A Condessa Vésper - Unama

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www.nead.unama.br um bigode, duas gotas de mel inglês no lenço, um fato bem feito, um chapéu de palha, luvas amarelas, polainas e uma bengala. E o grande caso é que estava um rapagão, cheio de gestos largos, de atiramentos de perna, e de grandes exclamações em inglês. Assentei-me no banco que circundava a mesa, e ele fez o mesmo defronte de mim. Informou-se se eu estava satisfeita com o passeio, falou em repeti-lo. Era preciso aproveitar o verão! Mas aos domingos nada! havia muita gente! E abria garrafas, dava lume à máquina de café, servia-me de mariscos e falava-me do seu amor. Eu contei-lhe francamente as impressões que recebera àquela manhã, e mostrei-me satisfeita. "Se soubesse, minha amiga, dizia-me ele, quanto me sinto bem ao seu lado!... Nem mesmo me reconheço, creia! Fico tolo só com pensar em nossa futura felicidade, em nossa casa e em nossos... Ia falar nos filhos, mas deteve-se e ficou a olhar-me com uma grande insistência humilde. Parecia haver um pranto escondido por detrás das suas pupilas azuis. "Descanse. Falta pouco!" respondi eu, possuída de alguma cousa, que não sei bem se era compaixão. "Falta um século!..." emendou ele com um suspiro. E chegou-se mais para mim. Tinha o ar tão respeitoso que não fugi. "Por que não fica mais à vontade?" disse-me. E ajudou-me a tirar o chapéu e desfazer-me do mantelete. Houve um silêncio. Ele queixou-se da falta de gelo, abriu uma nova garrafa de bordeaux e encheu os copos. Depois, leu-me uns versos, que a mim fizera no tempo do colégio. Vieram logo as recordações da infância, o nosso namoro. — Quanta criancice! " — E o bofetão?..." Esta lembrança trouxe-me uma risada, que me fez engasgar. Sobreveio-me tosse, fiquei um pouco sufocada; ele levantou-se logo, começou a bater-me delicadamente nas costas. E, a pretexto de auxiliar-me, afagava-me os cabelos e a fronte. "Não é nada! Não é nada!" dizia Paulo; "vá um gole de champanha!" "Não! antes água!..." Ele correu à cascata, e voltou com um copo d’água. Tornamos à palestra, e eu não reparei logo que o rapaz desta vez ficara inteiramente encostado a mim. Passamos à sobremesa. As pilhérias repetiam-se mais amiúde. Paulo pôs-se a fumar. Consenti nisso e disse até que gostava do cheiro do fumo. Ele fez saltar a rolha do champanha. Sentia-me enlanguescer; os olhos ardiam-me um tanto e o corpo me pedia repouso. Insensivelmente fui perdendo alguma cousa da minha cerimônia e me pondo à vontade; estiquei mais as pernas, recostei-me nas costas do banco e inclinei para trás a cabeça. Ele ficou a olhar-me muito, com um ar sério e infeliz. Eu tive vontade de dizer alguma cousa, e nada mais consegui do que sorrir. Estava prostrada. Paulo aconselhou-me que fumasse um cigarrinho, e essa idéia extravagante não me pareceu má. Fumei o meu primeiro cigarro. 26

www.nead.unama.br Em seguida senti um vago desejo de dormir. Ele serviu o café e o licor. E continuamos a conversar. As recordações do tempo do colégio vinham a todo o instante. "Isto sempre teve gênio!" dizia ele, ameigando-me o queixo. Chamava-me criaturinha má, sem coração; ameaçava-me com vingançazinhas, que se realizariam quando fôssemos casados. Tinha ditos maliciosos, palavras de sentido dúbio e olhares cheios de paixão. Eu estendia-me cada vez mais no banco, amolecida por um entorpecimento agradável; as pálpebras fechavam-se-me. Sentia vontade de ser menos severa com aquele pobre companheiro de infância; tanto que me não sobressaltei quando senti a sua mão empolgar-me a cintura. "Como eu te amo! murmurou ele, com a boca muito perto do meu rosto. O seu hálito abrasava-me as faces. "Não faça isto!", pedi, repelindo-o frouxamente. Mas ele passou-me a outra mão na cintura e puxou-me para si. Fiz ainda alguma resistência. Sentia-me, porém tão mole, e além disso sabia-me tanto ser abraçada naquela ocasião, que me deixei levar e caí sobre ele, com a cabeça desfalecida no seu ombro. Paulo segurou-me o rosto e estonteou-me de beijos. Eram ardentes, vivos, repetidos, como os tiros de uma metralhadora. E Violante calou-se, respirando forte, enquanto Gaspar, de olhos muito abertos, lhe acompanhava todos os movimentos. — Depois desse fatal passeio, continuou ela ao fim de uma pausa, a situação mudou completamente. Paulo se tinha convertido em meu legítimo amante. Entretanto, escreviam-me daqui a respeito do inventário de meu marido, e eu respondia com evasivas às repetidas reclamações. Afinal, autorizada por Paulo, declarei abertamente que só voltaria a Montevidéu acompanhada por um cavalheiro com quem havia ajustado casamento. A viagem seria dai a um mês; Paulo disse-me então que só se casaria na América Meridional, na primeira república em que pisássemos, ou no Brasil, e que então, logo depois no dia seguinte até, poderíamos levantar o vôo definitivo para cá. Concordei, não sem estranhar semelhantes exigências. Dentro de alguns dias partimos da Europa, depois de haver eu escrito aos meus amigos e conhecidos, participando-lhes que em breve me casaria no Brasil. E ainda nisso houve da parte de meu noivo alguma cousa que me fez desconfiar: Paulo exigiu que eu não declarasse o seu nome nas minhas participações... — Oh! exclamou Gaspar, interessado vivamente pela história de Violante. E a senhora consentiu? — Que remédio! explicou ela, eu estava em situação falsa: qualquer resistência podia provocar um rompimento, com o qual só eu tinha a perder. Assim, pensei na dependência em que me havia colocado, e concordei de cabeça baixa... — Depois? perguntou Gaspar. — Depois, partimos para o Brasil e, na véspera do dia em que havíamos de casar, Paulo desapareceu. — Canalha! — Fiz minhas malas, enxuguei minhas lágrimas, traguei em silêncio a minha cólera, e cá estou há cinco meses, sequiosa por efetuar meus planos de vingança! — Ah! Tenciona tirar uma vingança de Paulo?... 27

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um bigode, duas gotas de mel inglês no lenço, um fato bem feito, um chapéu de<br />

palha, luvas amarelas, polainas e uma bengala.<br />

E o grande caso é que estava um rapagão, cheio de gestos largos, de<br />

atiramentos de perna, e de grandes exclamações em inglês.<br />

Assentei-me no banco que circundava a mesa, e ele fez o mesmo defronte<br />

de mim. Informou-se se eu estava satisfeita com o passeio, falou em repeti-lo. Era<br />

preciso aproveitar o verão! Mas aos domingos nada! havia muita gente!<br />

E abria garrafas, dava lume à máquina de café, servia-me de mariscos e<br />

falava-me do seu amor. Eu contei-lhe francamente as impressões que recebera<br />

àquela manhã, e mostrei-me satisfeita.<br />

"Se soubesse, minha amiga, dizia-me ele, quanto me sinto bem ao seu<br />

lado!... Nem mesmo me reconheço, creia! Fico tolo só com pensar em nossa futura<br />

felicidade, em nossa casa e em nossos...<br />

Ia falar nos filhos, mas deteve-se e ficou a olhar-me com uma grande<br />

insistência humilde. Parecia haver um pranto escondido por detrás das suas pupilas<br />

azuis.<br />

"Descanse. Falta pouco!" respondi eu, possuída de alguma cousa, que não<br />

sei bem se era compaixão.<br />

"Falta um século!..." emendou ele com um suspiro. E chegou-se mais para<br />

mim. Tinha o ar tão respeitoso que não fugi.<br />

"Por que não fica mais à vontade?" disse-me. E ajudou-me a tirar o chapéu e<br />

desfazer-me do mantelete.<br />

Houve um silêncio. Ele queixou-se da falta de gelo, abriu uma nova garrafa<br />

de bordeaux e encheu os copos. Depois, leu-me uns versos, que a mim fizera no<br />

tempo do colégio. Vieram logo as recordações da infância, o nosso namoro. —<br />

Quanta criancice!<br />

" — E o bofetão?..."<br />

Esta lembrança trouxe-me uma risada, que me fez engasgar. Sobreveio-me<br />

tosse, fiquei um pouco sufocada; ele levantou-se logo, começou a bater-me<br />

delicadamente nas costas. E, a pretexto de auxiliar-me, afagava-me os cabelos e a<br />

fronte.<br />

"Não é nada! Não é nada!" dizia Paulo; "vá um gole de champanha!"<br />

"Não! antes água!..."<br />

Ele correu à cascata, e voltou com um copo d’água.<br />

Tornamos à palestra, e eu não reparei logo que o rapaz desta vez ficara<br />

inteiramente encostado a mim. Passamos à sobremesa. As pilhérias repetiam-se<br />

mais amiúde.<br />

Paulo pôs-se a fumar.<br />

Consenti nisso e disse até que gostava do cheiro do fumo. Ele fez saltar a<br />

rolha do champanha.<br />

Sentia-me enlanguescer; os olhos ardiam-me um tanto e o corpo me pedia<br />

repouso. Insensivelmente fui perdendo alguma cousa da minha cerimônia e me<br />

pondo à vontade; estiquei mais as pernas, recostei-me nas costas do banco e<br />

inclinei para trás a cabeça.<br />

Ele ficou a olhar-me muito, com um ar sério e infeliz. Eu tive vontade de<br />

dizer alguma cousa, e nada mais consegui do que sorrir. Estava prostrada.<br />

Paulo aconselhou-me que fumasse um cigarrinho, e essa idéia extravagante<br />

não me pareceu má. Fumei o meu primeiro cigarro.<br />

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