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www.nead.unama.br<br />
Esse sujeito, contra cuja vida lançava tão feia praga a formosa criatura, era o<br />
nosso altaneiro Gustavo, que naturalmente nem sequer suspeitaria ocupar naquele<br />
momento o endiabrado espírito da mulher mais espaventosa do alto coquetismo<br />
fluminense.<br />
Entretanto, a torre de São Francisco começava a derramar lugubremente no<br />
silêncio das ruas as doze badaladas da meia-noite, e por esse tempo o sombrio<br />
vulto do Médico Misterioso, cabeça baixa e passos tardios, tomava a direção da<br />
casa da <strong>Condessa</strong> <strong>Vésper</strong>, sem desconfiar que era por alguém observado e seguido<br />
a distância.<br />
Encontrou a porta da rua aberta e o corredor às escuras, entrou e subiu as<br />
escadas, sem olhar para trás!<br />
Lá em cima foi recebido pela própria Ambrosina, que, como acabamos de<br />
ver, se havia preparado intencionalmente para aquela entrevista.<br />
Vestia ela um amplo penteador de rendas transparentes, que deixavam<br />
adivinhar meia verdade do mistério das suas formas, calçava meia de seda listrada e<br />
chinela turca. Tinha os cabelos submetidos a uma trança única, que lhe caía nas<br />
costas como uma serpente viva, e os braços libertavam-se das fartas mangas do<br />
roupão e apareciam dominadores na sua pecaminosa nudez, apenas algemados por<br />
um par de pulseiras circassianas.<br />
Quando Gaspar penetrou na voluptuosa câmara, dubiamente iluminada por<br />
uma lâmpada cor de lírio, sentiu-se abalado por uma doce e estranha saudade, que<br />
o transportava suavemente às cenas da sua juventude. A memória de Violante<br />
assistiu-lhe ao coração de um modo doloroso e lúcido, e ele parou, comovido, a<br />
contemplar Ambrosina estendida no divã.<br />
A tentadora sorria, a fumar um cigarro de tabaco oriental, e, com um gesto<br />
delicioso, disse-lhe que corresse o reposteiro da porta e fosse assentar-se ao lado<br />
dela.<br />
O médico obedeceu, quase sem consciência do que fazia.<br />
— Estamos em completa liberdade, acrescentou Ambrosina, beijando-lhe as<br />
mãos. Podemos conversar de coração aberto...<br />
— Aqui me tem, balbuciou Gaspar. Vamos a saber o que me ordena...<br />
— Que não me fales desse modo... eis o que te ordeno antes de tudo...<br />
Quero-te mais camarada, mais íntimo, mais chegado a mim...<br />
E arrastou-se toda ela para ele, puxando para o seu colo a cabeça do<br />
médico.<br />
— Vamos... disse este, desviando-se; falemos do que importa... Deste modo<br />
não chegaremos a nenhuma conclusão!...<br />
— Há tempo!... contrapôs Ambrosina, quase ressentida. Façamos primeiro<br />
uma ceiazita à la bohême. Estou com apetite, e temos aqui mesmo o que trincar,<br />
sem precisarmos de ninguém.<br />
E, tapando com as mãos os ouvidos para não escutar os protestos da visita,<br />
correu a buscar a mesinha de laca, e ela mesma serviu ostras frescas, pão,<br />
espargos, morangos e champanha.<br />
Em seguida, fez Gaspar assentar-se à mesa e, pondo-se de novo ao lado<br />
dele, pediu-lhe que abrisse a garrafa, e ia já atacando as ostras, muito lambareira e<br />
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