A Condessa Vésper - Unama

A Condessa Vésper - Unama A Condessa Vésper - Unama

nead.unama.br
from nead.unama.br More from this publisher
19.04.2013 Views

www.nead.unama.br — Dize primeiro para que é... — Pois bem; ouve: preciso saber se deveras me amas, porque se assim for, quero que despeças todos os teus amantes e fiques somente comigo! — Ora essa! Para quê?... e por quê?... — É boa! Porque te adoro! porque preciso de ti para viver! porque não posso continuar a suportar as tuas relações com outros homens! Agora, que já tenho um ordenado, desejo dividi-lo honestamente contigo, na paz de uma existência confessável, e trabalhar muito! Mas, para a realização de todos esses sonhos, é indispensável primeiro saber se me amas por tal forma que sejas capaz daquele sacrifício... Ambrosina não respondeu; ficou a cismar. — Então?... insistiu Gustavo, responde, minha amiga! uma palavra tua darme-á mais coragem que todos os clamores do meu caráter! Lembra-te de que por ti esqueci tudo, desviei-me do meu futuro, cortei minha carreira, acovardei-me, perdime! Vamos! Não me queiras obrigar agora a amaldiçoar o destino que nos aproximou! Fala! Diz-me alguma cousa! — Mas o que queres tu que eu te diga?... — Quero que me digas se me amas e se és capaz de um sacrifício por esse amor; se tens, finalmente, alguma cousa no coração que te dê ânimo para esquecer todo o passado, abdicar do luxo, privar-te dos prazeres ruidosos, e viver só comigo e exclusivamente do nosso amor! Fala! Dize! Lavra a minha sentença! Ambrosina fez um ar concentrado, foi até ao sofá, assentou-se, cruzando as pernas e deixando-se cair sobre as almofadas; depois ofereceu a Gustavo um lugar ao pé de si, e disse-lhe: — Queres que te fale com toda a franqueza? — Decerto. — Olha lá! — Não quero outra cousa. — Talvez venhas a arrepender-te e nesse caso o melhor é ficarmos calados... — Não! Fala! — Bem; vais ouvir então o que nunca imaginaste, nem eu a ninguém revelaria espontaneamente... vais saber de cousas minhas, cuja transcendência nem compreenderás talvez. Vou levantar a lousa de meu coração e consentir que, pela primeira vez alguém penetre nele. Coragem, e escuta! Gustavo estremeceu da cabeça ao pés, e concentrou-se ansioso, com a alma suspensa dos rubros lábios de leoa. CAPÍTULO XLIV VIVA NAPOLEÃO! — Toda e qualquer mulher, principiou a Condessa Vésper, uma vez viciada pela ociosidade farta e pelo hábito quotidiano da satisfação de todos os seus 212

www.nead.unama.br instintos e de todos os seus caprichos, nunca jamais se poderá contentar com a banal existência de chá com torradas, que lhe ofereça um rapaz pobre e honesto, de roupa bem escovadinha, lenço cheirando a água-de-colônia, e algibeiras cheias de máximas filosóficas em prosa e verso... E, a um gesto interlocutório do amante, disse ela entre parênteses: — Não tens de que te espantar com esta franqueza! Que Diabo, filho! eu bem te preveni! E prosseguiu, sem esperar pela réplica: — Acredita numa triste cousa, meu pobre Gustavo; essa denominação que vulgarmente nos conferem de "mulheres perdidas" é muito justa e muito verdadeira, pois com efeito não há salvação possível, para a desgraçada uma vez presa na voragem da ostentação mantida pelo próprio corpo. Podemos, por alguns dias, alguns meses, alguns anos até, reprimir e disfarçar os vícios da nossa vaidade; mas, lá chega um belo momento em que, só o simples espetáculo de uma mulher que nos passe defronte dos olhos triunfante no seu phaeton tirado por animais de raça, exibindo um rico vestido à última moda, e a idéia de que com uma simples pirueta na vida a suplantaríamos imediatamente, é quanto basta às vezes para tranverser toda a nossa pseudo-regeneração e de novo atirar conosco à primitiva e sedutora lama! Não te revoltes, meu amigo! Falo-te com o coração nas mãos e segura do terreno em que piso. Para nenhum outro homem teria eu esta franqueza, porque isso me poderia acarretar gravíssimas desvantagens profissionais, mas contigo, que nada mais tens para mim do que o teu amor de poeta... — Cínica! atalhou Gustavo. — Oh! nada de palavrões! Não tens direito de enfadar-te, nem eu estou agora disposta a uma cena violenta. — Pois então não me provoques com palavras que me humilham! — Não sei por que te hás de julgar humilhado. Suporás acaso que enxergo alguma superioridade nos homens mais ricos do que tu? Se eles têm mais dinheiro, é porque o herdaram, ou roubaram, ou o ajuntaram à força de paciência e economia; isso, porém, não vale a milésima parte do teu talento e ainda menos do pobre desprezo que tens pelas vaidades burguesas e pelas ambições vulgares. Todavia, filho, o teu talento, por maior, nem todos os teus brilhantes méritos, seriam capazes só por si de dar-me a deliciosa febre, o delírio do gozo de oprimir pela inveja às mulheres honestas, os loucos transportes dos vícios ultra-humanos e sensacionais, o insubstituível prazer de vingar esta carne que se vende, a ela escravizando e com ela envenenando os que a compram e conspurcam de beijos luxuriosos! — Oh! Se me amasses, nem uma só dessas cousas te acudiria ao pensamento, quanto mais aos lábios! — Mas, valha-te Deus! tudo neste mundo é relativo. Se eu te não amasse, filho, não estaria tu aqui assim, ao meu lado, a pagar-me em palavras duras o direito que meigamente te confio de dispor de mim, como se foras meu dono... Creio pelo menos não haver eu recebido nenhum decreto do Imperador, mandando-me que te ature; se o faço é porque te amo, toleirão! — Entretanto, disse ele, erguendo-se, bem diferente é o amor que me inspiraste!... Eu também vivia preso a uma outra vida, melhor que a tua; não feita de falsas e ostensivas vaidades, mas de justas e sinceras aspirações, e com a qual tive 213

www.nead.unama.br<br />

instintos e de todos os seus caprichos, nunca jamais se poderá contentar com a<br />

banal existência de chá com torradas, que lhe ofereça um rapaz pobre e honesto, de<br />

roupa bem escovadinha, lenço cheirando a água-de-colônia, e algibeiras cheias de<br />

máximas filosóficas em prosa e verso...<br />

E, a um gesto interlocutório do amante, disse ela entre parênteses:<br />

— Não tens de que te espantar com esta franqueza! Que Diabo, filho! eu<br />

bem te preveni!<br />

E prosseguiu, sem esperar pela réplica:<br />

— Acredita numa triste cousa, meu pobre Gustavo; essa denominação que<br />

vulgarmente nos conferem de "mulheres perdidas" é muito justa e muito verdadeira,<br />

pois com efeito não há salvação possível, para a desgraçada uma vez presa na<br />

voragem da ostentação mantida pelo próprio corpo. Podemos, por alguns dias,<br />

alguns meses, alguns anos até, reprimir e disfarçar os vícios da nossa vaidade; mas,<br />

lá chega um belo momento em que, só o simples espetáculo de uma mulher que nos<br />

passe defronte dos olhos triunfante no seu phaeton tirado por animais de raça,<br />

exibindo um rico vestido à última moda, e a idéia de que com uma simples pirueta na<br />

vida a suplantaríamos imediatamente, é quanto basta às vezes para tranverser toda<br />

a nossa pseudo-regeneração e de novo atirar conosco à primitiva e sedutora lama!<br />

Não te revoltes, meu amigo! Falo-te com o coração nas mãos e segura do terreno<br />

em que piso. Para nenhum outro homem teria eu esta franqueza, porque isso me<br />

poderia acarretar gravíssimas desvantagens profissionais, mas contigo, que nada<br />

mais tens para mim do que o teu amor de poeta...<br />

— Cínica! atalhou Gustavo.<br />

— Oh! nada de palavrões! Não tens direito de enfadar-te, nem eu estou<br />

agora disposta a uma cena violenta.<br />

— Pois então não me provoques com palavras que me humilham!<br />

— Não sei por que te hás de julgar humilhado. Suporás acaso que enxergo<br />

alguma superioridade nos homens mais ricos do que tu? Se eles têm mais dinheiro,<br />

é porque o herdaram, ou roubaram, ou o ajuntaram à força de paciência e economia;<br />

isso, porém, não vale a milésima parte do teu talento e ainda menos do pobre<br />

desprezo que tens pelas vaidades burguesas e pelas ambições vulgares. Todavia,<br />

filho, o teu talento, por maior, nem todos os teus brilhantes méritos, seriam capazes<br />

só por si de dar-me a deliciosa febre, o delírio do gozo de oprimir pela inveja às<br />

mulheres honestas, os loucos transportes dos vícios ultra-humanos e sensacionais,<br />

o insubstituível prazer de vingar esta carne que se vende, a ela escravizando e com<br />

ela envenenando os que a compram e conspurcam de beijos luxuriosos!<br />

— Oh! Se me amasses, nem uma só dessas cousas te acudiria ao<br />

pensamento, quanto mais aos lábios!<br />

— Mas, valha-te Deus! tudo neste mundo é relativo. Se eu te não amasse,<br />

filho, não estaria tu aqui assim, ao meu lado, a pagar-me em palavras duras o direito<br />

que meigamente te confio de dispor de mim, como se foras meu dono... Creio pelo<br />

menos não haver eu recebido nenhum decreto do Imperador, mandando-me que te<br />

ature; se o faço é porque te amo, toleirão!<br />

— Entretanto, disse ele, erguendo-se, bem diferente é o amor que me<br />

inspiraste!... Eu também vivia preso a uma outra vida, melhor que a tua; não feita de<br />

falsas e ostensivas vaidades, mas de justas e sinceras aspirações, e com a qual tive<br />

213

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!