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restituo, sabia que mais cedo ou mais tarde, cairias na miséria, mas, confesso, não a<br />
fazia tão certa... estava, como todos, bem longe de prever a quebra do Banco Mauá.<br />
Era a minha intenção deixar por algum tempo amargasses bem a necessidade, para<br />
poderes depois tomar o real sabor da vida, e dar então a esse último punhado de<br />
dinheiro o seu verdadeiro valor; a morte, porém, não me deixa tempo para tanto, e<br />
tenho de confiar ao te próprio critério o que esperava eu da ação benéfica dos fatos.<br />
E é isto só o que agora me preocupa...<br />
Gabriel não pôde por mais tempo reprimir a sua comoção.<br />
— Meu bom amigo! exclamou, lançando-se nos braços do padrasto.<br />
— Sim! só o teu futuro me dá cuidado... É a única preocupação que levo<br />
comigo para fora da vida.<br />
— Não se mortifique por minha causa!<br />
— Oh! Sinto perfeitamente que me cabe grande parte na responsabilidade<br />
da tua desgraça... Amei-te demasiadamente... fiz de ti um ídolo, quando devia ter<br />
feito simplesmente um filho... Fui um visionário! Errei! Perdoa-me!<br />
E, como Gabriel com um gesto lhe exprobrasse falar tanto, Gaspar abaixou<br />
a voz, e acrescentou sucumbido:<br />
— Ah! bem caro paguei o bem que te não fiz! bem caro paguei o meu tributo<br />
à delirante época em que decorreu a minha mocidade! Desgraçados que fomos!<br />
desgraçados que fomos!<br />
E as lágrimas do velho romântico correram-lhe pelas barbas brancas.<br />
— Oh! sossegue por amor de Deus! suplicava o rapaz; concentre todo o seu<br />
pensamento na boa ação que acaba de praticar comigo, salvando-me da miséria; e<br />
console-se com a idéia da gratidão que neste instante me invade a alma, para nunca<br />
mais a abandonar! Creia-me, meu pai, ligado piedosamente ao seu amor e<br />
sinceramente contrito dos meus erros!<br />
— Obrigado, meu filho...<br />
E o moribundo deixou pender a pálida cabeça sobre os travesseiros,<br />
inundada por uma auréola de extrema lucidez, em que se pressentia já o alvorecer<br />
de uma outra vida.<br />
Foi arquejante, e talvez meio em presa ao supremo delírio, que ele mais<br />
tarde volveu a falar, levando ao peito descarnado a mão de Gabriel que entre as<br />
suas apertava.<br />
— Segue à risca o que te vou dizer... balbuciou com os olhos imóveis: não<br />
olhes para trás de nós, não pares a contemplar no teu caminho a sinistra sombra<br />
que fomos... Vê! a luz vem de frente! não te voltes contra a luz, que a noite é doce,<br />
mas intrigante e traiçoeira... Em nome de tua mãe, meu filho, não mergulhes de<br />
novo na vasa em que acabas de naufragar! Nunca mais leves o teu corpo à boca,<br />
sem teres ganho o teu dia; não ponhas teu corpo com o de uma mulher, a quem não<br />
possas defender em qualquer terreno; não doures a tua vaidade com o ouro que não<br />
ganhaste com as tuas próprias mãos, porque só esse orgulha a quem o gasta. Faze<br />
da necessidade, alheia ou própria, a senhora arbitral do teu dinheiro; nunca o<br />
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