A Condessa Vésper - Unama
A Condessa Vésper - Unama A Condessa Vésper - Unama
www.nead.unama.br A visita foi breve, mas em compensação muito penosa para a rapariga. Não contava esta encontrar a mãe em tão negro e repulsivo estado de miséria; as acres fezes da existência tinham de todo corroído o que porventura ainda restasse de coragem na pobre vencida, cuja derradeira aparência de energia só na aguardente encontrava, agora por último, uns vislumbres de muleta. A desgraçada, quando logo pela manhã não bebia ó seu trago de cana, desabava para o resto do dia numa tristeza que a punha cismadora e demente. Ao ver entrar a filha no quarto, ela começou a chorar. Ambrosina correu a beijar-lhe a mão, e com um gesto pediu a Gustavo que se afastasse. O rapaz saiu, cerrando sobre si a porta, e, durante a abafada conversa das duas mulheres, ouvia-se o som dos passos dele, que lá fora passeava, à espera, por entre a récua de casinhas do cortiço. Ficou resolvido que Genoveva, com um nome suposto iria para a companhia da Condessa Vésper. Não foi sem repugnância que a infeliz, apesar de seu geral desfibramento, aceitou semelhante derivativo da miséria, mas esse pobres restos de dignidade não conseguiram vir à tona do lodo em que a triste mãe se aniquilava. Iria viver das migalhas dos bródios pagos pelos amantes da filha, e bem compreendia ela, coitada! o alcance de tão extremo recurso, porém que remédio, se lhe faltava agora o ânimo para tudo, até para deixar de existir? Já em caminho de casa, Ambrosina, fazendo-se muito íntima de Gustavo e sem largar da boca o nome da mãe, encarregou o rapaz com respeito a esta de várias delicadas incumbências. — Não a desampare, por amor de Deus!... dizia ela, segurando-lhe as mãos; faça com que mãezinha vá para junto de mim o mais depressa possível!... Se soubesse como dói na consciência a ter deixado chegar àquele estado!... O senhor é a única pessoa envolvida nisto... Não me abandone, que eu morreria de desgostos! Mãe, só temos uma na vida! lembre-se, meu amigo, que é uma filha que intercede aflita pela salvação de sua própria mãe! — Não me descuidarei, descanse! balbuciou ele, um pouco perturbado. — Ela prosseguiu: — A ninguém, a não ser ao senhor, seria eu capaz de falar deste modo... Veja como correm as lágrimas dos olhos! E levou às suas faces as mãos de Gustavo, demorando-as depois contra os lábios, como para lhe dar, com um ósculo de gratidão, humilde cópia de quanto a penhoravam aqueles serviços. — Mas que profunda confiança me inspira a sua pessoa!... segredou ela, acarinhando-lhe as mãos com os lábios. Nunca fui assim, creia, com mais ninguém, nem mesmo com, meu marido! Oh! se o senhor me abandonasse neste transe, nem sei o que seria de mim! — Não tenha receio — Se for preciso gastar, não meça despesas... olhe! o melhor será levar já algum dinheiro... Eu vim prevenida! — Não, não! Dir-lhe-ei ao depois o que gastar... — Obrigada! obrigada! Sei que o senhor vai ter incômodos e infinitos aborrecimentos, mas neste mundo devemos socorrer-nos uns aos outros, não é verdade? Oh! como seria eu feliz se algum dia lhe pudesse ser útil em qualquer 208
www.nead.unama.br cousa! Socorra minha mãe, e pode dispor de tudo que possuo! Disponha de mim! toda eu estou sua da ponta dos pés à ponta dos cabelos! — Muito agradecido, mas que exagero! Não vejo motivo para tanto! E Gustavo, sentindo agitar-se-lhe o sangue, afastou-se discretamente do corpo de Ambrosina, que ao dele se havia ligado inteiramente. — Ah! chegamos! exclamou o perseguido com um suspiro de desabafo. O carro havia com efeito parado à porta da Condessa. — Não se vá... disse esta ao moço, despedindo o cocheiro. Sinto-me tão abalada pela comoção, que receio ficar sozinha... Faça-me um pouco de companhia à ceia... É um favor que lhe peço. Juro que não o deterei por muito tempo!... Gustavo esquivava-se com desculpas e agradecimentos, sentindo-se quase ridículo. Ela o prendeu pelos braços, puxando-o para dentro do corredor. E, tomandolhe a cabeça entre as mãos, disse-lhe com o rosto encostado ao dele: — Não sejas tolo, meu amor! E com violento beijo, em que os dentes dos dois se chocaram, Ambrosina injetou-lhe no sangue o alucinante morbus da sua venérica luxúria. CAPÍTULO XLIII ENTRE GARRAS E a partir de tal momento, Gustavo nunca mais se possuiu. O leitor, que já sabe de quanto era capaz Ambrosina, poderá facilmente imaginar o que não teria feito esse formoso demônio para captar o amor do impressionável moço, e o modo pelo qual não ficaria este, de corpo e alma, seu escravo. Arrastado a princípio só pelos sentidos, depois atraído pelo sentimento e pelo hábito, pouco a pouco se foi o mísero convertendo em amant au coeur da Condessa Vésper. E tal situação lhe criava sérias dificuldades, porque, embora se recusasse Ambrosina aceitar das mãos dele qualquer dádiva de valor, impunha-lhe todavia a dignidade, ainda não vencida de todo, contrariar freqüentemente a generosidade da amante, o que para o infeliz representava verdadeiro sacrifício. D. Joana, a cujo cargo se achava Estela havia já cinco meses, embalde tentara chamar de novo o hóspede ao bom caminho. Gustavo, além de não realizar o casamento com a rapariga no prazo combinado, parecia disposto a sacrificar a pobre senhora, não pagando as atrasadas contas do que devia. Ela, por sua vez endividada com os fornecedores, revoltou-se afinal e declarou que, em atenção às circunstâncias, guardaria a órfã consigo, mas quanto ao outro, que não estava absolutamente disposta a continuar a dar-lhe casa e comida, antes da solvência dos seus próprios compromissos. 209
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A visita foi breve, mas em compensação muito penosa para a rapariga. Não<br />
contava esta encontrar a mãe em tão negro e repulsivo estado de miséria; as acres<br />
fezes da existência tinham de todo corroído o que porventura ainda restasse de<br />
coragem na pobre vencida, cuja derradeira aparência de energia só na aguardente<br />
encontrava, agora por último, uns vislumbres de muleta. A desgraçada, quando logo<br />
pela manhã não bebia ó seu trago de cana, desabava para o resto do dia numa<br />
tristeza que a punha cismadora e demente.<br />
Ao ver entrar a filha no quarto, ela começou a chorar. Ambrosina correu a<br />
beijar-lhe a mão, e com um gesto pediu a Gustavo que se afastasse.<br />
O rapaz saiu, cerrando sobre si a porta, e, durante a abafada conversa das<br />
duas mulheres, ouvia-se o som dos passos dele, que lá fora passeava, à espera, por<br />
entre a récua de casinhas do cortiço.<br />
Ficou resolvido que Genoveva, com um nome suposto iria para a companhia<br />
da <strong>Condessa</strong> <strong>Vésper</strong>. Não foi sem repugnância que a infeliz, apesar de seu geral<br />
desfibramento, aceitou semelhante derivativo da miséria, mas esse pobres restos de<br />
dignidade não conseguiram vir à tona do lodo em que a triste mãe se aniquilava. Iria<br />
viver das migalhas dos bródios pagos pelos amantes da filha, e bem compreendia<br />
ela, coitada! o alcance de tão extremo recurso, porém que remédio, se lhe faltava<br />
agora o ânimo para tudo, até para deixar de existir?<br />
Já em caminho de casa, Ambrosina, fazendo-se muito íntima de Gustavo e<br />
sem largar da boca o nome da mãe, encarregou o rapaz com respeito a esta de<br />
várias delicadas incumbências.<br />
— Não a desampare, por amor de Deus!... dizia ela, segurando-lhe as mãos;<br />
faça com que mãezinha vá para junto de mim o mais depressa possível!... Se<br />
soubesse como dói na consciência a ter deixado chegar àquele estado!... O senhor<br />
é a única pessoa envolvida nisto... Não me abandone, que eu morreria de<br />
desgostos! Mãe, só temos uma na vida! lembre-se, meu amigo, que é uma filha que<br />
intercede aflita pela salvação de sua própria mãe!<br />
— Não me descuidarei, descanse! balbuciou ele, um pouco perturbado.<br />
— Ela prosseguiu:<br />
— A ninguém, a não ser ao senhor, seria eu capaz de falar deste modo...<br />
Veja como correm as lágrimas dos olhos!<br />
E levou às suas faces as mãos de Gustavo, demorando-as depois contra os<br />
lábios, como para lhe dar, com um ósculo de gratidão, humilde cópia de quanto a<br />
penhoravam aqueles serviços.<br />
— Mas que profunda confiança me inspira a sua pessoa!... segredou ela,<br />
acarinhando-lhe as mãos com os lábios. Nunca fui assim, creia, com mais ninguém,<br />
nem mesmo com, meu marido! Oh! se o senhor me abandonasse neste transe, nem<br />
sei o que seria de mim!<br />
— Não tenha receio<br />
— Se for preciso gastar, não meça despesas... olhe! o melhor será levar já<br />
algum dinheiro... Eu vim prevenida!<br />
— Não, não! Dir-lhe-ei ao depois o que gastar...<br />
— Obrigada! obrigada! Sei que o senhor vai ter incômodos e infinitos<br />
aborrecimentos, mas neste mundo devemos socorrer-nos uns aos outros, não é<br />
verdade? Oh! como seria eu feliz se algum dia lhe pudesse ser útil em qualquer<br />
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