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A Condessa Vésper - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Gustavo despejou-se para a rua, levando a morte no coração. Dizia-lhe no<br />

íntimo um sinistro pressentimento que desta vez não iria a caprichosa, como das<br />

outras, desencová-lo donde se escondesse ele, para o reconduzir, escoltado de<br />

beijos, ao seu delicioso presídio.<br />

— Está tudo acabado! Tudo acabado! monologava o infeliz, atravessando a<br />

praça de D. Pedro I.<br />

E era ela quem, de olhos secos e boca vazia, lhe fechava a porta da alcova;<br />

e era ele quem agora estalava de ansiedade por lhe cair de novo aos pés, rogandolhe<br />

que lhe deixasse continuar a ser martirizado e aviltado!<br />

Ah! não se pode avaliar dessas primeiras horas de abandono, sem se ter<br />

sido um dia desprezado de súbito pela mulher amada; são séculos de uma agonia<br />

constante e mortífera, que nos converte a existência na mais pesada das grilhetas, e<br />

nos reduz o coração a uma carnaça babujada e dilacerada pela matilha dos ciúmes<br />

e das saudades. Todo o nosso organismo se transforma então num laboratório de fel<br />

bilioso, onde o espírito vai buscar a tinta negra e amarga com que veste os seus<br />

gemidos e os seus lutuosos pensamentos; agre período de desfibração do nosso<br />

pobre ser, durante o qual perdemos todas as forças de resistência para as lutas da<br />

vida moral e física.<br />

Só dois dias depois dessa inquisitorial tortura, em que de todo ele apenas se<br />

conservou inabalável o próprio mal que o devorava, foi que Gustavo descobriu por<br />

fim a verdadeira razão daquele insólito desabrimento de Ambrosina, e da proterva<br />

franqueza com que lhe patenteara as secretas podridões da sua libertinagem; é que<br />

a vil tinha já de olho, em virtual preparação, quem o devia suceder no amor ex-ofício,<br />

um guarda-marinha de dezoito anos, moreno e meigo, tímido como as primeiras<br />

violetas de junho, e lindo como o primeiro amor dos adolescentes.<br />

Gustavo os vira juntos uma vez, por acaso, ao fundo de um camarote no<br />

Politeama, tão felizes e tão invejados, que teve de fugir dali para não cometer algum<br />

crime. Depois começou a encontrá-los por toda a parte, sempre inseparáveis e<br />

confidenciais; encontrou-os nas corridas do Jockey-Club, no jardim do hotel Dori,<br />

nos gabinetes particulares do Paris, nos bailes do Rocambole e na caixa do Alcazar.<br />

E sua alma pôs-se mais negra e infecta do que a lama dos esgotos.<br />

Deu então para beber, e, uma vez ébrio, ia provocar Ambrosina à casa<br />

desta, lançando-lhe da rua todos os vitupérios de que era capaz o seu desespero;<br />

mas depois, às horas mortas da noite, quando, por um fenômeno do vício, mais forte<br />

lhe roncava por dentro o desejo dela, voltava o miserável, como um cão enxotado e<br />

fiel, a uivar à porta da prostituta as angústias daquele amor que lhe punha o coração<br />

em lepra viva; e chorava, e suplicava, com humildes lágrimas de mendigo faminto, a<br />

esmola dos sobejos do outro.<br />

Ambrosina, sem lhe esconder ao menos os risos da festa ao sangue novo<br />

com que se banqueteava a sua gulosa carne, mandava corre-lo pelos criados; e, de<br />

uma feita, às três da madrugada, o fez levar preso por um soldado de polícia.<br />

Gustavo foi de novo posto em liberdade no dia seguinte às nove horas da<br />

noite, e ao sair da enxovia levava no coração uma idéia sinistra e decisiva.<br />

Consultou as algibeiras. Tinha de seu apenas quatrocentos réis.<br />

— É quanto chega! disse ele.<br />

E caminhou resolutamente para o centro da cidade.<br />

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