A Condessa Vésper - Unama
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www.nead.unama.br amiga das aventuras, e grande conhecedora de todos os segredos do amor; pensei vaidosamente comigo mesmo que a tinha impressionado e que podia em breve colher os saborosos frutos dessa fortuna. A senhora, porém, desviou logo semelhante presunção, narrando-me com muito talento uma história, na qual figurava minha família, e pedindo-me que a acompanhasse por toda a parte, como seu protetor, seu amigo, seu irmão... Não é verdade que, se me confiou tão delicado papel, foi porque lhe inspirei a mais cega das confianças? — Justamente. — Pois declaro-lhe que a não merecia. Quando aceitei o espinhoso disfarce de seu marido, foi ainda na esperança de alguma venturosa ocorrência; a senhora, porém tem desenvolvido uma tal dignidade, tem se portado com tal circunspecção, que eu, confesso-lhe, estou envergonhado, e para meu castigo falo-lhe com esta franqueza. Se soubesse que noites tenho passado em um alcova junto à sua! que lutas tenho travado comigo mesmo, para manter o ar grave e as maneiras reservadas a que me condenam as circunstâncias desde que nos achamos a sós! Cheguei algumas vezes a odiá-la! parecia-me que a senhora zombava de mim; que me havia lesado nos meus direitos, e que a rispidez da sua conduta era um roubo feito à minha felicidade! — O senhor amava-me então? — Não! não era amor; apenas a desejava com todo o ardor do meu temperamento brasileiro. O que então me arrebatava não era o seu caráter nem as suas virtudes, mas sim a cor dos seus cabelos, a transparência da sua pele, o fogo dos seus olhos e a frescura do seu hálito. Não a amava, tanto que a desejava para minha amante. Depois que conheci, porém, todos os tesouros de bondade, que a senhora escondia sob as aparências de uma mulher leviana; depois que compreendi tudo quanto há de franqueza e lealdade nos seus sentimentos; quando descobri a sua abnegação, a sua coragem e a castidade de sua alma, amei-a, amei-a conscienciosamente, com entusiasmo e com honra! A senhora, se quiser, fará parte de minha família — eu serei seu marido! — Gaspar, disse Violante, segurando-lhe as mãos, eu te amo também; há muito! sempre! Amei-te primeiro na casta figura de teu pai, que foi o bom anjo da minha infância; amei-te nos teus folguedos de criança, nos teus progressos de estudante e nos teus estouvamentos de rapaz. Amei-te quando te vi estendido na rua, quando depois te vi ao meu lado, e amo-te agora com toda a segurança de minha dignidade. Todavia, tenho um juramento a cumprir... Eu só serei tua, esposa ou amante, amiga ou escrava, no dia em que Paulo Mostella cair debaixo deste punhal! E com os olhos incendiados de cólera, os lábios trêmulos, brandia o afiado estilete que ela trazia sempre consigo, desde que empreendera vingar-se. — Mas eu não exijo tanto, contraveio Gaspar. Posso esquecer o passado. Tenho plena confiança em teu caráter e de nada mais preciso para fazer de minha legítima esposa. — Não se trata do que exijas tu, nem do que tu não queiras; trata-se unicamente daquilo que eu jurei ao meu próprio coração. Um homem ultrajou-me. Eu tenho de vingar-me dele. Ou ele morrerá ou eu me matarei! Gaspar, mais tarde, empregou ainda todos os esforços para dissuadir Violante daquelas sinistras idéias de vingança, mas a oriental abanou a cabeça, com 32
www.nead.unama.br a calma de quem se sente firme na sua resolução, e disse, sorrindo tristemente para o companheiro: Cala-te, meu amigo! Tu ainda me não conheces... eu sou inabalável no meu ódio. é um temperamento de família; meu pai já era assim e ligou-se à minha mãe, porque encontrou nela a mesma rigidez de sentimentos. Nasci de duas tempestades, que me concentraram no coração todos os seus raios, todos os seus vendavais, todos os delírios do céu e do inferno. Meu pai morreu na guerra e minha mãe na miséria — foram igualmente fortes; um lutou contra a maldade dos homens e outro, contra a maldade de Deus. Deles eu só herdei além do caráter, este punhal. É um punhal de família, que passará, com a minha morte, às mãos de meu filho. Gaspar, à vista daquelas palavras e do ar resoluto da oriental, tomou o partido de a não contrariar e deixar que as cousas corressem a mercê do tempo. Por essa ocasião, um dos homens encarregados de espreitar os rastros de Mostella, comunicou à Violante que este, em companhia da esposa, havia tomado passagem num paquete brasileiro da linha costeira. — Prepara as malas, disse ela ao criado; partiremos hoje mesmo. — Mas, minha amiga, observou Gaspar, lembra-te de que só amanhã há paquete, e esse da linha do Pacífico. Partiram no dia seguinte com efeito para o norte do Brasil, e, dois meses depois, recebiam na capital do Ceará o seguinte telegrama: "Paulo Mostella chegou hoje a Pernambuco; mora com a mulher no hotel do Universo" Os dois incansáveis perseguidores do sedutor seguiram imediatamente para Pernambuco. Mal se tinham instalado no hotel Estaminet, que desapareceu muito depois do célebre motim religioso chefiado por José Mariano, Gaspar pediu à oriental que se não precipitasse, e saiu ele mesmo a obter informações sobre Paulo Mostella. Já tinha este abandonado o hotel, e morava agora com a mulher em uma casa particular à rua do Crespo. Gaspar seguiu para lá impaciente por ver terminada aquela campanha em que há tanto tempo vivia empenhado. Oh! como ardia ele de desejos por poder afinal confirmar a sua união com Violante! Esta fechara-se no quarto, para rezar. Gaspar, por esse tempo, apeava-se à porta de Paulo Mostella. CAPÍTULO VIII VIRGINIA Fizeram-no entrar para uma sala de espera e conduziram-no depois para uma recepção, onde já o aguardava a mulher de Paulo. — Gaspar! exclamou esta, atirando-se nos braços dele. Gaspar estacou, pálido e trêmulo, sem poder articular palavra. — Virgínia!... disse afinal o infeliz, com a voz estrangulada. 33
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vaidosamente comigo mesmo que a tinha impressionado e que podia em breve<br />
colher os saborosos frutos dessa fortuna. A senhora, porém, desviou logo<br />
semelhante presunção, narrando-me com muito talento uma história, na qual<br />
figurava minha família, e pedindo-me que a acompanhasse por toda a parte, como<br />
seu protetor, seu amigo, seu irmão... Não é verdade que, se me confiou tão delicado<br />
papel, foi porque lhe inspirei a mais cega das confianças?<br />
— Justamente.<br />
— Pois declaro-lhe que a não merecia. Quando aceitei o espinhoso disfarce<br />
de seu marido, foi ainda na esperança de alguma venturosa ocorrência; a senhora,<br />
porém tem desenvolvido uma tal dignidade, tem se portado com tal circunspecção,<br />
que eu, confesso-lhe, estou envergonhado, e para meu castigo falo-lhe com esta<br />
franqueza. Se soubesse que noites tenho passado em um alcova junto à sua! que<br />
lutas tenho travado comigo mesmo, para manter o ar grave e as maneiras<br />
reservadas a que me condenam as circunstâncias desde que nos achamos a sós!<br />
Cheguei algumas vezes a odiá-la! parecia-me que a senhora zombava de mim; que<br />
me havia lesado nos meus direitos, e que a rispidez da sua conduta era um roubo<br />
feito à minha felicidade!<br />
— O senhor amava-me então?<br />
— Não! não era amor; apenas a desejava com todo o ardor do meu<br />
temperamento brasileiro. O que então me arrebatava não era o seu caráter nem as<br />
suas virtudes, mas sim a cor dos seus cabelos, a transparência da sua pele, o fogo<br />
dos seus olhos e a frescura do seu hálito. Não a amava, tanto que a desejava para<br />
minha amante. Depois que conheci, porém, todos os tesouros de bondade, que a<br />
senhora escondia sob as aparências de uma mulher leviana; depois que compreendi<br />
tudo quanto há de franqueza e lealdade nos seus sentimentos; quando descobri a<br />
sua abnegação, a sua coragem e a castidade de sua alma, amei-a, amei-a<br />
conscienciosamente, com entusiasmo e com honra! A senhora, se quiser, fará parte<br />
de minha família — eu serei seu marido!<br />
— Gaspar, disse Violante, segurando-lhe as mãos, eu te amo também; há<br />
muito! sempre! Amei-te primeiro na casta figura de teu pai, que foi o bom anjo da<br />
minha infância; amei-te nos teus folguedos de criança, nos teus progressos de<br />
estudante e nos teus estouvamentos de rapaz. Amei-te quando te vi estendido na<br />
rua, quando depois te vi ao meu lado, e amo-te agora com toda a segurança de<br />
minha dignidade. Todavia, tenho um juramento a cumprir... Eu só serei tua, esposa<br />
ou amante, amiga ou escrava, no dia em que Paulo Mostella cair debaixo deste<br />
punhal!<br />
E com os olhos incendiados de cólera, os lábios trêmulos, brandia o afiado<br />
estilete que ela trazia sempre consigo, desde que empreendera vingar-se.<br />
— Mas eu não exijo tanto, contraveio Gaspar. Posso esquecer o passado.<br />
Tenho plena confiança em teu caráter e de nada mais preciso para fazer de minha<br />
legítima esposa.<br />
— Não se trata do que exijas tu, nem do que tu não queiras; trata-se<br />
unicamente daquilo que eu jurei ao meu próprio coração. Um homem ultrajou-me.<br />
Eu tenho de vingar-me dele. Ou ele morrerá ou eu me matarei!<br />
Gaspar, mais tarde, empregou ainda todos os esforços para dissuadir<br />
Violante daquelas sinistras idéias de vingança, mas a oriental abanou a cabeça, com<br />
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