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"Foi então que conheci Laura.<br />
"Um sonho! Dezesseis anos, olhos negros e ardentes, boca desdenhosa e<br />
sensual, dentes irresistíveis e um adorável corpo de donzela.<br />
"Acordei essa noite nos seus braços.<br />
"Foi o meu único amor em toda a vida. Jamais em delírio de sentidos,<br />
paixão, esquecimento de tudo, alma e carne se fundiram numa só lava de desejo<br />
insaciável e ardente, como com as nossas sucedeu para sempre nessa noite<br />
imensa, misteriosa, revolta e sombria como um oceano maldito.<br />
"Fugimos as duas para a Europa.<br />
"O pai de Laura morreu de desgosto.<br />
"E para nós outras se abriu uma estranha vida de delícias transcendentais e<br />
cruéis. Primaveramos em Nice e fomos de verão a Paris. O velho mundo,<br />
sistematicamente orgíaco, nos era indiferente e banal. Vivíamos uma para a outra.<br />
"Laura, porém, ao declinar do estio, começou a sofrer. As violetas dos seus<br />
olhos, mais doces que as estrelas do Adriático, iam-se fanando e amortecendo;<br />
vinham-lhe às faces sinistras manchas cor-de-rosa, e, aos primeiros crepúsculos do<br />
outono, todo o seu mimoso corpo de flor impúbere caiu a definhar, pendido para a<br />
terra.<br />
"Eu passava os dias e as noites ao lado dela, numa vigília de beijos<br />
angustiosos, em que o meu amor libava dos seus lábios murchos a derradeira<br />
essência.<br />
"Prazer horrível! Quantas vezes não imaginei que naqueles nossos sombrios<br />
êxtases, ia beber-lhe o último alento? mas em vão tentava a morte intimidar-me,<br />
rondando-nos as carícias e disputando da minha boca a doce e cobiçada presa;<br />
mais forte do que ela, era a sangüínea onda do desejo que nos arrebatava, num só<br />
vulcão de fogo, aos páramos do supremo delírio da carne.<br />
"Laura voltava sempre estarrecida e chorosa desses fatais arrancos dos<br />
sentidos. Eu bebia-lhe as lágrimas. "Uma noite, ergueu-se a meio na cama, e fitoume<br />
estranhamente. Tinha os olhos em sobressalto, a boca desvairada.<br />
"— Laura! exclamei, sacudindo-a nos meus braços.<br />
"Ela conservou-se imóvel.<br />
Laura! minha Laura! não me atende? é a tua Ambrosina que te fala! Ouve!<br />
escuta, meu amor, minha vida!<br />
"E cobria-lhe o trêmulo corpo de aflitivos beijos.<br />
"Laura, porém, continuava estática e de olhos fitos nos meus. Afinal<br />
levantou-se sobre os joelhos, volveu a cabeça vagarosamente de um para outro<br />
lado, e depois, soerguendo o seu débil braço de virgem, a apontar à toa na<br />
inspiração do delírio que a arrebatava para os meus remotos devaneios da puerícia,<br />
disse-me com a voz comovida e quase extinta:<br />
"— Não ouves?..<br />
"— O quê?!<br />
"— O som longínquo dos tambores...<br />
"— Minha Laura!<br />
"— É Bonaparte que reúne os seus soldados para a guerra... Não vês além<br />
esfervilhar aceso o oceano de baionetas?... Olha! vão bater-se! Agitam-se por toda a<br />
parte as águias vitoriosas! multidão saúda-o grande corso! Ele agora passa em<br />
revista as tropas, montado no seu cavalo branco... Fervem gritos de entusiasmo,<br />
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