A Condessa Vésper - Unama
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www.nead.unama.br Eram três horas, pouco mais ou menos. Então, Violante, descalça e cheia de precauções, abriu imperceptivelmente a porta do seu quarto e, tateando nas trevas, alongou para fora um dos braços. Mas, na ocasião em que ia sair, sentiu uma nervosa mão segurá-la pelo pulso. — Onde vai? perguntou Gaspar. — Deixe-me! impôs a oriental, com alvoroço na voz. — Quero saber onde vai, minha senhora. Disse-lhe já quais são as intenções que tenho a seu respeito, e creio que elas me autorizam a semelhante exigência! — Dir-lhe-ei tudo depois; agora não posso. Preciso sair imediatamente. Não irá! E Gaspar forçou Violante a entrar novamente para o quarto, e obstruiu a porta com o corpo. — Com que direito se atreve o senhor a tanto?! — Com o direito do homem, que tem sido publicamente seu marido; o homem, a quem a senhora prometeu a mão de esposa e a quem disse ser uma mulher honesta! — Juro que não vou cometer nenhuma deslealdade; além disso, desisto dos votos que fiz, desisto de tudo! mas deixe-me passar, com todos os diabos! Esta cena realizava-se no escuro. Gaspar deu volta à chave e, fechando com a oriental por dentro da alcova, riscou um fósforo e acendeu a vela. — Não sairá daqui! já disse! — Ah! que o senhor abusa! rosnou Violante com um olhar terrível. — De que, minha senhora? — De minha paciência! E a oriental sacou o punhal do seio. — Lembre-se de que, ao herdar este ferro, exclamou lívida de cólera, já ele tinha servido muitas vezes! Lembre-se de que com ele herdei igualmente o caráter de meu pai e o sangue de minha mãe! Afaste-se, ou eu abrirei caminho! — Pode abrir! disse Gaspar, apresentando o peito. Já que vai matar o filho da mulher que lhe serviu de mãe, é justo que primeiro assassine o filho daquele que lhe serviu de pai... é muito razoável que os dois velhos se cubram de luto na mesma ocasião. Vamos! uma vez que tão depressa se apagou desse coração a memória do honrado militar que a recolheu um dia ao seu amor, não é muito que lhe roube a última consolação da velhice... Mate-me! Não me defenderei, porque não levanto mão contra quem amo! Violante atirou para trás o punhal, caiu aos pés de Gaspar: — Perdoa, meu amigo, meu esposo, meu senhor! Sei que sou má e que só mereço desdém e menosprezo dos homens sensatos, sei que és um moço generoso e leal, e que para mim só desejas o bem e a ventura; mas, deixa-me ir, por piedade! 42
www.nead.unama.br eu preciso descarregar do coração esta sede terrível, que se tem alimentado até hoje do meu próprio sangue; eu preciso arrancar da minha consciência o desespero de não haver cumprido o meu voto! Deixa-me seguir o destino da minha raça, deixame dar de beber ao meu ódio, e de mim farás depois o que entenderes! Poderás desprezar-me à vontade, e eu te beijarei os pés e te servirei como escrava! Mas deixa-me ir! o tempo urge! a hora da fortuna vai fugir! e amanhã o covarde sabe que quero matá-lo e esconde-se nos braços da mulher! Pelo amor que tens a teu pai, pelo respeito que te merece a memória de tua mãe, deixa-me passar, meu amigo, meu protetor! Gaspar levantou-a do chão e amparou-a nos braços. — Pois bem, vai disse ele; mas, antes deixa que te faça uma revelação suprema: Eu detesto Paulo Mostella; aborreci-o logo que me falaste dele, e abominei-o encarniçadamente quando o vi pela primeira vez. Até ai tinha por ele apenas um vago desprezo, mas ao vê-lo, moço forte, bonito e não repulsivo como o pintaste, odiei-o! odiei-o com ciúme, com inveja, com desespero! Lembrei-me que Paulo te gozou como eu nunca te gozarei, porque o miserável multiplicou os teus encantos com os mistérios do crime e com as alucinações do vício! Gozou-te pelo prisma do prazer pelo prazer, sem conseqüências, sem tédios, sem obrigações positivas; colheu com a boca, entre sorrisos, a flor do teu temperamento meridional, e deixou na haste os espinhos, para que eu neles sangrasse depois meu coração e meu lábios! Por isso o execrei com todo o ardor da minha vaidade de homem e do meu egoísmo de macho! Queria vê-lo cair aos golpes do teu punhal, porque a sua morte seria a minha vida; matando-o tu, eu te amaria muito mais! Porém não posso consentir em tal: esse homem que odeio, esse monstro que te enganou, é meu cunhado e é o marido de Virgínia, minha irmã mais moça! Matá-lo seria matar a mulher, porque ela o adora com todo o entusiasmo do primeiro amor e da primeira maternidade! E como posso eu ser cúmplice na viuvez de Virgínia, no luto de meu pai e no sacrifício de seu primeiro neto?! E Gaspar, segurando a oriental pela cintura, acrescentou com a voz suplicante: — Vê, reflete, minha doce amiga, minha estremecida companheira! Disse-te francamente os motivos por que não consinto que realizes os teus planos de vingança; confessei-te tudo, e peço-te agora com amor, com humilhação, que sacrifique ao bem de minha família alguma cousa da tua suposta ventura... Só no caso de não atenderes às súplicas de teu mal-aventurado amante, é que o irmão de Virgínia defenderá do teu punhal o marido de sua irmã! — Não será preciso, respondeu Violante, afastando-se. Uma vez que Paulo Mostella é necessário à felicidade de teu pai, ele viverá. Minha mão jamais se levantará para o ferir. Podes ficar tranqüilo... — Obrigado! obrigado! exclamou Gaspar, atirando-se aos pés da oriental. Bem sabia eu que em teu coração não tinha morrido ainda a idéia do bem e da justiça; obrigado! obrigado, minha amiga! — Não me agradeças cousa alguma. Eu cumpro um destino... E mudando de tom: 43
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Eram três horas, pouco mais ou menos. Então, Violante, descalça e cheia de<br />
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Mas, na ocasião em que ia sair, sentiu uma nervosa mão segurá-la pelo<br />
pulso.<br />
— Onde vai? perguntou Gaspar.<br />
— Deixe-me! impôs a oriental, com alvoroço na voz.<br />
— Quero saber onde vai, minha senhora. Disse-lhe já quais são as<br />
intenções que tenho a seu respeito, e creio que elas me autorizam a semelhante<br />
exigência!<br />
— Dir-lhe-ei tudo depois; agora não posso. Preciso sair imediatamente.<br />
Não irá!<br />
E Gaspar forçou Violante a entrar novamente para o quarto, e obstruiu a<br />
porta com o corpo.<br />
— Com que direito se atreve o senhor a tanto?!<br />
— Com o direito do homem, que tem sido publicamente seu marido; o<br />
homem, a quem a senhora prometeu a mão de esposa e a quem disse ser uma<br />
mulher honesta!<br />
— Juro que não vou cometer nenhuma deslealdade; além disso, desisto dos<br />
votos que fiz, desisto de tudo! mas deixe-me passar, com todos os diabos!<br />
Esta cena realizava-se no escuro. Gaspar deu volta à chave e, fechando<br />
com a oriental por dentro da alcova, riscou um fósforo e acendeu a vela.<br />
— Não sairá daqui! já disse!<br />
— Ah! que o senhor abusa! rosnou Violante com um olhar terrível.<br />
— De que, minha senhora?<br />
— De minha paciência!<br />
E a oriental sacou o punhal do seio.<br />
— Lembre-se de que, ao herdar este ferro, exclamou lívida de cólera, já ele<br />
tinha servido muitas vezes! Lembre-se de que com ele herdei igualmente o caráter<br />
de meu pai e o sangue de minha mãe! Afaste-se, ou eu abrirei caminho!<br />
— Pode abrir! disse Gaspar, apresentando o peito. Já que vai matar o filho<br />
da mulher que lhe serviu de mãe, é justo que primeiro assassine o filho daquele que<br />
lhe serviu de pai... é muito razoável que os dois velhos se cubram de luto na mesma<br />
ocasião. Vamos! uma vez que tão depressa se apagou desse coração a memória do<br />
honrado militar que a recolheu um dia ao seu amor, não é muito que lhe roube a<br />
última consolação da velhice... Mate-me! Não me defenderei, porque não levanto<br />
mão contra quem amo!<br />
Violante atirou para trás o punhal, caiu aos pés de Gaspar:<br />
— Perdoa, meu amigo, meu esposo, meu senhor! Sei que sou má e que só<br />
mereço desdém e menosprezo dos homens sensatos, sei que és um moço generoso<br />
e leal, e que para mim só desejas o bem e a ventura; mas, deixa-me ir, por piedade!<br />
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