo assomar além, por entre as névoas que me ensombram, o vulto<br />
singelo e casto de teu pai... Ele sorri para mim... envolve-me toda no seu olhar<br />
compassivo e doce... Não me despertes...<br />
E a oriental deixou pender a cabeça, e desfaleceu. Gaspar correu aos<br />
aparelhos cirúrgicos e apressou-se a tomar-lhe a ferida. Mas a mão tremia-lhe, o<br />
coração saltava-lhe dentro com força, e as lágrimas corriam-lhe dos olhos em<br />
borbotão. Contudo, o médico operava, e Violante vivia.<br />
No dia seguinte, ela abriu os olhos e recuperou a fala.<br />
Suas primeiras palavras foram para pedir água. Gaspar negou-lha. A infeliz<br />
tinha a voz muito fraca, palidez mortal, e uma profunda melancolia espalhada por<br />
todo o semblante.<br />
Gaspar estava ajoelhado à cabeceira da cama em que a depusera. O outro<br />
médico já se tinha retirado.<br />
Os dois amantes ficaram longo tempo a se olharem com a mesma tristeza.<br />
Ela passou-lhe depois a mão pelos cabelos e chamou a cabeça dele para seu colo.<br />
Gaspar não podia articular uma palavra; as lágrimas corriam-lhe apressadas e<br />
quentes pela barba.<br />
— Como tu és bom, meu amigo! como tu merecias ser feliz...<br />
— Não estejas a falar, que isto te faz mal... observou Gaspar, no fim de<br />
alguns instantes. Vê se sossegas. Eu fico aqui, ao pé de ti...<br />
— Sim, sim; mas preciso muito que me faças um grande favor; manda<br />
chamar um padre. Eu quero casar-me contigo antes de morrer.<br />
— Tu não morrerás!...<br />
— Sim, mas manda chamá-lo...<br />
O padre veio e cumpriu-se a cerimônia. Depois Violante exigiu que se<br />
lavrasse um documento assinado por ela, declarando o modo pelo qual morria.<br />
Ficou tudo feito. Era ela a que parecia menos aflita.<br />
— Bem, disse quando viu que já não precisava dos estranhos, deixe-me<br />
agora com meu marido...<br />
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