A Condessa Vésper - Unama
A Condessa Vésper - Unama A Condessa Vésper - Unama
www.nead.unama.br sensual, a lamber com língua de gata a rósea ponta dos dedos e a dar estalinhos com a língua contra o céu da boca. O médico mal tocava no prato por comprazer; dizia-se indisposto e começava, contrariado, a franzir as sobrancelhas; Ambrosina, porém, não desanimava e, enquanto comia e bebia, fazia-lhe infantis carícias e conversava alegremente. Palraram sobre a viagem no dia seguinte, veio a pêlo a famosa carta por ela dirigida a Gabriel, e Ambrosina a reclamou logo; queria queimá-la, para que não permanecesse vestígio do seu primitivo amor. Gaspar concordou e apressou-se a sacar a carta do bolso. Veio com ela de envolto uma fotografia. — E de alguma mulher?!... Deixa-ma ver! pediu Ambrosina, com grande empenho. — Qual mulher! É de um sobrinho meu... Aí a tem veja! Ambrosina ficou séria. o retrato era do rapaz que tão insolitamente a fitara à saída do Alcazar. — Quem é este sujeito?... — Um sobrinho meu, acabo de dizer. — Chama-se?... — Gustavo Mostella. — Ah! — É um excelente rapaz. Tem talento e tem caráter... — Não me parece boa... — Engana-se... — Muito antipático!... — Não acho... E Ambrosina ficou a olhar longamente para a fotografia; depois, atirou com esta para junto do prato de Gaspar e disse, espreguiçando-se:. — Ai! ai! Tenho um pouco de preguiça... — Quer que me retire? — Não. Que lembrança!... Quero ao contrário, que me deixes encostar ao teu colo... E, sem esperar pela resposta, estendeu-se no colo do médico. Este via-lhe os olhos cerrados a meio, via-lhe a boca entreaberta, a mostrar a pérola dos dentes, via-lhe a carnação deliciosa da garganta, a transparência da pele, o cor-de-rosa das narinas, e sentia-lhe o aroma dos cabelos; mas sua fisionomia não denunciou o menor abalo interior. A máscara do rosto conservou-se inalterável. — Estou meio tonta... segredou Ambrosina. Leva-me para a alcova, sim? Conversaremos lá... Mas, com uma idéia súbita, exclamou despertando: 194
www.nead.unama.br — Ah! É verdade! Fechaste a porta da rua? — Não decerto... — Espera então um instante... Dispensei os criados... Vou eu mesmo fechála, para ficarmos mais à vontade. — Não é preciso tomar esse incômodo... eu me encarrego disso agora ao sair. Adeus. E Gaspar ergueu-se, decidido irrevogavelmente a retirar-se, mas a rapariga não lhe deu tempo para fugir: com um gesto profissional e certeiro, passou-lhe os hábeis braços em volta do pescoço, grudando-se toda a ele e prendendo-lhe os lábios com os dentes. O Médico Misterioso ia arrojá-la de si, quando de súbito se arredou o reposteiro da entrada, deixando ver o vulto transformado de Gabriel, que, trêmulo e arquejante, olhos em fogo, os observava mas pálido que um cadáver. Um só grito se ouviu, feito da exclamação dos outros dois. Ambrosina, temendo-se em risco de uma agressão do ex-amante, fugiu para o interior da casa, e Gaspar precipitou-se no encalço de Gabriel, que observada a cena, deixara de novo cair sobre ela o reposteiro, e aos esbarrões se afastava pelo corredor. O médico quis ampará-lo nos braços, o rapaz, porém o repeliu com ímpeto, balbuciando entredentes cerrados pela cólera: — Desculpe-me ter vindo interrompê-lo nos seus íntimos prazeres... Não pude evitar a mim mesmo esta nova baixeza! Dou-lhe todavia a minha palavra de honra que não a cometi por aquela desgraçada, mas só pelo senhor, a quem eu supunha meu amigo e incapaz de tamanha infâmia! Não te iludas com o que viste! Eu tudo te explicarei, meu filho! — Proíbo-lhe que me dê esse tratamento! o senhor nunca foi meu pai, felizmente! E de hoje em diante nada mais há de comum entre nós! Afaste-se de mim! — Gabriel! — Não me toque, ou eu o esbofetearei! rua. E Gabriel, ganhando a porta do corredor, desgalgou a escada. — Ouve, meu filho! ouve-me por amor de Deus! exclamava o médico já na Mas o outro havia de carreira alcançado o carro que o esperava na praça, e mandava ao acaso tocar para a frente a toda força. CAPÍTULO XL A POBRE LAVADEIRA No dia seguinte, Gaspar, verificando que o enteado havia fugido do Rio de Janeiro, sem deixar rastos, sem a ninguém comunicar o destino que levava, meteu- 195
- Page 143 and 144: www.nead.unama.br todas aquelas pat
- Page 145 and 146: www.nead.unama.br — Coitadinha! d
- Page 147 and 148: www.nead.unama.br Gabriel não resp
- Page 149 and 150: www.nead.unama.br — Sua filha pod
- Page 151 and 152: www.nead.unama.br Dir-se-ia que tod
- Page 153 and 154: www.nead.unama.br — Decerto! sei
- Page 155 and 156: www.nead.unama.br Difícil seria pr
- Page 157 and 158: www.nead.unama.br Daí a nada, o mi
- Page 159 and 160: www.nead.unama.br moribunda. O cora
- Page 161 and 162: www.nead.unama.br insultar-te ainda
- Page 163 and 164: — É! havemos de ver... — Ora!
- Page 165 and 166: www.nead.unama.br Mas a idéia de L
- Page 167 and 168: CAPÍTULO XXXV O BOÊMIO www.nead.u
- Page 169 and 170: www.nead.unama.br — Que matérias
- Page 171 and 172: www.nead.unama.br — Sou suspeito
- Page 173 and 174: www.nead.unama.br longo canapé de
- Page 175 and 176: www.nead.unama.br consciência tran
- Page 177 and 178: www.nead.unama.br Ninguém seria ca
- Page 179 and 180: www.nead.unama.br o seu espírito m
- Page 181 and 182: www.nead.unama.br — Nada... é aq
- Page 183 and 184: Mas, em todo o caso, partiremos ama
- Page 185 and 186: www.nead.unama.br — Este é o Sr.
- Page 187 and 188: www.nead.unama.br — Ele não a le
- Page 189 and 190: www.nead.unama.br em que toca meu d
- Page 191 and 192: CAPÍTULO XXXIX A VEZ DA CIGARRA ww
- Page 193: www.nead.unama.br Esse sujeito, con
- Page 197 and 198: www.nead.unama.br de reformar o jar
- Page 199 and 200: — Venha para cá... disse uma voz
- Page 201 and 202: www.nead.unama.br meu trabalho, tra
- Page 203 and 204: www.nead.unama.br A semanária toss
- Page 205 and 206: www.nead.unama.br O noivo de Estela
- Page 207 and 208: www.nead.unama.br — Pois bem, à
- Page 209 and 210: www.nead.unama.br cousa! Socorra mi
- Page 211 and 212: www.nead.unama.br subserviente e tr
- Page 213 and 214: www.nead.unama.br instintos e de to
- Page 215 and 216: www.nead.unama.br "Foi então que c
- Page 217 and 218: www.nead.unama.br Gustavo despejou-
- Page 219 and 220: www.nead.unama.br O trágico desfec
- Page 221 and 222: www.nead.unama.br E ela, ao lado do
- Page 223 and 224: www.nead.unama.br recolheu à cama,
- Page 225 and 226: www.nead.unama.br — Eu te amo! Eu
- Page 227 and 228: www.nead.unama.br Ambrosina, as sua
- Page 229 and 230: www.nead.unama.br respondido às mi
- Page 231 and 232: www.nead.unama.br sonegues quando e
- Page 233 and 234: www.nead.unama.br Ao mercado, intei
- Page 235: www.nead.unama.br — Hein?! interr
www.nead.unama.br<br />
sensual, a lamber com língua de gata a rósea ponta dos dedos e a dar estalinhos<br />
com a língua contra o céu da boca.<br />
O médico mal tocava no prato por comprazer; dizia-se indisposto e<br />
começava, contrariado, a franzir as sobrancelhas; Ambrosina, porém, não<br />
desanimava e, enquanto comia e bebia, fazia-lhe infantis carícias e conversava<br />
alegremente.<br />
Palraram sobre a viagem no dia seguinte, veio a pêlo a famosa carta por ela<br />
dirigida a Gabriel, e Ambrosina a reclamou logo; queria queimá-la, para que não<br />
permanecesse vestígio do seu primitivo amor.<br />
Gaspar concordou e apressou-se a sacar a carta do bolso. Veio com ela de<br />
envolto uma fotografia.<br />
— E de alguma mulher?!... Deixa-ma ver! pediu Ambrosina, com grande<br />
empenho.<br />
— Qual mulher! É de um sobrinho meu... Aí a tem veja!<br />
Ambrosina ficou séria. o retrato era do rapaz que tão insolitamente a fitara à<br />
saída do Alcazar.<br />
— Quem é este sujeito?...<br />
— Um sobrinho meu, acabo de dizer.<br />
— Chama-se?...<br />
— Gustavo Mostella.<br />
— Ah!<br />
— É um excelente rapaz. Tem talento e tem caráter...<br />
— Não me parece boa...<br />
— Engana-se...<br />
— Muito antipático!...<br />
— Não acho...<br />
E Ambrosina ficou a olhar longamente para a fotografia; depois, atirou com<br />
esta para junto do prato de Gaspar e disse, espreguiçando-se:.<br />
— Ai! ai! Tenho um pouco de preguiça...<br />
— Quer que me retire?<br />
— Não. Que lembrança!... Quero ao contrário, que me deixes encostar ao<br />
teu colo...<br />
E, sem esperar pela resposta, estendeu-se no colo do médico.<br />
Este via-lhe os olhos cerrados a meio, via-lhe a boca entreaberta, a mostrar<br />
a pérola dos dentes, via-lhe a carnação deliciosa da garganta, a transparência da<br />
pele, o cor-de-rosa das narinas, e sentia-lhe o aroma dos cabelos; mas sua<br />
fisionomia não denunciou o menor abalo interior. A máscara do rosto conservou-se<br />
inalterável.<br />
— Estou meio tonta... segredou Ambrosina. Leva-me para a alcova, sim?<br />
Conversaremos lá...<br />
Mas, com uma idéia súbita, exclamou despertando:<br />
194