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A Condessa Vésper - Unama

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www.nead.unama.br<br />

recolheu à cama, depois de haver jantado no Dori, para se não encontrar com o<br />

Melo Rosa, que ficara de ir ter com ela ao pôr do sol.<br />

Mas, no dia seguinte, logo pela manhã, ao correr os olhos pelo primeiro<br />

jornal que lhe caiu nas mãos, teve uma grande alegria: na lista dos passageiros do<br />

Rio da Prata estava o nome de Gabriel.<br />

— Que felicidade! exclamou ela, secando o vestígio das lágrimas com um<br />

sorriso.<br />

E correu à escrivaninha, onde de um fôlego minutou uma extensa carta, que<br />

terminava deste modo:<br />

"Venha Gabriel; não é por capricho de amor que lhe faço este pedido, mas<br />

porque me dói e me pesa na consciência todo o mal que lhe causei. Quero que me<br />

perdoe de viva voz, ou de viva voz me castigue, lançando-me ao rosto todos os<br />

insultos da sua maldição. Não me revoltarei! anátema ou perdão, hei de receber o<br />

que vier de seus lábios, como divino orvalho para esta minha pobre alma<br />

requeimada pela agonia. Se soubesse como estou mudada, como é outro o meu<br />

coração, e outro o meu espírito... Se me vir de perto, e se me ouvir por um instante,<br />

juro que terá dó de mim! Não lhe peço amor, não! sei perfeitamente qual É o alcance<br />

de todo o mal que lhe fiz; quero porém, desafogar-me dos remorsos que me<br />

devoram, quero beijar-lhe os pés depois de ser por eles batida, como um vil animal<br />

que lhe pertença; quero chorar das suas pancadas e das suas injúrias, para não<br />

chorar de vergonha e de arrependimento. Venha! É só isto que lhe suplico. Lembrese<br />

de que ninguém, além do Senhor, resta no mundo, dos que deveras me amaram;<br />

venha ver-me neste penitencial retiro em que definho sob o obscuro nome de Elvira<br />

Branco. Será uma esmola, um serviço piedoso levado à cabeceira de uma<br />

desgraçada, que não tem ânimo de largar o mundo sem ouvir, pela última vez, a<br />

palavra do único homem que amou. Venha! seja digno do seu coração! —<br />

Ambrosina.. — Rua dos Arcos, n.o 90, primeiro andar, quarto n.o 5".<br />

Gabriel leu esta carta sem tirar o charuto da boca, e foi, menos levado pelo<br />

reflexo do seu maldito amor, do que pela traidora curiosidade do coração, que o<br />

relapso pecador decidiu aceder à invocação da sua primeira amante.<br />

Iria ver Ambrosina... por que não? Negar-se, ou deixar aquela humilde<br />

súplica sem resposta, seria mostrar-se receoso de um encontro, e dar por demais<br />

importância ao que em verdade já lhe não merecia nenhuma. E, caso ainda<br />

houvesse nele vestígios de saudade da estúpida paixão que lhe estragara a vida,<br />

semelhante visita os destruiria sem dúvida uma vez por todas, pois a desgraçada, se<br />

afinal se havia resignado a um obscuro arrependimento, era seguro por ver-se<br />

completamente batida e já sem cotação no mercado do prazer.<br />

Iria ver de perto esse destroço de inimigo, e contemplar, em plena paz, os<br />

restos da desmantelada fortaleza, em que ele se chorou prisioneiro durante a melhor<br />

parte da sua mocidade.<br />

— Sim, deve estar acabada! deduzia ele, a calcular o tempo decorrido desde<br />

que os dois se conheceram. E não é sem razão! Andará pelos quarenta anos ou<br />

perto disso... Ora, eu, que sou mais moço, já tenho cabelos brancos e rugas até na<br />

alma, ela o que não terá?...<br />

E foi calmo, positivo, cheio de um ar prático da vida, que Gabriel entrou na<br />

precária sala de Ambrosina.<br />

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