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CAPÍTULO VII<br />
PUNHAL DE FAMÍLIA<br />
www.nead.unama.br<br />
No dia seguinte, Gaspar foi apresentado por sua suposta esposa a vários<br />
grupos da elegante sociedade de Montevidéu, e uma semana depois escrevia ao<br />
pai, participando-lhe que só mais tarde voltaria a seus braços.<br />
E os dois coligados partiram para Buenos Aires, na esperança de que era aí<br />
que se achava Paulo.<br />
Principiou então para eles uma existência bastante singular. À bordo, nas<br />
estações, nos hotéis, em qualquer lugar enfim onde pudessem ser observados,<br />
apresentavam o exemplo mais completo e invejável da felicidade conjugal; eram<br />
mutuamente meigos, unidos, bem casados. Um não aparecia sem o outro, viviam<br />
juntos, como se desfrutassem com efeito a mais saborosa das luas-de-mel. Cada um<br />
deles trazia no dedo uma aliança, e na medalha do relógio ou do broche o retrato do<br />
consorte.<br />
Contudo, não se descuidavam um só instante do principal objeto da viagem;<br />
conseguiram apanhar o encalço do fugitivo, e Violante desenvolveu nas suas<br />
pesquisas uma tal sagacidade e finura de raciocínio, que fariam o desespero do<br />
melhor polícia.<br />
Paulo tinha passado do Brasil para a República Argentina, depois para o<br />
Chile, depois para a Bolívia e afinal para o Peru.<br />
Gaspar, ao fim de alguns meses, já não podia suportar aquela vida airada.<br />
Estava sempre em vésperas de viagem e gastava os dias a tomar informações<br />
sobre o perseguido. Ora, fossem lá descobrir o homem das calças pardas! Vivia<br />
prostrado de tanto viajar; além disso a ausência completa de estabilidade impedia<br />
que ele se correspondesse com a família.<br />
Uma vez, estava então no Chile, descobriu nos correios de S. Tiago uma<br />
carta de seu pai. O pobre velho queixava-se amargamente do procedimento do filho,<br />
dizia ter-lhe já escrito duas longas cartas, das quais não recebera respostas,<br />
havendo aliás em uma delas lhe dado a participação do casamento de Virgínia, irmã<br />
mais moça de Gaspar.<br />
Este acabou por fazer justiça à palavra do coronel, pedindo-lhe que lhe<br />
escrevesse para o Chile e lhe comunicasse o nome do marido de Virgínia.<br />
Mas, pouco depois disto, Gaspar teve de seguir com Violante para o México,<br />
ficando na ignorância do nome do cunhado. Estava completamente resolvido a voltar<br />
para o Brasil; agora, porém, uma nova dificuldade se lhe antolhava: é que já não<br />
tinha ânimo de separar-se da suposta esposa. A convivência criara entre eles uma<br />
tal reciprocidade de estima, que os dois acabaram por se tornar indispensáveis um<br />
para o outro.<br />
Viviam na mais feliz intimidade, mas particularmente separados para todos<br />
os efeitos conjugais. E isto apoquentava em extremo o pobre moço. Por várias<br />
vezes se viu ele em situações bem ridículas, que o levavam ao desespero; uma<br />
ocasião, por exemplo, tinham de pernoitar no único hotel que havia no lugar, e só<br />
existia no quarto uma cama para os dois. Violante não hesitou em aceitá-lo, a<br />
despeito dos sinais negativos que fazia o falso marido por detrás do estalajadeiro.<br />
E logo que ficou a sós com ele, disse-lhe:<br />
— O senhor se tem portado tão bem para comigo, que seria fazer-lhe uma<br />
injustiça suspeitar do seu caráter ou recear a sua conduta...<br />
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