19.04.2013 Views

A Condessa Vésper - Unama

A Condessa Vésper - Unama

A Condessa Vésper - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.br<br />

— Eu te amo! Eu te amo! Eu te amo! exclamaram ambos, rolando-se<br />

abraçados.<br />

CAPÍTULO XLVIII<br />

A ÚLTIMA CAMISA<br />

E ferraram-se de novo.<br />

Foram habitar num retiro da Tijuca, para além da Raiz da Serra, numa velha<br />

chácara emboscada de mangueiras, entre quedas e sussurros d’água.<br />

Ambrosina parecia completamente transformada. Saía todos os domingos<br />

pela manhã, a ouvir missa numa capela próxima à casa, ia sempre de negro, com<br />

um véu sobre o rosto. Fazia-se agora muito religiosa, muito amiga de festas de<br />

igreja e de dar esmolas aos mendigos devotos.<br />

Sonhava-se já uma santa!<br />

Mas queria mesa farta, e em certos dias o seu jantar era um banquete, a que<br />

só faltavam os convivas. Passava em demorada revista as hortas e os galinheiros da<br />

chácara, parava a contemplar o chiqueiro dos porcos, o curral das ovelhas, a vaca<br />

de leite e os cavalos de serviço. A sua criadagem aumentava todos os dias.<br />

Gabriel, ocioso e apático, deixava-se ir ficando ao lado dela, não em verdade<br />

pelo gosto que lhe desse a companhia da amante, mas pela previsão do mal que lhe<br />

traria a sua ausência, à imitação desses pobres operários das minas de mercúrio,<br />

que já não podem cá fora suportar o ar inalterado; e precisam, para manter o<br />

equilíbrio da vida, volver a respirar o veneno com que por muito anos viciaram o<br />

organismo.<br />

Vinham-lhe às vezes tão negras e profundas crises de tédio, que Ambrosina,<br />

temendo, com o suicídio do companheiro, perder aquela farta aposentadoria, não se<br />

desgarrava dele rondando-lhe os gestos e as intenções.<br />

Todavia foi ela, e não Gabriel, quem rompeu com semelhante vida patriarcal.<br />

Não suporta por muito tempo a estabilidade doméstica o mastim que nasceu para a<br />

vagabundagem das ruas.<br />

Uma vez, o rapaz, percebeu-lhe lágrimas, inquiriu, entre bocejos, sobre o<br />

que a punha nesse estado.<br />

Ela, por única resposta, deixou-se-lhe cair nos braços com uma explosão de<br />

soluços.<br />

— Sou uma desgraçada! Sou a peste! exclamou.<br />

— A que vem isso, filha?<br />

— Pois não é assim? Tudo o que me cerca há de murchar e fenecer? todos<br />

os que se chegam para mim hão de fatalmente cair nessa tristeza e nesse desânimo<br />

em que te vejo mergulhado, receosa de que sucumbas de tédio?... Oh! estou farta<br />

de ver sofrer em torno do meu azar! É demais! Qual foi o meu grande crime, para<br />

que de mim pobre amaldiçoada dos céus! nunca partisse um elemento de alegria sã<br />

e de sincero riso?! Quero ser boa e simples, quero ser como tantas outras mulheres<br />

que fazem a felicidade dos que as amam, mas já não me animo sequer a desejar o<br />

bem dos meus semelhantes, porque meu coração foi formado pela lama dos<br />

infernos. Maldita seja a hora em que eu nasci! maldita a estrela que me abriu os<br />

olhos! Quanto invejo essas pobres velhas, que chegam pacificamente ao fim de uma<br />

longa e uniforme existência, cercadas de netos e abençoadas por uma geração<br />

225

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!