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— A mão! exclamou ele, tomando no ar a mão de Violante. Oh! como é bela!<br />
E ficou a contemplá-la, a enluvá-la com um olhar de êxtase.<br />
Era branca, fina, delgada, de longos dedos roliços e bem guarnecidos.<br />
— Então! repetiu ela, fazendo um gesto de impaciência com o braço. Tenha<br />
a bondade de passar-me a fruteira.<br />
Gaspar caiu em si e pediu-lhe mil perdões. Violante que lhe desculpasse<br />
aquela abstração — ele continuava a sonhar!...<br />
E depois de servi-la de frutas e de vinho, encheu o próprio copo, e bebeu à<br />
gentil estrela que o conduzira ali.<br />
Violante olhava-o com um sorriso. Terminado o jantar, ergueu-se ela e<br />
ordenou-se ao camareiro que servisse o café no fumoir.<br />
— Dê-me o seu braço, disse a Gaspar.<br />
E passaram-se para a sala próxima.<br />
Violante ofereceu uma poltrona ao hóspede e assentou-se em outra. Depois<br />
tomando uma cigarrilha de tabaco turco de sobre o bufete, e cruzando<br />
negligentemente as pernas, com o cotovelo apoiado ao rebordo da cadeira e a<br />
cabeça um tanto pendida para trás, disse a soprar o primeiro hausto de fumo.<br />
— Preste-me agora toda a atenção, porque, só depois de ouvir o que lhe vou<br />
dizer leal e francamente, é que poderá o senhor decidir se fica desde já em minha<br />
companhia, ou se retira hoje mesmo desta casa...<br />
Gaspar tomou o café, acendeu um charuto, reclinou-se mais na poltrona e<br />
disse, afagando a barba:<br />
— Pode principiar. Estou às suas ordens...<br />
— Quando eu tinha cinco anos, começou Violante, depois de fitar o teto,<br />
como quem evoca o passado, minha mãe sucumbia à miséria nesta cidade, e meu<br />
pai aos golpes do partido revolucionário em Cadiz. Ora, eu, que sempre<br />
acompanhara minha mãe em todas as suas peregrinações, achei-me de repente<br />
com ela morta nos braços, sem saber, coitada de mim! fazer outra cousa que não<br />
fosse chorar. Saí, entretanto, pedindo, à-toa, a quem encontrava pela rua, onde<br />
fosse comigo por piedade à casa para tratarmos de enterrar o cadáver. Todos me<br />
davam as costas; e eu, já desesperada, estalando de fome e de frio, cheia de<br />
terrores, atirei-me contra uma porta, a soluçar e a pedir a Deus que me levasse<br />
também para si.<br />
Nessa conjuntura, senti no ombro uma carinhosa mão que me fez voltar a<br />
cabeça. Tinha defronte dos lhos um oficial brasileiro. A princípio, fez-me medo com o<br />
uniforme e as suas barbas; mas era tão calma e compassiva a expressão da sua<br />
fisionomia, que me animei a encará-lo; além disso, a presença de uma senhora e<br />
duas crianças de minha idade, que o acompanhavam, me restituíam logo a<br />
tranqüilidade e, sem saber por que, sorri para aquela gente.<br />
Oh! nunca mais me esqueci da fisionomia desse oficial! "Que tens tu?!"<br />
disse-me ele em mau espanhol, passando-me a mão pela cabeça.<br />
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